sábado, novembro 12, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 19

Capítulo 19

No carro, faz-se um silêncio pesado. Parece que nenhum dos dois sabe o que dizer. Fernando porém ensaia alguns temas como o próprio trabalho, o tempo em que ficou desempregado e a proposta da tia para trabalhar na casa de Santa. Alfredo parece entediado. Não lhe interessa aquele assunto, muito menos falar sobre a vida profissional de Fernando.

Fernando conclui, satisfeito:

— Parece que somos amigos há muito tempo. Engraçado, quando há empatia, o assunto flui, não é mesmo?

Na verdade, não era o que estava acontecendo entre os dois, mas Alfredo concorda. Por fim, pergunta:

— Não acha que devemos parar num bar? Como lhe disse, seria bom conversarmos com mais calma.

Fernando sorri, confiante. Em pouco tempo, estão num bar, tomando uma cerveja.

— Então, me diga, o que é que você queria me dizer?

— Não sei, Fernando. É que sou um homem muito solitário.

— Mas nós não somos amigos. Sou apenas o jardineiro de sua mãe.

— Há pouco tempo, você disse que havia empatia entre nós.

— É verdade, mas… deixa pra lá. Não precisamos de um motivo para tomar uma cerveja, não é mesmo?

— Tem um motivo.

— Como assim?

— Você sabe que venho observando-o há algum tempo, deve ter percebido, não?

— Olha aqui, Alfredo, só quero lhe dizer uma coisa: eu não sou gay.

— Meu Deus, o preconceito é uma coisa terrível.

— Não, eu não tenho preconceito, se tivesse, não estaria neste bar, desculpe a franqueza, conversando com você.

— Você acha que dou pinta?

— Não, você parece mais macho do que muito cara que conheço, mas todo mundo sabe…

— Não se trata disso, Fernando. Não tem nada a ver com orientação sexual. Na verdade, eu nunca pensei em ter um caso com você, se é isto que o está afligindo.

— Ah, sim.

— Como disse, eu venho observando você, além disso, você sabe, sou advogado. Sei que não é uma coisa muito honesta, mas no meu meio, sabe-se de tudo.

— Que eu fui presidiário?

— É verdade. Eu sei tudo sobre a sua vida, sei também que você matou um homem.

— E o que isso tem a ver com o nosso papo?

— Quero que você me ajude. Acho que você é a única pessoa com quem posso contar.

— E o que você quer de mim?

Alfredo entorna o copo, sentindo a bebida gelada escorrer-lhe pela garganta. O suor empapa-lhe o colarinho da camisa. Por um momento, tem a sensação de que está conversando com a pessoa errada, na hora errada, mas agora não há como recuar. Solta o copo e abre um pouco a camisa, enquanto olha fixamente para Fernando.

— Sei que as coisas estão difíceis para você. Olhe, eu não tenho nenhuma intenção de prejudicá-lo, só falei isso porque você precisava saber com quem está lidando. Não podia simplesmente fingir que somente o conhecia como o jardineiro de minha mãe.

— Muito bem, até aí, eu concordo. Mas não entendi qual é a sua intenção.

— Bem, na verdade, eu preciso de um favor.

— Um favor? De repente, todo mundo precisa de um favor meu.

— Por que você diz isso?

— Nada. Esquece.

Alfredo faz uma pausa, pensativo. Em seguida, pergunta se Fernando não quer outra bebida.

— Você não acha que está bebendo muito para quem está dirigindo?

— É verdade, mas você não quer repetir a dose?

— Não. Gosto de beber com amigos, desculpe. Acho que esta já é de bom tamanho.

— Acho que você tem razão. É a segunda vez que afirma que não somos amigos.

Fernando fica calado, olhando para o copo. Alfredo prossegue, um tanto ansioso.

— Claro, claro, não faz diferença.

— Meu amigo, não enrola. Me diz como posso ajudá-lo.

— Preciso explicar-lhe com calma. O assunto é delicado.

Fernando decide pedir outra cerveja, considerando que o assunto será longo. Faz o pedido e o garçom se aproxima, trazendo a bebida em seguida. Alfredo então, põe as cartas na mesa.

— Bem, Fernando, a minha família está passando por um momento muito complicado. Vou resumir a parte que interessa e depois, vejamos como você pode me ajudar.

— Você se refere a sua mãe?

— Um pouco sobre ela sim, mas o problema maior é o meu pai.

— Seu Sandoval?

— Ele está com uns planos malucos, está sendo desonesto com minha mãe e eu preciso ajudá-la de qualquer maneira. Não vou deixar que a considerem louca.

Fernando lembra-se da conversa que tivera com Santa e do segredo que ela lhe confiara. Teria a ver com o que Alfredo falava neste momento?

— E o que você quer que eu faça?

— Quero que dê um susto no meu pai. Não quero matá-lo, não faria isso, mas quero que ele desapareça por uns tempos.

— Cara, eu não sou bandido. O que está havendo hem, todo mundo ta querendo me ferrar, é isso? Eu estou em liberdade condicional, querem que eu volte pra cadeia?

— Escute, Fernando, você vive naquela casa, praticamente todo o dia. Sei que desde que foi para lá, tem ficado na casa dos fundos, junto com Linda. Você deve estar a par de tudo.

— Eu vou sair de lá. Você sabe para onde estou indo agora.

— Tudo bem, você vai voltar para a casa que era de seus pais, mas continuará trabalhando em minha casa.

— Como assim, um susto?

— Eu pensei muito quando você pretendeu se mudar. É uma casa abandonada, num lugar afastado. Eu quero que você o leve para lá, por uns tempos, até que eu resolva todos os problemas de minha mãe.

— Você quer que eu sequestre o velho?

— Sim, mas será por um mês.

— Você não parece advogado, né, a menos que queira me ferrar mesmo! Então não sabe que toda a polícia vai procurar o velho na minha casa? Será o primeiro local que procurarão.

— Não, ninguém o procurar, não se preocupe, porque direi que ele decidiu viajar. Invento qualquer coisa em relação à empresa. Não se preocupe, não acontecerá nada com você.

— Que família desgraçada, hem!

— Por que diz isso?

— Porque a sua mãe também está planejando contra o velho.

— Como assim?

— Contra ele e minha tia. Parece que os dois estão de conluio, estão querendo enlouquecer ela, foi o que me contou. Então, ela quer que eu descubra tudo e consiga provas para mostrar a vocês, a toda a família o que eles estão aprontando.

— Meu Deus, eu tinha razão. Meu pai quer ficar com toda a fortuna, sozinho.

— Mas tem mais coisa aí, você sabia que seu pai tem um filho com Linda? Foi o segredo que sua mãe me revelou.

— Miserável! Eu não sabia de nada!

— Os dois tem um plano, mas não sei ainda se estão juntos por conveniência ou por que minha tia o chantageou.

— Então, o meu plano tem muito mais razão de existir. Este canalha não pode ficar impune!

— Mas o que você pretende fazer com o sumiço do velho?

— Nesse meio tempo eu pretendia provar que minha mãe é uma pessoa lúcida e capaz. Não posso deixar que ele participe do processo, porque vai moldar a situação de acordo com seus objetivos. Mas, agora sabendo o que sei, que você me disse, o caso muda de figura.

— Por que?

— Porque é muito mais grave do que eu pensava. Nós sumimos com ele e você aperta com sua tia. Nós vamos provar que os dois estavam planejando se livrarem de minha mãe.

— Eu não posso fazer nada contra minha tia, porque ela me ameaça, me joga na cadeia novamente.

— Mas você pode fingir que não sabe de nada e começa a se preocupar com ela, perguntar coisas. Não pode enfrentá-la, apenas. Tem que ser cínico.

— E o que eu ganho com isso?

— Eu posso lhe dar um bom dinheiro, é isso que interessa, não é mesmo?

— E o que eu faço com a proposta de sua mãe?

— Faça a sua parte, descubra tudo com a sua tia, não é o que ela quer?

— Sim, inclusive sobre os remédios. Sua mãe desconfia que minha tia está lhe dando calmantes fortíssimos, para que se esqueça das coisas.

— Muito bem, faça isso. E faça o que lhe pedi, tenha certeza que só tem a ganhar.

— E como vou fazer isso? Eu já lhe disse, eu errei uma vez, fiz uma burrada, acabei matando um homem, mas não sou um bandido. Eu não quero voltar pra prisão!

— Só tem uma maneira: fazer a coisa certa. Pode deixar, eu vou ajudá-lo.

Fernando coça a cabeça, intrigado.

quinta-feira, novembro 10, 2016

Como se desenvolve a criação

Quando escrevo, procuro difundir ao máximo as ideias pertinentes à história que está sendo construída.

Entretanto, os caminhos se diversificam e aos poucos, percebo que se algum preceito ou ponto de vista está na tentativa de ser disseminado, não passa desta etapa, porque a história segue um rumo quase determinado pelo crescimento ou não dos personagens.

Nada de extraordinário, apenas uma reflexão no fazer literatura, que, via de regra, pensamos ter as rédeas do texto nas mãos, mas o conteúdo foge de acordo com a imaginação e criatividade.

Na verdade, aí é que se dá a literatura, uma forma diferente de ver o mundo, de representar a realidade e não apenas mostrá-la com precisão jornalística.

Às vezes, torna-se necessário a desconstrução do texto para produzirmos o tão falado estranhamento, que pode trazer ao leitor a reflexão do tema que tratamos.

No entanto, a coisa deve surgir com naturalidade, sem acomodar muito a história a ponto de torná-la artificial.

É preciso saber unir a história que queremos contar com o desejo de chegar ao coração e à mente do leitor, sem vilipendiar nossos sentimentos e concepções de vida.

quarta-feira, novembro 09, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 18

Nosso folhetim dramático encaminha-se para os últimos capítulos. A seguir o capítulo 18, mas logo, logo chegaremos ao desfecho final.

Capítulo 18

As cores estavam esmaecidas. Paredes descascadas, velhas. Quando ele entrou e avistou a cena melancólica sentiu as pernas estremecerem e um rubor estranho percorrer-lhe o rosto. Aquele cheiro de coisa velha, mofada, o ar sofrido que o envolvia. Deu meia volta, pensando em fugir, mas desistiu. Parou na porta, segurando o marco, talvez para evitar afastar-se de vez. Seus olhos estavam perdidos. Não queria ver aquela coisa dissoluta que se transformara a sua casa. A sua vida, o seu passado.

Entrou devagar atravessando a sala em direção ao corredor que desembocava numa área que outrora fora verde. Quem sabe, respiraria melhor, ali. Seu coração estava agitado. Suas mãos suavam.

Procurou por alguma coisa no quarto. Sim, o quarto, antes de chegar a área. Era o seu quarto.

Aproximou-se da cama, deitou-se e ficou olhando para o teto. Estava tudo sujo, com teias de aranha e um cheiro de mofo que exalava dos cantos úmidos.

As palavras de Santa ainda martelavam em sua cabeça. Sabia que precisava ficar de um lado e estava com muitas dúvidas.

Fernando recostou-se na cabeceira e segurou a cabeça com as mãos. Por que sofria tanto, afinal a tia não significava muito para ele, a não ser que o havia ajudado a trabalhar naquela casa. Fizera-lhe um bem, é verdade, mas estava sempre ao seu encalço, rondando com uma certa ameaça, dizendo-lhe que um dia precisaria dele e que não poderia falhar. Se não a ajudasse, muito mais do que perder o emprego, seria perder a liberdade.

Na verdade, ela o usava, mas deixava o barco correr. Não podia fazer nada mesmo, estava bem daquele jeito. Tinha um trabalho, ninguém o incomodava.

Mas agora, havia aquele segredo que ele sabia e que talvez pudesse livrá-lo de seu jugo.

Por outro lado, teria de ajudar a patroa e fazer o que lhe pedira. Tinha que pensar.

Fazia tempo que não dormia naquela casa, que um dia fora de sua família e que agora estava abandonada.

Fazia tempo que não retornava ao seu quarto, às suas coisas, que deixara para trás, quando fora preso.

Ele agora senta-se na cama e revira as gavetas do criado mudo. Uma série de papéis, documentos, bulas de remédio. Talvez ainda houvesse alguma droga, mas não era isso que precisava naquele momento.

Levanta-se então e procura numa cômoda, abre várias gavetas e numa delas, encontra um embrulho com um elástico envolvendo-o.

Abre-o devagar, pensativo. Sabe do que se trata. Rasga o papel e retira uma arma, examina-a, engata o silenciador e fica apontando-a na direção da janela. Talvez precise usá-la.

Atira-se na cama novamente, e aponta várias vezes para o teto.

De repente, seus olhos se anuviam e sente uma forte raiva por Linda, ao mesmo tempo em que detesta Santa.

Afinal, as duas estão manipulando-o para conseguir os seus objetivos. O que ele nem desconfiava é que a tia tivera um filho no passado com o patrão. Onde estaria este rapaz?

O celular dá um alarme do whatsApp. Desbloqueia rapidamente a tela e vê a imagem de Alfredo surgir instantânea.

Pensa se deve responder-lhe. Fica em silêncio.

Em seguida, decide tomar a iniciativa que vinha protelando. Responde a mensagem. Alguns segundos depois, ele informa o endereço.

Solta o celular ali mesmo, na cama e sorri.

Quem sabe, as coisas podem melhorar para o seu lado, pensa.

Há tempos, o filho de dona Santa o olha de um modo estranho que parece convidá-lo a alguma coisa proibida.

Ao mesmo tempo em que se aproxima, também se afasta e o deixa entre os jardins, como se fosse um acessório que devesse observar e talvez achar bonito.

Algumas vezes, trocaram algumas palavras, nada demais, mas percebia em seu olhar uma intensidade que produzia muitas interrogações, nunca respondidas. Quem sabe, estava na hora de descobrir e encontrar um caminho para a sua vida que não estava nada tranquila, ultimamente.

Fernando já estava pensando em ir embora, quando tocaram a campainha.

Foi até a porta da frente e abriu-a para Alfredo, que o olhava angustiado.

Convidou-o a entrar, mas Alfredo exitava, dizendo que estava confuso e talvez fosse melhor conversarem noutro lugar.

— Mas qual é o problema? Esta casa era de meus pais, eu morei muito tempo aqui, agora estava abandonada e estou decidido a vir para cá. Por que você não quer entrar?

— Não é isso, quero dizer. Acho que deveríamos sair para um lugar público. Quem sabe, tomarmos uma cerveja.

— Do que é que você tem medo?

Alfredo olhou para os lados. Na esquina, um homem parecia observá-lo, caminhando pela calçada e voltando para o que ele supunha ser uma farmácia. Tudo, no entanto, parecia deserto.

— Eu não tenho medo de nada. É que nós nos vemos na casa de minha mãe, trocamos uma ou duas palavras, aliás, pouco vou lá.

— Mas então, o que você quer de mim?

Alfredo estremece. Olha novamente para esquina e observa que o homem se afastou em definitivo. Prossegue, ansioso:

— Você sabe, conversar um pouco. Mas acho que me enganei, forcei a barra com você, me desculpe, acho que fui longe demais.

— Não, espere, onde quer ir? Eu vou com você.

Alfredo se surpreende e responde, um pouco mais calmo:

— Estou com o carro aí na frente.

Fernando responde que é só o tempo de fechar a casa. Ao entrar, reflete no encontro que tivera com Santa e agora enfrenta o filho.

Sorri. Parece que a família está fechando o cerco.

Devem ter bons motivos para procurá-lo, principalmente Alfredo, pensa irônico.

Guarda a arma no bolso da calça e após fechar a casa, corre na direção do carro.

Alfredo o espera, sorrindo.

sexta-feira, novembro 04, 2016

A redação, a Apollo 11 e o grêmio literário

Eu estava à cata de informações para uma redação, na imaturidade de meus 13 anos.

Os acessos eram difíceis, embora houvesse os jornais, a TV, as revistas e principalmente a imaginação.

Naquele julho de 69, a Apollo 11 era a primeira missão de sucesso, com Neil Armstrong pisando na lua e surgindo nas telas da TV, numa imagem entrecortada de chuviscos e emoção.

Eu elaborara a redação com cuidado, tentando ser o mais verídico possível, sem ser previsível.

Naturalmente não possuía esta percepção de previsibilidade, mas por pura intuição, eu tentava ser original, no esforço de transformar o texto num produto bem elaborado.

Enveredava sempre que podia, pela imaginação, transportando meu mundo interior fundamentado na fantasia do espaço para o papel, procurando decifrar a perspectiva que possuia no avanço espacial.

Aquela nave maravilhosa, desenhando no céu uma centelha de luz, trazendo a nós, terráqueos, uma visão tão próxima da lua, com a certeza de que os astronautas pisavam pela primeira vez no solo inatingível.

Desta forma, realizei a redação, se não a melhor, uma das melhores de minha carreira de estudante.

Certo dia, o diretor da escola, um frade austero, de olhar frio e perscrutador, adentrou a sala, invadindo a aula de português.

Nosso professor, Irmão PL. recebeu-o com cortesia.

Um meio sorriso nos lábios, uma ansiedade contida, um torcer de mãos sob a batina branca, talvez na mesma expectativa em que estávamos mergulhados.

Ele era alto, cabelo ralo, nariz adunco, mãos grandes e dedos peludos. Tinha um olhar tranquilo, mas havia neles uma interrogação, que me inquietava.

Talvez não exatamente por sua conduta, mas pela minha maneira peculiar de observar as pessoas e considerá-las um produto promissor para minhas histórias.

Eu fiquei circunspecto, sem muita expectativa, a não ser imaginar que o assnto que levara o diretor à sala de aula, seria algum tipo de norma reformulada ou talvez um feriado religioso, no qual participaríamos em alguma solenidade.

Eu, magro, mãos sobre a mesa, olhar atento, cabelo caído na testa, a la Beatles, observava o cenário já meio enfadado.

Meus colegas cochichavam, faziam mil esforços intelectuais para descobrir o motivo do diretor aparecer assim, de súbito.

De repente, ele manifestou-se através de uma fala burocrática, citando a turma que, segundo ele estava bem orientada na aula de língua portuguesa , deu os conselhos de praxe e por fim, citou o meu nome.

O meu nome? Perguntei-me atônito, a que se referia.

Claro que perguntei mentalmente, sem abrir a boca ou piscar os olhos.

Alguns segundos e o diretor pediu que eu me levantasse.

Obedeci, pernas trêmulas, joelhos batendo um no outro, coração aos pulos.

Não sabia o que pensar, o que dizer, o que imaginar.

Nem passava pela minha mente confusa, qualquer indagação que não fosse uma temerosa culpa por alguma conduta indevida.

Ele então, mandou que eu sentasse, o que fiz de imediato, deixando cair os braços sobre a carteira, mãos presas na caneta, desenhando quase involuntário no caderno, tentando fugir daquela atmosfera de incerteza.

Ele prosseguiu elogiando a redação que eu fizera, acrescentando que havia sido muito bem avaliada pelos professores e que, em virtude da qualidade do texto seria publicada no jornal da cidade.

Quando afastou-se, os colegas todos me olharam, juntamente com o professor, que parecia abalado, pois nada dissera a respeito. Nem me cumprimentara.

Houve mil brincadeiras e muitos apelidos, culminando por me chamarem de poeta.

Para eles, qualquer um que escrevesse razoavelmente era um poeta.

Ou talvez fizessem uma leitura pejorativa, realçando que a sensibilidade não era prerrogativa de meninos. Não sei. Coisas que talvez Freud explicasse. Afinal, era um tempo de uma ideologia tecnicista, na qual as artes e filosofias foram excluídas.

No intervalo, as brincadeira se sucediam, mas eu estava feliz, porque o meu texto fora analisado, elogiado e comprovado publicamente que tinha qualidade.

Com o passar do tempo, eu tinha ainda mais ânimo para escrever, não somente as redações obrigatórias da escola, como outras histórias, que criava em total liberdade de meus pensamentos e imaginação.

Neste período, elaborava contos ou imensos romances, pontuados de ação, aventura e emoção, abrangendo deste modo, os sentimentos que imaginava aos personagens e suas tramas.

Era uma dramaturgia intuitiva e repleta de clichês, mas que ampliava a minha imaginação e de certo modo, o conhecimento literário, além de ampliar o gosto pela leitura.

Nos sábados, em que se realizava o grêmio literário da escola, costumávamos assistir os trabalhos feitos pelos colegas, cujas diversas turmas se reuniam e havia muitas apresentações, com a participação dos professores de português e inclusive de outras disciplinas que confraternizavam com os seus alunos.

Geralmente, alguns pais convidados também faziam parte da plateia.

Enumeravam-se poesias, crônicas e contos, que apresentados em sala de aula, e considerados os melhores trabalhos, eram apresentados à comunidade escolar.

Em determinado momento, o professor que apresentava os alunos, chamou um dos meus colegas de turma.

Todos ficamos aguardando na expectativa da apresentação.

Era um menino de cara rechonchuda, vermelha e um sorriso imenso nos lábios, considerado o guri popular da turma.

Já aplaudido pelo grupos de alunos e pais, abriu uma página datilografada e antes que se pronunciasse a respeito do tema, o professor anunciou tratar-se de uma redação sobre a chegada do homem à lua, ou seja, a Apollo 11.

Meu coração revirou-se, em saltos.

Os colegas voltaram-se de imediato para mim, criticavam e afirmavam que se tratava de minha redação, o que implicava em eu estar lá, no palco, lendo-a.

Perguntavam afoitos, por que eu não dizia nada?

O menino começou a ler, voz clara e bem colocada. Não modificou nenhuma palavra, nenhum artigo, nenhuma pausa.

Meu coração sim, quase pausava.

Meus lábios tremiam, tensos, incapazes de pronunciar uma sílaba sequer, músculos paralisados, pernas cravadas no chão, como estacas inanimadas.

O professor de português, ao nosso lado, impassível. Não foi capaz de informar que aquele texto havia sido escrito por mim. Não fora capaz de defender-me.

Como eu, no meio daquele público de adultos e crianças, poderia sair gritando que a tal composição era minha, que havia sido inclusive publicada no diário da cidade e elogiada pelo diretor da escola?

Não teria coragem para tanto.

Ali, conheci a mão pesada do apadrinhamento, da covardia dos mestres, do interesse dos superiores.

Deixaram-me na lona, Davi perdido, sem enfrentar nenhuma fera ou qualquer gigante.

Perdido, acabrunhado e triste.

Ali, conhecera a duras penas, o significado de plágio. Mais do que o plágio, a predileção por um aluno em detrimento do outro.

Se ao menos, nomeassem o autor do texto, eu me conformaria, mas todos os créditos foram para ele. Todos os louros. Todos os aplausos.

Pra mim, sobrou o constrangimento de não ter me levantado contra aquela injustiça.

Sobrou a crítica dos colegas, por meu acanhamento.

Sobrou a autocrítica por minha fraqueza.

Felizmente, sobrou também a vontade de lutar, de mostrar ao mundo o meu fazer literário, sem o medo do fracasso, pois se ocorrer, será somente meu.

Mas como tudo é aprendizagem e sublimação, a mágoa se transformou em representação na narrativa literária e só existe para vestir um personagem.

terça-feira, novembro 01, 2016

O piquenique

Aquela noite seria longa, mas provavelmente eu tenha caído no sono em seguida. A manhã chegou tão rápida que me ocupei de minhas coisas de modo a não perder um detalhe, a não esquecer a bola de vôlei, o estilingue e os guides.

A mala era pequena, eu não tinha aquelas mochilas modernas, não, era uma mala esquisita de lona e papelão.

Quando levantei, às 6 horas mais ou menos, tudo estava pronto, ou quase pronto à mesa, pois a condução que nos levaria ao passeio sairia às 7:30 horas.

Minha mãe se desdobrava em fazer o lanche e mais do que isso, dar os habituais conselhos. Não pega muito sol, te cuida dos lugares perigosos, olha os precipícios, fica sempre atento e não te afasta do grupo, muito menos da professora. Ela será o teu guia.

Não precisava de tudo aquilo, mas era de praxe.

As horas passavam rápidas, mas a escola ficava apenas quatro quadras de minha casa. Nada que fosse atrasar-me.

Eu estava ansioso. Ouvia com uma mão na mala e outra na xícara, atento ao que meu coração dizia, avesso ao discurso de minha mãe. Aliás, a preocupação dela era exasperante para qualquer mortal, mas para mim, que ouvira aquele lero-lero desde a noite anterior ou talvez a semana toda, era demasiado.

Certamente, todas as mães fazem a mesma coisa, todas engrossam o caldo das lamentações, dos medos, dos avisos e finalmente dos abraços e beijos, numa disposição enfática para que tudo dê certo, que o piquenique seja maravilhoso e que os filhos voltem sãos e vivos.

Minha mãe, é claro, não fugia à regra.

Meu pai, a esta hora, já estava longe, a caminho do trabalho e minhas irmãs nem sonhavam em levantar-se, ocupadas em que estavam em seus sonhos de adolescente.

Já eram praticamente sete horas quando tudo estava pronto.

Minha mãe insistiu em levar-me até a escola, tinha recomendações a fazer à professora, informar-se sobre horários e prováveis eventos durante o percurso, paradas no meio do caminho, horário para almoçar, os infinitos perigos que poderiam rondar os despreparados meninos, principalmente o dela, e ter a certeza absoluta que tudo correria bem.

Fui implacável, entretanto. Afinal era um menino de 10 anos, ela que me deixasse sozinho que eu me acomodava do meu jeito.

Fiz de tudo, até promessas que agiria de acordo com o que ela tinha recomendado, que faria o lanche na hora certa, evitaria os precipícios e principalmente que obedeceria à professora.

Tanto insisti, que ela concordou, desanimada, talvez refletindo se devia aceitar o meu pedido.

Foi o suficiente para eu pegar a mala, ajustá-la em meu corpo mirrado e correr para a rua em direção à escola.

Ela não me deixou chegar ao portão.

Abraçou-me, beijou-me, encheu-me de recomendações, aquelas mesmas que havia insistido em carimbar em minha mente, que a estas alturas estava conturbada pela ansiedade.

Depois dos abraços, afastei-me devagar. Ainda ouvi a sua voz desejando uma boa viagem e a sugestão que eu sentasse mais ou menos na metade do ônibus, porque era mais seguro. Na frente, sabe Deus, o que pode acontecer. Em caso de acidente, o primeiro que é atingido... parou aí. Acho que temeu prosseguir a frase e que o vaticínio involuntário acontecesse.

Então, sorriu e me acenou do portão.

Fui quase correndo em direção à escola. Estava feliz. Meu coração dizia que seria um piquenique daqueles!

Era o meu dia de liberdade, de ação, de vida e nenhum daqueles avisos ainda martelavam na minha cabeça.

Entretanto, chegando próximo à escola, para ser exato, faltando uma quadra, o ônibus repleto de alunos começou a mover-se, fazendo uma curva e dobrando em seguida na direção contrária ao meu movimento.

Meu coração bateu assustado.

Corri feito louco, tentando ocupar o lugar que era meu, o dia que se apresentava a mim, a vida que se desenrolava naquele veículo.

Ainda ouvia a cantoria das crianças, quando o ônibus dobrou na esquina.

Cheguei na escola desesperado e sem que dissesse nada, ouvi o porteiro anunciar que o ônibus esperara 20 minutos. O horário correto era às 7:00 e não às 7:30 como havia pensado.

Na verdade, pensei em tudo. Tive todas as recomendações do mundo. Só errei a hora da saída do ônibus.

À tarde, o veículo passou na esquina de casa, abarrotado de crianças ainda com toda a energia, cantando. Eu chorei.

Os dez textos mais acessados no mês de outubro ( 02/10 a 31/10/16)

1º. AS AULAS DE DONA MARINA

2º. O menino e o livro

3º. Webrádio de qualidade, com a melhor programação

4º. Trabalho voluntário no Hospital Psiquiátrico: uma provocação para a vida

5º. A margem oposta

6º. A fotografia da vida de Santa - CAP. 13

7º. Meu pai, a jawa e o Irmão Cassiano

8º. A fotografia da vida de Santa - CAP. 11

9º. A fotografia da vida de Santa - CAP. 9

10º. Alguns aspectos do filme “A

pele em que habito” de Pedro Almodóvar

Fonte da ilustração: fotografia do poeta e escritor Wilson Rosa da Fonseca.

As mulheres e as redes sociais

Pensando em minhas amigas das redes sociais e em centenas de mulheres que me cercam, surge uma série de sentimentos, em cascata, na tentativa de compreender as mulheres, ou pelo menos as diferenças que nos distinguem.

Diriam alguns que me conhecem, que falo de cadeira, visto que moro com duas mulheres (aqui vale esclarecer, uma esposa e uma filha).

Na minha família pregressa, o grupo feminino compunha-se de três mulheres, contando com minha mãe.

No colégio, entre amigos homens, havia sempre uma amiga confidente, a qual talvez tivesse a faculdade de decifrar outros horizontes, acenando para assuntos literários, culturais e políticos, temas proibitivos aos meninos, entre o jogo de bola e a autoafirmação da adolescência.

Na Universidade, nos cursos que ingressei, havia poucos homens. Em Letras, éramos ao cabo do curso, apenas três homens.

Na biblioteconomia, bem nesta área, além de haver muitas mulheres na sala de aula, havia a predominância do sexo feminino em todos os setores, na biblioteca.

Hoje, as coisas mudaram um pouco, e como no grupo de monges da idade média, os bibliotecários timidamente vão assumindo seus cargos.

Ao ingressar, algum tempo atrás, o grupo era formado tipicamente por mulheres, o que significa dizer que me habituei ao comportamento feminino. Tenho, inclusive, a pretensão de que as conheço, embora não consiga entender na maioria das vezes, as suas atitudes, cujos meandros tornam as situações um pouco confusas.

Às vezes, desconfio que percebo suas aspirações mais profundas, entretanto, sei que sou completamente ignorante aos seus verdadeiros interesses.

Por certo, sou enrolado por elas, porque eu e qualquer homem, desculpem a generalização, não consegue atingir o entendimento de uma mulher de modo integral. Talvez somente o Ronnie Von, com a sua elegância e desprendimento quase materno tenha esta faculdade.

As mulheres são capazes de nos surpreender a cada momento.

Isso não é mistério, nem para elas. Ao contrário, conhecem a tudo e a todos.

São afetuosas, corajosas, inteligentes, religiosas ou não, bregas ou refinadas, alegres ou melancólicas, amantes, amigas nas redes sociais, e ao mesmo tempo são tudo isso na vida real.

Não há nenhum descalabro nisso, o estranho seria se fossem diferentes.

Enquanto nós homens, nos policiamos para declarar qualquer coisa (a não ser os insensatos ou deslumbrados), elas abrem o verbo a toda hora e se posicionam abertamente, mesmo que derramem lágrimas e se mostrem fragilizadas ou deem risadas online ou se recolham ao recato absoluto.

São elas que participam intensamente do nosso dia a dia.

Tem uma capacidade ímpar para odiar e outra para amar indistintamente.

Enquanto que nós nos amparamos em verdades solidificadas, alicerçadas em patamares seguros e nos vestimos de armaduras, elas se revelam na mais primitiva alegria ou mais genuína tristeza.

Por outro lado, nos bandeamos para realidade, de um modo resguardado e tímido. E se o fazemos com alguma singularidade que demonstre afeto ou alegria, ainda nos perguntamos, quem é aquela pessoa mesmo? É meu amigo na rede? É minha parceira no projeto online que discutimos juntos?

As mulheres, ao contrário, conhecem todos os amigos das redes sociais, dos amigos dos amigos e dos que ainda pretendem se cadastrar!

Além do mais, encontram-se no dia seguinte, falam de mil coisas ao mesmo tempo, vão da pequena tragédia da esquina de casa, ao embate com o marido preguiçoso ou ao chá de panela da amiga, transitando pelo trabalho na biblioteca.

Nós nos enredamos no primeiro encontro dos amigos virtuais.

Nem sabemos quem são, na verdade e se o reconhecemos, lembramos de um personagem que nos deparamos na rede, dissociado do ser real a nossa frente.

Trocamos nomes, esquecemos fisionomias e lembramos fatos de outrora que nem são adequados, na maioria das vezes, ao momento daquele encontro banal.

Para completar, ainda somos desligados no dia a dia, não sabemos fazer duas coisas ao mesmo tempo, somos ansiosos e atemporais.

Enquanto as mulheres se alinham na fila correta para o lugar adequado nas palestras, por exemplo, nós ainda estamos nos perguntando quem se apresenta lá.

É, elas tem tino apurado nos relacionamentos sociais, sabem se esgueirar com agilidade e elegância entre as diversidades de comportamento. Uma façanha pra nós. Uma qualidade habitual para elas.

Nós, somos mais duros e restritos.

Talvez amemos tanto quanto elas, talvez sejamos tão afoitos em sermos felizes quanto elas, mas sem dúvida, elas tem a singularidade de se dividir em várias facetas, enquanto nos perdemos na maneira restrita de encarar as situações.

Cabe aqui uma piada, que adaptei livremente, de acordo com o contexto representativo do universo masculino.

“Contam que num velório de certo internauta, havia meia dúzia de amigos. Conversavam entre si, ensimesmados, até que um deles perguntou à esposa:

— Mas ele não tinha tantos amigos, onde anda este pessoal? Se não me engano, eram mais de 500 amigos no facebook!

Ela respondeu, resignada:

— São todos virtuais.”

Por esta e por outras, as mulheres possuem a capacidade de armazenar a qualidade nos seus conteúdos online.

São softwares de imensa segurança em hardwares precisos.

Por certo, não são os proprietários, feitos numa forma certinha, restrita a determinados aplicativos.

Devem ser software livres, de conteúdo aberto, sem modelo padrão, capazes de se metamorfosear e buscar a condição de serem felizes.

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/tablet-dedo-not%C3%ADcias-mulher-menina-1716296/

A fotografia da vida de Santa - CAP. 16

No capítulo anterior, após o desmaio, Santa não conseguiu comentar com Linda sobre a conversa que tivera, na qual ela havia negado o próprio passado, pois voltou a sentir-se mal. No dia seguinte, porém, estava decidida a fazer alguma coisa, que deixava Linda preocupada. Pedira para falar pessoalmente com o jardineiro, o sobrinho de Linda. A seguir o décimo sexto capítulo de nosso folhetim dramático.

Capítulo 17

Ao chegar no gabinete, o jardineiro mostrava-se preocupado por ter sido convocado pela patroa. Sentou-se numa cadeira, sentindo-se desconfortável. Santa, no entanto, parecia muito segura e com uma intenção objetiva.

— Bem, Fernando, o que tenho a lhe dizer é bem simples e fácil de resolver.

— Eu fiz alguma coisa errada, dona Santa?

— Não, você não fez nada errado, não se preocupe. Ao contrário, gostamos muito de seu serviço.

— Então, não estou entendendo porque a senhora me chamou aqui.

— Por que vocês acham que sempre que são chamados é para serem advertidos?

Ele tentou responder, mas ela o interrompeu, prosseguindo o assunto que pretendia tratar:

— O que eu pretendo de você Fernando é uma coisa que deve ficar em absoluto segredo. Você não pode contar para ninguém, até chegar a hora, nem mesmo para a sua tia Linda.

— Que coisa estranha, dona Santa. Desculpe falar assim, mas é que ninguém me pediu um segredo, principalmente em se tratando da patroa.

— Então me diga, Fernando, por que está aqui?

— Como assim? Eu preciso trabalhar.

— Eu sei, todos precisam, principalmente agora com esta crise econômica, com tanto desemprego.

— Pois então, é por isso.

— Mas você não precisava estar aqui como um jardineiro. Você poderia trabalhar dentro de sua profissão.

— Não sei o que a senhora quer dizer, dona Santa. – Neste momento, ele se mostra nervoso, movendo as pernas num gesto quase involuntário. – Santa prossegue, incisiva. – Você é um engenheiro, Fernando.

Ele não diz nada, mas empalidece rapidamente. Santa aproveita para complementar com mais ênfase:

— Você poderia trabalhar numa empresa de construção, sei lá. Por que está aqui, volto a perguntar. Qual é o seu interesse em trabalhar como jardineiro, recebendo um salário modesto. Quero que seja muito sincero, Fernando.

— Bem, dona Santa, acho que depois da nossa conversa, com certeza vai me mandar embora.

— Vai depender da sua honestidade. Quero que abra o jogo.

— A senhora sabe que sou sobrinho da Linda, e que ela a convenceu a me contratar.

Santa concordou com um aceno e permaneceu em silêncio.

— Pois bem, ela na verdade me criou depois que minha mãe faleceu, eu tinha uns 14 anos.

— Como assim, Linda sempre morou nesta casa.

— Criou é maneira de dizer, ela me ajudou nos estudos, na manutenção da casa. Morávamos eu e minha irmã e ela sempre nos visitava aos domingos. Ela nos ajudou muito.

— E seu pai?

— Meu pai? Bem, eu não o conheci, dona Santa.

— Muito bem, quer dizer que Linda ajudou a família de sua mãe. Era irmã dela?

— Sim, elas eram irmãs.

— Muito bem, Fernando. Eu só não estou entendendo o que tudo isso tem a ver com a pergunta que lhe fiz.

— É que eu queria mostrar que ela sempre se importou muito comigo, com a gente. Minha irmã hoje é casada e mora no interior.

— E você se formou em engenharia civil. Há quanto tempo?

— Uns sete anos.

— E nunca trabalhou na área?

— Trabalhei sim, tabalhei numa empresa durante dois anos, mas é que eu fui demitido.

— Por quê?

— Dona Santa, eu não entendo o seu interesse. Eu sou um bom jardineiro, não me meto na vida de ninguém. Por que tudo isso, agora?

— Porque você está na minha casa, trabalhando para a minha família e eu preciso saber com quem estou lidando.

— Mas minha tia deve ter lhe falado sobre mim. Ela sabe que sou gente de bem.

— Por que você foi demitido? É por isso que não pode voltar a trabalhar como engenheiro?

— Eu fui preso, a minha ficha é suja e ninguém me aceita em lugar nenhum, é isso que a senhora queria saber? – Pergunta, indignado, levantando-se da cadeira e se aproximando da mesa, na qual Santa está do outro lado, sentada. Ela também altera a voz – Acalme-se rapaz, eu não estou julgando ninguém, por enquanto.

Ele volta a sentar-se e abaixa a cabeça, desolado. Depois, a olha com indisfarçável ansiedade. Santa volta à carga e pergunta qual fora o motivo de sua prisão.

— Eu sabia que não ia dar certo, mais dia, menos dia, a coisa ia estourar. Mas, Linda insistiu, achou que poderia segurar as pontas, olha no que deu!

— Por enquanto, não deu em nada. Eu também tenho um segredo, uma coisa que preciso que faça para mim, mas tem que ser honesto comigo. Tenho que saber tudo.

Ele fica um pouco pensativo, mas em seguida, parece estar disposto a falar:

— Bem, eu me envolvi com uma turma da pesada, eu usava drogas e precisava deles. Não era nada muito forte, sabe, cocaína, mas eu não tinha vício, não era dependente. Mas aos poucos, fui sendo convencido a ter mais dinheiro, muito dinheiro. Eles tinham um plano, arrombar o caixa eletrônico da firma em que eu trabalhava. Eu sabia tudo, conhecia toda a estrutura da firma, o dia em que o dinheiro chegava, quem ficava nas câmeras, a hora que trocava o turno. Então dei as dicas, e eles planejaram entrar na empresa numa noite, mas alguma coisa deu errado, pois apareceu um vigilante que me conhecia e ele havia trocado de turno, naquele dia. Então, eu o matei. Não tinha outro jeito. Foi aí que tudo desandou, a polícia foi acionada, eu ainda fugi, mas era tarde demais. Dois membros do bando foram presos e eu fui logo em seguida. Passei cinco anos e estou na condicional.

Santa fica petrificada. Tudo acontecendo a sua volta e ela não sabia. Agora ela teria a chance de pôr o seu plano em ação. Aproximou-se de Fernando e pediu que se acalmasse. Disse-lhe que preferia a verdade do que ser enganada o tempo todo.

Ele então, olhando-a ainda desconfiado, perguntou:

— Qual é o segredo? O que a senhora quer de mim?

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domingo, outubro 30, 2016

Loiralice, o Opala vermelho e o futebol

Eu e meu amigo Saulo inauguramos nosso desejo de assistir um grande jogo de futebol. Acostumados com os times pequenos de nossa cidade, assistir Grêmio e Corinthians era uma verdadeira odisseia. Uma marca em nossa carreira de torcedores, que na época, antes das desilusões derradeiras, éramos fanáticos.

Saulo era um sujeito estranho. Gente boa, grande amigo, sempre disposto a apoiar em qualquer situação difícil, mas tinha uma conduta peculiar que  chamava à atenção.

Eu não conseguia convencê-lo de que as suas atitudes eram inadequadas, pelo menos, pois sempre dava um jeito de dar outro rumo à conversa.

Uma de suas extravagâncias, era a mania de interpretar papéis que destoavam de sua rotina. Se participávamos de uma reunião de jovens da igreja, ele demonstrava estar em êxtase, perdido nos trâmites iluminados do divino, ascendo à postura angelical, quase um santo. Mas quando estávamos juntos, toda a encenação se dissolvia e se transformava no jovem de classe média, com pouca espiritualidade e muita disposição para ser o que realmente não era.

Outras vezes, convencia a si mesmo, que era um intelectual. Participava de palestras de quaisquer assuntos, pois a todos tirava de letra, segundo seus pensamentos egocêntricos. Metia-se em polêmicas doutrinárias, ideologias, filosofias e demonstrava uma facilidade extrema para cercar-se de neologismos, sofismas e saídas rasteiras, onde se locomovia como um larápio nas noites escuras, deixando a todos de boca aberta. Às  vezes, até acreditava que ele tinha razão. Pelo menos, até cair a ficha.

Mas voltando ao futebol, o nosso assunto a partir daquele momento, passou a ser o jogo ao qual assistiríamos de camarote. Já imaginávamos o povo se acotovelando nos metrôs, os carros pipocando nas avenidas, milhares de pessoas nas passarelas, vestidas em uniformes, tingindo de azul preto e branco, numa mistura de cores que dosavam os matizes dos times em disputa.

Víamos também nossa imagem, refletida em nossa mente fantasiosa. Eu, vislumbrando o cenário, imaginando uma história a contar, olhares argutos, coração e mente atentos, ouvindo o rugir da torcida e o trovoar dos foguetes, na entrada dos jogadores.

Ele, ao meu lado, levantando a todo o tempo, antes mesmo de comemorar qualquer coisa; cabelo curto, pois se considerava um tipo formal, nariz adunco e olhar investigativo, numa performance nova, talvez até torcendo pelo inimigo.

Mas eram só conjecturas, pois ainda estávamos em nossa cidade natal.

Ele chegou com a novidade, de que iríamos num carro novo, tinindo, zero quilômetro, um Opala vermelho, com todos os acessórios considerados de luxo para a época. Disse-me que havia alugado o carro, pois não iríamos no ônibus de excursão, com àquela gente cheirando à cachaça, misturada a desodorante Mistral.

Sorri e percebi que o Saulo havia incorporado outro papel.Tentei dissuadi-lo da ideia, pois não tinha muita prática em direção, mas ele me saiu com uma proposta mais absurda ainda:

— Não, não, nada disso. Teremos um motorista.

— Um motorista? – perguntei intrigado.

Ele pousou aquela mão enorme sobre o meu ombro e concluiu, confiante.

— Deixa comigo. Amanhã é o grande dia.

E assim foi. No dia seguinte, estava à espera, olhando pela vidraça. Um sol forte produzia flashes no para-brisa do imponente opala. Olhei para direção para verificar se havia o tal motorista e qual minha surpresa, uma morena depositava as unhas vermelhas no volante, fitando-me de uma maneira tão incisiva, que parecia exigir que eu entrasse, sem fazer perguntas. Obedeci, sentando no banco detrás, largando a mochila e olhando surpreso para o meu amigo, que virava o pescoço comprido para trás, perguntando se eu lembrava da Loiralice.

Ela atravessou o olhar pelo retrovisor, fuzilando como defesa, antes de qualquer investida.

Claro que me lembrava, no meu machismo pós-adolescente, Loiralice era apenas a morena gostosa, das festas do colégio, que segundo as conversas de corredor, já havia conhecido a intimidade da maioria dos guris. Tinha esta qualidade, mas a profissão de motorista era uma novidade, pelo menos pra mim.

Hoje, ela já passava dos trinta, bem mais velha do que nós, já que na época da escola, ainda estávamos no primário e ela já avançava no ginásio, se bem, que quase a pegamos, no bom sentido, porque via de regra, repetia de ano.

Loiralice não era do ramo. Estudar não era sua melhor aptidão. Quem sabe, como motorista, revelaria dotes desconhecidos. Devia dar uma chance, afinal, como ser preconceituoso, só por ser a Loiralice? Pois Loiralice arrancou de primeira.

O carro não corria, deslizava. Era uma suavidade só, uma sensibilidade, uma coisa feminina, que norteava seus gestos, suas mudanças, seus retornos ou paradas em sinaleiras. Sutil, sóbria, tranquila. Cada adjetivo que eu pensasse se encaixava nas mãos de Loiralice.

Ela obedecia as regras da direção com tanto cuidado e recato, que mal desconfiávamos que era a mesma Loiralice que conhecíamos.

Meu amigo sorria, satisfeito, boca grande, dentes irregulares, nariz quase batendo no queixo. Achava que fizera uma ótima aquisição.

Loiralice era excelente motorista. Consciente, cuidadosa, preocupada com os animaizinhos soltos na rua, com os velhinhos que atravessavam descuidados, com as meninas das escolas, passinhos amiúde, ocupadas em suas histórias, quem sabe os cuidados com os cadernos e as primeiras paixões da infância.

E vá adjetivos à Loiralice.

Loiralice era assim, quase uma mãe. Logo ela, tão exuberante, voz altiva, boca bem desenhada e pintada de vermelho sangue, olhos delineados, com aquele traço preto que quase atravessava a fronte em direção à orelha.

E os trajes? Loiralice não tinha recato, nem qualquer censura. Usava os decotes como arma de sedução, abusava das saias curtas, revelando pernas bem torneadas e tão lisas, que tinha-se a impressão de que qualquer objeto deslizaria por elas infinitamente.

Assim era Loiralice: esta faceta sensual bem mais conhecida.

Mas agora, parecia outra pessoa. Tal como Saulo, que se metamorfoseava em distintas situações, ela agora se investira na mulher sensata e cumpridora dos deveres e das leis.

Entretanto, havia um senão, um detalhe que envolvido naquele mar de novidades, passara desapercebido: Loiralice estava lenta demais. O carro não passava dos sessenta.

A cidade parecia nos puxar para dentro, ao invés de nos afastarmos, como naquela poesia em que as ruas acenam, despedindo-se da moça no trem, as casas ficam distantes,  os automóveis, as crianças, os cachorros de rua, os gatos despreparados, tudo se dilui na distância.
 

Nós, ao contrário da moça do trem, éramos atraídos para o interior da cidade e não para a zona rural.

A sensatez de Loiralice deixava que o mundo passasse por nós, até o ônibus de excursão, com centenas de torcedores pendurados às janelas, acenando bandeiras, soprando instrumentos, batendo tambores e gritando.

Aos poucos, as latas velhas do ônibus desapareciam na poeira da estrada e nós ficávamos, ali, à mercê de Loiralice, quase uma traição de nossos desejos mais profundos.

Nos olhamos de soslaio, respiramos fundo, gaguejamos, resmungamos alguma coisa, fizemos mímica e nos entendemos com profusão.

Decidimos chamar a atenção de Loiralice, a principio com sutileza, com delicadeza para não ofendê-la.

Começamos informando sobre a potência do veículo, que gastaria muita gasolina, caso a velocidade exigida pelo motor estivesse aquém e que por fim, demoraríamos muito tempo e ela fatalmente se cansaria demais.

Ela então, inesperadamente, parou o carro, numa freada brusca. Não era a freada de Loiralice.

Ficamos em silêncio absoluto.

Não questionamos, não abrimos a boca, mas nossos corações palpitavam desenfreados, um dizendo para o outro, que o cruzamento havia chegado.

Loiralice iria desfazer o nó. Ou aceitava a nossa proposição ou ... Não sabíamos a sua reação.

Quando íamos abrir a boca, soou aquela voz sonora, melodiosa e forte de cantora de pagode:

— Olha aqui, pessoal. O meu trato é esse. Dirigir até Porto Alegre. Mas eu não arrisco a minha vida. Se querem correr, se querem se matar, que vão sozinhos. Tenho dito.

Loiralice tinha desses caprichos, como as expressões antiquadas de políticos.

Tentamos então convencê-la, argumentamos de todas as maneiras, imploramos até, mas ela era radical e definitiva. Desceu do carro, dizendo que voltaria de ônibus.

Ficamos paralisados por um momento, assistindo-a dirigir-se até uma parada que ficava alguns metros adiante.

Então, num ímpeto, corremos até ela e pedimos que voltasse, aceitaríamos, com reservas, é claro, as suas determinações.

Ela aceitou, arrumou o penteado, ajeitou o vestido amarelo-queimado nas nádegas, acertou o passo na sandália dourada e voltou para o carro. Então, prosseguiu suave, sutil, deslizando no asfalto, delicadamente e sendo ultrapassada por todos os meios de transporte imagináveis, desde caminhões e ônibus até carroças e bicicletas. O cúmulo do desespero foi quando um corredor, que avistamos na saída da cidade, passava por nós e acenava satisfeito. Cuspimos com raiva pela janela, ouvindo um trovoar de palavrões.

Com o passar do tempo, tanto eu quanto o meu amigo, suávamos de ansiedade. Então, perguntei porque ele não dirigia, já que eu não poderia, pois não tirara carteira.

Ele confessou que nem sabia dirigir, o que confirmou mais uma de suas fantasias. Não sabia se me indignava com Loiralice ou com ele.

As horas passavam. No rádio, comentavam sobre trio de arbitragem e nós nem tínhamos chegado ao paradouro, um local que praticamente divide o percurso.

Em dado momento, Loiralice desviou o automóvel da rodovia, pegando um atalho. Perguntamos atônitos para onde ia.

Ela pairou o olhar em nossas fisionomias desesperadas e afetuosa, comentou:

— Vamos fazer um lanchinho, não?

— Não! – gritamos em uníssono.

Mas fizemos o tal lanche e assistimos a entrada dos dois times pela televisão do bar à beira da estrada.

sábado, outubro 29, 2016

O menino e o livro

O menino punha as mãos nas páginas devagar. Escorregava os dedos e percebia que além do som e do movimento, havia alguma coisa ali que o prendia.

O menino sabia que era o conteúdo.

Mas como conhecer o que está escrito, sem decifrar os códigos.

E quais são os códigos? As letras, os sons, os fonemas.

Conhecia pouco de tudo isso: uma sílaba aqui, uma letra dali e formava-se a palavra e de palavra em palavra, descobria o mistério.

O menino era sábio.

Percebia que tudo é uma coisa só: leitor, leitura, autor, ideias.

Tudo vem na mesma viagem.

O trem carrega o texto e o texto carrega o trem. Assim a trajetória se forma.

O livro é como o trem, matutava o menino, assim repleto de gente, de mercadorias, de cargas que vão de um lugar para o outro.

Todos têm importância no caminho.

A leitura é isso.

Por isso, foi criado o dia nacional do livro, 29 de outubro, quando Portugal disponibilizou grande acervo da Real Biblioteca para a nossa biblioteca, aqui no Brasil.

O menino descobriu isso também, inclusive que o local escolhido ficava em salas do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, no Rio de Janeiro.

Depois, no dia 29 de outubro de 1810, fundou-se a Biblioteca Nacional do Livro, noutra região do Rio de Janeiro.

Ah, o menino conheceu outra novidade: Há muito tempo atrás, após a criação da prensa tipográfica, por Johannes Gutenberg (1398-1468), deu-se a publicação do primeiro livro em série, que ficou conhecido como a Bíblia de Gutenberg.

E no Brasil, o primeiro livro publicado foi Marília de Dirceu, escrito por Tomás Antônio Gonzaga.

É preciso festejar o dia do livro, porque ele decifra a história e nós fazemos parte dela.

Tudo a mesma coisa, pensou o menino.

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/figura-de-pedra-menina-leitura-1464796/

A fotografia da vida de Santa - CAP. 15

No capítulo anterior, Santa sente-se isolada da família e até mesmo Linda que a ajudaria, parece empenhada em desestabilizá-la. De repente, Santa percebe que alguma coisa nova está acontecendo, da qual ela não tem o mínimo conhecimento. Linda tenta convencê-la de que está confusa, a ponto de negar tudo que acontecera, inclusive as suas conversas. Por fim, convence Santa a tomar uma xícara de chá que a deixa zonza. A seguir o décimo quinto capítulo de nosso folhetim dramático, neste sábado,29/10/16.

Capítulo 15

Santa aos poucos, acorda com a sensação de que levou uma bordoada na cabeça. Não sabe com certeza o que aconteceu, lembra apenas que Linda estava ao seu lado e que teve a sensação de desmaiar. Olhou em torno e tentou levantar-se. Por que estava ali afinal? Se desmaiara, por que Linda não a ajudara? Esforçou-se para sentar na poltrona, sentindo-se um pouco zonza. Lembrava que Linda havia trazido uma xícara de chá.

Neste momento, Linda aparecera, mostrando-se ansiosa e preocupada:

— Ainda bem que a senhora melhorou. Eu fui chamar ajuda e não encontrei ninguém, por isso, havia saído.

— O que aconteceu, Linda? Eu estava no chão, tive uma dificuldade imensa em levantar-me. Lembro que tive uma sensação de desmaio.

— É verdade, dona Santa. Eu fiz tudo para acordá-la, mas não consegui, por isso fui buscar ajuda.

— Mas e Sandoval? E os demais empregados?

— São uns inúteis, cada um nas suas tarefas. Quando consegui comunicar-me, já era tarde demais. Então decidi chamar o médico e vir para saber como estava.

— Descarte o médico. Estou bem.

— Tem certeza de que está bem, dona Santa? Não gostaria que a minha amiga piorasse.

— Estou bem, sim. Mas e Sandoval, você não me disse onde estava. Que aconteceu com ele?

— Ele havia saído.

— Está bem, então acho melhor ir para o meu quarto. Estou cansada.

— Eu posso ajudá-la.

— Linda, parece que nós estávamos conversando e o assunto me parecia importante, só não consigo lembrar. De que se tratava?

— Ah, nada importante, dona Santa. Não quero constrangê-la de modo algum.

— Como me constranger?

— Acho que disse uma bobagem, é que a senhora me pareceu muito confusa. Não dizia coisa com coisa. Mas vamos esquecer isso. Vou lhe trazer alguma coisa para comer, a senhora vai para o seu quarto e descansa. Amanhã, com certeza, estará melhor.

— Você quer dizer que eu me constrageria por estar confusa? É isso?

— Esqueça isso, dona Santa. é uma bobagem.

— Espere aí, Linda. Agora estou me lembrando. Você negou o seu passado, tudo o que sabemos e compartilhamos juntas. Você negou que tem um filho com o meu marido.

— Eu já tinha lhe pedido para esquecer esta história maluca.

— Não, não quero esquecer, ao contrário, quero lembrar tudo muito bem.

— Quem sabe, conversamos isso noutra hora? Olhe, tomei a liberdade de trazer um comprimido para acalmá-la.

— Não preciso de calma – ao dizer isso, sente uma forte dor de cabeça acompanhada de uma leve tontura – meu Deus, parece que não estou bem mesmo.

— Que está sentindo, dona Santa? Por favor, me fale, me ajude a ajudá-la!

— Estou bem, Linda. Não foi nada.

— Quem sabe tomando a pílula que trouxe, vai melhorar? Quer tentar, foi o seu médico que receitou.

— Está bem. Dê-me este comprimido e vamos para o quarto. Quero dormir e esquecer tudo isso. Amanhã, colocarei tudo em pratos limpos.

— É o que mais desejo, dona Santa. Não gosto de vê-la assim, com estes transtornos. Quero-a lúcida, como sempre foi.

Santa não responde. Acha melhor não questionar mais nada à Linda que parece determinada em pôr um véu em tudo que ela pensa. Na verdade, quer livrar-se dela e ir para o quarto. Está exausta e sua vontade é não ver ninguém. No entanto, sente-se fraca e precisa da ajuda da empregada, que a ampara até o quarto.

Na mãe seguinte, Santa acorda com dificuldade, como se o mundo viesse abaixo. Sabia que deveria consultar o médico, mas ao mesmo tempo percebia que havia alguma coisa errada nesta situação. Refletiu muito em tudo o que acontecera, a mudança extraordinária de Linda, a ausência de Sandoval e até mesmo dos filhos. Então, tomou uma decisão, que parecia a correta. Quando Linda apareceu, ela resolvera tomar o café na varanda, que se ligava ao jardim.

Linda aproximou-se, solícita, tentando agradá-la.

— Não precisa se preocupar em servir-me, Linda. Ana já fez o serviço com muita dedicação.

— Esta moça está há pouco tempo aqui, é muito inexperiente.

— Mas está aprendendo. É o que importa.

— Sem dúvida. Espero mesmo que ela progrida. A senhora precisa de pessoas que lhe ajudem, não a atrapalhem. Não é por me gabar, mas sempre fui uma presença amiga, e só lhe falava ou a servia, quando me pedia.

— Então, me faça um favor, Linda. Diga-me o nome do rapaz que trabalha no jardim, o último que você contratou.

Linda tem um leve estremecimento, mas se contém. Pergunta, dissimulada de quem se trata.

— Você já o esqueceu? Se não me engano, ele é seu sobrinho.

— Ah, a senhora se refere ao Fernando. O que pretende com ele, dona Santa?

— É um assunto que terei apenas com ele. Acha que devo informá-la antes, Linda?

— Não, de forma alguma dona Santa. Eu, na verdade, não tenho nada a ver com isso. Apenas, fiquei preocupada, a senhora sabe como são estes rapazes hoje em dia, eles estão sempre querendo subir na vida, e fazem qualquer coisa para conseguir o seu objetivo.

— O seu sobrinho é deste naipe?

— Não, acho que não, mas sabe como é, tem pouca maturidade, pode ser influenciado por outras pessoas.

— Então você pode influenciá-lo a se comportar bem. Fale com ele e diga que quero conversar com ele no gabinete, ainda hoje à tarde.

Linda suspira, nervosa. Mas em seguida, conclui que fará o que a patroa pediu. Em seguida, tenta mudar de assunto:

— Parece que a senhora está muito bem hoje, não. Eu vi quando o seu Sandoval saiu bem cedinho, mas a senhora decidiu esticar um pouco mais na cama.

Santa não respondeu. Linda então, prossegue, fingindo-se animada:

— Fico contente que tudo tenha passado, aquele seu mal estar foi coisa pequena, com certeza, embora eu ache que devesse procurar um médico.

— Linda, me diga uma coisa, você aprendeu muito nesta casa. Você teve até uma professora particular que a ajudou a escrever bem, a ler, a falar com muita propriedade. Você aproveitou as oportunidades. Acabou inclusive fazendo um curso técnico.

— Sim e sou muito grata por isso, dona Santa. Eu jamais poderei agradecer o que vocês fizeram por mim. Mas por que está falando sobre isso?

— Nada, estou só lembrando. É bom a gente de vez enquanto refrescar a memória, para saber em que patamar estamos dentro de determinada realidade.

— A senhora me deixa assustada. Parece que fiz alguma coisa errada.

— E não fez?

— Eu sou sua amiga, dona Santa. Sou capaz de dar a minha vida pela senhora.

— Então, não vamos mais falar nisso, Linda. Sente aí e tome café comigo. Hoje será um novo dia.

Linda sorriu, aliviada. Ainda perguntou se deveria sentar-se à mesa, mas pelo gesto impaciente de Santa, decidiu obedecer. Serviu-se e esperou que a patroa propusesse alguma coisa.

Foi em vão. Alguns minutos depois, Santa acabou o desjejum e afastou-se. Linda a acompanhou sorrindo, mas só por um instante. Quando Santa desapareceu no interior da casa, ela fechou a cara, acabrunhada.

Em seguida, pegou o celular e ligou para o jardineiro.

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/salada-verão-verdes-vegetais-775949/

quinta-feira, outubro 27, 2016

A lanterna

O poeta transmudou a expressão "porque hoje é sábado" em inúmeros sentidos.

Como uma lanterna iluminando fraca sob uma mão trêmula, na busca desesperada de algo perdido ou na iminência de acontecer.

É assim, iluminando palavras ou desfocando sentidos e certezas, que se constrói o grande mosaico da manipulação.

Quem sabe, somos lanternas pálidas para iluminar os focos imprecisos de nossos argumentos, quando nos inteiramos apenas de um lado da informação, do conteúdo ou da sinopse que julgamos como verdades absolutas.

Quantas vezes alimentamos a luz desfocada para centralizarmos na fogueira!

Uma afirmação modesta pode ser rica de conteúdo se iluminada no contexto certo.

Nos sábados, as luzes se encontram, se estabelecem e se recriam.

Nos sábados, o mundo para e as vozes emudecem.

Nos sábados a alegria é dever e a tristeza apenas fuga melancólica dos amantes.

Mas a vida real, por vezes perversa e obscura, nos leva a refletir apenas como lanternas frágeis à possibilidade do brilho.

O filósofo grego Diógenes procurava um homem que vivesse segundo a sua essência, com uma lanterna na mão.

Hoje os homens buscam lanternas que lhes deem sentido, seja em que grau de claridade os contemplem. No entanto, a verdade compartilhada segue apenas um flash, obstruindo os fatos comprovados.

Que venham os sábados e as segundas e que os homens busquem a si próprios para desvendar com profundidade suas verdades. Que a quimera seja apenas o símbolo de suas buscas. Jamais a certeza das respostas.

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/lâmpada-de-querosene-luz-lâmpada-1453994/

terça-feira, outubro 25, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 14

No capítulo anterior, tudo parecia desandar na vida de Sandoval. O seu plano era questionado por Linda, que sabia muito mais do que podia imaginar. Se ela estava disposta a levar o seu próprio plano adiante, ele teria de algum modo tomar uma atitude que a impedisse, mas que ao mesmo tempo, também pudesse livrar-se de Santa. De todo modo, sentia-se perdido, e naquele momento, não sabia o que fazer. A seguir o décimo quarto capítulo de nosso folhetim dramático, nesta terça-feira, 25/10/16.

Capítulo 14


Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/menina-relógio-pessoa-tempo-1563986/

Linda foi quem atendeu a porta. Ao ver Santa, Sandoval teve um estremecimento, temendo trair-se num gesto inesperado ou até mesmo ficando em silêncio.

Linda, ao contrário, parecia muito tranquila e segura. Aproximou-se de Santa, sorrindo e perguntando se havia assistido a missa.

— Não, Linda, você sabe que só fui rezar um pouco. Depois andei um pouco pelo bairro, precisava relaxar um pouco.

— Mas o motorista a acompanhou? Não é muito seguro andar sozinha por aí, dona Santa.

Santa a olhou intrigada. Não respondeu, apenas acrescentou que depois conversaria com ela.

Linda concordou, submissa. Em seguida, pediu licença e afastou-se.

Santa entrou e sentou-se numa das poltronas em torno da mesa, fitando Sandoval e esperando que ele dissesse alguma coisa. Sandoval sorriu e serviu-se de uma bebida.

— Você vai beber, Sandoval? Não acabou de ficar doente?

— É verdade, Santa, mas é que estou um pouco tenso, acho que um licorzinho fraco desses não vai me fazer mal.

— Você é quem sabe. Mas me diga, como foi a reunião? O que decidiram? Você contou a eles a minha condição? Ou melhor, o motivo de minha condição?

Sandoval senta-se no outro lado da mesa, toma um gole do licor fazendo uma careta. Disfarça, tentando ganhar tempo para imaginar o que deve dizer-lhe.

— Muito doce este licor, só as mulheres para gostar disso!

— E então, Sandoval? Vai me contar ou não?

— Calma, Santa, calma. Não faça tantas perguntas ao mesmo tempo.

Santa aproxima-se dele e senta ao seu lado. Sandoval por um momento, pensou que fosse agredi-lo, mas sabia que a mulher não seria capaz de cometer qualquer violência. E depois, havia vindo da igreja! Se bem, que as coisas também por lá não estavam tão tranquilas, só em pensar no tal do bispo Martim, lhe dava arrepios.

Santa, no entanto, parece que tinha alguma novidade para contar-lhe. Olhou-a de vesgueio e comentou:

— Você está diferente, Santa. Parece que está tramando alguma coisa.

— Eu? Tramando? Você é muito dissimulado, Sandoval. Quem fez esta reunião com a família, sozinho, não fui eu.

— Mas eu lhe expliquei as razões, você sabe. Eu não queria a sua presença, porque me sentiria muito mal, você sabe.

— Então, fale o que aconteceu na reunião. Vieram todos?

— Sim, vieram. O Alfredo estava muito nervoso, como sempre. Ele não conseguia entender porque você estava ausente. Mas quando eu revelei tudo, ele e os demais entenderam.

— Você revelou tudo?

— Sim, mas… bem, eu tinha de fazê-lo, não? Não era o que você queria?

— Era o melhor para a família.

— Sim, você tem toda razão, Santa.

— E qual foi a reação de nossos filhos?

Sandoval silencia por alguns minutos, mas em seguida, revela uma fisionomia de réu, suspirando. Santa parece não ter muita paciência com o marido e o instiga a detalhar a reunião.

— Você me parece muito nervosa, Santa. Não quer descansar primeiro? Olha, você mesma disse que veio caminhando da igreja, deve estar cansada.

— Não se preocupe comigo, Sandoval. O meu cansaço físico não é nada comparado com a curiosidade que tenho. Quero saber como Letícia, Tavinho e Alfredo reagiram. Eles não podem ter aceito tudo como uma coisa natural, você não acha?

— Não, claro que não. Mas por que você não pergunta a Letícia? Você sabe que ela é a mais explosiva dos três.

— Eu farei isso, mas custa você me contar agora? Ou você não tem nada a dizer, Sandoval?

Neste momento, batem à porta. Santa levanta-se irritada. Pergunta a Sandoval se ele chamou alguém. Ele acena a cabeça, indeciso. Na verdade, não sabe se deve concordar que esperava alguém. Talvez fosse Linda colocando o seu plano em prática.

Santa abre a porta e Linda aparece com uma xícara de chá.

— Desculpe, dona Santa, sei que não devia, mas vi que a senhora voltara muito preocupada da igreja.

— Linda, eu estou conversando com o meu marido. Desde quando você se intrometeu assim?

— Sei que a senhora tem toda razão, dona Santa, mas é que … desculpe, fui uma tonta, mas eu percebi que estava muito pálida, e fiquei remoendo na cozinha, preocupada.

— Está bem, Linda, deixe o chá aí. – Aponta para a mesa, mas Linda aproxima-se dela e lhe diz ao ouvido. – Preciso falar-lhe.

Santa então, muda a atitude, e mais amena, se dirige à Linda, como se já esperasse aquela reação.

— Você sempre tão atenciosa, Linda. – E voltando-se para Sandoval – Acho melhor tomar o chá lá na saleta. Vou deixá-lo Sandoval com seus pensamentos. Amanhã, você me conta o que aconteceu.

Sandoval sorri, satisfeito. Linda retira a bandeja da mesa e afasta-se em direção à porta, seguida por Santa.

Ao sairem, Sandoval dirige-se à janela que dá para o pátio e sente um arrepio. Aquelas sombras das árvores que se assemelham à silhuetas produzem em sua mente uma angústia, como se representassem a estrutura articulada do plano de Linda.

Aquela mulher era assustadora, tinha pensado em tudo com perfeição e estava manipulando Santa e a todos naquela casa. O que ele poderia fazer? Se conseguir o seu objetivo que é o de enlouquecer Santa, acabará destruindo o seu patrimônio e fazendo chantagem.

Quem poderia afirmar que ela não o incriminaria no golpe que está planejando?

Sandoval afasta-se da janela e pensa numa maneira de impedir Linda de cometer aquele crime contra a sua família, contra ele, principalmente.

E se contasse tudo à Santa? Ela acreditaria nele?

Decide por fim, sair da biblioteca e conversar com Santa, pelo menos, tentar convencê-la a esquecer aquela história. Despediriam Linda e tudo acabaria bem. Mas e a gravação do celular? Ele precisava de um tempo, pois teria de saber a quem ela enviara uma cópia. Provavelmente, o filho, mas não tinha certeza. Por isso, devia tornar-se amigo de Linda até convencê-la a dizer com quem estava a cópia. Depois, destruiria a prova e acertaria a situação com Santa. Não havia outra solução.

Ao aproximar-se da saleta, observa que as duas conversam, mas sabe que não deve interrompê-las. Até é melhor que Santa perceba o quanto está sendo manipulada, pois ele a alertará aos poucos.

Afasta-se, enquanto as duas agora parecem velhas amigas.

Linda o vê afastar-se e levanta-se para observar até onde vai. Depois volta até ao encontro de Santa. Sorri, dissimulada.

— Veja, como o seu marido está preocupado. Mas agora, podemos conversar tranquilas, ele já foi na direção do quarto.

— Então, você me diz que não aconteceu nada demais. Não estou entendendo, Linda. – Conclui, Santa intrigada. Linda a observa com um olhar afetuoso, e quase sorrindo, acrescenta:

— Eu também não podia acreditar no que estava ouvindo, mas fiquei muito feliz em saber que a sua família a ama. Que a reunião não passou de uma oportunidade de lhe fazerem uma surpesa, uma boa surpresa.

Santa porém, não concorda com aquela animação toda. Ao contrário, desconfiada, exige que ela esclareça com detalhes aquela história que não merece crédito algum. Linda, no entanto pretende convencê-la de que a família tem outros planos para ela.

— Não fique desconfiada, dona Santa. Tenha certeza de que todos estão apenas interessados em fazer-lhe um agrado. Eles não querem, pelo que entendi, que a senhora fique estressada com esta missão. Querem lhe dar de presente uma viagem maravilhosa.

Santa reage, indignada:

— Eu não preciso de viagens! Se quisesse, estaria longe daqui!

— Sem dúvida! A senhora e eu sabemos disso, mas deixe que eles a presenteem, eles querem lhe fazer este agrado.

Santa levanta-se da poltrona e caminha pela sala de leitura, achando que tudo não passa de uma grande encenação. Mas sente-se ainda mais perturbada pela conduta de Linda que demonstra uma tranquilidade que em vez de deixá-la confiante, a inquieta ainda mais.

— É só isso? E a gravação no celular? Por que você não me mostra?

— Eu sinto muito, dona Santa. A senhora sabe que não sou muito boa nestas modernidades, e , bem, me desculpe. Acabei não gravando nada.

Desta vez, Santa explode de raiva:

— Não gravou nada? Não é possível! Eu já tinha ajustado o aplicativo da gravação para que você não se perdesse! Como aconteceu isso?

Linda esforça-se para parecer arrependida, mostrando-se nervosa com a revelação:

Desculpe, dona Santa, eu não sei como aconteceu. Estava muito nervosa, e de repente, eu devo ter digitado alguma coisa, não sei.

— Você é uma idiota, Linda. Não fez nada do que combinamos! Eu lhe disse que você me devia essa!

— A senhora disse? Ah, sim, disse. Olhe, dona Santa, tome mais um pouco do chá, não quero que fique mais nervosa por minha causa.

— Eu não estou nervosa, Linda! Estou muito bem. Bem, nem sei se estou, acho que este chá está até me deixando zonza! – Ao dizer isso, volta a sentar-se, angustiada – Mas escute, quem sabe gravou alguma coisa e você não sabe reproduzir.

— Não, tenho certeza de que não gravei. Até abandonei o celular no bolso, desligado. Mas como lhe disse, não aconteceu nada.

— Está bem, não aconteceu nada, mas a revelação de Sandoval sobre o filho que tem com você. O que os meus filhos disseram?

Linda a fita com surpresa, como se a não reconhecesse. Agora, encaminha-se até uma estante e fica apoiada, demonstrando insegurança e medo:

— Não sei do que está falando, dona Santa.

— Não sabe? Você está louca, criatura?

Linda volta em seguida, aproximando-se da patroa, mudando a fisionomia e o cenário. Mostra-se afetuosa e preocupada.

— Acho que a senhora está muito nervosa. Está confundindo as coisas.

— Linda, não é hora para brincandeiras. Por que você está dizendo isso?

Faz-se um silêncio providencial. Afinal, Linda sabe que deve representar o seu papel de modo a deixar dicas aos poucos, como se precisasse do apoio técnico do outro personagem. Na verdade, um personagem que ela mesma criara. Suspira e fala quase em segredo, num tom mais baixo:

— Porque nunca houve nada entre nós, Deus me livre. O senhor Sandoval é um homem íntegro, honesto.

Santa grita, exasperada:

— Por favor, Linda, saia daqui.

— Dona Santa, pense bem. A senhora está confusa, talvez esteja confundindo uma outra história, talvez dessas que ouvimos todos os dias na TV.

— Você está dizendo que estou louca? Sim, só pode ser isso, para contrariar tudo que sabemos sobre o seu passado!

Não diga isso, dona Santa. Eu jamais pensaria uma coisa dessas, mas quero que reflita bem, nunca houve nada entre eu e o Sr. Sandoval, pelo amor de Deus!

— E seu filho? O que me diz sobre isso? Ele também é uma imaginação minha?

Linda a encara com frieza. Sabe que deve ser perspicaz e direta, quando necessário.

— Não sei do que está falando. Eu sou uma mulher solteira, tenho apenas um sobrinho. É a ele a quem a senhora se refere?

— Vá embora daqui, vá embora!

— Dona Santa, acalme-se, meu Deus, que está havendo?

Santa levanta-se da poltrona, dá alguns passos e tenta segurar-se na parede, perdendo as forças e caindo ao chão. Linda corre ao seu encontro. Percebe que a patroa está desmaiada, então dirige-se à mesinha e retira a bandeja com o chá. Afasta-se fechando a porta, com um sorriso.

segunda-feira, outubro 24, 2016

SOBRE O FILME "UM MESTRE EM MINHA VIDA"

Um mestre em minha vida é um filme de 2011, com 83 minutos de duração, baseado na peça teatral de Athol Fugard chamada “Master Harold and the boys”.

Tanto o filme quanto o livro receberam o mesmo título, no Brasil.

Vamos falar um pouquinho sobre o autor da peça, um renomado dramaturgo sul-africano, que vivenciou todos os horrores do apartheid e incluiu este tema em muitas de suas peças, inclusive nesta, acenando para a gama de sentimentos que revela o ser humano desnudo em suas percepções da vida.

Ao contrário do que se possa deduzir em situações conflitantes, extraordinárias e limites, o homem age de modo natural, capaz de amar e odiar, em que pese às circunstâncias desfavoráveis.

Através de um discurso inconformado e eivado de lutas de resistência ao apartheid, Athol Fugard tenta refletir as transformações das relações pessoais através do contexto político-social. Afinal, o homem é produto do seu meio e age em conformidade com seus sentimentos arraigados e obsessivos, internalizados desde a tenra idade. No entanto, através da emoção e do sentimento, ele pode romper esta conjuntura adversa.

Tanto na peça, quanto no filme, a história mostra as relações inter-raciais durante a época do apartheid, na África do Sul, neste caso, nos anos 50.

Os personagens principais são Hally (Freddie Highmore), um adolescente que cresceu na companhia afetuosa de Sam (Ving Rhames) e willie (Patrick Mofokeng), dois garçons negros que trabalham na Casa de Chá de sua mãe, na cidade de Port Elizabeth.

Os dois empregados da Casa de Chá experimentam a realidade hostil do sistema de segregação racial, em cuja estrutura a sociedade criara bancos de praça exclusivos para homens brancos, enquanto que as casas dos negros deveriam ser construídas em bairros distantes.

Entretanto, os dois personagens negros convivem com esta situação tirando o proveito através de suas tendências artísticas pela dança, capazes de cultivar uma abertura particular neste espaço marginalizado, onde podiam conviver em paz.

Esta relação sadia impressiona o adolescente, de tal forma que os momentos em que Sam e Hally estavam juntos foi de extrema satisfação e conhecimento interior.

O mundo é hostil, mas eles sabiam desanuviar as dificuldades, contribuindo para um relacionamento saudável e próspero.

Entretanto, embora Hally, o adolescente e Sam, o garçom, sejam muito amigos e confidentes, a educação discriminatória de Hally o conduz a retomar o preconceito arraigado, motivado por um acontecimento fútil, sendo capaz de ofender e subjugar o amigo da maneira mais cruel e desumana.

Deste modo, ocorre o conflito da peça e do filme, pois todo o afeto compartilhado é destruído em segundos, dando margem a uma série de confrontos, revelando ao público as nuances psicológicas dos personagens.

Se por um lado, o adolescente Hally está convencido de que é forte, autoritário e seguro, por outro se sente atordoado, amedrontado e cheio de remorsos pelos sentimentos obtusos que experimenta.

Sam ao contrário, é firme e parcimonioso em seus sentimentos, dotado de paciência e experiência que o lapidaram como um homem confiante e seguro, mas tanto quanto o amigo adolescente, sente-se abandonado e triste, com dificuldade em retomar a amizade fragilizada.

Os diálogos de Sam, Hally e Willie (que aos poucos mostra uma personalidade inesperada, no decorrer da trama) são bem construídos, passando ao espectador uma verdade, que o faz experimentar as mesmas dores.

Não se tira os olhos, nem o pensamento, nem o coração da tela. Tudo é tão perfeito e verdadeiro, que as palavras fluem tal como a chuva torrencial que cai lá fora, vista pelas vidraças embaçadas da Casa de Chá (aqui, uma metáfora, entre a realidade glamorosa dos brancos e o cotidiano “apagado” e sem encanto dos negros).

A atmosfera triste da chuva, por sua vez, destaca a amargura dos personagens.

Na verdade, o sofrimento de Hally se justifica pela intolerância racista do pai, que ao mesmo tempo em que expõe Sam e Willie a humilhações, através de piadas de mau gosto, também o envergonha por ser um homem desajustado e fraco, consumido pelo álcool.

Hally sente-se dividido entre a inabilidade em lidar com os sentimentos em relação ao pai, a concordância submissa da mãe e o encontro com o novo mundo, cheio de vida e alegria ao lado dos amigos que o viram crescer.

Novamente, ao final, a chuva mostra os dois mundos que se dividem, a chuva lá fora, fria e densa, atrapalhando o percurso de Hally na bicicleta.

Talvez esta corrida na chuva signifique além do sofrimento e do remorso de perder o amigo, um batismo para uma nova vida, lavado pela água que lhe encharca a roupa e empoça as ruas.

Na Casa de Chá, através das vidraças embaçadas, o ruído forte da chuva faz coro para a dança de Sam e Willie.

Serão dois mundos que se separam ou que se completam dali para a frente?

Uma estrada paralela que se afasta ou uma encruzilhada que os une?

É um filme emocionante, repleto de descobertas e perspectivas a serem refletidas.

MAESTRIA DE MATAR

Percorro este corredor repleto de livros e fico me perguntando se valeu à pena. É só por um momento, mas vez que outra me vem esta dúvida.

Não sei, agora nos meus 81 anos de idade, pensando no passado, faria tudo de novo, do mesmo modo impensado, ou talvez excessivamente planejado.

De qualquer maneira, sinto um vazio imenso, olhando para estas estantes cheias e sentindo o coração apertado, por não saber ao certo, se o que fiz dará frutos verdadeiros.

Guardar livros, raspar o tacho das pesquisas, me parece uma coisa divina e ao mesmo tempo perigosa.

Às vezes, podemos nos deparar com algum livro, que traga oculto em suas paginas um segredo terrível. Foi o que aconteceu comigo e que me levou a tantos devaneios.

Agora, cansado, percorro estes corredores escuros e sinto uma ponta de orgulho, não fossem os fatos acontecidos, o peso da culpa e o medo de ser descoberto no final da vida.

E se descobrirem que este amante dos livros, também amante da vida e das mulheres, foi um amante da morte.

Planejar com cuidado dias a fio, cada gesto, cada movimento mais leve, cada passo em falso das pessoas que elegi e aproximar-me devagarinho do seu final.

Não foi uma coisa fácil e ainda não é para mim. Mas sinto que tudo pode acontecer novamente, a qualquer momento.

Mesmo sozinho, viúvo, após tantos anos de convivência, vivendo quase à prestação, ainda temo estas coisas.

Só me restam poucos sons na casa. Poucas vozes que vem ao anoitecer, temerosos que eu morra a qualquer momento. Não sabem então que tenho uma saúde de ferro?

Hoje me foi apresentada uma senhora diferente: nada demais na figura. Era idosa, cabelos pintados de loiro, roupas discretas e felizmente de pouco falar.

Meu filho, que não via há anos, me veio com a novidade.

— Papai, esta é Dona Berenice. Vai ficar com o senhor à noite. Vai ajudá-lo a tomar os remédios ou mesmo preparar o seu banho ou caso precise de alguma coisa, um café na cozinha. É melhor que ela lhe ajude e assim o senhor não ficará sozinho.

Era só isso? Ela pensa que sou idiota. Ficará ali, sentada na sala, na melhor poltrona, lendo revistas fúteis, de fofoca, aguardando a minha morte. Quem sabe esta noite? Ou no próximo domingo? Sei que só se preocupam com isso.

Não fica bem, o filho, um empresário de renome, morando na capital, deixando o velho pai, viúvo e solitário nesta casa enorme, sozinho, aos 81 anos de idade. Não sabe ele que sou muito forte e sadio e quando a minha hora chegar, não é preciso de tutores, de alcoviteiras esperando o desfecho.

Mas tudo bem, ela que fique e ele vá embora, tratar de seus negócios.

Felizmente agora estou sozinho, durante o dia, me dão mais liberdade. Posso passear pelos meus livros, arrumar as estantes devagar, examinar cada capa nova ou antiga, reler os clássicos, a bíblia, os livros proibidos. Será que ainda existem livros proibidos para a minha idade?

Gosto de ficar por aqui, sentar-me nestas mesas de verniz escuro onde tantas pessoas exerceram a intimidade com os livros, pesquisaram em suas páginas, apropriaram-se de seus conhecimentos, seus encontros com a verdade.

Lembro de Laura e não faz tanto tempo assim. Ela chegou um dia, com olhar tímido, gestos hesitantes, fala macia e diminuta. Precisava fazer uma pesquisa para uma monografia, não lembro bem do que se tratava.

Deve fazer 10 anos, é verdade, foi na copa de 96 e os horários estavam meio truncados, por causa dos jogos.

Ela veio num horário destes, em que a biblioteca estava fechada. Bateu na porta, vigorosa, eu atendi, do jeito que estava vestido, pijama e chinelos de lã.

Aproximei-me da vidraça da janela e espiei por detrás da cortina. Pensei irritado, porque não ia para uma biblioteca pública ou da Universidade. A minha não passava de um arranjo de livros particular, que não se limitava a determinadas áreas do conhecimento, mas a qualquer coisa que aparecesse por lá.

Voltei as costas para a janela e regressei ao meu quarto, mas aquela batida intermitente me incomodava.

Retornei irritado, disposto a despachá-la de uma vez por todas. Mas não o fiz, ela parecia bem desesperada. Parece que queria mais do que livros. Queria falar comigo.

— Se o senhor puder abrir, atender-me nem que seja por um minuto, para orientar-me para outra visita, por favor, lhe suplico.

Dizia tudo de súbito, quase sem respirar. Percebi que era uma jovem bonita, de estatura média, cabelos negros e meio despenteados, talvez em virtude do vento que fazia um zunido sinistro no corredor que conduzia ao quintal da casa.

Explicou-me em seguida sobre o trabalho pesado que teria pela frente, na área de história, agora me recordo, mas que precisava, antes de mais nada falar comigo, pessoalmente.

Eu lhe expliquei do horário alterado, a cidade estava deserta, só as folhas farfalhando, fazendo barulho pelas calçadas.

Ninguém se atrevia a sair em dia de jogo do Brasil. Ela não se importava com o jogo. Eu também.

Entrou agradecida, pedi-lhe que sentasse na poltrona que ficava bem defronte onde eu acabara de sentar.

Fiquei quieto, observando-a. Vestia-se com discrição e na mão, um bolsa pequena, mas repleta de sabe Deus o que, que fazia barulho a qualquer movimento. Vez que outra, ela enfiava a mão, como se para certificar-se que tudo estava em ordem. Puxou os cabelos para trás, respirou fundo e começou.

Primeiramente desculpou-se por ter insistido e logo em seguida, deu o recado:

— Trata-se de sua mulher.

Estremeci. Minhas pernas e joelhos batiam descontrolados. Por que falava de minha mulher, que ela tinha a dizer sobre ela, que havia se suicidado há três anos? Quase a despachei dali mesmo, sem querer saber nada, mas me contive, calado.

Minhas mãos tremiam e minha cabeça parecia imitar o movimento, pois estremecia sem que eu pudesse controlá-la.

— Ela não se suicidou. Na verdade, foi arrebatada, compelida por uma leitura.

Quando ela afirmou isso, levantei-me com esforço da poltrona, mas o fiz irritado, pedindo uma explicação. Depois calei-me. Estava exausto, não tanto pela idade, mas pela intromissão em minha vida, assim, de forma tão repentina.

Ela começou a falar em solidão, em buscas desconhecidas, em fenômenos aleatórios, em destino.

Pedi, supliquei que parasse.

Era tarde demais. Tarde no adiantado da hora, tarde para saber.

Que me interessava agora, naquele momento, qualquer revelação; nada tinha sentido.

Nada adquiria sentido há muito tempo. Melhor era deixar para trás.

Olhei para a porta, esperando que ela saísse.

Fazia um silêncio danado na rua.

Os ponteiros do relógio se arrastavam, um passando pelo outro, esperando uma resposta. Uma resposta que não mais significava nada.

Ela saiu desiludida, atrapalhada numa chuva de pingos grossos que começava a cair.

Avistei-a correndo, saltando entre as poças, pisando nas calçadas de lajotas quebradas, que emparelhavam com a rua alagada.

Hoje sei que se a tivesse ouvido, não teria esta sensação de vazio, de abandono.

Tudo que ela relataria, descobrira mais tarde no diário de minha mulher. Mergulhada nas teorias suicidas de um velho livro de bruxarias, coisas espúria e sem qualquer nexo científico, mas extremamente arrebatador, a levara ao desfecho final.

A partir daí, fui me tornando cético, tendo de aprender as técnicas que levassem à morte, não por feitiçarias ou qualquer outra forma de magia, mas as diversas maneiras de matar que aprendera nos livros. Livros de todas as áreas, todos os temas, mas que exclusivamente tratavam do assunto que me encantava.

Por isso, hoje, sou mestre nesta arte.

E esta mulher, esta Dona Berenice que virá aqui, esperar a minha morte, contar os minutos para livrar-se do estorvo, arriscar-se nas suas leituras medíocres imaginando-me alienado e frágil, não perde por esperar.

Seguirei meus rituais, exercerei em sua estrutura vulgar, a maestria do conhecimento inexorável: o ato de matar.

Percorro este corredor repleto de livros e fico me perguntando se valeu à pena. É só por um momento, pois vez que outra me vem esta dúvida. De todo modo, fico numa euforia há muito não experimentada, embora não saiba ao certo , se o que farei dará frutos verdadeiros.

domingo, outubro 23, 2016

Meu pai, a jawa e o Irmão Cassiano

Meu pai largou a maleta de ferramentas sobre a mesa, falou rapidamente com minha mãe e convidou-me a sair. Como sabia de nosso destino, segui-o rapidamente. Parecia um pouco irritado, conhecia aquele vinco entre os olhos, como se analisasse detidamente algum documento.

Subi na velha Jawa, uma motocicleta dos anos 50, enquanto ele dava a partida no pedal. Seguimos rápidos pela rua Dr. Nascimento e chegamos à escola.

Já na portaria, encontramos o Seu Miguel, que nos cumprimentou e foi rapidamente chamar o Irmão Sagres, o orientador da turma. Quando chegou, após os cumprimentos, ele não parecia interessado no assunto de meu pai. Batia uma bola de vôlei, no chão, desatento. Meu pai insistiu no problema, afinal, ele viajaria com a família por duas semanas, era um assunto urgente e não haveria como eu permanecer na cidade.

Irmão Sagres acabou informando que não era problema dele, que devia falar com o Diretor.

Mas afinal, perguntara meu pai irritado, o senhor não é o regente da turma?

Nada parecia importunar a atitude do professor, ao contrário, a falta de educação se acentuava em despachar o meu pai, informando que tinha mais o que fazer.

Meu pai então dirigiu-se ao gabinete do diretor, me deixando ali, pelo pátio da escola.

O professor afastou-se, talvez aliviado por não precisar decidir qualquer coisa sobre a nossa viagem. Ou talvez, porque estivesse interessado em outras coisas mais agradáveis.

Enquanto meu pai resolvia os problemas com o diretor, comecei a passear pela escola, subindo rapidamente uma escada que dava nos compartimentos dos irmãos.

Seu Miguel, que tinha olhos para tudo, me impediu, obrigando-me a descer. Tentei explicar que tinha muita curiosidade pela biblioteca que ficava no mesmo corredor, bem ao lado do anfiteatro, mas ele fez ouvidos de mercador e me indicou a escada para que descesse.

Então, fiz a ronda pelas várias salas de aula, que a estas alturas estavam vazias, pelo adiantado da hora.

Como era inverno, já anoitecia e as luzes eram acesas.

Na penumbra, vi passar uma pessoa dentro de uma sala, com a atitude meio estranha de cerrar e abrir ao mesmo tempo, as cortinas.

Aproximei-me da porta e vi Irmão Cassiano, o nosso antigo professor de religião, andando pela sala e puxando com força as cortinas, quase desprendendo-as dos bandôs.

Intrigava-me aquela atividade de fechar as cortinas e ao mesmo tempo, abri-las com a mesma energia.

Aproximei-me, cumprimentei-o, mas ele nem percebeu a minha presença.

Continuava em seu trabalho com uma determinação incrível. Perguntei se não precisava de ajuda.

De súbito, ele parou e aproximou-se de mim. Senti um certo temor, como se ele fosse empregar a mesma força, empurrando-me porta afora, ou dando-me um safanão.

Mas ele não disse nada. Só sorriu.

Observei que seus óculos arredondados estavam tortos e seus olhos miúdos e azuis se ressaltavam quase por cima da armação. Os cabelos brancos, penteados para o lado, caiam-lhe na testa, desavisados.

Em seguida, ele afastou-se em direção à porta em passos miúdos e voltou-se para mim antes de sair. Então, perguntou:

— Fez os temas de hoje?

Eu pretendia responder-lhe que não tinha mais aula com ele, mas apenas assenti com a cabeça.

Foi aí que ele insistiu:

— Tem uns meninos que estão interessados em aulas sobre sexualidade, mas a grande maioria dos alunos está interessado nas nossas aulas de religião, como devem ser dadas. Por isso, para aqueles, darei explicações individuais, caso seja estritamente necessário. Você não é um daqueles, não?

Eu, como toda a turma do ano passado, era um daqueles sim. Também colocara como item principal no questionário, o tema sobre sexo. Mas respondi que não. Ele suspirou, aliviado:

— Ainda bem. Não falta tempo para estes meninos aprenderem estas coisas. A vida se encarregará de ensiná-los no momento certo, quando tiverem maturidade para isto.

Ele se afastou sem dizer mais nada. Fiquei ensimesmado, pensando que alguma coisa acontecera na mente do professor. Ele parecia desorientado.

Em seguida, ouvi os ruídos de cortinas sendo abertas e fechadas. Ele continuava na sua tarefa metódica de abrir e fechar o mundo. Tal como fizera com o questionário. Só, que lá, se preocupara apenas em fechar. E o conhecimento que desejávamos, cada vez ficava mais distante. Talvez já naquela época, a insanidade já se alastrava em sua mente, enquanto a sexualidade exacerbava em nossos físicos e espíritos. No entanto, nosso conhecimento se dava sem nenhuma informação científica, o que aprendíamos entre nós, era via de regra, de maneira distorcida.

Quando ouvi me chamarem, percebi que meu pai me procurava irritado. Queria saber onde eu andava, porque não me esperara lá embaixo, na portaria.

Pretendia explicar-lhe que estava só passeando pelo colégio e falar-lhe da esquisitice de Irmão Cassiano. Mas decidi ir direto ao assunto e perguntar-lhe como tinha sido a conversa com o diretor.

Ele me cortou rápido:

— Vamos pegar a Jawa e tocar em frente nossas coisas. Aqui já resolvi, tudo, apesar da burocracia!

Na saída, encontramos o Irmão Sagres, que perguntou, tentando ser gentil: conseguiram o que queriam? E meu pai foi direto:

— Sim, mas não com a sua ajuda!

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A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

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