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A fotografia da vida de Santa - CAP. 18

Nosso folhetim dramático encaminha-se para os últimos capítulos. A seguir o capítulo 18, mas logo, logo chegaremos ao desfecho final. Capítulo 18 As cores estavam esmaecidas. Paredes descascadas, velhas. Quando ele entrou e avistou a cena melancólica sentiu as pernas estremecerem e um rubor estranho percorrer-lhe o rosto. Aquele cheiro de coisa velha, mofada, o ar sofrido que o envolvia. Deu meia volta, pensando em fugir, mas desistiu. Parou na porta, segurando o marco, talvez para evitar afastar-se de vez. Seus olhos estavam perdidos. Não queria ver aquela coisa dissoluta que se transformara a sua casa. A sua vida, o seu passado. Entrou devagar atravessando a sala em direção ao corredor que desembocava numa área que outrora fora verde. Quem sabe, respiraria melhor, ali. Seu coração estava agitado. Suas mãos suavam. Procurou por alguma coisa no quarto. Sim, o quarto, antes de chegar a área. Era o seu quarto. Aproximou-se da cama, deitou-se e ficou olhando para o teto

SOBRE O FILME "UM MESTRE EM MINHA VIDA"

Um mestre em minha vida é um filme de 2011, com 83 minutos de duração, baseado na peça teatral de Athol Fugard chamada “Master Harold and the boys”. Tanto o filme quanto o livro receberam o mesmo título, no Brasil. Vamos falar um pouquinho sobre o autor da peça, um renomado dramaturgo sul-africano, que vivenciou todos os horrores do apartheid e incluiu este tema em muitas de suas peças, inclusive nesta, acenando para a gama de sentimentos que revela o ser humano desnudo em suas percepções da vida. Ao contrário do que se possa deduzir em situações conflitantes, extraordinárias e limites, o homem age de modo natural, capaz de amar e odiar, em que pese às circunstâncias desfavoráveis. Através de um discurso inconfor mado e eivado de lutas de resistência ao apartheid, Athol Fugard tenta refletir as transformações das relações pessoais através do contexto político-social. Afinal, o homem é produto do seu meio e age em conformidade com seus sentimentos arraigados e obsessivos, inter

A fotografia da vida de Santa - CAP. 9

No capítulo anterior, quando Linda começou a revelar o que motivara Santa a fazê-la permanecer na reunião, Sandoval teve um mal súbito interrompendo-a. Após a intervenção médica e constando-se que ele não tinha um problema grave, Santa ameaçou-o que se ele não contasse aos filhos sobre o fato que o relacionava à revelação de Linda, ela cumpriria a missão que se propusera. A seguir o nono capítulo de nosso folhetim dramático. Capítulo 9 Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/m%C3%ADstico-árvores-nevoeiro-misty-918502/Unsplash Sandoval levanta-se da cama e caminha pelo quarto em extrema ansiedade. De repente, a estabilidade de sua família está a perigo. Santa intervém na vida de todos com uma finalidade que não lhe parece nada espiritual, ao contrário, é cheia de vingança e desejos moralistas. Mas o que fazer para impedir que leve adiante esse delírio? As últimas palavras da mulher ecoam em sua cabeça, colocando em suas mãos a decisão de propor uma nova reunião.

As divagações e sonhos de Marina

Seus pés pequenos mergulhavam, solitários, na água morna. O sol ardia, escaldante, nas têmporas. Mas aquele minuto de sol significava mais do que tudo que precisava fazer. Quase deslizava na água. A ponta dos dedos observavam mariscos, a areia da praia que afundava na pressão do calcanhar, as pequenas conchas que teciam a rede de espumas que se espalhava. Era lindo e ela sabia disso. Suas pernas finas e ágeis davam, de vez enquanto, pulos, como uma rã em busca de insetos. E assim, passavam a correr, mal pisando a água clara e morna, limpando a planta dos pés, deixando-as mais brancas ainda. Os pés e as pernas eram escuras, como o resto do corpo, mas as plantas eram claras, tão claras que tinha a impressão que as tinham pintado. Agora estavam quase murchas. O sol a pino produzia gotas de suor na testa ampla. Os olhos grandes, argutos, analisavam apenas o que lhe convinha: o conviver com o que a natureza oferecia. E não era pouco. Ali ficou, nos saltos e em cada um, vislumbrava um

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 1º CAPÍTULO

Talvez não fosse o momento adequado para Rosa participar da reunião pela formação do novo coral da igreja. Estava decepcionada com o andamento das coisas. Nem mesmo Pe. João parecia muito entusiasmado com a ideia. Estavam tão acostumados com os velhos munícipes que a chegada do pessoal da nova hidrelétrica parecia um tanto incomum. Eram pessoas diferentes, tinham hábitos estranhos que não condiziam com os aceitos pela comunidade. Na verdade, a maestrina Rosa sabia que se tratava de puro preconceito. Aquela cidade pequena e conservadora não aceitava nada que destoasse de seus princípios. Uma coisa, porém a deixava feliz: a presença de Raul, um membro não participante dos cultos religiosos, mas que se tornava a cada dia mais integrado ao grupo. Era simpático, sempre pronto a apreender os acordes novos, as diferentes nuances das músicas e aceitar presumíveis críticas. Era, além de tudo, muito entusiasmado com a nova tarefa que abraçara. Rosa tinha certa atração por ele. Não propriamen

A GOTA DERRAMOU

Sabia o quanto ainda o esperaria. Guardou os chinelos, desfez-se do roupão e deu uma arrumada na casa. Tinha consigo que precisava cumprir o método. Rotina. Repetida, contínua, perfeita. Não devia se prestar a devaneios, a pensar coisas que não se referissem à família. Bem que pensava em si, às vezes. Pensava numa vida fulgurante, cheia de brilhos, luzes ofuscantes nos olhos cinzentos. Como seus olhos poderiam ter um tom assim? A mãe, via de regra, a chamava de olhos de gato. Achava-a, no fundo, estranha. Mas que fazer, se até sua mãe a criticava com tanta acidez. A vida lhe parecia dura, às vezes. Era uma mulher perfeita: boa mãe, ótima esposa, excelente dona de casa. Não era uma mulher de seu tempo. Não trabalhava fora, como as amigas. Amigas? Muito poucas, aquelas que sobraram dos bancos de escola, das poucas baladas que participara, das noites de verão, quando ficava na casa de uma tia, lá em Florianópolis. Eram dias felizes, em que conhecera rapazes diferentes dos de sua c

PÁSSARO INCAUTO NA VIDRAÇA - CAPÍTULO I I

HOJE TERÇA-FEIRA, 12 DE JANEIRO DE 2016, PUBLICAMOS O SEGUNDO CAPÍTULO DE NOSSO FOLHETIM DERRAMADO. ESPERO QUE GOSTEM E CONTINUEM LENDO A SEQUÊNCIA DOS CAPÍTULOS. Capítulo 2 _Pois não? _A senhora é dona Úrsula? Tive vontade de responder, sim, tal como a matriarca dos Cem anos de solidão do Gabriel Garcia Marques. Mulher de fibra, mesmo cega, se mostrava forte, valente. Mas não disse nada. Talvez nem conheça o livro. As jornalistas de hoje em dia são feitas a martelo, como dizia o meu pai. Ele sempre se queixava dos ajudantes. Detestava gente incompetente. _Desculpe, não entendi o que disse. Não disse nada, só pensei. Às vezes, penso demais e falo de menos. Também, nesta solidão em que vivo. Costumo falar com minhas plantas. Certamente, me dão mais atenção do que qualquer jornalista interessada em bisbilhotar. Desculpe, Rita, às vezes sou assim, ingrata. _E quem é você? _Meu nome é Susana Medeiros. Nos falamos ao telefone, lembra? _Sim, mas falei com tantas pessoas. E não a co

O DOCE BORDADO AZUL - 28º capítulo e 29º (ÚLTIMO CAPÍTULO)

A seguir os dois últimos capítulos de nosso folhetim. No 28º capítulo, Laura revela-se à filha e no último, em sequência, são guardadas as melhores emoções. Capítulo XVIII O vulto na janela Lúcia parou em frente da igreja do convento. Há tantos anos misturava-se entre aqueles prédios, passeava pelos jardins com a intimidade de seus sentimentos. Visitava vielas, aprofundava-se em seus encantamentos, observando, às vezes, o pôr-do-sol que se precipitava nos espaços que se abriam entre os muros. Hoje, porém movia-se sob um impulso quase incontrolável, induzida por uma sensação nova de bem-estar, disposta a entrar e quem sabe fazer uma prece, encontrar-se consigo. Não havia sofrimento. Tinha a alma leve e a impressão de que devia cultivar esta plenitude que poucas vezes sentira. Entrou na capela que estava na penumbra. Observou a iluminação fraca em decorrência dos raios de sol beijando os últimos bancos. Estava em completa solidão. Aproximou-se um pouco, olhou para

A casa caiada de branco

Observava minha mãe andando de um lado para o outro. Parecia ansiosa. Punha umas roupas sobre a cama, examinava-as com cuidado, afastava-se do quarto, espiava pela janela. Chamava-me a atenção. Exigia que me arrumasse também. A vizinha aparecia, brejeira e eufórica. Cabelos muito loiros, tingidos. Voz fina, esganiçada. Olheiras pesadas sob os olhos. Saíram as duas, eu seguindo-as, chutando pedra, caminhando por entre os trilhos do bonde, minha mãe pedindo que saísse, era perigoso. Esquecia rápido as recomendações. Meu olhar, em seguida se detinha na velha casa caiada de branco, postigos verdes, de janelas sempre cerradas, aspecto meio sombrio. Minha mãe suspirava curto. Eu longo, na expectativa do desconhecido, no sorriso infantil da descoberta. A vizinha requebrava com a bolsa branca pendurada no braço. Minha mãe esfregava as mãos, suadas. Entramos, a porta quase não se abriu. Tudo em penumbra, pessoas que se mexiam pelos cantos, a sala completamente ocupada. Começaram os cân