A nação de chuteiras é dos errantes, dos pobres,
marginalizados, dos quem não tem mais nada. Dos que não tem porvir. Como a Geni
do Chico, dá-se assim, desde menina; é um poço de bondade mas é feita pra
apanhar.
Um dia surgiu a copa,
e a seleção acionada. A cidade clamou desesperada, vai Nação
desenfreada, não importa o que falta, não importa o que não temos, tudo será
arrumado. Vai nação e enfrenta o inimigo pra nos trazer a vitória. Não importa
quem te manda, não importa quem te quer. Quem te usa é o povo. E que venha o
guerreiro, tão temido, o forasteiro.
Acontece que a nação também tinha seus caprichos: ao lutar
com soldado tão nobre, devia superar as falhas. Arrumar a casa, fazer acessos,
pontes, caminhos, para chegar ao panteão tão esperado. Mas parte do povo,
gritava descompassado. Não conseguirás. Gastas onde não deves. Deixas teus
compromissos e investes na competição. Joga pedra na Nação. Ela é feita pra
apanhar. Ela deve sumir. E toma xingamento na Mandatária. E toma preconceito. E
toma frases de efeito. E toma protestos pra não ter competição.
Mas a Nação vilipendiada, num suspiro aliviado, tentou até
sorrir. E lutou e venceu e perseguiu o rumo da competição. E a Nação
envaidecida se permitiu até sonhar. A cidade em cantoria, esqueceu da letargia,
da fúria e do ódio e gritou animada: vai com ele, vai Nação! Você pode nos salvar, você vai
nos redimir. Você vence qualquer um. Bendita Nação!
Foram tantos os
pedidos, tão sinceros, tão sentidos que ela sonhou com os astros. A cidade em
romaria foi curvar-se à Nação. O prefeito de joelhos, o bispo de olhos
vermelhos, a mídia emocionada e o banqueiro com um milhão. As igrejas
aplaudindo, as escolas solidárias, a elite comemorando, e políticos dando as
mãos. Não importa o partido. A Nação é campeã. A publicidade vendendo Brahma ,
fuleco e tv, o ibope exorbitando e dinheiro a roldão.
A Nação sorriu sentida. A paz voltara e a bonança coletiva.
O olhar mistificado. A sujeira? Já passado. Tudo brilho. Tudo amor. O patriotismo
voltou. O campeão também. Atirou-se na arena, corpo aberto, sorriso franco e
lutou contra os leões. O hino flamejante, coração apertado, o povo enternecido.
A vitória do herói. Mas a força se extinguiu, o desânimo se instalou e o leão da
morte venceu. O fracasso foi fatal. A nação caiu fraca, esbaforida, arrasada. E
tentou até chorar. Mas logo chegou a noite, e a cidade em cantoria não deixou
nem suspirar. Joga pedra na Nação. Ela é feita pra apanhar. Tá na hora de
votar. Tá na hora de lembrar o que a gente esqueceu. Tá na hora de mentir. De
voltar o processo velho. Tá na hora do protesto, da máscara dos black blocs e
correr a camarilha que ousou trazer a copa.
Por um momento a cidade pensou: Conseguimos o que
queríamos. O sonho não acabou. Joga pedra na Nação!
E segue a Nação de chuteiras.
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