domingo, novembro 09, 2014

O PROJETO DE LEI

O conto "O projeto de lei" foi finalista do 2 º Concurso de Contos de Santo Ângelo (RS), promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de Santo Ângelo. Faz parte de uma antologia de contos (prêmio).


Estava a poucos metros da tribuna. Coração assaltado. A camisa ajustada no corpo esquálido. A boca ressequida, o ar faltando. De repente, ela apareceu, elevou-se numa névoa, atravessando o corredor estreito que desembocava no púlpito. Todos os olhares se voltaram, um zum-zum se ouviu, quase alarido a sua passagem. Uns riam, piscavam o olho, irônicos, outros acenavam uma dúzia de pedidos e a distribuição insana de favores. Eu continuava convicto, confiante nas propostas, nas ideias e em sua escalada a um posto tão alto. Vivia lá, com minhas rabugices e meu cavalo acompanhante. Vez por outra, o via pela janela do sonho: pobre coitado, tão raquítico quanto eu, pelo desbotado, sem vida, puxando o resto das gentes de bem. Eu ali, domando a vida, dominando e dominado por ele. Às vezes, me ouvia, quieto, abanando as orelhas, sem discussão. Noutras, fincava pé, engatava o casco nos paralelepípedos irregulares, levantava a cabeça arrogante e me olhava de soslaio. Não tinha Cristo que o convencesse. Via de regra, me seguia paciente. Andávamos pelas ruas ensolaradas ou frias e chuvosas, tanto faz. Pra nós não tinha dia ruim. Só a a cata insensível do lixo. E cada vez se amontoava mais, aos nossos olhos: latas de alumínio, garrafas plásticas, vidros, até livros. Ele tinha os seus caprichos. Houve ocasiões em que se recusou a carregar certas coisas. Não atinava, o bobo. Na cabeça dele, eu ia carregar vira-latas mortos, crianças abandonadas, comida bolorenta. Difícil explicar-lhe. Uma, que ele não entendia. Outra, que era teimoso feito burro, se o fosse! Até que a encontramos, os dois: estava na esquina, com um megafone fazendo publicidade e fantasiada de … bem, nunca descobrimos de quê, mas era uma coisa estranha, mistura de carnaval, com prenda, coisa difícil de assimilar. O chapéu amarelo na cabeça definia o visual e um cartaz com o nome do partido. Então não tivemos dúvidas. Nosso voto foi pra ela. Tanto que estamos aqui, hoje. Ela não convenceu todo mundo, mas todo mundo fez questão de votar nela! Acho que pra fazer um teste ou para brincar de votar. Coisas do povo! Nós, ao contrário, demos o voto consciente. Eu e ele. A partir daí, a família, os parentes próximos, os vizinhos.
 Ela não faz figura entre seus pares; riem, mascam as palavras quando pronunciam o seu nome, tentando engolir em seco a fatalidade de dividirem a mesma mesa. Mas agora estava lá, atravessando a cerca de madeira envernizada, que divide os vereadores da plateia. Aplaudimos sem cessar. Meu companheiro lá fora, contava as pedras da rua, batendo as ferraduras, esperando o resultado. Estava aflito, tanto quanto eu. Padecia sozinho, o pobre. Que fazer, se não esperar? Era nosso destino e agora, estamos prestes a construir aos poucos o caminho que alicerçamos. Antecipar o que já era certeza nos sonhos. Alguns olhavam enviesado, outros cochichavam e o riso resumia o sussurro desavisado do ambiente. O presidente solicitou silêncio. Percebi que o fazia, esgueirando-se entre a conivência com a plateia e as normas da casa. Sorria com o canto da boca e seus olhinhos miúdos perfilavam outros olhares que entendiam o recado. Em seguida, sentou-se, alisando a barriga na direção dos pés. Acomodou-se, pegou uns óculos que lhe caíam na ponta do nariz e pontuou qualquer coisa no formulário branco. Um visto qualquer. Ela bateu no microfone, que nos doeu os tímpanos. Um alô, alô, alô infinito. A voz sonora e atravessada, tão semelhante a nossa, sem entonação, sem timbre agradável, sem locução adequada. Tentou falar e o fez amiúde, mas quase não disse nada e se o disse, foi daquele modo desajeitado de falar sem dizer nada. Prolixa. Lembrou da doação de galinhas para uma creche e todos caíram na risada, agora em alto volume, acompanhados uns dos outros, assim, em uníssono. Eu até tentei explicar para um senhor ao meu lado, um homem calvo, olhar disperso, que também ria como os demais e fazia uma espécie de assobio aflito, como se lhe faltasse o ar. Não havia motivo para rir, pois o que dissera era a pura verdade. Ele apalpou o ouvido e perguntou: hein? Então, calei-me e voltei-me para a tribuna. Ele tornou a rir e a assobiar. Na mesa, um vereador mais à direita, escrevia num calhamaço de folhas. E o fazia olhando para o público, as têmporas brilhavam de suor e vez por outra, arrumava a gravata que teimava em inclinar-se apenas para um lado. Quando a olhava, não via nada. Apenas o que já tinha na retina. Suspirava, passava a mãos pelos cabelos ralos e acentuava a censura através do aceno incessante da cabeça. O outro, à esquerda, ouvia-a, preocupado com o relógio. Divergia, por certo, da fileira de fatos distorcidos e enumerações sem sentido que ainda ouviria, até acabar o tempo a que ela tinha direito. Quando muito, esperar que acenasse para o projeto de lei, que tinha em mãos, do qual ela destoava de qualquer apreciação, sem alcançá-lo nunca. O que ficava mais ao centro, fitava patético, o auditório. Vez por outro cutucava colega e argumentava baixinho : “Tenho certeza que alguém executou este projeto por ela. Ela nem entende o que lê!”. Este limpava os óculos pesados, com a mão untada em álcool gel enquanto ajeitava o fone nos ouvidos. Junto a tudo, produzia um muxoxo, sacudindo os ombros. Eu me perguntava, como ele conseguia elaborar tantas ações consecutivas! Desviei a cabeça daquelas caras alheias à figura na tribuna. Nem ousei encarar a loira que se desviava entre os vereadores, trazendo papeis para assinarem, dando pequenos avisos, informando determinadas orientações. Ela não se furtava também em apreciar o público e esperar, talvez, que a apreciassem também. Enviava olhares sinuosos, bocas solicitas, que prometiam coisas obscenas. Mais tarde, soube que também era do quadro. Quem teria votado nela? Gente como eu, pensei, que vota pela publicidade e pela mídia. Uns pela experiência, outros pela figura agradável que aparece em todas as campanhas, em todos os canais, em todos os palanques, em todas as esquinas (são onipresentes), outros talvez pela esquisitice, pelo acabrunhamento das ideias, pelo favorecimento, pelo agrado, pelo beneficio. Outros ainda, pela rotina. Habituamos à imagem. Se morrem, choramos como se perdêssemos os mártires de nossa salvação. Se são presos, perdoamos como uma mãe negligencia a culpa, mas não o amor ao filho.
Meu companheiro deveria estar impaciente lá fora. Talvez imaginasse os inúmeros quilômetros que ainda restavam para atravessar a cidade. Então, me dediquei à imagem dela e até me esqueci do discurso. Tinha o cabelo contido pelo fixador, embora as pontas rebeldes aflorassem, vitoriosas, na arrancada pro céu. Seus olhos eram vermelhos, afundados, os dentes grandes e exageradamente brancos, perdidos na boca frouxa, desabitada e pouco habituada com os novos moradores. Uma estampa estranha naquele palanque engessado. Seu discurso vazio e mal engendrado fadado ao fracasso. Discurso que desprezei, até ouvir a palavra “cooperativa”. Então acordei do transe e sorri. Por certo, o companheiro recebia por telepatia, a minha gratificação. Ela disparou tudo que sabia sobre lixo, leu um trecho qualquer sobre meio ambiente e concluiu novamente na expressão esperada. O que a gente pedira com afinco, ela alinhavava esperta e inteligente: uma cooperativa para os catadores da cidade. O povo aplaudia, eu doía-me as mãos e o coração de alegria. Então, afastou-se desalinhada e voltou ao lugar que ocupara. Fiquei ali, tantas horas que me perdi no tempo. Houve toda sorte de discurso, todo o tipo de premissa, de réplica e tréplica a análises e pretensas discussões. Houve quem discordasse que o trabalho informal gerasse ganho à comunidade, houve quem imaginasse algum tipo de extorsão, de exploração do trabalho e até destruição da fauna (??), também eu fiquei em dúvida. Quando contar ao companheiro, nem vai acreditar. Também pudera. Ele não entende dessas coisas, embora seja teimoso que nem burro, que ele não é, na verdade. Pertence a uma família de espécimes vigorosas, ativas, amigas e inteligentes. Ele, entretanto, foge ao padrão, a não ser a amizade que demonstra por mim. Mas não vem ao caso. O que me despertava a curiosidade, naquele momento, era a conclusão dos despachos. E era despacho pra cá, despacho pra lá, e nada da votação no projeto de lei.
Nisso, se deu o inexplicável. Retornaram as análises sobre as leis municipais, a aplicabilidade da legislação e suas conseqüências. Também discutiram se a coleta do lixo seria executada de modo a atender as exigências do Ibama ou mesmo, se respeitaria os direitos dos cidadãos que se desfaziam de seus pertences, para serem arremessados a locais inadequados, partilhando sua história entre cooperativistas. Para alguns, cooperativa, lembrava comunismo, então os humores se alteravam tal como as cores vivas de suas fisionomias assombradas. E eu, perdendo o dia, que transcorria lá fora. Uma brisa suave empurrava as cortinas de oval para o interior da sala, lambendo o meu rosto de vez em quando, escondendo a cena brilhante do palco. Suspirei aliviado, quando iniciou a votação. Uns avaliavam o documento após as inúmeras divagações que enfrentavam no decorrer das falas, porém eram interrompidos pelo presidente, que por sua vez ocupava o tempo que seria gasto pelo votante, esclarecendo que o prazo era exíguo e somente utilizado para a votação propriamente dita. Concordei com ele, menos com o palavrório arrastado do comentário. Um deles interpelava o grupo, perguntando onde estava a sineta, para a interceptação do displicente. “Era coisa de se perder o mandato!” Eu cá com meus botões, me perguntava quando terminaria a sessão, arrependido em ter dedicado o meu tempo a tanta prosa, sem nenhuma conclusão eficaz. Tudo produzia contornos inúteis e como redemoinhos, juntavam o lixo daqui para colocar mais adiante e este fazia voltas e voltas e retornava sempre ao ponto inicial. Era lixo que eu nunca tinha visto nas minhas andanças, catando pela cidade! Mas qual, meu dever era aguardar pela solução. Por isso, procurei desatinado pela minha porta-voz. Onde andaria que não a avistava? Sorri, recompensado. Aquela brisa que enviava a cortina ao meu encontro, fazia com que uma outra, tão parecida com a minha, a encobrisse por completo. E, ela, inteligente, deixou-se ficar quieta, escondida dos olhares curiosos e maliciosos, esperando a sua vez para dar o sim definitivo ao projeto de lei, que nos favorecia.
Finalmente retornaram à votação e quando o presidente anunciou o adiantado da hora, foram céleres em atingir o seu intento. Entre o sim e o não, aconteceu o inesperado: um empate. Um empate! Meu coração vibrou, desorientado! Faltava somente ela, ela, para colocar um fim em todas as dúvidas e desesperanças! Ela, para ratificar o desejo dos desfavorecidos. Por fim, bradaram o seu nome, uma duas, três vezes. “Excelência, por favor, dê o seu voto. Quis o destino que fosse a senhora a decidir esta pendenga! Vamos, Vossa Excelência está me ouvindo?”
A loira boazuda torceu o salto, deslizando no piso de mármore e puxou a cortina que envolvia o rosto da vereadora. Ela acordou, exaltada: “_Sou contra, sou contra! Bota aí que sou contra!”

A plateia em peso caiu numa risada alucinada. Algumas vozes destacavam, que a responsável pelo projeto de lei votou contra. Nem ela acreditava em si mesma! O homem ao meu lado, retomava seus chiados sincopados, tentando absorver o ar que faltava, enquanto desandava a rir. Os demais acotovelam-se nos cantos, produzindo uma farra que misturava nobres e súditos. Nunca a democracia foi tão plena! Todos riram, sacolejando os ombros e as barrigas arfantes. Eu chorei e pensei nas galinhas que ela tinha doado à creche. As crianças tiveram mais sorte. Não passou pela câmara.

quarta-feira, setembro 24, 2014

O mundo evoluiu?


Às vezes, me pergunto o que está havendo com as pessoas, com os jovens que, de certa forma, ditam as regras da sociedade em que vivem (pelo menos nos grupos que participam e nos quais exercem grande influência). Provavelmente, minha avó teria este mesmo pensamento de dúvida e estarrecimento,  na época em que todos éramos  jovens e gritávamos aos quatro ventos as nossas angústias, os nossos objetivos bem calcados em modelos distantes de sua experiência, numa vanguarda que muitas vezes assustava. Talvez coisas bem mais brandas, como deixar o cabelo comprido, a barba por fazer, um cinturão de couro na cintura, uma calça santropê, com uma nesga do lado da perna. Por outro lado, havia as discussões filosóficas intermináveis, as procuras por novos caminhos na política (para alguns), a leitura dos grandes autores e entrar de cabeça nas novas ideias, os desejos de ser livre a qualquer preço, de sair do jugo dos pais, dos professores, dos mais velhos. Não se confiava em quem tinha mais de 30, naquela época, porque em geral, eram os donos dos mesmos preconceitos, da busca desenfreada pelo vil metal, da luta diária de manter o status quo. Tínhamos sonhos de amor livre, da “liberdade” das drogas, do altruísmo de construir uma sociedade de iguais. Hoje, nós absorvemos o que de bom ficou e descartamos o que nos prejudica (nem todos), mas ficou uma mudança de valores, de paradigmas, de evolução do mundo, de amor pela natureza, de solidariedade humana. Agora, porém, os mais velhos também estão estupefatos, mas não porque alguém luta por mais avanços progressistas, ou que haja uma vanguarda nos pensamentos da humanidade. Ao contrário, parece que estamos enveredando pelo caminho das trevas, como na Idade Média. Hoje em dia, as pessoas postam comentários a favor de justiça com as próprias mãos, como no caso da jornalista do SBT, subproduto desta mídia reacionária com o slogan “adote um bandido”, debochando dos direitos humanos. As pessoas espancam os pobres e principalmente os negros, sempre confundidos com marginais. Agridem jogadores de etnia africana, fazendo bullying, com exclamações humilhantes. Atingem idosos nas ruas, extrapolam no trânsito, com uma fúria selvagem, como se todos os demais fossem apenas obstáculos no seu trajeto, elogiam os ditadores, fazem analogia à ditadura, vestem-se de nazistas para torturar homossexuais ou quaisquer pessoas que fujam aos padrões étnicos ou sociais por eles aceitáveis, fazem homenagens a Hitler, como o que aconteceu em Itajaí, SC, os homens assediam as mulheres nos metrôs, em lugares públicos, como bárbaros, os adolescentes não conseguem decifrar o que leem (quando leem). A involuçao parece cíclica. O homem, ao invés de avançar, regride terrivelmente e o pior de tudo, os jovens que deveriam manter a vanguarda dos movimentos, estão entrincheirados na fronteira da ignorância. Graças a Deus, não são todos. 

A ilustração é do site http://contosdalua2014.blogspot.com.br

quinta-feira, agosto 21, 2014

A vida andava devagar


Como morava próximo à Praça Saraiva, meu pai às vezes tomava o bonde, que saía do abrigo, via Aquidaban, dobrava na linha nova e prosseguia pela Colombo fazendo a curva na Praça. Na Bento Gonçalves, o fim da linha. Morávamos em frente à Padaria União e lembro bem, meu pai cevava o mate, apanhava a garrafa de leite da soleira da porta, comprava o pão de quilo, tomava o café e saía para o trabalho. Era o pão que nos aguardava para o café antes da escola. Recordo, certa vez em que voltava no Saraiva, com meu pai. Eu, apoiado no final do vagão, observando os trilhos que fugiam céleres ante meu olhar, escoando histórias pelas alamedas que se perdiam, homens apressados para o trabalho, crianças no caminho da escola, donas de casas afoitas para abastecer a despensa. Lembro de uma tia que estocava a tulha com cereais, pois temia uma presumível guerra mundial. Além disso, tinha por hábito, enfeitar a cozinha com artesanato em crochê. O forro do botijão que compunha o fogão Wallig, a capa do filtro de cerâmica, o guardanapo sobre a Steigleder e a toalha da mesa. Nem a tulha escapava do adorno. Ah, da cozinha para a copa, havia uma passadeira, adivinhem, de crochê. Fiquei ali, observando os trilhos que se afastavam, compondo histórias, quando meu pai perguntou por minha irmã. Nem percebera que ela ficara na parada onde tomamos o bonde. Meu pai desceu rapidamente, sem antes alertar que eu não me afastasse dali. Que faria, a não ser observá-lo pela vidraça, correndo feito um desvairado à procura de  minha irmã. Naquele momento, percebi-o como um herói dos gibis, empenhado na  defesa da harmonia e da paz. Não demorou muito e ele apareceu na janela, esbaforido, com minha irmã nos braços, pedindo que abrissem a porta do bonde. O cobrador acenou para o motorneiro, que em seguida freou, acionando a campainha, para que meu pai permanecesse no meio fio. Quando o vi, ali dentro, a paz se instaurou. Então, voltei pra minha janela, lembrando da tia esquisita, que ornamentava a casa, quase desfigurando-a de seu aspecto original. Lembro de outra tia, que varava as madrugadas organizando a cristaleira. E em minha mente, a presença de um tio, de feições aristocráticas, rosto afilado, bigode preto e fala macia, que discutia política. Mas estes, são temas para outras crônicas. A vida, naquela época, andava devagar, como os bondes.

sexta-feira, agosto 15, 2014

AS MENINAS DA SOCOOWSKI


São lindas, feias, morenas, loiras, negras e sararás.
São pobres, jovens; jovens demais. Aparentam entre 14 e 21 anos. Não se sabe precisar ao certo. Afinal, permanecem ali, na beira da calçada, sem sonhos ou direções.
Seus encantos e encantamentos se foram há tempos, na sarjeta da rua sem meio fio.
Por certo, há pouco brincavam e vez que outra, ainda o fazem, na imaginação. Brinquedos usados, roupas da última campanha, dores do desfazer, do quase inexistir.
Estão lá, considerando-se belas, cabelos despenteados, roupas que nem lhes cabem, botas compradas com o dinheiro da humilhação e decadência.
As meninas da Socoowski*.
Talvez tivessem outro destino.
Talvez não se desfrutassem nas madrugadas e manhãs frias da Socoowiski, oferecendo-se nos pontos de ônibus ou aos caminhoneiros de passagem.
Talvez tivessem outros sonhos, se a vida lhes fosse afável.
Ou não.
Buscam o que precisam, não refletem, não questionam. Seus sonhos são rasteiros e doídos, despidos de qualquer beleza. Seu aspecto é tristonho. Carregam consigo o mais torpe fardo. Seu olhar é perdido, quiçá um pensamento distante de um futuro que não lhes cabe, vasculha de vez enquanto, a mente.
A prostituição é  atividade profissional no Brasil, enquanto  praticada por adultos.
Mas serão adultas, as meninas da Socoowski?
E há os que as procuram, por isso, elas existem. Não importa se são menores ou não. Há os pais que as oferecem. E o que fazem as mães das meninas da Socoowski?
O que querem as meninas da Socoowski? Dinheiro, roupas da moda, drogas?
Certamente as drogas são ferramentas de seu trabalho.
São prostitutas as meninas da Socoowski? Ou sofreram abuso sexual intra e extra familiar?
Estão ali por que querem?
Quem entende as meninas da Socoowski?
Quem salvará as meninas da Socoowski? 

 * Rua na direção dos bairros, até a rodovia, em Rio Grande (RS)

domingo, agosto 03, 2014

Restauração da imagem por ser considerada feia

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A notícia sobre a restauração da  imagem de Nossa Senhora do Caravaggio, em Farroupilha, tem no mínimo, um quê de absurdo. Parece que  que conta realmente nos dias de hoje, é a aparência, até mesmo da imagem das santas. Fica de somemos importância a fé, o carisma de Nossa Senhora, a devoção dos peregrinos.  Segundo a maioria que reivindica a maquiagem na face da estátua, reitera a desproporcionalidade da imagem, identificando uma figura excessivamente feia e por isso, não compatível com a grandeza de Nossa Senhora. Mas onde está a grandeza,  se não um elo de intercessão entre os fiéis e Deus? Ou na aparência que deve incentivar o turismo? E que critérios foram discutidos para sugerir uma mudança na estrutura da escultura? Quais os critérios artísticos que comprovam que há uma desproporcionalidade na obra? Quem pode afirmar que esta condição que foge ao modelo padronizado  não induz a formas artísticas que produzam movimento e ideias, quem sabe uma grandeza simbolizada na força de Nossa Senhora? Que modelo de beleza é adequado  para que ocorra essa mudança, que não leva em consideração a contrariedade do próprio escultor? Quando a visitei, achei tudo deslumbrante e nem me preocupei com o tamanho da estátua, talvez imbuído por um único objetivo, o de interagir aquele momento com a mais absoluta fé. Mas para o caso que nos deparamos, fica a pergunta:  o que é mais importante para os devotos e peregrinos? Para as pessoas que procuram um regaço para suas dores, seus pedidos, seus agradecimentos? O comércio? O turismo? A beleza da imagem da santa? A fé? Ou a falta dela? É de pensar.

quinta-feira, julho 10, 2014

SERIA A NAÇÃO DE CHUTEIRAS, A GENI?

A nação de chuteiras é dos errantes, dos pobres, marginalizados, dos quem não tem mais nada. Dos que não tem porvir. Como a Geni do Chico, dá-se assim, desde menina; é um poço de bondade mas é feita pra apanhar.
Um dia surgiu a copa,  e a seleção acionada. A cidade clamou desesperada, vai Nação desenfreada, não importa o que falta, não importa o que não temos, tudo será arrumado. Vai nação e enfrenta o inimigo pra nos trazer a vitória. Não importa quem te manda, não importa quem te quer. Quem te usa é o povo. E que venha o guerreiro, tão temido, o forasteiro.
Acontece que a nação também tinha seus caprichos: ao lutar com soldado tão nobre, devia superar as falhas. Arrumar a casa, fazer acessos, pontes, caminhos, para chegar ao panteão tão esperado. Mas parte do povo, gritava descompassado. Não conseguirás. Gastas onde não deves. Deixas teus compromissos e investes na competição. Joga pedra na Nação. Ela é feita pra apanhar. Ela deve sumir. E toma xingamento na Mandatária. E toma preconceito. E toma frases de efeito. E toma protestos pra não ter competição.
Mas a Nação vilipendiada, num suspiro aliviado, tentou até sorrir. E lutou e venceu e perseguiu o rumo da competição. E a Nação envaidecida se permitiu até sonhar. A cidade em cantoria, esqueceu da letargia, da fúria e do ódio e gritou animada: vai com ele, vai Nação! Você pode nos salvar, você vai nos redimir. Você vence qualquer um. Bendita Nação!
 Foram tantos os pedidos, tão sinceros, tão sentidos que ela sonhou com os astros. A cidade em romaria foi curvar-se à Nação. O prefeito de joelhos, o bispo de olhos vermelhos, a mídia emocionada e o banqueiro com um milhão. As igrejas aplaudindo, as escolas solidárias, a elite comemorando, e políticos dando as mãos. Não importa o partido. A Nação é campeã. A publicidade vendendo Brahma , fuleco e tv, o ibope exorbitando e dinheiro a roldão.
A Nação sorriu sentida. A paz voltara e a bonança coletiva. O olhar mistificado. A sujeira? Já passado. Tudo brilho. Tudo amor. O patriotismo voltou. O campeão também. Atirou-se na arena, corpo aberto, sorriso franco e lutou contra os leões. O hino flamejante, coração apertado, o povo enternecido. A vitória do herói. Mas a força se extinguiu, o desânimo se instalou e o leão da morte venceu. O fracasso foi fatal. A nação caiu fraca, esbaforida, arrasada. E tentou até chorar. Mas logo chegou a noite, e a cidade em cantoria não deixou nem suspirar. Joga pedra na Nação. Ela é feita pra apanhar. Tá na hora de votar. Tá na hora de lembrar o que a gente esqueceu. Tá na hora de mentir. De voltar o processo velho. Tá na hora do protesto, da máscara dos black blocs e correr a camarilha que ousou trazer a copa.
Por um momento a cidade pensou: Conseguimos o que queríamos. O sonho não acabou. Joga pedra na Nação!

E segue a Nação de chuteiras.


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