Certa vez, em uma disciplina de um curso de pós-graduação em linguística, avaliamos uma série de adjetivos ou substantivos adjetivados que soam lisonjeiros para os homens e ao contrário, para as mulheres produziam conotação pejorativa, pois a própria palavra utilizada possui juízo de valor, tanto para um lado quanto para o outro. Estas distorções linguísticas são foco de vários estudos de cursos de pós-graduação e muito bem explanadas em vários artigos. Sabe-se entretanto, que a língua é apenas um instrumento que é fruto da cultura dos cidadãos de um país.
Estes adjetivos constituem metáforas que desquafilicam o sujeito feminino e qualificam o masculino. Se não, vejamos alguns exemplos, que foram exaustivamente avaliados em vários trabalhos, mas que cabe aqui, identificá-lo en passant. O adjetivo vadia, para a mulher tem a ver com promiscuidade, assim como vagabunda. No caso do homem, o termo vagabundo ou vadio, tem a abordagem do trabalho, mas pode incluir também um significado positivo, como garanhão, altamente elogioso na nossa sociedade. No caso de se chamar um homem de cão, ou cachorrão, pode haver uma conotação negativa, mas nunca no aspecto sexual. Inclusive, ser um "cachorrão"", infere aspectos positivos, dependendo do contexto. Mulher chamada de cadela, no entanto é considerada uma prostituta. A desqualificação feminina se dá sempre no âmbito da sexualidade. Mulher aventureira, pistoleira, da vida ou galinha (puta). O homem aventureiro, que viaja, que arrisca, pistoleiro, um matador, homem da vida, que adquiriu sabedoria, o galo é aquele que tem um orgasmo rápido e certeiro. O adjetivo puto pode vir, além da conotação sexual, com vários significados como nervoso, irritado, bravo. Fulano está puto da vida. No caso feminino, esta última conotação é menos usada. Chamar um homem de cavalo, pode designar um indivíduo grosseiro, sem educação. No caso da mulher, chamá-la de égua, designa meretriz. O homem que é um touro, é aquele forte, bravo, fogoso e robusto. Uma mulher vaca é a mulher leviana, aquela que aceita qualquer homem. O homem chamado de lobo é o considerado sanguinário, a mulher loba é uma meretriz, o mesmo caso de mariposa. Piranha designa uma mulher de vida licenciosa, meretriz. Estas metáforas zoomórficas são destacadas por E. V. Leitão, em 1988, no livro " A mulher da língua do povo" (LEITÃO, E.V., 1988).
Mas esta desqualificação da mulher ocorre também em relação às pessoas de etnia negra (homens e mulheres), em virtude da cor, através de uma herança cultural que sempre marginalizou os negros. Para tanto, observa-se, não adjetivos, mas metáforas produzidas por expressões cotidianas que constroem um verdadeiro dicionário. Outro dia, li um texto de Setephanie Ribeiro, no site do Pragmatismo Político, que emumerava 13 expressões que ela considerava formadoras do racismo contemporâneo. Vou descrever algumas aqui, na tentativa de relacioná-las com a desqualificação feminina observada anteriormente. Umas delas, é "serviço de preto” expressão utilizada para associar a um trabalho desleixado. Remonta ao passado escravocrata, quando afirma que o negro era malandro, negligente e seu trabalho era ruim. Outra expressão é “morena, mulata“ seguidos de "tipo exportação”. Neste caso, embraquece-se a pessoa, transformando-a em morena ou mulata, e o pior "tipo exportação", no meu ver, seria sugerir uma aceitação da mulher negra pelo estrangeiro. Uma venda do material humano, como um objeto no mercado. Uma terceira expressão é aquela “não sou tuas negas”. Neste caso, a frase deixa explícito que com as negras, tudo é possível, e com as demais não se pode fazer o mesmo, lembrando o comportamento de assédio e estupros com as mulheres negras escravizadas. “Cabelo ruim, cabelo duro, etc.”para designar características do cabelo afro como algo pouco estético, fora dos padrões europeus. “Nasceu com o pé na cozinha”, neste caso, a expressão indica as origens das mulheres negras, associadas aos serviços domésticos, já que as escravas podiam ficar na cozinha e, inclusive, segundo a autora, dormiam ali mesmo.
Percebemos enfim, que vale a regra do poder reacionário, escravagista, machista e branco sobre as categorias analisadas. Tanto a mulher quanto a etnia negra, tem a desvantagem de apresentar estereótipos que os desqualificam como sujeitos. Não se pode dizer que há preconceito em relação à mulher, mas sim que todos os adjetivos são frutos de cultura machista e retrógrada que sempre privilegia o homem, principalmente no aspecto sexual, no qual a mulher é sempre inferiorizada. No caso das expressões que investem contra o negro, percebe-se aqui um franco racismo, muitas vezes disfarçado na terrível expressão “alma de branco”, que o autor também destaca. Para estes, lembro daquela música “alma não tem cor” de André Abujamra, cantada por Chico César, Zeca Baleiro, pelo grupo Perota Chingo, entre outros.
"Alma não tem cor
Porque eu sou branco?
Alma não tem cor
Porque eu sou preto?
Você conhece tudo
Você conhece o reggae
Você conhece tudo
Você só não se conhece”
Fonte:
LEITÃO, E. V. A mulher da língua do povo. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988.
PEREIRA, Edilene Machado; RODRIGUES, Vera. Amor não tem cor?! Gênero e raça/cor na seletividade afetiva de homens e mulheres negros(as) na Bahia e no Rio Grande do Sul. In: https://www.abpn.org.br/Revista/index.php/edicoes/article/viewArticle/87
RIBEIRO, Stephanie. 13 expressões racistas que precisam sair do seu vocabulário. In: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/05/13-expressoes-racistas-que-precisam-sair-do-seu-vocabulario.html
http://blogueirasnegras.org/author/stephanie/
ZAMPARONI, Valdemir D. Os estudos africanos no Brasil. In: Dhttp://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=522
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