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Mostrando postagens com o rótulo romance

A CASA OBLÍQUA - CAP. XVIV

Clara acordou ainda recordando a visita à Dona Luisa. Tinha a impressão de vê-la assim, tão próxima, que a imagem ficava na retina e custava a dissipar-se. Mas agora, devia tomar suas providências. Assumir o que de fato lhe pertencia: o apartamento ao lado. Não deixaria que o tomassem, principalmente pessoas que nunca a procuraram, que nunca se importaram com a sua vida. Muito menos, Cida, uma sem-teto, que agora cismava em surgir à janela, desafiando-a. Levantou-se com uma tontura que a atingia e a deixava sem tino, como se desconhecesse os caminhos de sua casa. Esforçou-se em tomar um banho rápido para acordar-se de vez. Antes de despir-se, Clara ainda avistou os livros atirados no chão, cópias de artigos espalhadas e a monografia por fazer. Sentiu um empuxo como se aquela visão a obrigasse a retornar à realidade. Foi só um segundo. Deu de ombros, desleixada. Passou pelos objetos, chutando-os, como se os retirasse para sempre de sua vida. Avançou para o banheiro e organizou

A CASA OBLÍQUA - CAP. XVIII

Hoje prosseguimos nosso folhetim rasgado “A casa oblíqua”que mostra a vida de duas mulheres diferentes, mas que em datas distintas tiveram experiências muito parecidas: Clara e Luisa. Entretanto, parece que Clara a cada dia, confunde o seu presente com o passado da amiga e começa a tomar o seu lugar, numa história que não é sua. No capítulo passado, Clara lembra a conversa que tivera com Luisa, que falava sobre uma fotografia. No capítulo a seguir, temos a história de Luisa apresentada, desde o momento que dirigira-se à igreja, como mencionara à Clara. A seguir, o capítulo XVIII. Luisa fizera o percurso, reservada, procurando manter-se calma. Saymon não devia ter se atrevido a sair de casa, em meio a tantas ameaças. Ele além de arriscar a sua vida, com a possibilidade de ser descoberto e entregue às autoridades militares, colocava em perigo a segurança de sua família, o emprego do pai, que apesar de todas as contrariedades, o havia acolhido em sua casa. No fundo, Luisa es

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO XIV

Clara acordou e já não se reconhecia como a mulher centrada e responsável que era. Estava arrependida por ter tomado uma atitude impensada, moldada pelo momento, inspirada nas confidências e a confiança que aumentava com a convivência com Nael. No entanto, não devia deixar que as coisas acontecessem daquela maneira. Ela já havia sofrido muito, já se frustrara demais com Bruno. Não podia cair na mesma armadilha da paixão, da ilusão de que estava apaixonada, de que iriam construir um futuro juntos. Não, ela não devia se iludir daquele modo, como uma adolescente, principalmente depois de tudo que havia passado. Além disso, Nael não era um homem que poderia levar consigo ao cinema, fazer compras no shopping, casar, ter filhos. Era um homem marcado, um clandestino, que devia à justiça de seu país e permanecia ilegalmente no Brasil. O tempo se esgotava rapidamente e mais dia, menos dia, estariam à cata dele, como um criminoso e ela estaria seriamente prejudicada. Foi aí, que teve uma idéia,

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO XIII

Um retrato em preto e branco. Cenário romântico. Luisa sentada num banco de praça. Vestido branco, gola em vê, enfeitada com uma corrente de ouro, com uma pequena medalha que lhe caía no colo. As pernas juntas, oblíquas, numa postura comportada. No ângulo detrás, um lago e patos enfiando a cabeça sob a água escura ou passeando garbosos, pontos brancos em movimento. Rápidos, aos olhos inquietos de Clara. Ele, a sua frente, com a máquina fotográfica, fazendo dela a sua musa. Aqueles rolos deveriam estar no baú, que nunca tivera acesso. Cida tomara conta, desfizera o segredo que aos poucos fora acalentado por Luisa. Odiava aquela mulher que a subjugara aos seus caprichos, tomando conta do que lhe era de direito. Imaginou que aquela fotografia deveria ter sido tirada por Saymon, numa tarde de primavera, talvez a mesma que Luisa lhe narrara com pormenores e tão cheia de emoção. E tudo acontecera tanto tempo depois da noite fatídica em que o salvara e por ele sofrera a discriminação da f

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO XII

Com o passar do tempo, as coisas pareciam se ajustar, embora as circunstâncias não favorecessem em nada à tranquilidade de Clara. Se por um lado, Cida subitamente desaparecera do prédio, por outro, as investigações se tornavam cada dia mais intensas. Entretanto, não havia nenhum indício que pudessem associar o evento à Clara. Tinha a impressão, entretanto de que a tempestade se aproximava lentamente. O mar estava aparentemente calmo e um abrasamento do ar que se resumia em comportamentos estranhos que davam o que pensar. Gustavo, por exemplo, afastara-se dela, tratando-a, inclusive com absoluta indiferença. Os demais colegas também mantinham uma determinada distância, como se fossem orientados para agir assim. De qualquer forma, Clara procurava não pensar nestas atitudes, despendendo todas as suas energias no trabalho e na elaboração de sua monografia. Preocupava-se exclusivamente com o fim de semana que chegava e tentava prosseguir a sua rotina, envolvendo-se em compras de vestuário

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO IX

Capítulo IX Clara temia que os fatos acelerassem alguma atitude extrema que precisasse tomar. Não podia abandonar Nael à própria sorte, mas ao mesmo tempo, sentia-se constrangida pela revelação de Cida. A sua situação se agravava, arriscava-se a ser parte de um processo administrativo que poderia afastá-la do trabalho, inclusive ser demitida. Na verdade, sentia-se uma tola, por ter deixado que os sentimentos sobrepujassem a razão, a ética profissional e os seus deveres de funcionária. Mas por outro lado, aquela situação havia preenchido uma lacuna de sua existência. Resgatando a liberdade de Nael, estava resgatando também um pouco de sua liberdade, sua condição de mulher, que se sentira ultrajada. Estava tão frágil e dependente quanto ele. Talvez por isso, tomara a decisão sem compromisso com a realidade. Ele por sua vez, estava envolvido em muitas dificuldades e lutava, como ela, para sobreviver. Percebera a maneira aflita de Clara, após a conversa com Cida. Mostrara-lhe o

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO VIII

Capítulo VIII Clara estava satisfeita com o resultado das pesquisas e o desenvolvimento da dissertação. Estava no caminho certo. Almoçou na universidade e trouxe uma marmita para Nael. Voltou para casa, estacionando à frente do prédio. A temperatura aquecera um pouco e ela foi se desfazendo das roupas ainda no carro. Tirou o casaco, já havia se desfeito das luvas, ficando apenas com o cachecol. Ela desceu rapidamente, cumprimentou a síndica que se preparava para sair exatamente quando ela abria a porta. Tratava-se de uma senhora de baixa estatura, caminhar arrastado e voz grave. Costumava olhar sempre para o alto, embora o interlocutor fosse da mesma altura. Raramente encarava a pessoa, e quando o fazia, olhava de soslaio, parecendo preocupada com alguma coisa alheia a sua vontade. Clara a achava estranha, mas não se preocupava muito com isso. Percebeu que ela queria falar-lhe alguma coisa, por isso perguntou do que se tratava. — Pois é verdade, eu queria falar com voc

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VII Ao acordar na manhã seguinte, o primeiro pensamento que ocorrera à Clara se referia à conversa que tivera com Nael. Durante todo o tempo, teve a impressão de que eram velhos conhecidos, embora a dificuldade da língua. Não podia se furtar aos pensamentos que se dispersavam, estava inquieta, motivada pelo diálogo que mantiveram tão animados. Entretanto, não era uma inquietude que se traduzisse em ansiedade, ao contrário, sinalizava uma convicção de que agira corretamente. Já de banho tomado, colocou as lentes de contato, ritual de todas as manhãs e guardou cuidadosa, os óculos na bolsa que levaria para a Universidade. Antes de sair do quarto, acessou seus e-mails. Nada de novidade, a não ser as mensagens de seu orientador, algumas newsletters que a encaminhavam a textos de artigos de revistas ou jornais e muito lixo eletrônico. Ela não se concentrava em nada. Pensava nas expressões peculiares de Nael, no seu jeito amistoso de falar, no esforço de se fazer entender.

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO VI

Agora, porém Clara não poderia voltar atrás, nem abandonar o estrangeiro à própria sorte, além do que estava comprometida até a raiz dos cabelos.   No momento em que decidira ocultá-lo das autoridades, tornava-se cúmplice de qualquer ato ilícito que ele houvesse praticado, além de ferir a ética profissional. Ela arriscara o seu emprego que a habilitava a prosseguir os estudos e manter a situação financeira regular que possuía.   Clara estava preocupada, quando o viu aparecer na porta do gabinete. Teve a estranha sensação de reconhecer nele uma pessoa conhecida, como se fosse um de seus pares, um colega da faculdade, um companheiro de infância. Mas havia algo singular : o sorriso franco, o olhar penetrante, o gesto afetuoso de quem pede ajuda e reconhece com gratidão.  Via nele uma alma instigante, mais do que um homem que agora lhe parecia bonito, vestido naquelas roupas emprestadas, no blusão que comprara, inclusive os sapatos esportivos, que sem dúvida, ficaram enormes em seu