sexta-feira, maio 26, 2017

A ARMADILHA

Era magro, alto, estapafúrdio. Cabelos loiros, nariz adunco, olhar disperso. Vestia-se com primor. De nome Eugênio, julgava-se o espírito inspirador. Mais velho do que nós, esnobava qualquer gesto que imitasse seus artifícios. Esperto, namorador, conquistador das meninas do bairro.

Nós, os da turma de baixo, não passávamos de crianças e devíamos como tal sermos tratados. Às vezes, aos sábados, em pé de conquista, passava como quem flutua, olhando ao longe, pesquisando os desafios e a melhor maneira de vencê-los. Era meu vizinho, mas somente se relacionava com os de sua idade. Nós, entre os 10 e 12 anos nos preocupávamos com o destino do Agente 86, das peripécias do Major Nelson da Jeannie, dos pequeninos de Terra dos Gigantes, das vilanias do Dr. Smith dos Perdidos no Espaço ou das brincadeiras de luta livre que faziam parte de nosso cotidiano.

Eu sempre fui observador e no meio de toda a barafunda de aventuras, arriscava-me em analisar as atitudes dos que me cercavam: Seu Alencar da fruteira, Dona Judite da mercearia, Seu Joaquim da padaria, as vizinhas solteironas que rebuscavam-se em salamaleques na cata de fofocas, nas atitudes arrogantes de Eugênio.

Talvez porque gostasse de escrever, inventar histórias onde este universo do cotidiano povoasse a minha mente imaginosa.

Vez que outra, Eugênio se lançava em descobertas mirabolantes: de uma feita, inventou que a lua sumiria brevemente do firmamento, em função de um transtorno espacial, providenciado pelas irradiações das usinas elétricas.

E olhe, que naquela época nem se falava em ecologia ou preservação do meio ambiente. Inventava absurdos como ninguém para deixar-nos maravilhados pelas descobertas incríveis que fazia. Baseava as suas descobertas nas informações de radio-amador do pai, noticias que jamais acompanharíamos pelo radio ou pela tevê.

Noutra oportunidade, informou-nos que havia captado uma descoberta assombrosa, mas que não tínhamos idade para a revelação: éramos pequenos, bobos e imaturos. Deixou-nos dias na expectativa.

Falava de sombras que se agigantavam à noite, tudo muito vago, e que tomariam conta do espaço, escurecendo posteriormente o dia. Havia, segundo ele, um motivo extra

terreno, além de um procedimento que impediria tal ocorrência, mas que somente ele tinha acesso e que jamais nos contaria. Eu tinha muitas dúvidas, afinal, era muito saber, muita pesquisa, para quem havia repetido várias vezes de ano, que só pensava em namorar e tirar vantagens.

Um dia, disse-lhe que eu também tinha uma descoberta fenomenal, de acordo com os meus parcos conhecimentos e que para expô-la completamente, deveria exercer na prática os seus efeitos. Ele riu na minha cara, desautorizou qualquer conhecimento na frente de meus amigos e afastou qualquer hipótese de praticar uma experiência. Então, disse-lhe que mais dia, menos dia, ele seria o protagonista da experiência. Não desconfiaria como, nem quando, mas a solução do problema viria através de suas mãos, ou pés, quem sabe. Deixei no ar a questão: qual a força que faz com que um homem de 70 kg despenque no chão, sem que para isso, exerça qualquer esforço. Naturalmente que ele respondeu que era a força da gravidade, ao que os colegas juntamente concordaram. Eu disse que ele poderia estar certo, mas a segunda parte da experiência, seria feita por ele, num momento em que ele jamais esperasse.

Então planejei tudo silenciosamente. Atravessei a calçada no entardecer de um sábado, um daqueles dias em que Eugênio passava em frente da casa todo engomadinho, visando a caça do fim de semana. Como era região de praia, a areia era solta, não havia pavimento, ideal para executar a minha tarefa.

Sentei-me o chão, já preparado com uma pequena enxada, que tirara das ferramentas de meu pai e um balde de água. Cavei um buraco bem fundo, com uma circunferência pequena, constituindo uns 50cm, no formato redondo. Acomodei as paredes, fazendo uma perfeita cratera, bem alinhada. Derramei generosamente a água. Fabriquei uma tampa com hastes de taquara, previamente cortados. Depois, estiquei o papel de embrulho, perfazendo toda a extensão da circunferência, espalhando a terra por cima, de maneira uniforme, até encobrir totalmente o papel. Assobiei para os amigos que jogavam pelada do outro lado da rua e sentei-me encostado no muro de casa, à espera do acontecimento.

Os guris correram, ouviram o meu relato breve, cheio de suspense. Teríamos em seguida, a solução da experiência: a força que atrai o homem para o solo, tendo ainda com uma questão reserva: poderia haver um dispositivo que precipitasse tal acontecimento?

Os meninos estimulados queriam saber o que eu havia feito, que tipo de coisa estava planejando? Queriam respostas, interessados em que estavam no desfecho.

Alguns, contrariados, queriam voltar ao jogo, embora quisessem saber o resultado.

Eu pedia que esperassem, que tivessem calma, o momento chegaria e não tardaria muito.

Estava certo.

Em seguida, surgiu no alto de seu eterno esnobismo, Eugênio, desta vez de calça branca, camisa de seda vermelha, envolto numa atmosfera de satisfação própria e orgulho.

Caminhava austero, cabeça pro alto, nariz adunco, levantado, meio sorriso de sabedoria e esperteza. Passos certos, seguros, precisos. Nem nos olhou, preocupado em que estava em sua própria figura. Nós estávamos de olhos, bocas e ouvidos grudados em sua silhueta. Meu coração disparava desenfreado. Minha boca estremecia, meus olhos se agigantavam na pupila.

De repente, o extraordinário, o impossível aconteceu.

Eugênio enfiou vigorosamente o pé no buraco, falseando o corpo, desequilibrando e caindo ao chão, sujando de lama as calças, enfiando a cara na areia.

Caímos na gargalhada em uníssono, rindo sem parar, enquanto ele esbravejava, acusando-nos de ter feito a armadilha.

Entre risos, eu o desafiava, argumentando que ele protagonizara a solução do problema. Um homem despenca no chão, quando a força da gravidade o impele, principalmente se existe um dispositivo técnico para isso. Ou apenas, a incerteza do destino, completei.

Ele nos olhou amuado, afastou-se jurando vingança, gritando impropérios, ameaçando queixar-se aos nosso pais.

Nunca mais ouvimos as suas descobertas fantásticas, ou nos deparamos com o seu jeito soberbo de nos tratar.

Dali para frente, deixamos de lado a figura de Eugênio, embora eu ainda o cultivasse em meus escritos, cada vez com nuances mais exacerbadas.

quarta-feira, maio 24, 2017

Nunca ao entardecer

Nunca ao entardecer, pensava ela, estirando-se na grama do parque. Olhava para o céu, desconfiada de que choveria. Nuvens corriam, e a impressão é que se chocariam conforme o vento aumentasse. Mas ficava ali, quase adormecida, olhando para o céu. Se pudesse, ficaria até a noite. Mas não arriscaria a vida, num capricho desses.

Por certo, seria melhor levantar-se, tirar as folhas das árvores que se grudavam no jeans, olhar para os lados, desapercebida, e seguir em frente.

Talvez pegar o metrô, tirar da mochila aquele livro do Sartre e ficar folheando, fingindo que lê. Há tempos faz isso. Pensa que um dia acabará a leitura, mas não acaba nunca. Sartre pensa demais. Nada aproveitável, diria sua avó.

O piercing recém colocado causava certa ardência no umbigo. Dava uma leve coceira, também. Nada que fosse levá-la ao desespero.

Na verdade, se desesperava por poucas coisas. Ainda bem. Afinal a vida é uma eterna turbulência. Pra que ficar se angustiando.

Ouviu o barulho do metrô na estação.

Decidiu ficar ali, mais um pouco. Gostava de manter-se ocupada consigo mesma. Cuidar de seus movimentos. Analisava os braços que ora pendiam corpo afora.

A calça justa, cintura caída. A blusa solta no corpo, branca, de um algodão fino que deixava ver o sutiã escuro. Fixava o céu. Era de um azul quase lilás, esbranquiçado, transformado pelo sol frouxo que perdurava nestes dias sonolentos.

Pudera ficar mais tempo, esquecida do mundo, das coisas, dos seus pensamentos mais íntimos. Sabia que, como manda a filosofia budista, devia esperar. Esperar que os pensamentos debandassem, assim como vinham, desavisados. Vertentes inefáveis do medo. Sairiam, deixando-a vazia. Tudo girava de revés. Era só esperar. E esperar era o que mais fazia atualmente. Esperar o fim do assédio moral, sexual e discriminação no trabalho. Esperar que a respeitassem como mulher. Mais do que isso: resistir.

Afinal de contas, sua geração era a de resistir. Geração, não, a herança maldita de gênero, diria a mãe. Afinal, a mulher parece estar sempre em teste contínuo, tentando provar a todo momento que pode sobreviver, nem que seja por instrumentos.

O painel do voo

Não sabia o que fazer. Lambuzava-se com a salada. Um olhar no celular, outro no painel do voo.
 

Não sabe por quanto tempo ficou ali, parado, meio perdido, preocupado em mudar a situação. Seu terno era surrado e as meias balançavam nos tornozelos. Andara muito.
 

A cidade plana e quente e seca. Brasília era assim. Incomodava. Incomodava a beleza e a feiura da imensidão. 

Doía-lhe as costas. Esticou-se, pediu um café. Voltou a sentar-se no banco alto do bar.
 

Pessoas passavam com suas malas gigantescas. Tinha a impressão que levavam o mundo. Foi só uma impressão, pois seus pensamentos voltaram a voar para o problema. Olhou para o alto, esfregou os pulsos. Sentiu um leve calafrio, como um desandar da pressão, um mal-estar da comida, um temor de altura.
 

O café apareceu na mesa através de uma mão branca, um meio sorriso, um afastar-se rápido na direção oposta. Quis dizer qualquer coisa: um obrigado, talvez. Não pode. A moça sumiu como desapareceu de sua imagem o que restava dela: a mão branca, as veias azuis e o café preto, borbulhante. Tomou o café, na esperança de ter um up no ânimo. Mas deixou-se ficar ali, alisando o cartão de crédito no granito do balcão. Por um momento, olhou-se na pedra brilhante. Seu rosto contorcido, fundo de colher, como num espelho de circo. Um cheiro de álcool passava entre seus dedos. A limpeza constante do bar, o esfregar de lá pra cá, como se o estivessem correndo dali. Tomou o último gole de café. Voltou para o celular. Abriu o tablet.
 

Por um momento, teve um pensamento estranho: se abandonasse o local, se deixasse o aeroporto e voltasse para o hotel. Não tinha nada a perder quanto às finanças. Tinha tudo emocionalmente. A casa, o lar, a vida que construíra, tudo estava tão longe, distante de seu controle. Via naquela moldura embrumada a mulher desenvolta nas atitudes cotidianas, levar a filha na escola, deixar com a babá, voltar para o trabalho. Via-a sorrindo com as colegas, enfeitando a escola para a copa, fazendo o artesanato das crianças, voltando para casa. Via-a agir, assumir, viver. Ele ali, parado e aquela neblina envolvendo tudo, o retrato ficando longe, cada vez mais, e as nuvens tomando conta. Tudo parecia passado, embora tão presentes em sua mente.
 

A garçonete perguntou alguma coisa. Ele nem ouviu ou se ouviu, fingiu que não. Mesmo assim perguntou se o aeroporto tinha wi-fi. Pergunta boba, mas necessária naquele momento. Precisava dizer alguma coisa e era o que lhe vinha à cabeça. Guardou o tablet na mochila, sem usá-lo. Guardou também o celular no bolso do paletó. Sentia um suor escorrer testa afora e parar na boca. Sentiu o gosto salgado e não fez nada para evitar. Alguma coisa mais forte o mantinha preso àquele lugar. Levantou os olhos na direção das luzes neon do bar e ficou imaginando as letras coloridas da escola. Certamente aquelas que sua filha decorava e enfeitava o caderno. O pequeno caderno colorido, com mais desenhos e ilustrações do que texto. Era o caderno de sua filha. Que estaria fazendo ela, aquela hora?
 

Então, voltou-se para o painel novamente. As linhas mexiam-se rápidas no seu astigmatismo. Tinha quase certeza de que era o seu vôo. Correu em direção ao painel para ver de perto. Um aviãozinho circulava pelo céu de Brasília. Ele não estava lá.
 

segunda-feira, maio 22, 2017

Garrafas ao mar

Uma garrafa pode conter muitas coisas, além do líquido, do rótulo, da tampa, pode conter por exemplo, um segredo.

Quem não tem vontade de mandar para outro continente, quem sabe, uma garrafa contendo algo estranho, como um bilhete.

E se a garrafa atirada ao mar, trouxesse boas vindas de um tempo muito antigo, tantos anos atrás, que já nem reconhecêssemos o objetivo, o texto carcomido, com um letreiro cheios de esses e efes, quando se pediria apenas vogais. Palavras esquisitas, desejos tão inocentes que não mais teriam significado nos dias de hoje.

Porém é uma garrafa que vem com um bilhete dentro e nos traz alvissareiras mensagens. É o que pensamos. É o que desejamos.

Mas e se essas mensagens não passem de apenas um desejo individual?

Como por exemplo, que o mundo saiba que em 1920 alguém comprou o seu primeiro automóvel e percorreu 35 km, a maior distância já percorrida por um carro numa estrada de carruagens?

Talvez não significasse nada. Talvez apenas um regalo para quem mandou e uma notícia blasé para quem recebeu.

Nos dias de hoje, somos levados a experienciar apenas o que nos permite ter importância, e que participemos dessa magnitude.

Não temos o romantismo e a ilusão de outrora.

Talvez não mandássemos garrafas ao mar e se o fizéssemos seria talvez como um artefato bélico que explodiria e lançaria milhares de chamas para alegrar nossas mentes deterioradas.

É, não se tem mais a ilusão dos bilhetes, nem se espera qualquer segredo, pois eles não existem mais nas redes sociais.

E se existem, servem apenas para delatar quem participa dessas mesmas redes e achincalhar o seu perfil.

Garrafas ao mar, jamais. Sonhos jamais. Apenas o cobre desairoso de nossos petardos.

A vida é bela

A vida e bela

Um dia desses, eu pensei que participava de um reality show como a Fazenda ou o abominável BBB. À cada semana, uma eliminação do face. Vai ver, que faz parte de um jogo, algum aplicativo do face do qual desconheço. Não era nada disso. Era bem mais raso e simples. Mas não fiquei incomodado.

Os motivos das eliminações nada tinham a ver com pendengas afetivas, aparentemente. Aos poucos, fui descobrindo e dando chance à liberdade.

Afinal, todos temos que ser livres para escolhermos quem queremos ser nossos amigos. Isso é muito bom. Os motivos, enfim, variavam de tendências políticas discordantes e até posicionamentos sociais considerados um pouco avançados para as perspectivas. Libertários pra mim. Nada de vanguarda, nada de grandes avanços das concepções humanísticas ou de cunho restrito aos costumes, apenas o arroz com feijão do viva e deixe viver. Algumas lutas contra preconceitos, alguns desejos de igualdade, pelo menos, a possibilidade de alguma aproximação pelas classes sociais, a conciliação entre os distanciados na realidade urbana, um encontro com os ideiais cristãos, só isso.

Mas mexe um pouco com a acomodação provinciana e conservadora de alguns. Mexe com a intolerância, com a consciência social, com os radicalismos, com a posição de senhor e senzala em que vivemos. Pessoas que amam Miami como uma saída para a civilização e que nem sabem que os americanos consideram os brasileiros, mesmo loiros de olhos azuis, apenas latinos que eles acham que são afrodescentes. Nada que nos denigra, ao contrário, mas para estes que pensam que são a pura raça ariana, deve ser uma frustração enorme, ao menos que nem se deem conta disso.

Por isso, às vezes, dava as minhas opiniões, até para chegar a um denominador comum, observando como as coisas acontecem no nosso mundo de caos de preconceitos. Um caldo de ideias conservadoras e retrógradas. Mas o mundo é assim, não vou mudar, claro, nem sou o dono da verdade.

Entretanto, me informo por várias fontes e tento ser o mais severo possível nos meus próprios conceitos. Então, não fiquei triste, quando pensei participar da Fazenda. Vai ver que ainda tenho a chance de viver o reality show da vida com mais verdade, mesmo falando menos, mesmo discutindo menos e se possível, ouvindo mais. A vida é bela.

terça-feira, maio 16, 2017

Nosso barco quase a esmo

Fonte da ilustração: Pintura de Evanoli Resende Corrêa

Às vezes me pergunto o porquê das pequenas rusgas. Não falo das grandes intolerâncias, dos descalabros das discórdias, das quase tragédias.

Penso nos pequenos desentendimentos, nas mágoas secretas por presumíveis falhas de quem nos quer bem, nos silêncios provocados para evitar a verdade, tendo em vista que a pós-verdade é o que interessa.

Que importa que o amigo, o colega ou o companheiro de trabalho não tenha falado exatamente como nos foi contado, se o que pensamos é o que vale como verdade absoluta. O que existe de tão definitivo no pensar humano, que impõe apenas uma regra para o estabelecimento da verdade, cujas variantes se encerram em um único ponto de vista. O que vale é a intenção de censurar o outro, resultando no afastamento e definindo a distância como principal mecanismo para nossas desavenças.

Por que não ouvir a outra pessoa em vez de ficar apenas com uma única versão? Talvez porque o homem defina para si o caminho mais fácil, que não confronte com as ideias diversas, já que discorda com veemência das posições que fogem ao seu senso interno, e talvez por isso escolha o trajeto sem curvas e sem voltas, de preferência o mais plano e direto. As curvas geralmente nos levam a procurar outras saídas, e isto talvez nos dê mais trabalho e desconfiança, quiçá, medo.

Melhor agradar e confiar no alcoviteiro, embora a sua crítica se expresse a partir de um pensamento único, não observando condutas que conversem com outras perspectivas.

Melhor viver às escusas de momentos do que partilhá-los na íntegra, porque em nossa consciência atribulada, sabemos que a verdade não é tão manifesta , estreita e regateada. Ao contrário, exige mudança de paradigmas e certezas efêmeras.

Quem sabe, possamos encontrar a verdade apenas com um sorriso, um abraço, um carinho de amigo. Elementos estes que servem de âncora para firmar nosso barco, às vezes quase a esmo.

sexta-feira, maio 12, 2017

O detetive e a cerveja alemã

Samuel Smart era o nome dele. Dizia-se detetive particular e tinha tanto sigilo, que temia que o chamassem de detetive. Certa vez, estávamos num bar tomando umas cervejas e o chamamos, mas ele nem nos olhou. Ficamos nos perguntando o que estava acontecendo , eu e outro amigo que comemorávamos qualquer coisa, como o início do verão, ou apenas o simples motivo de nos reunirmos.

Afinal, Samuel Smart era nosso conhecido há muito tempo, não que tivéssemos uma amizade mais próxima com ele, mas a intimidade se dava devido à pequena distância de seu escritório como o nosso trabalho. Às vezes, o encontrávamos ali mesmo, no bar, com uma história capciosa, mas aquele dia, especialmente ele nao queria a nossa presença.

Tempo depois, voltou assoberbado e até ofegante, passando por nós e evitando conversa. Não deu outra: resolvemos tirar a limpo o que estava acontecendo. Levantamos da mesa e fomos ao seu encontro. Samuel disfarçava, olhava enviesado para os lados, procurando não dar na vista. Insistimos, queríamos saber o que estava acontecendo.

Ele então confirmou, irritado:

— Eu estava numa campanha, numa investigação importante, entende? E vocês começaram a me chamar por detetive, estavam colocando tudo a perder! Não podia responder.

— Mas qual era o caso? – Perguntei displicente.

— Como assim? Acha que não tenho sigilo com os meus clientes?

— Ah, você sempre dá uma dica. – Acrescentou o meu amigo, que a estas alturas estava um pouco alto. Insistiu com Samuel. – Você até contou que tava perseguindo uma mulher que traía o marido e que era ...

—Cala a boca, você quer me prejudicar?

Eu então fiz o convite crucial. Perguntei se não queria sentar a nossa mesa. Ele foi definitivo:

— Quando estou a trabalho, não bebo.

— Mas você já não terminou a investigação?

— To no processo, você sabe. A coisa não acontece assim, de uma hora pra outra, não é tão simples assim.

O meu amigo perguntou, irônico:

— E você não tem medo de ser capado por algum marido descoberto?

— Não diga bobagens. O cara fica tão desesperado que quer fugir e esquecer até que eu existo!

Decidi encurtar o caso. Melhor era voltar para a nossa beberagem e curtir o fim do dia. Perguntei pra Samuel:

— Você viu a nova cerveja alemã que tá no mercado? Viu a data, você que sabe tudo, grande detetive.

— Você está me zoando.

— Sério. É de 1945. Já tomou? Olha o selo na garrafa.

Samuel aproximou-se do balcão, examinou bem a garrafa, passou a mão pelo rótulo, pela tampa, tentou decifrar o que dizia em alemão e concluiu:

— Não tem importância a data.

— E por que não? – Perguntei, intrigado.

— Porque deve ter outra fresquinha aí dentro. Essa já tomaram naquela época.

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domingo, maio 07, 2017

Um pouco sobre A BARCA E A BIBLIOTECA: um romance sobre como livros também foram sitiados em tempos de repressão

A história trata dos vários olhares do homem em consonância com o seu cotidiano, alicerçado nos valores que concebe para a sua vida.

É a trajetória de um homem (César), que aos poucos vai conhecendo a verdadeira história de seu pai e o quanto ela ainda o influencia nos dias atuais, forçado de certa forma, a recorrer ao passado e reconhecer nele um caminho novo, de liberdade e orgulho, que não identificava antes. Uma história que vai modificar e completar a sua. Com o conhecimento destas vivências, cresce como ser humano.

Tudo começa nos anos sessenta, cuja curiosidade infantil o impulsiona a conhecer determinados documentos estranhos que parecem comprometer o seu pai, e que tanto o angustiavam pelo forte conteúdo político que continham.

Ao mesmo tempo vivia a sua vida de menino, confrontando a fantasia de aventurar-se na barca á beira do cais, sempre impedido pela mão forte do pai, ao mesmo tempo, que por outros caminhos, imergia no mundo sagrado da biblioteca, batizado que fora nas letras, podendo singrar os mares tal como os navegadores antigos, sem que houvesse qualquer intervenção.

Aqui ocorre a metáfora da barca que não ousara entrar, mas que se materializava no ambiente dos livros.

Em meio a tudo isso, há a luta política do pai, como voluntário no Movimento da Legalidade, quando Brizola instalava a rádio nos porões do Palácio.

Em decorrência destas atitudes, fora perseguido, taxado de comunista e torturado, a partir da derrocada da liberdade pelo advento da ditadura.

Na fase adulta, César é envolvido no mistério dos documentos secretos do pai, onde se misturam personagens que gravitam em torno deste mesmo mistério.

Esta trama ocorre no cenário de uma biblioteca, chegando ao ápice, a partir de um crime. Ele descobre finalmente o grande legado que o pai lhe deixara: a liberdade de escolha calcada na sabedoria da tolerância.

Nesta atmosfera misturam-se sentimentos muito fortes, mas bem distantes dos relacionamentos idealizados de sua infância.

Este livro está à venda no site da Editora Metamorfose http://www.editorametamorfose.com.br/livro.php?pid=960 , na Livraria Vanguarda (Rio Grande e Pelotas) e pelo telefone: (53)999013508 e pelo site da Amazon.com.br

sexta-feira, maio 05, 2017

E a dor da saudade?

Muitos poetas, escritores, músicos e filólogos já reviraram de ponta-cabeça a palavra saudade. Um sentimento melancólico causado pela ausência de pessoas a que se estava efetivamente muito ligado.

O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa mostra o termo saudade oriundo do latim “solitate”, isolamento, solidão, através das formas “soidade” e “suidade”, soedade , suydades , até à saudade na atualidade.

Como falar de saudade, se é um sentimento que se bifurca entre a alma e os sentidos, uma sensação de melancolia e vazio, da espera sem o retorno, da falta sem a presença. Uma palavra que não se traduz em outra língua, pela impossibilidade de demonstrar a amálgama de sentimentos que compõem o seu universo.

Mas os poetas a expressam com tal excelência de espírito, que a traduzem em nossa compreensão de mundo. Se não vejamos os versos do Chico Buarque, na música “Pedaco de mim”.

“Que a saudade dói como um barco/E evita atracar no cais”.

Através da figura do barco que se afasta e se desvia do cais, configura-se a interrupção do retorno. A saudade é a volta que não se conclui.

“É assim como uma fisgada/No membro que já perdi”.

Aqui, o poeta mostra a dor no lugar absurdo da ausência; pungente e aflitiva, que consome e tortura. Isto é a saudade.

A saudade afigura-se num corte cirúrgico da existência, como se comprova nos versos da mesma música.

“Que a saudade é o revés de um parto/A saudade é arrumar o quarto/Do filho que já morreu”.

A crueza do fracasso da esperança que aflorava, se transforma em desesperança. A ausência “do filho que já morreu” não permite o movimento mínimo de estabelecer uma ponte entre a mãe e o filho, o que seria natural. A saudade é essa impossibilidade de atravessar a ponte.

A saudade, porém institui uma regra pessoal, à medida em que se manifesta em nossa solidão, pela falta da pessoa amada, do(a) filho(a), do (a)amigo(a), dos pais. É um processo constante e rotineiro, e por mais que queiramos prosseguir o cotidiano, ela interefere a cada momento, em virtude da ligação ao objeto de nosso afeto.

Entretanto, por outro lado, a saudade permite quantificar a qualidade de nosso afeto e precisar a necessidade do encontro, da convivência, do carinho, dos pequenos segredos e grandes silêncios ou apenas do sorriso que nos conforta e amolece a alma.

sexta-feira, abril 28, 2017

O Professor Pardal das palavras

A palavra desvenda a nossa compreensão do mundo, trasmitida pela oralidade, cuja mensagem legamos às gerações pela sua representação gráfica.

Pesquisando sobre a criação de palavra novas, percebi que algumas eram inventadas por escritores de várias épocas e nacionalidades. Não sabia, por exemplo, que o substantivo “robô” fora criado pelo escritor Karel Capek, da República Checa, cujo significado “trabalho escravo” definia o estilo de produção mecânico em seu livro “Rossum’s Universal Robots”, de 1921. Em 1941, Isaac Asimov a utilizou mais tarde e criou o termo “robótica”.

Além deles, há outros autores como John Milton, que inventou a palavra “pandemônio” e imaginem, a expressão “massa cinzenta”, foi utilizada pela primeira vez por Agatha Christie, através do detetive Hercule Poirot. Há muitas outras como: “freelancers”, de Sir Walter Scott, “factoide”, de Norman Mailer, em 1973, “capacho” criada por Charles Dickens, “ciberespaço” por William Gibson, em 1982 e “beatnik”, por Herb Caen. Mas além dessas palavras que foram incorporadas ao dicionário, temos as de João Guimaraes Rosa, como “nonada”, na abertura de Grande Sertão Veredas, que significa “coisa sem importância”, uma fusão do “non” (português arcaico) com o pronome indefinido “nada”. Ainda encontramos Luis de Camões, Carlos Drumond de Andrade, Rui Barbosa, Dias Gomes e Millor Fernandes.

Claro que aqui, há uma atividade literária, que permite ao autor expressar com mais propriedade o seu pensamento, às vezes tão profundo e inconsciente, que carece de um novo vocabulário.

Além das literárias, muitas palavras são incorporadas em nosso idioma, como periguete, pintar, ralar, blogar, baixar, pen drive. Bem, cada uma com a sua função. Afinal, a língua é um sistema dinâmico e é regida pela palavra oral, pela disseminação da mensagem pelo povo, para depois chegar a sua grafia.

No caso, dos escritores, entretanto, a oralidade está em seus personagens, o que prova que o escritor é também um inventor, uma espécie de Prof. Pardal das palavras.

sexta-feira, abril 21, 2017

Vem, morena, vem

Vida útil, vida inglória, ingrata, insólita, insana, imbróglio de leva e traz, impaciência, intolerância, dor, inútil. Tudo isso e muito mais pra te dizer, morena, que a dor que sentes agora, já senti com muito mais força e afinco, quando me deparaste na porta, de quatro, chorando feito um bezerro desmamado.

Poderias ter evitado aquilo, ser mais romântica, confiada e confiante, amada e amante, amiga e compreensiva. Só porque sou homem, que jogo futebol nos fins de semana e rebento meus meniscos, não era motivo pra me abandonares em plena quarta-feira. Em plena quarta-feira, morena, no dia que combinamos ir ao cinema, lembras do filme? Nem lembras mais, por certo. A raiva, a intolerância, o mau-humor já detonou teu cérebro, já fundiu tua mente, confundiu teus sentimentos.

Era um filme daqueles de amores transbordando, derramados, de paixões ardentes, de beijos pungentes em faces rosadas, de luzes de matizes doirados em cenários pastel. Havia até musicais, morena, e é raro um homem como eu, gostar de musical. Pensa bem, sou sensível até a flor da pele. Devia pesar estes meus bons sentimentos.

Lembras da tarde em que salvei a velhinha que estava estirada em plena avenida, cheirando a grama, nariz enfiado entre paralelepípedos irregulares e crateras emolduradas de pasto? Sei que não deu certo, morena, mas lembras, bem que tentei. Passei de carro pela avenida e vi a senhora despencar no chão, envergar-se como folha morta de outono, migrar no interior da terra, transformar-se em larva medíocre, alijada da dignidade, esperando a morte. Claro que foi noventa e nove por cento de imaginação, mas sabes, morena, sou assim, sensível e criativo. Voltei correndo, feito o Massa enfrentando a fórmula 1 e deu no que deu. A velha tinha se levantado com uma garrafa na mão e quase me jogara o vasilhame na nuca, não querendo ser internada porque não era louca. Eu declarei isso a ela, pelo contrário, tentei ajudá-la, dando a mão, revelando afeto. Mas que nada.

Deixa, pra lá, morena. Não vais entender nunca o meu ponto de vista. Se sou socialista, tu és extrema direita, se sou holístico, és radical opus dei, se sou zen, és estressante e estressada. Nossos pinos não batem. Mas nossos corações sim, ah, estes batem em uníssono.

Quando nossos corpos ficam assim, juntinhos, ressoam na mesma frequência, ah, bouquet de vinho dissipando-se nos lábios, escorregando suave pela boca, amaciando a língua e o espírito. Não tenho dúvida, morena. Nossas bocas se encontram devagarinho, na mesma intensidade, sinto teus lábios molhados, beijando meu pescoço, assim, obscena, faceira, atrevida, mordendo-me a orelha, auscultando meus ouvidos, enquadrando meu coração no compasso que esperas.

Também te sinto palpitar acelerada e teu peito arfar e teus seios juntarem-se ao meu corpo, afugentando os ruídos da rua, a poluição visual, as deformidades do dia. Ficamos assim, quietinhos, num pedaço de paraíso, temerosos que o tempo passe e que a mágica acabe. Somos assim, morena, unha e coração. Será que assim, que se diz? No nosso caso, sim. Sou mais coração e tu, mais unha. Aí, me deixas na sala como bode expiatório, exibindo chifres, dando razões ao mundo de servir de exemplo a teus caprichos. Um bode expiatório aos teus pecados.

Mas na quarta-feira morena, quando após o cinema, pegaríamos aquela pizzaria para passar as horas que restavam na noite rotineira de um casal suburbano, classe média, senso comum e meio medíocre. Na verdade, pizzaria, não. Sabes que detesto pizza. Mas todo mundo gosta. Como diz o Chico, naquela música, você não gosta de mim, mas sua filha gosta. Estou disperso, morena, delirando. Misturando as coisas. Me deixaste enfeitando a sala e destruindo a casa. Por que hoje, porque na quarta-feira? Podíamos pegar aquele barzinho de música ao vivo e conversar, colocar os pontos nos is, ajeitar nossas carências, ajustar nossas dificuldades.

No barzinho? Vê morena, tu me confundes. Barzinho é coisa pra louco. Ninguém conversa, só ingere cerveja porque é de praxe beber até em posto de gasolina, gritar para poder ser ouvido, entrar em fila de toalete e ouvir o cantor gritando um Fagner desalmado que mastiga as notas sem piedade. Eu por minha parte, finjo ouvir as conversas e dissimulo qualquer coisa, discutindo qualquer assunto e não dizendo nada. Tenho saudades daqueles bares em que o cara tocava um violão, baixinho, uma MPB tranquila e a gente ouvindo solitário, mesmo a dois, o que a poesia balbuciava.

Sei morena, que às vezes, não falamos a mesma língua, talvez porque nossos dialetos sejam diametralmente opostos. Eu falo galego e tu esperanto. Me querias o super-homem do Gil (quem dera, pudesse todo homem compreender, ó mãe, quem dera, ser o verão o apogeu da primavera e só por ela ser. Quem sabe, o super-homem venha nos restituir a glória, mudando como deus o curso da história , por causa da mulher) e eu seja apenas o malandro do Chico.

Eu também sonhava contigo, na figura suave que paira no ar, declarando amor, proclamando "com que com açúcar e com afeto, fizeste meu doce predileto pra eu parar em casa", mas de antemão sabias que "os amigos me esperavam, aquecias meu prato, beijavas meu retrato e me abrias os braços". Mas não somos nenhum desses, morena. Nem o Chico se enquadra, em nossos esquadros e descalabros. Nem que nossos ideais se misturem nestas imagens, nossos corações não ousam lutar para abrir as comportas que o presente fechou. Me deixaste assim, abandonado e bobo. Me roubaste um beijo e brincaste de menina em tempos de Capitu. Que pena, morena.

Somos assim, tu e eu, bobos, perdidos no emaranhado de sentimentos que não se coadunam com nossa realidade, assim, tão cheia de nós, que não fizemos e não ousamos desvendar.

Se eu pedisse, tu voltavas morena? Se eu pedisse, desvendavas junto comigo o nó cego da insegurança, do medo, do pavor de ser um quando sonhamos ser dois? Se eu pedisse, abandonavas o jeito arrogante, bamboleando quadris nas calçadas estreitas e voltavas, ensaiavas uns passos e refletias que não sou o Johnny Depp, mas também não sou o açougueiro gordo da esquina, que espanca a carne sonhando em fazer amor com a mulher? Ele faz, a gente vive. Não chegamos ser o casal da Valsinha do Chico, nem dançamos nem nos amamos na praça. Mas precisamos um do outro para não enlouquecer.

Pelo menos, não hoje, morena, não na quarta, por favor, não deixa o tempo passar, o mundo gira, a quinta chega tão depressa! Na quinta não tem cinema, nem barzinho, nem passeio à tarde. Na quinta pode ser tarde demais.

Vem, morena, vem.

quarta-feira, abril 12, 2017

Doce relação

A palavra é o desvendar de emoções, a representação fonética e gráfica de nossa simbologia pessoal e compreensão do mundo. É pela palavra, portanto, que agimos e interagimos com o outro. É a arma que garante nossa sobrevivência como ser humano. Entretanto, às vezes, ela é impossível de ser registrada, falada e ouvida e há momentos que seu significado fica desordenado e oculto, sem que possamos manifestar o mundo que a contém.

Por essa dificuldade, lembrei da interação que o paciente possui com o seu dentista, enquanto este realiza o seu trabalho.

É provável que haja centenas de artigos falando sobre o relacionamento entre o odontólogo e seus pacientes, entretanto, deve haver também muitas maneiras de tratar o assunto, pois a sensibilidade e o ponto de vista de cada um difere segundo a posição que exercem em determinada circunstânca, ou seja, de médico e paciente.

Por exemplo, há a observação do dentista sobre o seu paciente e há a percepção interna do paciente, coisa que raramente é compartilhada entre os dois.

Fico me perguntando o que pensa o dentista, quando conversa conosco, enquanto ficamos com a boca aberta, olhos arregalados como se estivéssemos no extase da morte e algumas lágrimas surgindo inquietas até o canto da boca. Dobra-se as pernas, estica-se os dedos dos pés, mexe-se as mãos, embora seja imprescindível ficar imóvel com a boca aberta e os olhos à deriva, sem ter a quem ou a quê olhar.

Na verdade, olha-se para o dentista, no caso daquele que fica em pé e mira diretamente em nossa boca e por mais que nos esforcemos em desviar o olhar, ficamos à mercê daquele exame que investiga nossas entranhas, como um detetive atento a qualquer desvio de conduta de nossos dentes desaparelhados. Sentimos sua presença próxima, suas mensagens para que fiquemos de boca aberta (boca grande, eles costumam dizer), mesmo que nossa arcada seja pequena e dificulte qualquer abertura maior, produzindo uma câimbra, como se o maxilar fosse desabar em nosso pescoço e a boca se espichasse como numa obra de Picasso. Então, movimenta-se as pernas novamente, coloca-se um pé sobre o outro, as mãos segurando a poltrona e, algumas vezes, uma segura o sugador, o que produz uma exaustão como se passássemos os 90 minutos do jogo de futebol, defendendo a bola como um goleiro precavido.

Mas lá vai aquele surfar de ferramentas em nossa boca, um desafio aos ouvidos, como se o ruído ensurdecedor da broca latejasse dentro do cérebro, atingindo nossas percepções salivares (se é que isto existe), dando aquele arrepio de giz riscando o quadro. Para completar o quadro, a inserção de algodão e gases, a resina e outros materiais de acabamento, sendo moldados, lixados, examinados, molhados e a boca enchendo de água, como se o barco naufragasse e impossibilidade de vir à tona, tal qual a vontade de vomitar sem poder expelir o material gosmento que nos invade a garganta. Sem falar nas agulhas de anestesia e os pequenos cortes, quando necessários. Então nossas mãos se agitam e tem-se a impressão que o cirurgião-dentista tem um certo prazer, como se a tortura fosse inerente ao trabalho.

Por momentos, imagino que ele olha para o lado, esboça sorriso irônico, quase psicopata e volta-se para o paciente, dobrando o seu corpo sobre ele e pergunta: “tudo bem?”. Mas como responder, segurando o sugador, a outra mão enfiada num canto da poltrona e a boca escancarada, cheia de algodões e a sensação de que daqui a pouco, o mundo acaba.

Ainda há os ruídos do lazer, provavelmente colando a resina ou outro material adequado à restauração. Aquele cilindro empurrando a dentadura, produzindo um som metálico e intermitente, o qual nos deixa na expectativa de mais um, mais dois, graças a Deus, acabou e fechararemos a boca, mas o cirurgião espera mais um pouquinho. Certamente, com um sorriso satisfeito. Só mais um pouquinho para a coisa dar certo.

Claro, que não é bem assim, ou melhor, nada acontece deste jeito. Mas a fantasia do paciente é a de quem se submete à tortura, completamente indefeso, sem a sua única arma, que é a palavra. No entanto, o cirurgião-dentista deve ter várias histórias a contar, inclusive essas de pacientes que paralisam, alarmados com o olhar intenso sobre suas cabeças e perdidos esperam ansiosos que as horas passem e o processo termine. Uma interação interessante, no nível de pensamento. A única arma do paciente, que é a palavra, lhe é impedida pela situação, mas sabemos que tanto um quanto o outro possuem o mesmo objetivo, embora cada qual o atinja de uma maneira. Que fazer? Coisa do ser humano.

terça-feira, abril 04, 2017

Dessolidões

Meu vizinho sofria de uma doença estranha. Foi ao médico, ao curandeiro, ao pastor, leu todos os livros de autoajuda, e nada. A tal da moléstia não o deixava em paz. Era um vazio no peito, uma fome de não sei o quê, um vagar assustado pela casa, um temor de qualquer coisa que não se parecesse com movimento e folia. Não tinha o que se queixar, sua vida era perfeita, muito amado nas redes sociais, vivia em noitadas, antecipada aos happy-hours cercados por amigos. Mas o que acontecia que o aporrinhava tanto? Não passava um minuto sozinho, não tinha nada que o aborrecesse de verdade, até no trânsito costumava se divertir: carro potente, som atordoante, quase um trio elétrico.

A vida se lambuzava de prazeres e o mundo nada mais era do que o seu portal de acesso. Estava sempre entre os melhores, aparecia com as mulheres mais lindas, era conceituado como um grande executivo, um homem de negócios e de valor. Até que apareceu aquela dor no peito, aquela quase falta de ar, aquela opacidade no olhar que às vezes se revelava no espelho, aquele murmúrio no meio da noite, com um ah abafado de quem sofre. Mas ele não sofria, era feliz e bem sucedido. Que diabo de doença o acometia?

Até que um dia, sem querer uniu-se a uma turma muito diferente da sua. Um pessoal que costumava flertar com leituras, com estética, com natureza, com vida ao ar livre, com família, com pequenos prazeres jamais considerados por ele.

No meio do papo, à beira da praia, já anoitecendo, começou a se questionar. Perguntou-se o que fazia no meio daquele grupo. Entretanto, deixou-se ficar, já que parecia agradável, uma sensação ímpar, que nunca tinha experimentado. Então, começou a falar de si, de suas vitórias na escalada social, nos grandes negócios, as conquistas as mulheres mais lindas e invejáveis do país. Não houve muito interesse. Em seguida, começou a se queixar. Não entendia o sofrimento do qual era passível. Afinal, a casa era sempre cheia de gente, onde ia, se reunia com as pessoas mais glamorosas, e mesmo assim, sentia este vazio, esta dor no peito, este desconforto que o atormentava. Até que um deles, um barbudo que parecia um guru oriental concluiu que ele sofria de dessolidão.

O prato estava cheio demais, de interesses perdulários, de objetivos materiais e muita, muita aparência. Não gostou do que ouviu, mas à noite refletiu.

É, meu vizinho sofria de dessolidão. Mata mais do que a solidão bem vivida.

sábado, abril 01, 2017

As cores de abril

“As cores de abril, os ares de anil, o mundo se abriu em flor. E pássaros mil, nas flores de abril, voando e fazendo amor.”

O poeta Vinícius de Moraes identifica nestes versos, o início do outono, numa perspectiva de beleza e paixão, na qual a natureza tinge suas cores, dando voz à poesia.

É abril que começa. É o outono que chega, a estação, a meu ver, mais suave e plena de matizes, cantos e poesia. Plenitude.

Como se a paz reinasse por um período até chegar o inverno.

O inverno, que para nós, gaúchos, em regra é rigoroso, em meio a ventanias e frio intenso.

Entretanto, no inverno, resiste com grandeza a flor símbolo de nosso Estado, o brinco-de-princesa.

Uma flor que vence as intempéries e justifica a sua resistência pela beleza que acolhe nossos jardins e praças.

Uma flor que viceja durante todo o ano e tem a forma de um brinco, como os usados pela mulher gaúcha.

Suas cores vão do azul, violeta, ao vermelho, branco e rosa, cujas nuances se mesclam aos coloridos beija-flores.

É tudo graça e alegria.

Por isso, me veio à mente, a canção do Vinícius, em cujos versos não admite que o bem-te-vi (a dor do poeta) chore, porque tudo é tão belo que não permite a dor.

Assim são os brincos-de-princesa. As flores de abril, de maio, de junho, do ano todo.

As flores que vicejam em nosso Estado e que se adaptam aos ambientes, suportando o frio e a geada, tal como nosso povo que enfrenta o rigor das estações.

Tudo é passível de dor, de mágoa, de melancolia, menos o confronto com o meio bravio.

Assim como o brinco-de-princesa, que floresce na primavera, a alma do gaúcho renasce para a jornada que continua.

segunda-feira, março 27, 2017

A cicatriz de uma época

Nunca a realidade deveria superar a ficção, entretanto, o homem extrapola a sua humanidade, para tornar-se apenas uma ideia, um conceito, expressado a partir de quem está no poder.

Talvez aqueles objetos observados em Auschwitz fossem apenas um signo linguístico nos quais observaríamos o que representam os sons e imagens que estão em nossa mente.

Ali portanto, os objetos abrangem muito mais do que representam na realidade, pois sua memória é impregnada de sentimentos, dores, sofrimentos das pessoas ali representadas.

Quantas vezes, a menina não imaginou um lar cuja boneca fazia parte do sonho, orquestrado por mãos pequeninas e frágeis que a transformavam no ícone do prazer infantil. Uma menina e sua boneca. A mãe e a filha. A professora e a aluna. Quantos sonhos e esperanças.

Quantas vezes aqueles sapatos passearam pelas avenidas e torceram seus saltos nos paralepípedos ou se aproximaram dos degraus das igrejas ou se afastaram por trilhos procurando saídas, transmudando-os em habituais companheiros.

Quantas vezes se esconderam sob mesas, cadeiras ou foram guardados com cuidado para serem usados no dia seguinte. E quando não houve dia seguinte, quando a força do arbítrio e da mensagem insana os levou à estratégia da ruptura com o humano, com a dignidade, com a vida.

Quantas vezes aqueles óculos redondos se debruçaram sobre livros e acompanharam páginas de poesias, ou romances ou estudos acadêmicos, ou mesmo à bíblia?

Quantas vezes acompanharam olhos curiosos na adolescência ou se mantiveram alertas, no cansaço senil, na costura em dedos frágeis ou em pontos de crochê ou tricô.

Quantas vezes não acalentaram olhos amorosos, não observaram o foco do amor ou teceram a narrativa da vida, envolta em leituras ou explicações de mestres? Quantas vezes ficaram à mesinha da cabeceira, esperando que o dono os recolhesse no dia seguinte, ao salto para o trabalho?

Mas uma vez cairam em mãos ferinas que os trairam, arremessando-os ao acúmulo de objetos sem qualquer finalidade, a não ser simbolizar a morte oriunda da mão canhestra e torpe da intolerância e o ódio?

Quantas vezes, as malas não foram cuidadosamente arrumadas e nesta organização se revelassem a alegria da viagem, a experiência dos aprendizados envolvidos, ou a simples aventura de viver?

Quantas vezes, não foram carregadas por mão firmes, com destino certo, testemunhando passeios, visitas, encontros e experiências de vida.

Quantas vezes trouxeram consigo a desilusão ou o desejo da volta, após um difícil dever cumprido.

Não saberiam jamais que ficariam à exposição para olhos assombrados, absortas em seu vazio de signo, não mais significado, não mais significante, apenas a memória do abandono, da não-presença, do não-uso, do não-retorno.

Quisera não ter visto aqueles objetos e muitos outros em exposição do massacre nos campos de concentração.

Quisera não ser um daqueles olhos assombrados com a miséria humana, com a certeza de que aqueles objetos não teriam significado nenhum, nunca mais, a não ser serem símbolos da barbárie e do desapreço com o ser humano.

Na Polônia, tão bela e restaurada, tão viva e alegre, há o exemplo onde a cicatriz não se apaga e não deve se apagar jamais.

Este é o verdadeiro símbolo a ser lembrado: a cicatriz de uma época de intolerância e ódio. Que não volte jamais.

sexta-feira, março 17, 2017

Não me perguntes

Não me perguntes porque o mundo gira, porque o tempo passa, porque os ventos sopram e o calor não se atenua.

Não me perguntes porque ficamos mais velhos, porque as crianças se deseducam e os pais se desobrigam em seus princípios.

Não me perguntes porque as coisas se substituem e o homem não vence as batalhas cotidianas e tudo se aproxima do caos.

Não me perguntes quem se corrompe ou é corrompido, quem se deixa corromper ou corrompe.

Não me perguntes se os rios secam e as indústrias expelem produtos nocivos. Não me perguntes quem polui ou quem colabora com o mau aproveitamento da natureza.

Não me perguntes quanto volume possui cada gota de chuva que se espalha no parabrisa do carro. Nem se posso juntá-las com as mãos. Pois o que sei, é que não posso medir jamais. Os hidrogênios, oxigênios e metais pesados não podem ser medidos mecanicamente, assim como não se pode avaliar nada sem comparar com nossas próprias ações, porque somos deste mundo caótico, cheio de falhas e perversões.

Somos portanto cada célula que o constitui e jamais teremos distância suficiente para qualquer avaliação. Fazemos parte do estrume. Fazemos parte das labaredas que lambem as margens das estradas, nas queimadas de baganas e falta de luz. Luz na mente, na alma, no raciocínio.

Fazemos parte dos trocados jogados no amanhecer das noites de baladas inseguras e autoridades desfocadas.

Fazemos parte dos coturnos que esmagam cabeças, quando vaticinamos mudanças ditatoriais.

Fazemos parte das madrugadas sedentas de viagens agridoce e amargas, nas vielas sombrias de casas noturnas ou nas salas enluaradas das grandes festas, regadas a vôos de comprimidos, agulhas e pó.

Fazemos parte do avanço descontrolado nas estradas, ilustrando as estatísticas de sangue ou dor, aviltando os humanos em virtude do motor potente ou da impotência dos saberes.

Fazemos parte do desdém dos votantes, inaugurando facções reacionárias, retrógradas e preconceituosas.

Fazemos parte do pensamento hegemônico da mídia, que distingue classes como quem partilha o bife, execrando os nervos e a gordura, porque o que nos é contado com oratória bem falante do narrador, é o que acreditamos.

Fazemos parte dos cartéis de idiossincrasias onde o brasileiro gosta de samba, carnaval e futebol e funk. Gostamos de tudo isso, mas de muito mais.

Entretanto, vamos pelo senso comum. E a vala é sempre a mesma.

Então, não me perguntes o que está errado. Não julgues o mal, o corrupto, o mentiroso, o ladrão, porque está em nós, no nosso mundo caótico, do qual fazemos parte.

Quem sabe, quando escolhermos as fontes e as compararmos, para acreditar em algum fato, quando pensarmos na biografia de nossos candidatos, na hora do voto, quando não incorrermos nos desvios do cidadão comum, do dia a dia, quando observarmos as leis do trânsito, do estacionamento, das vias públicas e de tantas escolhas de nossa vida, quem sabe aí, possamos até perguntar a verdadeira razão de viver ou de humanidade.

terça-feira, março 07, 2017

O VERÃO AGONIZA

Nem sempre a noite clara, a brisa entre o arvoredo, a avenida com luzes esparsas pairando sobre bancos e jardins, parecem a plenitude da paz no fim de verão. Pode ser sim o reflorescer das esperanças dos que se reencontram, o harmonizar do mate solitário no banco de madeira, o gorjear dos pássaros noturnos que sinalizam o início do descanso. Ou a emboscada da solidão que martela de leve os que carregam na mochila pesada de vazios, a busca insensata das bebidas e drogas, do ser não sendo quase nada, dos que mendigam amores e dinheiro no chão das esquinas desenhado entre folhas e luar.

Outro dia, o vi recolhendo latinhas perto do parque infantil. Fumava uma bagana e parecia procurar alguma coisa indefinida, talvez uma dúvida da qual não se livrava. Olhou-me de soslaio e sem vacilar, disparou: o que é cupincha? Surpreso, respondi indeciso: comparsa. Ele reagiu com um grunhido e silenciou. Pensei em afastar-me, mas perguntei se juntava muito material à noite. Ele repetiu cismado: me chamou de cupincha. Tentei descrever a palavra; seria companheiro? Ele riu com alguns dentes à mostra. Depois, se aproximou mais, o que me produziu algum receio. Confidenciou que um camarada o mandou levar drogas até determinado lugar, mas não aceitara. Só vivia de sua cachaça e não queria se sujar. Entendi que “se sujar", em sua linguagem, era tornar-se um criminoso. Concordei que não devia ser envolver com drogas. Ele deu uma gargalhada e me abandonou de vez, como se entrasse num mundo paralelo, do qual eu não fazia o menor sentido.

Fiquei alguns minutos observando o arvoredo da avenida, as poucas pessoas que passavam, o veraneio que agonizava bonito como abandono dos pássaros na maciez dos ninhos. Afastei-me e pensei na ética humana. Aquele homem podia não ter nada, nem esperança, nem saúde, nem importância para os transeuntes, mas tinha ética. Mesmo que tudo fossem devaneios, não importa, ali estava incrustada a ética em suas convicções mais profundas. Ética não é para todos.

sexta-feira, fevereiro 17, 2017

Alguns comentários sobre o filme irlandês " Life’s a breeze"

O filme Life’s a breeze conta a história de uma família irlandesa que tenta unir-se na crise.

O desempregado Colm (Pat Shortt), sua mãe idosa Nan (Fionnula Flanagan) e sua sobrinha Emma (Kelly Thornton) devem superar suas divergências e lutar contra o tempo para resgatar uma fortuna perdida pelas ruas de Dublin.

Trata-se na verdade de uma comédia suave e em muitos momentos, com forte apelo dramático, sobre a família de Nan, uma senhora idosa e seu mundo caótico, que abriga seu filho desempregado e preguiçoso e por vezes, quase toda a família.

Os filhos de Nan decidem fazer-lhe uma surpresa no dia de seu aniversário. Para tanto, elaboram uma limpeza em sua casa, por acreditarem que ela acumula muita coisa inútil, tranformando, segundo eles, o ambiente num caos.

Neste processo de limpeza, porém, eles se desfazem de um colchão que abrigava todas as economias de sua vida.

A partir daí, começa a luta desesperada em procurar o colchão pelas ruas de Dublin.

Neste momento, percebemos que a harmonia familiar se desfaz numa fúria quase selvagem, na busca descontrolada em achar o tal colchão, revelando-se aqui o verdadeiro caráter de cada um.

Brigam entre si e acabam censurando a mãe, considerando-a demente pela idade avançada, sugerindo inclusive interná-la num asilo.

Entre as discussões, Emma, a neta de treze anos convidou a avó a fazer um passeio pelas ruas de Dublin, deixando-os à vontade em seu objetivo.

Entretanto, com o decorrer da trama, ela interage com a avó e cada vez acredita mais em suas histórias. A influência de Nan sobre a neta aumenta em cada espaço percorrido.

O foco do filme se debruça sobre as relações familiariares, principalmente entre Nan e Colm e suas censuras aos demais componentes. Também, como já mencionado, a relação entre ela e Emma, revela-se aos poucos mais consistente, como se uma linha imperceptível de compreensão as unissem, embora discordassem em muitos aspectos.

Em meio a este emaranhado de sentimentos vestidos de amor, intolerância e ganância desenfreada, o cenário que surge com extrema virulência no filme é o estado atual da sociedade irlandesa, um País, que há algum tempo era um exemplo de sucesso econômico na Europa.

Tudo ocorre sob o humor leve, mas recheado de elementos fortes de sátira sobre as dificuldades atuais do povo irlandês. A metáfora de uma sociedade que procura a sua fortuna a qualquer preço e que parece meio perdida em seus princípios da dignidade humana.

Afinal, sem explicar muito o filme, retomamos a história de Nan, uma mulher de 78 anos, que após a viuvez e ter visto seus filhos adultos, tem a impressão de que não amadureceram e permanecem presos a sua saia, conformados em sua vida comezinha e envolvendo-se no seu cotidiano.

Parece que não conseguiram superar o colapso da economia irlandesa e voltaram à casa materna, tal como um dos filhos, que traz toda a família para morar em sua casa.

No entanto, o diretor sinaliza com uma mudança positiva, pois na busca desenfreada e insana pelo dinheiro que está no colchão, eles acabam não mais se importando tanto nesta busca e no desfecho, mas na própria viagem que fazem juntos, o que justifica o verdadeiro tesouro.

Talvez nem se deem conta disso, mas seus corações ainda batem por um pouco de dignidade e humanidade.

A neta Emma, que sempre está ao lado de Nan é uma lufada de ar fresco na trajetória empreendida. Afinal, são polos opostos da vida de duas mulheres, cujo resultado é mostrado ao espectador de forma sutil e comovente.

Sinal de que nem tudo está perdido. Um belo filme, que me surpreendeu positivamente.

Ficha do filme:ano de produção : 2013

Diretor: Lance Daly

Elenco:

Nan: Fionnula Flanagan

Emma: Kelly Thornton

Colm : Pat Shortt

Margaret: Eva Birthistle

Hawk Man: Brian Gleeson

Cara da Pizza : Barry Keoghan

Mulher Suspeita:
 Seana Kerslake

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