Levantar cedo pode ser um sacrifício. Embora o sol exuberante da manhã fria de outono, embora o vai e vem das crianças rumo à escola e seus alaridos que mais parecem gorjeios matinais. Embora o café aplumado, o sanduíche na medida certa, o sabor dos vapores e dos sorrisos, o bom humor dos que acompanham, dos que ficam ao lado, dos parceiros. Pode ser um sacrifício. Levantar pode ser desastroso.
Embora o avançar das horas, o começo da meia manhã, o início dos trabalhos, o esperar o ônibus, o atravessar a ponte, o chegar na cidade vizinha, o encontrar o prédio, o elevador, a porta da sala, o médico. A espera. Os momentos de conversa, uma visita aqui, outra ali no celular. O olhar alienado do paciente, a conversa sem nexo da mulher do paciente, a resposta desatenta da secretária. Um começo de assunto. Um tema interessante. Viagens. Em seguida, alguém silencia. O grupo aumenta e o burburinho fica menor. Todos atentos no celular. A TV obsoleta.
Um olhar mais atento ao cenário e a fantasia do escritor se assanha. Alguém levanta e espia pela janela. Um homem informa a situação climática, cada vez mais problemática no mundo. Outros entram na roda e se mostram inconformados com as medidas contra a humanidade, que parece ser o objetivo final dos governos. A política é praticada com argumentos sob todos os aspectos e todos respeitam o tempo e o ponto de vista de cada um.
Na verdade, desde a frase “Um começo de assunto” até a expressão “o ponto de vista de cada um”, tudo é ficção. Apenas processo de criação, pois o celular silenciou o ambiente. Mas, enfim as boas novas. Tudo bem com a saúde. Um cuidado aqui, outro ali, nada muito importante. A conversa no elevador. O cafezinho na portaria. A temperatura amena. O sol lá fora. A espera do Uber. A volta para casa.
Levantar cedo pode ser terrível, mesmo que tudo dê certo, que a manhã avance, que a tarde chegue e que a natureza se movimente devagar dando vazão à beleza diurna. Levantar pode ser um sacrifício para todo notívago e que venha a noite.
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