Este blog pretende expressar a literatura em suas distintas modalidades, de modo a representar a liberdade na arte de criar, aliada à criatividade muitas vezes absurda da sociedade em que vivemos. Por outro lado, pretende mostrar o cotidiano, a política, a discussão sobre cinema e filmes favoritos, bem como qualquer assunto referente à cultura.
quinta-feira, maio 15, 2014
Não se preocupem com a relação copa – eleição
terça-feira, abril 01, 2014
TEMPOS DIFÍCEIS

TEMPOS DIFÍCEIS
Refleti sobre tudo isso naquela tarde. No dia em que finalmente fui chamado para depor, fiquei frente a frente com o preso. Meu amigo, desesperado, desapareceu do mapa. Acho que agiu certo. Ao entrar no gabinete onde se daria o depoimento, um policial que participara da operação, me advertiu, com um olhar sinistro, convenientemente interpretado para compor o teatro de seus propósitos arbitrários. Afastei-me dele, fechando a porta atrás de mim e sentei-me numa cadeira, próxima ao escrivão, defronte ao juiz e tendo o olhar fixo do homem considerado culpado. Fiquei entre a cruz e a espada. Uma lá fora, na ante-sala. Outra aqui, quieta, esperando o resultado, desafiadora. Olhei para um lado, para o outro. Aquietei-me. Observei os procedimentos. Ouvi as considerações, as perguntas e iniciei o meu depoimento. Decidi ser eu mesmo, talvez agora um desafio inconsciente ao sistema injusto que não protegia o cidadão e punha-o ao alvitre de decisões ditatoriais. Declarei ao juiz em sonora expressividade, que estava ali subjugado a uma espécie de despotismo. Na verdade, eu estava ali prestando um depoimento sobre uma pessoa que desconhecia completamente, nunca a tinha visto, nem sabia de suas atividades, nem onde morava e nem ao menos tinha qualquer interesse sobre sua vida. Neste momento, o juiz deixou os óculos caírem-lhe ao queixo, o escrivão parou de datilografar por um instante e ensaiou um movimento no ar, quase etéreo, um tanto feminino, como se não acreditasse no que estava ouvindo. Do outro lado, pela primeira vez, o algemado levantou os olhos e me encarou detidamente. Acho que até que suspirou aliviado. Ouviu-se um leve zum-zum-zum, o juiz limpou a garganta, o escrivão deitou o cotovelo direito na barra de espaços, produzindo um som arrastado de engrenagens, os guardas encostados à porta se mexeram, aliviando os ombros, olhando-se em atitude comprometedora. O juiz me olhou afetuoso. Quase balbuciou com voz suave: _Por favor, continue. Eu prossegui, enfático, desta vez, referindo-me aos policiais que me abordaram. Considerei que infringiram a lei, porque eu não queria invadir casa alguma, muito menos ser forçado a perder a aula, além disso, haviam tomado o documento, o que me obrigou a segui-los. Não concordava de forma alguma com aquele procedimento. Nisso, o juiz interrompeu o meu depoimento. Fez uma versão bem simplificada para o escrivão, que batia trêmulo nas teclas metálicas. Dispensou-me imediatamente. Respirei curto. Ali, estava livre, mas lá fora, o que me esperaria? Atravessei a porta, passos incertos, pernas meio bambas, joelhos quase batendo um no outro, encarando por alguns minutos os dois policiais que me acenavam, sustentando presença, reafirmando que me conheciam e que eu cumprira o meu dever. Acenei afirmativamente e me afastei rápido dali. Nunca mais vi o companheiro de parada de ônibus. Aliás, nunca mais esqueci o endereço da casa que ajudei a investigar. Tempos difíceis. Tempos em que se engolia em seco e se fingia que a autoridade era competente, como se dizia na época. Mas, na verdade, competência é apenas uma expressão que informa relatividade. Depende a que competência nos referimos. Minha vida não mudou muito. A rotina não foi novamente despertada, mas ficou um gosto amargo de derrota, de humilhação, de no fundo, ter-se a certeza de que a verdade expressada, fora maquiada para conservar o sistema e tudo que se dissera não passara de páginas em branco. E ainda há quem tenha saudades daquele tempo.
e-mail: gcgilson4@gmail.com
sexta-feira, janeiro 31, 2014
Contratempos num passeio de bicicleta na praia
domingo, janeiro 26, 2014
Um café bem-vindo
Um café bem-vindo
I CREATED A FAKE
I once created a fake of myself . This is normal , some friends asked me, do not know, not even really know what can be considered normal . After all, people have different standards of behavior conceived as within normal and everything seems extraordinary, elegant, avant-garde , even postmodern (if it exists ) . Anyway , it all depends on the context in which it appears the situation or behavior . Anyway , for a while , I was very happy with my fake , or rather , I was awarded some benefits . My fake participated in many social networks . It was smart, intelligent , appropriate to the new technological and artistic trends , besides being politically positioned , and ultimately , a great philosopher . But it was a fake , a figure created to protect me as a walking stick to support me , a character to share with me the most estrambólicas information , to discuss social problems , to share the existential questions, to make objective attitudes toward more different points of view . Yes , because he had a point of view . She had well -argued assertions , knew expose their ideas with unparalleled mastery . He was a true genius in the art of vetting, abalizar , confronting situations , finding the most diverse outputs and intervene shamelessly the findings of others , showing other ways , other ways of looking at the world. Different looks not lacked . Joy and good humor too . It was perfect. Educated . Patient paciencioso , thrifty , temporizing , elegant . A gentleman . For a while , I accompanied him in his musings , their diverse ideas , their unique points of view, fleeing the common sense and desacomodam things . After all , the top of his extensive knowledge , his experiences and his troubled mundane trajectory espraiava the rough neighborhoods of social networks , the larger doses of new discoveries , new ways of situating the gaps , filling them with experience , content and action. I got used to it. I got used to her way of giving back what I thought of sharing with me the findings of the same signaling pathways , to broaden horizons at the same time seemed so near us , so attainable that it was sufficient esticássemos hand , one finger , one who judges , pointing to get closer and closer , the vaunted goal, who knows the truth . That was how we behaved almost arrogant . A delivering to another for granted , the precise contribution at the right time . As a double game , where one depends on the other . Tennis game , precise, taut, focused , quiet . Only the sound of the racquet , the sigh of the crowd , the shout of victory . One thing that gleamed in the dusty and cloudy sky facebook or any other social network . Anything we said was worth millions of hits , for us , of course , we were not interested in sentences Arnaldo Jabor [ sic ] , in comments about drinking , cooking , that intimate barbecue , washed the caipirinha and red and squinty eyes who abused joy, things that only pertain to those who put on the network , or used bike , the dog peeing on the couch , in stretched mother in the network , showing misshapen thighs , or the sugary messages , prompting fears and guilts , and searches responses of endless chains . There was nothing that we were looking for . That was something the deceased Orkut . But suddenly , the fake was being connected by other friends , was being discussed in order of friendship , sharing , and increasingly harassed by their ideas and manifestations unpunished . Everyone wanted to know it , learn from your profile , browse your pictures , your wall . Wanted to accompany them , follow it , find the path that it seemed to open so many doors , so many ways and so many ways to find the truth . Not everyone, of course . Not those of the caipirinha , personal photos, daily show about their business , from the food from noon until stomachache afternoon . These do not . They were interested in enjoying anything and share with the sameness of everyday life . That was news to few . But these few were multiplying, which gave me some fear . Fear of being overtaken by fake . My friends have not heard anymore nor shared what I posted , although they agreed with me , ah, just because I shared with the fake , agreed with the fake , the fake fed me . They wanted to do the same . It was a time of great suffering. Some said , because he only shares with you? Why just agree with you? Because it describes in detail, with many more arguments , based on articles from experts in appropriate readings in scientific knowledge or their own livings what you declare you ? Why does not cooperate with us, do not share with us. So I had to split the fake . Or rather , I had to write for it to friends too. Then started raining requests to add them to your social networks . They wanted him , they loved him . Was not me who followed , was not what I thought it was worth , was what he claimed were their attitudes that mattered . He was the king of the party . I became just an accomplice. Then I had an idea . I decided to delete the fake . I decided to put a stop to those arrogant attitudes , that thinking avant-garde , postmodern , and if there is such a thing ( as I thought before) , those points of view advanced , that bold way to escape the ordinary sense . I needed to eliminate fake . Away with him, away with her fame , her uninhibited way of being , their intimacy increasingly exacerbated together with my friends, who were now more his than mine. There was no escape . The only way out was to end it. So I did . I deleted the fake . Back to being myself. The discuss the same issues , politics, society, social movements , the beauty of nature and the struggle for its preservation the quest for racial equality, the fight to end prejudice, philosophy in its various aspects , classical music , good music , theater, literature , cultural life ... Also ran the common sense values seen and reviewed , evaluated other ways ... Friends moved away, who Postava one another "like" or share a photo or want a good night , a good day, a good day , a good weekend ... And all returned to show their beautiful houses , newly acquired , their latest model cars , their bikes , their leather coats , their kebabs weekend ... Anyway , the mediocrity that is part of their lives . I think I'll create fake.
sábado, janeiro 25, 2014
DOCE OBEDIÊNCIA
sexta-feira, janeiro 03, 2014
O que as hemácias tem a ver com meu blog?
produzindo a vida literária e política que corre nas veias da discussão. Meu blog é cheio de hemácias. De ideias. De pluralismo. De vida. ( A ilustração retirei do http://patofisio.files.wordpress.com)
sábado, dezembro 21, 2013
sábado, dezembro 14, 2013
Trabalho voluntário no Hospital Psiquiátrico: uma provocação para a vida
A linha que nos norteava era a solidariedade com o próximo. Queríamos inconscientemente modificar o mundo, pelo menos minorar o sofrimento dos que estavam a nossa volta. Diversos temas vinham à pauta, tais como moradores de vilas pobres, desempregados, idosos do asilo, crianças sem acesso a brinquedos ou lazer. Era uma pauta bem extensa, mas houve um tema que foi sugerido por mim.
Tratava-se de algum tipo de trabalho com os pacientes do hospital psiquiátrico. Houve de imediato, uma certa aversão e pânico pelos integrantes do grupo.
Classificavam os transtornos mentais a partir da agressividade, da falta de controle, do perigo iminente do confronto. Naquela época, no ano de 82, provavelmente eu não pensasse nestes termos, mas hoje, eu diria que é temor interno, um medo da loucura que todos nós temos e, por conseguinte, uma negação da mesma.
Eu era um aluno que estava iniciando o curso de Letras, enquanto trabalhava na biblioteca da Universidade, no início de carreira. Tinha 18 anos, pouca experiência da vida, tal como os meus companheiros de grupo e somente estava disposto a fazer alguma diferença na sociedade marginalizada que percebíamos de modo precário através dos jornais e da TV, a conta-gotas, porque nesta época de censura e ditadura, pouco se sabia da realidade do país.
Na biblioteca, tinha acesso a livros como “As veias abertas da América Latina “ de Eduardo Galeano, no qual o autor fazia uma digressão histórica desde a descoberta da América, com a desvalorização dos índios, e sua inevitável redução, através das perdas enormes que sofriam, até os dias atuais, do século XX, inclusive, no Brasil, onde o Estados Unidos marcavam presença forte através do FMI, prometendo milagres, mas apenas organizando um controle financeiro sobre o País e em toda a América. Em outras obras, principalmente utilizadas por professores do Curso de História, que eu percebia politizados, aos quais eu procurava acompanhar, fazendo indagações e muitas vezes, aproveitando a leitura dos livros, ao serem devolvidos.
Não me esquivava da músicas do Chico Buarque, cujas metáforas ressaltavam a situação do Brasil e eu, um pouco diferente para os jovens da época, curtia muito o Chico, além de outros cantores de mensagens semelhantes.
Também, nessa época, proliferavam os debates sobre as Comunidades Eclesiais de Base, ligadas à Teologia da Libertação, nas quais eu participava de corpo e alma. Seu foco principal era a reunião em comunidades produzidas a partir da proximidade dos bairros, que compartilhassem dificuldades e miséria, compostas por membros despossuídos e descontentes com a realidade social e política em que viviam. Queriam pregar a mensagem bíblica anexada à luta pela melhoria social, sem perder a caridade e os preceitos da fé.
Eu participava de seminários imensos, realizados na Escola Salesianos e toda aquela efervescência de ideias e ideais me encantava e me tornava mais consciente de meus projetos.
Além disso, participava das conversas intermináveis entre meu pai e um tio, que discutiam política intensamente, muitas vezes, de forma velada, para que suas opiniões não saíssem das quatro paredes de nossa sala.
Havia momentos em que eu e meu pai debatíamos esses temas políticos; eu, na intemperança da idade imatura, ele no bom senso de sua experiência, às vezes concordava comigo em vários pontos e elucidava ou contrapunha outros.
Tenho comigo que minhas convicções políticas se originaram destas experiências, sei que aproveitei o que pude e absorvi um pouco da realidade do País que era a minha Pátria, uma Pátria, em que determinado tempo, assumiu sinistro lema era” Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Mas, voltando ao tema inicial, sobre as reuniões de nosso grupo, lembro que meus amigos não se preocupavam muito com esta discussão política, ao contrário, queriam falar em festas, garotas e bebidas. Cada vez mais o grupo se furtava a discussões políticas e aos poucos se reduzia a um ou outro interessado. Com uma de minhas amigas, que estudara no Lemos Jr., a nossa escola do curso médio, eu tinha grande empatia e embora nossos assuntos versassem em geral sobre literatura, havia um pouco de tudo, inclusive de política. O grupo de jovens, no entanto, estava interessado nas atividades solidárias, o que sem dúvida era uma atitude valiosa.
Quanto ao projeto, que seria o de trabalhar no hospital psiquiátrico, do qual eu ainda não tinha uma noção exata do que faríamos, houve mais dois integrantes corajosos que toparam a tarefa árdua. Depois de muito debate, decidimos iniciar o trabalho a partir de uma conversa avalizada com um psiquiatra, que trabalhava no hospital.
A princípio, o psiquiatra, apesar de bem interessado, ficou um tanto apreensivo sobre o resultado final de nossa atividade. Provavelmente, tenha ficado em dúvida se resultaria num dado positivo, prevendo tratar-se de uma utopia de jovens despreparados. Adiantou-nos em fazer um pequeno relatório sobre os pacientes e o ambiente inóspito que iríamos encontrar. A cada observação, ficávamos mais entusiasmados com a possibilidade de interagir de algum modo e transformar a situação, por mínima mudança que ocorresse.
Sabíamos que não faríamos milagres, mas a nossa disposição era imensa. Por fim, ele elogiou nossa coragem, inferindo que havia uma brecha em nossa utopia, pois a realidade mostrava que o fato de alguns doentes serem abandonados no hospital psiquiátrico por muitos anos, a nossa presença oportunizaria a possibilidade de algum retorno positivo. Afinal, seria uma visita exclusiva deles. Desejou-nos boas-vindas e acertou nossos horários de ida ao hospital. Seria nas tardes de sábado e quando dispuséssemos de um período livre, poderíamos ir às quartas, que também eram os dias de visita.
No primeiro dia, a nossa reação um tanto assustada seria considerada natural, visto que o ambiente físico era soturno, triste, muito parecido com o de uma prisão. Além disso, observávamos aquelas pessoas andrajosas caminhando pelos corredores, falando consigo mesmas, disputando baganas de cigarros, rindo ou chorando à toa, transmudando sua fisionomia em imagens distorcidas, às vezes, com ódio, noutras, irônicas ou simplesmente passivas e tristes.
Era de praxe, alguns permanecerem quietos nos cantos, às vezes, sentados no chão, em absoluta depressão e isolamento. Um que outro agredia a si mesmo ou batia nas paredes, indo de imediato para a cela de punição, onde deviam ficar como resultado de seus atos agressivos. Aquela situação, de certo modo, nos revoltava e nos deixava angustiados. Entretanto, eram normas da Instituição e o nosso dever era apenas enfrentar o problema.
Com o passar do tempo, começamos a nos ambientar no hospital, conhecíamos cada meandro das salas que compunham o posto de atendimento de medicamentos, a copa onde faziam as refeições, geralmente um café com leite e pão torrado, servidos em copos de plástico e o pátio onde muitos deles permaneciam e, no qual, alguns recebiam as visitas dos parentes.
Também começamos a conviver com os pacientes mais antigos, aqueles que fatalmente moravam no hospital por terem sido abandonados por parentes e não tinham para onde ir. De certa forma, essa atitude dos gestores do hospital era uma medida generosa e adequada àquela situação.
Lembro de uma senhora, a Dona Guides que fora abandonada há mais de 20 anos, na época, pelo companheiro. A partir daí, ela se recusou a falar e apenas movia o corpo, num balanço, evitando qualquer proximidade.
Um que outro nem sabia quem os tinha deixado ali e se tinham parentes na cidade ou não.
Havia toda uma gama de pessoas que constituíam uma comunidade heterogênea, observando aqui, apenas os comportamentos, sem me referir às doenças, por desconhecimento médico. Mas reporto-me aos diferentes personagens que transitavam naquele cenário confuso, desde prostitutas poliglotas que trabalhavam na região do porto, até homens que abusavam de crianças (pelo pouco que nos diziam) e também alcoólatras de passagem transitória, mas que vez ou outra, voltavam, assim como homens que tinham uma vida produtiva, mas que se descontrolavam emocional e fisicamente por algum motivo, até os viciados em drogas. Estes é os que mais contavam histórias.
Por uma estratégia de trabalho, decidimos que cada um de nós deveria se ocupar principalmente de três pacientes. Claro, que em meio às conversas, estaríamos sempre prontos a interagir com os demais, mas àqueles três nos dedicaríamos, com um objetivo definido. Sendo assim, eles perceberiam que a visita era exclusiva e poderiam ter um melhor rendimento. Por certo, não esperávamos melhoras, longe de nós esta ousadia. A nossa intenção era proporcionar momentos em que se sentissem melhor ao nosso lado, mais aceitos, mais felizes.
Entre as pacientes com as quais me envolvia, obedecendo o nosso planejamento era justamente a Dona Guides, aquela senhora abandonada pelo companheiro e que se recusava a falar. Sem dúvida, nos dedicávamos a outros pacientes, mas ela estava sempre por perto. Em determinados dias, ela desaparecia, ficava em sua cela ou num canto do pátio. Nestes momentos, eu me aproximava, sentava num banco qualquer e chamava a sua atenção para uma revista, uma fotografia ou um objeto qualquer que eu trazia, como um livro. Às vezes, falava de minha família, minha infância e ela ouvia sem emitir um som. Por momentos, parava de se mover e eu percebia que ela se acalmava e ouvia atentamente. Noutros, se dispersava, fumava a bagana, que mastigava na boca de poucos dentes e voltava ao movimento contínuo. Nesta ocasiões, eu me calava. Deixava que as nuvens de seu cérebro amainassem e me detinha em outros pacientes. De esgueiro, percebia a sua presença por perto. Com o passar do tempo, Dona Guides percebeu que a visita era para ela e começou a me seguir. Eu fingia não entender, e dispondo de uma psicologia de almanaque, improvisava algumas histórias, cujas tramas imputava a mim. Certa vez, li um conto meu. É provável que não tenha achado a menor graça, no entanto, dessa maneira eu levava adiante o meu objetivo. Sentia a presença durante todo o tempo, sem se afastar, como se devesse me acompanhar naquela leitura ou ficasse grata com a companhia. Na verdade, a gratidão era minha.
Uma outra atividade que planejávamos era a de organizar festas, geralmente dedicadas aos aniversariantes da semana e quando não havia nenhum, inventávamos um aniversariante do grupo, com a intenção de realizar da festa. Na verdade, nosso propósito era que eles ouvissem as músicas, divertindo-se uns com os outros e conosco. Talvez, dessa forma esquecessem por algum tempo o cotidiano triste que constituía as suas rotinas.
Via de regra, conseguíamos o bolo em padarias ou confeitarias e os doces e refrigerantes eram por nossa conta. Cantávamos parabéns ao redor da mesa, juntávamos todos, inclusive a única enfermeira que trabalhava aos sábados, e oferecíamos um presente ao aniversariante.
Numa dessas festas em que não havia nenhum paciente de aniversário, a saída foi criar um aniversariante do dia. Eu fui o escolhido para a tarefa. No meio da festa, vieram ao meu encontro com uma euforia e sinceridade, que me emocionou, me felicitando, desejando sorte e alegria. Naquele momento, senti uma ponta de culpa pela mentira, mas sabia de antemão que a fantasia era necessária, cujo resultado superava qualquer transgressão.
Uma outra atividade se relacionava às campanhas de higiene, cujos produtos arrecadávamos com os colegas de trabalho, da Universidade, com os vizinhos, e até através de solicitações a supermercados. Todos os produtos de higiene pessoal, além de produtos de beleza aumentavam a autoestima e produziam uma necessidade estética. Alguns se penteavam com as escovas, outros guardavam afoitos os xampus e contavam sobre a campanha aos familiares. Esta sensação de autoestima, entretanto não se sustentava por muito tempo, pela dificuldade da doença, ou pela piora, segundo o estágio em que determinado paciente se encontrava. No entanto, o fato de voltarmos com as campanhas, acrescentava outros momentos de realização, por isso, era imprescindível a nossa insistência.
Um outro fato interessante ocorria em dias de tempestade, nos quais os pacientes revelavam-se muito ansiosos, como se o prenúncio de mudança do clima os afetasse pessoalmente, de tal forma que ficavam agitados e irritados.
Num desses dias, em virtude de meus colegas faltarem e a enfermeira permanecer na portaria, por confiar em nosso trabalho, eu fiquei sozinho entre eles. A princípio, não me preocupei e decidi cumprir a minha tarefa como de hábito. Entretanto, o clima desandou, começando uma chuva esparsa, aliada a trovoadas e escuridão. Eles começaram a caminhar pelo corredor indo à copa e voltando, entre gritos, com extrema ansiedade. Por um momento, temi algum caso mais agressivo. E quanto mais um gritava, mais o outro ficava nervoso, o que desencadeava uma reação de ansiedade e agressividade cada vez maior, como efeito dominó. Então, tive uma ideia, que no fundo, não era muito honesta, mas que talvez acomodasse as coisas. Lembrei que carregava pastilhas nos bolsos. Decidi chamar a atenção de todos, como como fazia a enfermeira, ao dispor os medicamentos na hora indicada.
Imediatamente, alguns fizeram fila e os demais se aprumavam, esticando as mãos, na espera do remédio. Acho que a fila lhes proporcionava um certo prazer, como um ritual a ser cumprido, talvez porque conehciam o efeito que as pílulas produziam. Comecei a distribuir as pastilhas, sempre exigindo que se organizassem, para evitar confusões. Em consequência, eles reagiram de maneira semelhante à fila que a enfermeira organizava e ao receberem a pastilha, acalmavam-se e voltavam para a copa, local onde costumavam ficar em dias de chuva.
Eram experiências incríveis e uma que me tocou profundamente, ocorreu a partir de um fato inusitado e jamais esperado por nós, muito menos nas reuniões que tínhamos semanalmente com o psiquiatra para relatarmos as nossas atividades e presumíveis reações dos pacientes. Tratava-se de Dona Guides, a senhora que evitava falar, cujo fato marcante e emocionante foi a necessidade que mostrou em se expressar de alguma forma. A princípio, emitia alguns grunhidos, exigindo muito esforço e uma boa dose de euforia, mas aos poucos, foi elaborando frases inteiras, cujo conteúdo servia para concordar conosco ou tentar argumentar alguma coisa. Claro que eram expressões modestas, mas percebíamos a necessidade em nos alertar que estava em contato, que queria a nossa presença, que precisa de nós. Mal sabia ela, que a alegria que nos proporcionava, acrescentava sentido a nossa vida. A troca de experiências se consolidava e nos sentíamos plenos em nossa missão. O medo de hospital psiquiátrico ou dos considerados loucos, não era para nós. A loucura grassava Brasil afora, transformando homens decentes em párias, alijando-os de suas liberdades individuais, torturando-os, expulsando-os de sua pátria. A loucura era muito maior e devastadora, do que a que nós presenciávamos e convivíamos.
Além de Dona Guides, havia mais dois pacientes com os quais eu me ocupava mais detidamente, conforme o combinado. Tratava-se de um homem, beirando os 40 anos, que costumava ler as notícias e quaisquer artigos nos jornais e os descrevia minuciosamente, com uma capacidade criadora incomparável. Também havia outra senhora que falava muito, praticamente sem ouvir, apenas o que sua mente conturbada ditava e em muitas oportunidades, entrava em surtos, que a levava a esquecer por um tempo de nossas visitas.
Dediquei-me com mais afinco à Dona Guides, neste texto, para descrever um fato que me deixou muito emocionado e me fez rever muitas coisas em minha vida. Certa vez, sofri um acidente e acabei ficando doente por algum tempo. Para minha surpresa, em determinado dia, apareceram estas três pessoas em minha casa, acompanhadas por uma enfermeira.
Era a primeira vez que Dona Guides saía para a rua, após tanto tempo, e nos gestos que fazia e nas poucas palavras que usava, demonstrava uma satisfação intensa. Os demais pareciam orgulhosos da visita. Eu, muito sensibilizado, me sentia recompensado, por ter, de algum modo, provocado aquela pequena revolução. Uma revolução que não somente atingiu a ela, mas a todos nós e principalmente a mim.
Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/photos/teia-de-aranha-noite-fumo-rede-1644984/
quinta-feira, dezembro 12, 2013
UM NATAL DISTANTE
sábado, dezembro 07, 2013
A rebeldia dos guris e gurias da LES
quinta-feira, dezembro 05, 2013
RELIGIÃO - RELIGIO - RELIGAR A DEUS
Tenho pena dessa gente. Dessa gente que julga, que menospreza, que segue quase sempre o senso comum da pseudo justiça. Via de regra, acusam de forma destemperada e discriminatória, sob qualquer circunstância em que se depare com uma situação que as assuste. Talvez as apavore, do ponto de vista interno, porque o medo, na maioria das vezes, está dentro de nós mesmos. De nossos pensamentos mais escusos, de nossas fragilidades, nossos pequenos deslizes quase sempre intocáveis e esquecidos no fundo do baú de nossas consciências.
Estas pessoas, em geral, são aquelas que rezam muito, que ficam se persignando na frente de qualquer santo e em qualquer situação, que vão às missas, que participam de novenas, que expressam toda a religiosidade que possuem e demonstram um carinho especial por todos os papas.
Não falo dos religiosos que abraçam em plenitude as suas crenças e as seguem segundo a doutrina do bem e do amor ao próximo.
Falo dos religiosos que também acreditam, que seguem as suas crenças, mas não exitam em execrar o próximo que para eles não é tão próximo assim, principalmente se estão num patamar hierarquicamente abaixo.
Há mais de dois mil anos, Jesus Cristo colocou todos no mesmo balaio, incluiu os que estavam à margem da sociedade, abraçou os leprosos, beijou as prostitutas, conviveu com os cobradores de impostos e demostrou o seu imenso amor aos homens. Seguiu fielmente a sua própria lei: amar uns aos outros, como eu vos amei.
Sei que é muito difícil este amor incondicional. Como amar o cara que nos pede uns trocados para comprar crack, fingindo que cuida de nosso carro? Como amar o mendigo que estica o boné na porta da igreja, se nos afastamos para não sermos abordados, muito menos queremos sentir o cheiro da sujeira que exala? Como amar o colega de trabalho, que nos trapaceia e alardeia à chefia que somos incompetentes, ou que nos odeia por lhe ditarmos regras? Como amar o colega que nos trata com indisfarçável cinismo? Como amar o amigo que nos traiu? Como amar os políticos que extrapolam suas funções e roubam descaradamente nosso dinheiro?
Claro que este amor incondicional deve ser mensurado e talvez, nem sei como seria a forma correta de agir, ser amainado, esperado, calmo, utilizando o perdão e pedindo ao criador uma maneira de cultuar o amor. Quem sabe, sendo menos policialiesco, menos juíz e mais irmão. Não sei. Talvez ele indique o caminho. É preciso pedir.
Mas, fora tudo isso, volto àquela gente do início do texto, que falei anteriormente. São pessoas dignas, que trabalham, que estudam, que professam suas crenças, que comungam semanalmente, recebendo com dignidade o corpo de Cristo. Pessoas que expressam o seu carinho para com os seus, para com os amigos, que costumam postar imagens e mensagens de santos nas redes sociais, com saídas redentoras para todos os males, que se preocupam com a sociedade, com as pessoas que sofrem e compartilham o sofrimento alheio, ao mesmo tempo que distribuem boas aventuranças, desejos de felicidades e amor ao próximo. São estas pessoas, das quais não teria nada a reprovar, a não ser… Bem, elas me surpreendem extremamente. São estas pessoas que ficam rezando, fazendo novenas, indo a missas e tendo absoluta admiração por todos os papas, além de serem arautos das coisas de Deus, e ao mesmo tempo, estas mesmas pessoas que possuem uma inefável atitude de descrença e ódio por outros cidadãos, que segundo suas atitudes, me parece, que os consideram pessoas menores. São as santas pessoas que amam a Deus sobre todas as coisas, que seguem seus mandamentos ao pé da letra, mas que não se conformam em ver seu dinheiro, através dos impostos, serem distribuídos para outros, que estão na linha da miséria, chamando-os de vagabundos, exploradores, maus-elementos ou ladrões. Consideram que eles se perpetuarão nessas benesses de bolsas para a sua subsistência, jamais passando a outros e ficarão eternamente devendo aos cofres públicos, através de medidas, que, segundo elas, exploradoras de seu rico dinheirinho. Destilam um ódio tão forte a estes descamisados, talvez até mais pungente do que o ódio dos romanos aos cristãos.
Também consideram que o dinheiro recebido pelos presidiários é um roubo para os cofres públicos, o que não é verdade, pois a verba não vai para eles e sim para a família, para ser sustentada e isso somente acontece, caso o preso tenha contribuído para o INSS. Por outro lado, caso o detento vá para o regime aberto, os familiares perdem o benefício. Não é portanto, um benefício de nossos impostos, mas uma contribuição do presidiário, como qualquer outra pessoa, enquanto trabalhava. Também olham de esgueio para o Brasil Carinhoso, no qual é passado aos municípios o valor para a alimentação de crianças de 0 a seis anos, no Programa Saúde na Escola.
Mas essas pessoas não amam as crianças? Não cultuam a expressão de Jesus que dizia “vinde a mim os pequeninos, porque deles é o reino dos céus”?
Não sei o que ocorre realmente. Tenho comigo que é possível e de bom alvitre discordar de muitas medidas sociais. O que não consigo entender, por mais que me esforce, é o fato dessas pessoas tão carinhosas, meigas, disciplinadas e atuantes na religião, se oponham com tanto ódio a estas medidas, sem ao menos se debruçarem sobre seus objetivos e metas. Nem ao menos lhes chama a atenção o fato de que estas medidas estão sendo copiadas por muitos países, inclusive, os desenvolvidos. Quem sabe, elas se impressionem pelos ares estrangeiros e acabem mudando de ideia.
Já nem falo das cotas, nas quais há muitas discussões, por ambos os lados, nem falo da inclusão social dos estudantes mais pobres através do Fies e de outros programas educacionais, nem falo…
Deixa pra lá, o que me incomoda mesmo, é que estas mesmas pessoas que destilam este ódio extremo, esta dificuldade em aceitar o próximo, que os consideram marginais, exploradores, vagabundos, vadios, etc, ainda vão na missa comungar com a alma pura e lavada, exalando a essência dos bons perfumes e aspirando o incenso dos altares. Será que se dão conta disso? Será que pensam nisso, alguma vez? Quem sabe, ao rezarem o pai nosso, pulem a frase “assim como nós perdoamos os nossos devedores”. Como perdoar, se não perdoam nem a si próprias?
No fundo de suas almas, talvez pensem, trêmulas e confusas, amo meus irmãos, como Cristo me ama, com excessão dos negros, dos vadios, dos pobres, dos cotistas, dos gays, dos …deixa pra lá. Venha a nós o Vosso Reino!
sábado, novembro 16, 2013
Comissão da Verdade vai investigar morte do presidente João Goulart - Política - iG http://t.co/kLg4Lp9CWB via @ultimosegundoHá muitas dúvidas, que esperamos ansiosamente que sejam dirimidas. Aconteça o que acontecer, mesmo que não tenha havido assassinato por envenamento do Presidente, houve, infelizmente para a nação, um latrocínio da liberade, um golpe sujo e violento que considerou vago o cargo do chefe da nação, para na calada da noite, tomarem o poder. Tempos difícieis. Tempos de dor e agonia. Tempos de espera e morte da liberdade. Nada será alterado na história de nosso País, mas pelo menos, a verdade virá aos poucos e o povo brasileiro descobrirá que as margens plácidas em que estava deitado, não eram tão tranquilas assim, e que talvez agora tome consciência do turbilhão de sofrimento em que se instalara. Graças à Comissão da Verdade, a história está sendo reescrita e a memória ficará intacta e mais lúcida.
— GILSON BORGES CORRÊA (@gilsoncorrea) November 16, 2013
Exumação de João Goulart
Comissão da Verdade vai investigar morte do presidente João Goulart - Política - iG http://t.co/kLg4Lp9CWB via @ultimosegundo
— GILSON BORGES CORRÊA (@gilsoncorrea) November 16, 2013
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