
Um mestre em minha vida é um filme de 2011, com 83 minutos de duração, baseado na peça teatral de Athol Fugard chamada “Master Harold and the boys”.
Tanto o filme quanto o livro receberam o mesmo título, no Brasil.
Vamos falar um pouquinho sobre o autor da peça, um renomado dramaturgo sul-africano, que vivenciou todos os horrores do apartheid e incluiu este tema em muitas de suas peças, inclusive nesta, acenando para a gama de sentimentos que revela o ser humano desnudo em suas percepções da vida.
Ao contrário do que se possa deduzir em situações conflitantes, extraordinárias e limites, o homem age de modo natural, capaz de amar e odiar, em que pese às circunstâncias desfavoráveis.
Através de um discurso inconformado e eivado de lutas de resistência ao apartheid, Athol Fugard tenta refletir as transformações das relações pessoais através do contexto político-social. Afinal, o homem é produto do seu meio e age em conformidade com seus sentimentos arraigados e obsessivos, internalizados desde a tenra idade. No entanto, através da emoção e do sentimento, ele pode romper esta conjuntura adversa.
Tanto na peça, quanto no filme, a história mostra as relações inter-raciais durante a época do apartheid, na África do Sul, neste caso, nos anos 50.
Os personagens principais são Hally (Freddie Highmore), um adolescente que cresceu na companhia afetuosa de Sam (Ving Rhames) e willie (Patrick Mofokeng), dois garçons negros que trabalham na Casa de Chá de sua mãe, na cidade de Port Elizabeth.
Os dois empregados da Casa de Chá experimentam a realidade hostil do sistema de segregação racial, em cuja estrutura a sociedade criara bancos de praça exclusivos para homens brancos, enquanto que as casas dos negros deveriam ser construídas em bairros distantes.
Entretanto, os dois personagens negros convivem com esta situação tirando o proveito através de suas tendências artísticas pela dança, capazes de cultivar uma abertura particular neste espaço marginalizado, onde podiam conviver em paz.
Esta relação sadia impressiona o adolescente, de tal forma que os momentos em que Sam e Hally estavam juntos foi de extrema satisfação e conhecimento interior.
O mundo é hostil, mas eles sabiam desanuviar as dificuldades, contribuindo para um relacionamento saudável e próspero.
Entretanto, embora Hally, o adolescente e Sam, o garçom, sejam muito amigos e confidentes, a educação discriminatória de Hally o conduz a retomar o preconceito arraigado, motivado por um acontecimento fútil, sendo capaz de ofender e subjugar o amigo da maneira mais cruel e desumana.
Deste modo, ocorre o conflito da peça e do filme, pois todo o afeto compartilhado é destruído em segundos, dando margem a uma série de confrontos, revelando ao público as nuances psicológicas dos personagens.
Se por um lado, o adolescente Hally está convencido de que é forte, autoritário e seguro, por outro se sente atordoado, amedrontado e cheio de remorsos pelos sentimentos obtusos que experimenta.
Sam ao contrário, é firme e parcimonioso em seus sentimentos, dotado de paciência e experiência que o lapidaram como um homem confiante e seguro, mas tanto quanto o amigo adolescente, sente-se abandonado e triste, com dificuldade em retomar a amizade fragilizada.
Os diálogos de Sam, Hally e Willie (que aos poucos mostra uma personalidade inesperada, no decorrer da trama) são bem construídos, passando ao espectador uma verdade, que o faz experimentar as mesmas dores.
Não se tira os olhos, nem o pensamento, nem o coração da tela. Tudo é tão perfeito e verdadeiro, que as palavras fluem tal como a chuva torrencial que cai lá fora, vista pelas vidraças embaçadas da Casa de Chá (aqui, uma metáfora, entre a realidade glamorosa dos brancos e o cotidiano “apagado” e sem encanto dos negros).
A atmosfera triste da chuva, por sua vez, destaca a amargura dos personagens.
Na verdade, o sofrimento de Hally se justifica pela intolerância racista do pai, que ao mesmo tempo em que expõe Sam e Willie a humilhações, através de piadas de mau gosto, também o envergonha por ser um homem desajustado e fraco, consumido pelo álcool.
Hally sente-se dividido entre a inabilidade em lidar com os sentimentos em relação ao pai, a concordância submissa da mãe e o encontro com o novo mundo, cheio de vida e alegria ao lado dos amigos que o viram crescer.
Novamente, ao final, a chuva mostra os dois mundos que se dividem, a chuva lá fora, fria e densa, atrapalhando o percurso de Hally na bicicleta.
Talvez esta corrida na chuva signifique além do sofrimento e do remorso de perder o amigo, um batismo para uma nova vida, lavado pela água que lhe encharca a roupa e empoça as ruas.
Na Casa de Chá, através das vidraças embaçadas, o ruído forte da chuva faz coro para a dança de Sam e Willie.
Serão dois mundos que se separam ou que se completam dali para a frente?
Uma estrada paralela que se afasta ou uma encruzilhada que os une?
É um filme emocionante, repleto de descobertas e perspectivas a serem refletidas.
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