sábado, dezembro 21, 2013


"CONSIDERAÇÕES SOBRE O FILME "O MENINO DO PIJAMA LISTRADO" 

O filme “ O menino do pijama listrado”, baseado no romance de John Boyne retrata acima de tudo a amizade, alicerçada no olhar de uma criança, que vislumbra com  carinho um outro mundo que desconhece, um mundo onde as crianças e todas as pessoas se vestem com pijamas listrados, conforme a sua concepção infantil. O monstro da guerra é mais terrível que qualquer fantasia de suas histórias de maior vilania e o pior de tudo é que a própria família, a começar pelo pai está envolvida com o cenário de destruição e reforma de padrões considerados necessários aos reclames étnicos  e raciais. Um ódio estabelecido em mentes perversas e  subalternas  dos oficiais nazistas, inseridos num cenário de intensa insegurança e desconfiança. A história inicia com a vinda da família destes oficiais para o campo de concentração, no qual residem numa casa confortável, construída numa região isolada da área dos refugiados. com o passar dos dias, afundando em sua solidão e tédio, Bruno (Asa Butterfield), o menino,  filho do oficial(David Thewlis) que viera administrar o campo,  percebe que ao lado desta região tão extensa e solitária, há outra especialmente povoada, que fica ali bem perto, próxima à cerca de arames, na qual ele estava proibido de se aproximar. Entretanto, a  curiosidade infantil o induz a aproximar-se para tentar descobrir o que acontece lá dentro, que lhe parece muito mais alegre e colorido, a não ser pelos pijamas listrados que possuem duas cores monótonas. Tanto se  aproxima daquele novo cenário, que em dado momento, encontra um menino correndo do outro lado da cerca. Ao chamá-lo, percebe que este tem muito mais liberdade do que ele, pois pode vir onde quiser, inclusive aproximar-se da cerca.  O menino do pijama listrado, cujo nome é Shmuel (Jack Scanlon). Esta curiosidade se estabelece entre ambos os lados, um se pergunta por que o outro veste aquele pijama e o outro, por que o companheiro está sempre tão elegante? 
A vida se prepara para dar as informações necessárias. E aos poucos, eles vão se ambientando com a situação e querendo trocar de lugar, sem saber exatamente o que acontece nos dois lados opostos da cerca de arame farpado. Para tanto, contam histórias, desafiam a imaginação, criam jogos e  brincadeiras que pretendem dividir um dia, inclusive um jogo de futebol. Se por um lado, Bruno, o menino alemão, tem uma certa inveja da alegria do companheiro de cerca, por acreditar que havia sempre companhia de outros naquele acampamento,por outro lado, Schmuel imagina que Bruno possui uma vida muito boa, de muito conforto, inclusive sem fazer trabalhos manuais, além de certamente ser muito bem alimentado.  É uma história tocante que produz em nossa mente uma atmosfera de medo e tristeza, sabedores que somos da intolerância da guerra, do martírio dos judeus, da infâmia do partido nazista. Sobra para os espectadores a imensa angústia que acompanha a trama, aliada porém com a esperança de que de aconteça alguma coisa, e todos se dispam  do pijama listrado, inclusive o menino do outro lado da cerca.  Nos filmes, porém, como na vida, a realidade hostil não se altera porque não  há o que mudar. Espera-se, enfim, um desfecho pelo menos favorável à inocência, mas esta paga pela incoerência da bestialidade humana. O homem, em síntese, é o seu maior algoz e ao mesmo tempo a sua maior vítima. Quiçá as gerações vindouras entendam que a única razão de nossa existência  é preservar o valor da vida, e que nenhuma intervenção política, apoiada em qualquer ideologia maniqueísta e totalitária atente contra a cidadania, sob qualquer razão étnica, racial ou sexual. O homem deve valer pelos valores intrínsecos de sua condição como integrante deste pequeno planeta do universo. Trata-se enfim, de um filme muito belo e comovente, que vale à pena ver e rever. Eu ainda não li o livro de John Boyne, o que farei brevemente e pretendo inclusive, elaborar uma resenha comparativa com o filme. Por certo,  cultivarei as mesmas emoções que obtive com a dramaturgia cênica. Talvez me encaixe ainda mais no contexto da obra, cujos  meandros linguísticos e literários do autor, atentem para que percebamos o grande contraste entre a beleza do encontro e o exemplo dissonante da partida. Sem dúvida, é isto que espero no livro. 
Ficha técnica: 
Produtor: 
Roteirista
Compositor
Atores e atrizes:
Asa Butterfield
Vera Farmiga
David Thewlis
Rupert Friend



Richard Johnson
David Hayman



sábado, dezembro 14, 2013

Trabalho voluntário no Hospital Psiquiátrico: uma provocação para a vida

Participávamos de um grupo de jovens religiosos, no início da década de 80. Era um grupo incomum, porque embora ligado à igreja católica, recebia participantes sem religião definida, sendo um deles, inclusive, espírita. Formava um caldo interessante, porque os argumentos, ainda que às vezes, estéreis, produziam alguns encaminhamentos para discussão. Era realmente um agrupo eclético e ecumênico.
A linha que nos norteava era a solidariedade com o próximo. Queríamos inconscientemente modificar o mundo, pelo menos minorar o sofrimento dos que estavam a nossa volta. Diversos temas vinham à pauta, tais como moradores de vilas pobres, desempregados, idosos do asilo, crianças sem acesso a brinquedos ou lazer. Era uma pauta bem extensa, mas houve um tema que foi sugerido por mim.
Tratava-se de algum tipo de trabalho com os pacientes do hospital psiquiátrico. Houve de imediato, uma certa aversão e pânico pelos integrantes do grupo.
Classificavam os transtornos mentais a partir da agressividade, da falta de controle, do perigo iminente do confronto. Naquela época, no ano de 82, provavelmente eu não pensasse nestes termos, mas hoje, eu diria que é temor interno, um medo da loucura que todos nós temos e, por conseguinte, uma negação da mesma.
Eu era um aluno que estava iniciando o curso de Letras, enquanto trabalhava na biblioteca da Universidade, no início de carreira. Tinha 18 anos, pouca experiência da vida, tal como os meus companheiros de grupo e somente estava disposto a fazer alguma diferença na sociedade marginalizada que percebíamos de modo precário através dos jornais e da TV, a conta-gotas, porque nesta época de censura e ditadura, pouco se sabia da realidade do país.
Na biblioteca, tinha acesso a livros como “As veias abertas da América Latina “ de Eduardo Galeano, no qual o autor fazia uma digressão histórica desde a descoberta da América, com a desvalorização dos índios, e sua inevitável redução, através das perdas enormes que sofriam, até os dias atuais, do século XX, inclusive, no Brasil, onde o Estados Unidos marcavam presença forte através do FMI, prometendo milagres, mas apenas organizando um controle financeiro sobre o País e em toda a América. Em outras obras, principalmente utilizadas por professores do Curso de História, que eu percebia politizados, aos quais eu procurava acompanhar, fazendo indagações e muitas vezes, aproveitando a leitura dos livros, ao serem devolvidos.
Não me esquivava da músicas do Chico Buarque, cujas metáforas ressaltavam a situação do Brasil e eu, um pouco diferente para os jovens da época, curtia muito o Chico, além de outros cantores de mensagens semelhantes.
Também, nessa época, proliferavam os debates sobre as Comunidades Eclesiais de Base, ligadas à Teologia da Libertação, nas quais eu participava de corpo e alma. Seu foco principal era a reunião em comunidades produzidas a partir da proximidade dos bairros, que compartilhassem dificuldades e miséria, compostas por membros despossuídos e descontentes com a realidade social e política em que viviam. Queriam pregar a mensagem bíblica anexada à luta pela melhoria social, sem perder a caridade e os preceitos da fé.
Eu participava de seminários imensos, realizados na Escola Salesianos e toda aquela efervescência de ideias e ideais me encantava e me tornava mais consciente de meus projetos.
Além disso, participava das conversas intermináveis entre meu pai e um tio, que discutiam política intensamente, muitas vezes, de forma velada, para que suas opiniões não saíssem das quatro paredes de nossa sala.
Havia momentos em que eu e meu pai debatíamos esses temas políticos; eu, na intemperança da idade imatura, ele no bom senso de sua experiência, às vezes concordava comigo em vários pontos e elucidava ou contrapunha outros.
Tenho comigo que minhas convicções políticas se originaram destas experiências, sei que aproveitei o que pude e absorvi um pouco da realidade do País que era a minha Pátria, uma Pátria, em que determinado tempo, assumiu sinistro lema era” Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Mas, voltando ao tema inicial, sobre as reuniões de nosso grupo, lembro que meus amigos não se preocupavam muito com esta discussão política, ao contrário, queriam falar em festas, garotas e bebidas. Cada vez mais o grupo se furtava a discussões políticas e aos poucos se reduzia a um ou outro interessado. Com uma de minhas amigas, que estudara no Lemos Jr., a nossa escola do curso médio, eu tinha grande empatia e embora nossos assuntos versassem em geral sobre literatura, havia um pouco de tudo, inclusive de política. O grupo de jovens, no entanto, estava interessado nas atividades solidárias, o que sem dúvida era uma atitude valiosa.
Quanto ao projeto, que seria o de trabalhar no hospital psiquiátrico, do qual eu ainda não tinha uma noção exata do que faríamos, houve mais dois integrantes corajosos que toparam a tarefa árdua. Depois de muito debate, decidimos iniciar o trabalho a partir de uma conversa avalizada com um psiquiatra, que trabalhava no hospital.
A princípio, o psiquiatra, apesar de bem interessado, ficou um tanto apreensivo sobre o resultado final de nossa atividade. Provavelmente, tenha ficado em dúvida se resultaria num dado positivo, prevendo tratar-se de uma utopia de jovens despreparados. Adiantou-nos em fazer um pequeno relatório sobre os pacientes e o ambiente inóspito que iríamos encontrar. A cada observação, ficávamos mais entusiasmados com a possibilidade de interagir de algum modo e transformar a situação, por mínima mudança que ocorresse.
Sabíamos que não faríamos milagres, mas a nossa disposição era imensa. Por fim, ele elogiou nossa coragem, inferindo que havia uma brecha em nossa utopia, pois a realidade mostrava que o fato de alguns doentes serem abandonados no hospital psiquiátrico por muitos anos, a nossa presença oportunizaria a possibilidade de algum retorno positivo. Afinal, seria uma visita exclusiva deles. Desejou-nos boas-vindas e acertou nossos horários de ida ao hospital. Seria nas tardes de sábado e quando dispuséssemos de um período livre, poderíamos ir às quartas, que também eram os dias de visita.
No primeiro dia, a nossa reação um tanto assustada seria considerada natural, visto que o ambiente físico era soturno, triste, muito parecido com o de uma prisão. Além disso, observávamos aquelas pessoas andrajosas caminhando pelos corredores, falando consigo mesmas, disputando baganas de cigarros, rindo ou chorando à toa, transmudando sua fisionomia em imagens distorcidas, às vezes, com ódio, noutras, irônicas ou simplesmente passivas e tristes.
Era de praxe, alguns permanecerem quietos nos cantos, às vezes, sentados no chão, em absoluta depressão e isolamento. Um que outro agredia a si mesmo ou batia nas paredes, indo de imediato para a cela de punição, onde deviam ficar como resultado de seus atos agressivos. Aquela situação, de certo modo, nos revoltava e nos deixava angustiados. Entretanto, eram normas da Instituição e o nosso dever era apenas enfrentar o problema.
Com o passar do tempo, começamos a nos ambientar no hospital, conhecíamos cada meandro das salas que compunham o posto de atendimento de medicamentos, a copa onde faziam as refeições, geralmente um café com leite e pão torrado, servidos em copos de plástico e o pátio onde muitos deles permaneciam e, no qual, alguns recebiam as visitas dos parentes.
Também começamos a conviver com os pacientes mais antigos, aqueles que fatalmente moravam no hospital por terem sido abandonados por parentes e não tinham para onde ir. De certa forma, essa atitude dos gestores do hospital era uma medida generosa e adequada àquela situação.
Lembro de uma senhora, a Dona Guides que fora abandonada há mais de 20 anos, na época, pelo companheiro. A partir daí, ela se recusou a falar e apenas movia o corpo, num balanço, evitando qualquer proximidade.
Um que outro nem sabia quem os tinha deixado ali e se tinham parentes na cidade ou não.
Havia toda uma gama de pessoas que constituíam uma comunidade heterogênea, observando aqui, apenas os comportamentos, sem me referir às doenças, por desconhecimento médico. Mas reporto-me aos diferentes personagens que transitavam naquele cenário confuso, desde prostitutas poliglotas que trabalhavam na região do porto, até homens que abusavam de crianças (pelo pouco que nos diziam) e também alcoólatras de passagem transitória, mas que vez ou outra, voltavam, assim como homens que tinham uma vida produtiva, mas que se descontrolavam emocional e fisicamente por algum motivo, até os viciados em drogas. Estes é os que mais contavam histórias.
Por uma estratégia de trabalho, decidimos que cada um de nós deveria se ocupar principalmente de três pacientes. Claro, que em meio às conversas, estaríamos sempre prontos a interagir com os demais, mas àqueles três nos dedicaríamos, com um objetivo definido. Sendo assim, eles perceberiam que a visita era exclusiva e poderiam ter um melhor rendimento. Por certo, não esperávamos melhoras, longe de nós esta ousadia. A nossa intenção era proporcionar momentos em que se sentissem melhor ao nosso lado, mais aceitos, mais felizes.
Entre as pacientes com as quais me envolvia, obedecendo o nosso planejamento era justamente a Dona Guides, aquela senhora abandonada pelo companheiro e que se recusava a falar. Sem dúvida, nos dedicávamos a outros pacientes, mas ela estava sempre por perto. Em determinados dias, ela desaparecia, ficava em sua cela ou num canto do pátio. Nestes momentos, eu me aproximava, sentava num banco qualquer e chamava a sua atenção para uma revista, uma fotografia ou um objeto qualquer que eu trazia, como um livro. Às vezes, falava de minha família, minha infância e ela ouvia sem emitir um som. Por momentos, parava de se mover e eu percebia que ela se acalmava e ouvia atentamente. Noutros, se dispersava, fumava a bagana, que mastigava na boca de poucos dentes e voltava ao movimento contínuo. Nesta ocasiões, eu me calava. Deixava que as nuvens de seu cérebro amainassem e me detinha em outros pacientes. De esgueiro, percebia a sua presença por perto. Com o passar do tempo, Dona Guides percebeu que a visita era para ela e começou a me seguir. Eu fingia não entender, e dispondo de uma psicologia de almanaque, improvisava algumas histórias, cujas tramas imputava a mim. Certa vez, li um conto meu. É provável que não tenha achado a menor graça, no entanto, dessa maneira eu levava adiante o meu objetivo. Sentia a presença durante todo o tempo, sem se afastar, como se devesse me acompanhar naquela leitura ou ficasse grata com a companhia. Na verdade, a gratidão era minha.
Uma outra atividade que planejávamos era a de organizar festas, geralmente dedicadas aos aniversariantes da semana e quando não havia nenhum, inventávamos um aniversariante do grupo, com a intenção de realizar da festa. Na verdade, nosso propósito era que eles ouvissem as músicas, divertindo-se uns com os outros e conosco. Talvez, dessa forma esquecessem por algum tempo o cotidiano triste que constituía as suas rotinas.
Via de regra, conseguíamos o bolo em padarias ou confeitarias e os doces e refrigerantes eram por nossa conta. Cantávamos parabéns ao redor da mesa, juntávamos todos, inclusive a única enfermeira que trabalhava aos sábados, e oferecíamos um presente ao aniversariante.
Numa dessas festas em que não havia nenhum paciente de aniversário, a saída foi criar um aniversariante do dia. Eu fui o escolhido para a tarefa. No meio da festa, vieram ao meu encontro com uma euforia e sinceridade, que me emocionou, me felicitando, desejando sorte e alegria. Naquele momento, senti uma ponta de culpa pela mentira, mas sabia de antemão que a fantasia era necessária, cujo resultado superava qualquer transgressão.
Uma outra atividade se relacionava às campanhas de higiene, cujos produtos arrecadávamos com os colegas de trabalho, da Universidade, com os vizinhos, e até através de solicitações a supermercados. Todos os produtos de higiene pessoal, além de produtos de beleza aumentavam a autoestima e produziam uma necessidade estética. Alguns se penteavam com as escovas, outros guardavam afoitos os xampus e contavam sobre a campanha aos familiares. Esta sensação de autoestima, entretanto não se sustentava por muito tempo, pela dificuldade da doença, ou pela piora, segundo o estágio em que determinado paciente se encontrava. No entanto, o fato de voltarmos com as campanhas, acrescentava outros momentos de realização, por isso, era imprescindível a nossa insistência.
Um outro fato interessante ocorria em dias de tempestade, nos quais os pacientes revelavam-se muito ansiosos, como se o prenúncio de mudança do clima os afetasse pessoalmente, de tal forma que ficavam agitados e irritados.
Num desses dias, em virtude de meus colegas faltarem e a enfermeira permanecer na portaria, por confiar em nosso trabalho, eu fiquei sozinho entre eles. A princípio, não me preocupei e decidi cumprir a minha tarefa como de hábito. Entretanto, o clima desandou, começando uma chuva esparsa, aliada a trovoadas e escuridão. Eles começaram a caminhar pelo corredor indo à copa e voltando, entre gritos, com extrema ansiedade. Por um momento, temi algum caso mais agressivo. E quanto mais um gritava, mais o outro ficava nervoso, o que desencadeava uma reação de ansiedade e agressividade cada vez maior, como efeito dominó. Então, tive uma ideia, que no fundo, não era muito honesta, mas que talvez acomodasse as coisas. Lembrei que carregava pastilhas nos bolsos. Decidi chamar a atenção de todos, como como fazia a enfermeira, ao dispor os medicamentos na hora indicada.
Imediatamente, alguns fizeram fila e os demais se aprumavam, esticando as mãos, na espera do remédio. Acho que a fila lhes proporcionava um certo prazer, como um ritual a ser cumprido, talvez porque conehciam o efeito que as pílulas produziam. Comecei a distribuir as pastilhas, sempre exigindo que se organizassem, para evitar confusões. Em consequência, eles reagiram de maneira semelhante à fila que a enfermeira organizava e ao receberem a pastilha, acalmavam-se e voltavam para a copa, local onde costumavam ficar em dias de chuva.
Eram experiências incríveis e uma que me tocou profundamente, ocorreu a partir de um fato inusitado e jamais esperado por nós, muito menos nas reuniões que tínhamos semanalmente com o psiquiatra para relatarmos as nossas atividades e presumíveis reações dos pacientes. Tratava-se de Dona Guides, a senhora que evitava falar, cujo fato marcante e emocionante foi a necessidade que mostrou em se expressar de alguma forma. A princípio, emitia alguns grunhidos, exigindo muito esforço e uma boa dose de euforia, mas aos poucos, foi elaborando frases inteiras, cujo conteúdo servia para concordar conosco ou tentar argumentar alguma coisa. Claro que eram expressões modestas, mas percebíamos a necessidade em nos alertar que estava em contato, que queria a nossa presença, que precisa de nós. Mal sabia ela, que a alegria que nos proporcionava, acrescentava sentido a nossa vida. A troca de experiências se consolidava e nos sentíamos plenos em nossa missão. O medo de hospital psiquiátrico ou dos considerados loucos, não era para nós. A loucura grassava Brasil afora, transformando homens decentes em párias, alijando-os de suas liberdades individuais, torturando-os, expulsando-os de sua pátria. A loucura era muito maior e devastadora, do que a que nós presenciávamos e convivíamos.
Além de Dona Guides, havia mais dois pacientes com os quais eu me ocupava mais detidamente, conforme o combinado. Tratava-se de um homem, beirando os 40 anos, que costumava ler as notícias e quaisquer artigos nos jornais e os descrevia minuciosamente, com uma capacidade criadora incomparável. Também havia outra senhora que falava muito, praticamente sem ouvir, apenas o que sua mente conturbada ditava e em muitas oportunidades, entrava em surtos, que a levava a esquecer por um tempo de nossas visitas.
Dediquei-me com mais afinco à Dona Guides, neste texto, para descrever um fato que me deixou muito emocionado e me fez rever muitas coisas em minha vida. Certa vez, sofri um acidente e acabei ficando doente por algum tempo. Para minha surpresa, em determinado dia, apareceram estas três pessoas em minha casa, acompanhadas por uma enfermeira.
Era a primeira vez que Dona Guides saía para a rua, após tanto tempo, e nos gestos que fazia e nas poucas palavras que usava, demonstrava uma satisfação intensa. Os demais pareciam orgulhosos da visita. Eu, muito sensibilizado, me sentia recompensado, por ter, de algum modo, provocado aquela pequena revolução. Uma revolução que não somente atingiu a ela, mas a todos nós e principalmente a mim.


Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/photos/teia-de-aranha-noite-fumo-rede-1644984/

quinta-feira, dezembro 12, 2013

UM NATAL DISTANTE



Há quem se lembre dos natais da infância e são estes os que realmente preenchem a nossa memória, trazendo de volta a fantasia, a alegria e a recordação da família naqueles momentos intensos. Tenho comigo que os natais são todos bons, a menos que tenhamos tido algum sofrimento marcante e as coisas, aí, trilhem caminhos mais estreitos e tortuosos. Lembro de muitos natais da infância e acho que na maioria foram muito felizes. Entretanto, há um em especial, em que eu não era criança, nem adolescente, nem vivenciava aqueles momentos de encantamento em que somos pais com filhos pequenos. Tinha meus 20 e poucos anos e o Natal se resumia a um pequeno encontro de família, com os pais e irmãs, a missa do galo e no máximo, alguma festa maior à noite, em que houvesse danças e namoricos. Nada que se compare às baladas explosivas de hoje em dia. 
E este natal começou muito cedo. Na véspera, numa tarde de sábado. Um desses sábados à tarde em que as pessoas já fizeram as suas compras ou ainda permanecem comprando os últimos presentes que faltaram. Nas ruas, um pouco distante do centro comercial, a cidade parecia completamente deserta (principalmente nos idos dos 70, em que a cidade era bem menos povoada). Era uma avenida arborizada, com grandes canteiros centrais e árvores gigantescas que davam um ar de nostalgia para a véspera de natal, que já por conta de todos os envolvimentos emocionais, o Natal  em si, já é nostálgico para mim. Porque lembramos de entes queridos que já não se encontram em nosso meio, porque as famílias já se dissolveram e vivem em outros lugares distantes ou mesmo construíram outros lares e possuem outros relacionamentos, ou porque, sei lá, temos uma dificuldade interna de sermos felizes quando todos assim parecem. 
Pois, antes de chegar nesta avenida arborizada, eu resolvi visitar o asilo de pobres. Era uma experiência nova para mim, não que eu não tivesse ido até lá em outras oportunidades, ao contrário, já participara de outros encontros e dedicado alguns momentos que foram talvez bons para eles, mas muito produtivos para mim. De todo modo, a experiência a que me refiro, se chama véspera de natal. Na véspera de natal, os velhinhos parecem ter a obrigação de serem felizes. Os cuidadores riem, esforçam-se para incentivá-los e não admitem quaisquer reclamações ou tristezas. Alguns filhos os visitam, trazem os netos e outros parentes. Às vezes, até os levam para casa. Eu conversei com alguns idosos e havia lhes trazido presentes. Na verdade, guloseimas, porque o que interessa para um idoso  ganhar uma camisa nova ou uma blusa de rendas? Para onde eles vão? Com que se divertem? Como vestir roupas novas, se o seu destino inevitável é o quarto onde deitam suas dores? Então foi o que fiz. Presenteei-os com chocolates, biscoitos, cookies, balas e todos os tipos de guloseimas que pudessem adoçar-lhes a boca e o coração. Uns conversaram mais do que os outros. Uns se fecharam em si mesmos, embora  agradecessem os presentes, mesmo que momentaneamente, decididos a se afastarem, habituados a ficarem sozinhos. Houve os que contaram histórias, verdadeiras ou fantasia, mas que preenchia suas memórias de maneira intensa, mesmo que por alguns momentos. Talvez, o encontro tenha durado uma hora. Dali sai satisfeito e angustiado. Satisfeito por ter realizado o meu objetivo que era o de levar aquelas pequenas lembranças e angustiado, talvez por que outro objetivo não tenha sido alcançado, que seria o encontro. Acho que não houve o encontro entre nós. Não houve interatividade. Não houve partilha de sentimentos, de emoções, de troca de experiências. Houve apenas um encontro social, onde alguns fragmentos de sentimentos vieram à tona. De todo modo, fiz o que me propus e pensei que no próximo ano seria melhor. Depois, pensei melhor e me perguntei, por que no próximo ano? Por que não na próxima semana, no próximo mês, no forte calor de janeiro, no imenso frio do inverno? Há tanto momentos para serem compartilhados. Há tantos dias a serem preenchidos. E pensando desta forma, retirei-me, entre os cumprimentos e desejos de feliz natal e  anseios de um bom ano novo. 
Por um momento, lembrei de nosso trabalho no hospital psiquiátrico e o comparei com o asilo. Na verdade, a solidão e a fantasia eram as únicas coisas que os uniam. E talvez as únicas que realmente tinham alguma importância. Mas desviei o olhar, tentando não ver aquelas paredes escuras, cujas luzes pareciam focalizar apenas olhos assustados e ouvidos desatentos. Procurei não pensar e esquecer de vez esta visita. Muito menos divagar, fazendo comparações, cujas conclusões poderiam argumentar uma tese.  Afinal, o asilo já tinha preenchido bastante aquela tarde. 
Afastei-me devagar. Não estava tranquilo. Mas não devia me deter muito nisso. Teria mais tempo e mais angústias, que por certo aflorariam. Dirigi-me a algumas casas, onde deixaria  cartões sob as portas ou os entregaria pessoalmente. Nesta época, não havia cartões virtuais, nem redes sociais, nem comunicações online. Tudo era concreto. Tão concreto, quanto a calçada da avenida que eu, agora, após a entrega dos cartões natalinos, me dispunha a caminhar. Observei que o sol já se punha, devagar, bem lentamente. É um sol de verão e portanto, demora mais a se esconder. Entretanto, a noite se aproximava e devia me antecipar, porque havia muito mais a percorrer. Do outro lado da avenida, havia a igreja e nem uma pessoa na rua. Um silêncio sepulcral, como se todos houvessem abandonado a cidade. Um silêncio bom, que me deixava refletir, inclusive sobre a calma que a natureza despertava. O sol ao longe, se pondo, jogando seus raios por entre as árvores da avenida, a rua que se alongava em direção à saída da cidade, o silêncio intenso, tudo produzia uma paz que nem sabia explicar. Nem tentava, só absorvia. Por outro lado, estava satisfeito, porque a maioria dos cartões natalinos foram entregues.
Pensei comigo que esta tranquilidade contempla a condição de nos sentirmos plenos, inteiros em nossa caminhada. Atravessei a avenida e aproximei-me da igreja, agora já um pouco às escuras, pois o lusco-fusco aumentava, em virtude das luminárias serem acesas, amiúde,  e por momentos, via-se apenas a luz natural. Foi neste momento, ouvi um voz firme e forte, me chamando. Olhei para os lados e não vi ninguém. A voz insistiu, pedindo que o olhasse, com a convicção implícita de que o atenderia. Meio aturdido, voltei-me e avistei um homem encostado na porta da igreja, meio escondido, pois embora fechada, a porta fica um pouco para dentro, como um nicho. Percebi tratar-se de um senhor idoso, do qual não conseguia avaliar a idade que aparentava. Usava um terno escuro e vestia um colarinho de padre. Os sapatos pretos me pareciam de verniz.  Aproximei-me, agora tranquilo, apertei sua mão com firmeza e sorri, quando disse: — Tinha certeza de que conversarias comigo. Hoje em dia, todos estão muito apressados, mas tu já fizeste com calma o que te propuseste. Visitaste o asilo de pobres, entregaste os cartões natalinos e agora parasses para conversar comigo. Eu sabia que farias isso. 
Respondi com determinação e calma, que não havia motivo para não parar e ouvi-lo. Não entendi bem como ele sabia sobre o que eu havia feito, mas, de qualquer modo, tudo me parecia muito natural. Naquele momento, não achei que este detalhe tivesse alguma importância. 
Ele então, concluiu: — És um bom rapaz. Foi por isso, que parasses para conversar comigo. Sei que sempre evitas contar as tragédias que tens conhecimento pela tv, jornais ou por outras pessoas, para os teus familiares. Achas que não vale à pena incomodar teus pais com estas histórias tristes, até mesmo, porque tu não gostas de repetir estas coisas. Não acrescentam nada. 
Concordei com ele. Então, fez uma pequena revelação: _ A partir de hoje, véspera do Natal, ficarei aqui, nesta igreja, até o ano novo. Se quiseres me ver novamente, conversar comigo, eu estarei aqui, te esperando. Agora, vai, te esperam em tua casa. 


Apertei-lhe a mão e afastei-me ainda mais contente do que estava antes. Passou o tempo, esqueci do ocorrido. Naquela época, havia o cinema Lido, que ficava próximo à Igreja. Na véspera do  ano novo, eu e minha irmã decidimos assistir um filme, lembro que se tratava de um musical com Barbra Streisand.  Ao sair do cinema, passamos pela frente da igreja e, para minha surpresa, ele estava lá, sorrindo e me chamando para conversarmos. Avisei a minha irmã da pessoa que havia encontrado naquele mesmo lugar, na véspera do natal, da qual havia comentado anteriormente. Para minha surpresa, ela ficou em verdadeiro pânico, correndo em desabalada carreira, em direção à esquina, sem parar um segundo, muito menos atender aos meus chamados.  Ainda, antes de me afastar por completo, voltei-me e olhei para o homem que sorria e me acenava. As pessoas passavam rápidas, saindo do cinema e provavelmente conversando sobre o filme. Ele continuava lá, e nem sei se o viam, tal como eu. De todo modo, nunca mais o vi, embora ele deva ter ficado até o dia primeiro do ano novo que começava. Nunca mais o vi, nem tenho certeza de que a mensagem que deixara, fora apenas  uma invenção de sua mente. De todo modo, ratificou a ideia  de que devemos sempre fazer o melhor em quaisquer circunstâncias, a qual eu não tinha consciência plena. Que devemos preservar em nossa  missão e observar a natureza, vivenciando sem pressa os momentos em que estamos sozinhos ou reunidos. Isso é o que podemos chamar de momentos de felicidade. Provavelmente, seja este o significado maior do Natal. 

sábado, dezembro 07, 2013

A rebeldia dos guris e gurias da LES

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Lendo os artigos dos alunos e participantes da LES, ficou-me a impressão de que as pessoas aos poucos se acomodam ou se adaptam de acordo com as circunstâncias em que estão envolvidas. Tenho comigo, que os guris e gurias não se dão conta da extrema relevância de suas atuações, produzidas através de atitudes, procedimentos e interesses pessoais e coletivos. Já explico. Seus interesses podem ser até inconscientes. Querem, precisam como todo ser humano estar junto, participar, partilhar dos acontecimentos, de tal forma que suas ações sejam reconhecidas pelo grupo e muito mais do que isso, que eles próprios interiorizem em suas mentes a capacidade humanitária de doação, mesmo que os sentimentos sejam confusos, conturbados e toda a correnteza não surja com clareza. Mas as águas descem rápidas pela cachoeira, formam veios  nas rochas que jamais são apagados pela natureza, ao contrário, eles crescem, se aprofundam e tornam-se verdadeiros cortes. Da mesma forma,  elas produzem energia e explodem em beleza inqualificável. Assim é a mente do jovem, quando desperta para a troca de experiências, e, embora utilizando plataformas científicas e filosofias educacionais, como as atribuídas a Paulo Freire e outros mestres, elas transbordam no amor. O amor pelo próximo, o amor pelo conhecimento implícito dos que pouco sabem da academia, mas muito conhecem da vida, o amor pela história, pelas peculiaridades da vida em comunidade, pela igualdade de condições, embora em patamares diversos. O amor do jovem abre caminhos para o conhecimento muito maior do que o encontrado nos compêndios científicos, pois permite que caminhem em vaivém, cruzando expectativas e experiências, nunca em paralelo, como linhas que jamais se encontram. O jovem se encontra e quer cultivar este encontro. Quer emancipar suas descobertas. Quer prevalecer a raiz da informação mais tenra, dando lugar à palavra do artesão, da dona de casa, do menino pescador, do trabalhador dos mares, do idoso solitário, do gritar mais alto da garganta oculta, onde as vozes quase nunca são ouvidas, onde os homens são invisíveis, esquecidos de uma sociedade baseada no senso comum, onde pobre, negro ou  gay é marginal. Uma sociedade que grita por socorro, que almeja saídas, onde o humilde não tem voz. 
Ficou-me, acima de tudo, a reflexão de que  a necessidade do ser humano interagir com seus pares é quase uma emergência. (Falo “seus pares” aqui, pela faculdade de seres da mesma condição humana, moradores deste planeta, não me referindo à posição social ou intelectual).  Percebe-se, portanto, que este projeto chamado Liga de Educação e Saúde (LES),  possui uma estrutura elaborada a partir de teorias de educação perpetradas por grandes educadores e filósofos da educação, como citados, mas que acima de tudo, somente se desenvolve a partir do querer inovador e de seus participantes, da ânsia devoradora que somente consome os que sonham, da disputa interna em decidir o caminho mais adequado, mesmo quando existem centenas de outros, muito mais prazerosos ou melhor aceitos pela sociedade e pela academia, que pretende manter o status quo, sem quaisquer mudanças em seus critérios.  Sabemos que mudanças produzem o medo e este paralisa os reacionários, cujas máscaras  incólumes não devem ser analisadas para que a discussão não sobreviva. E é o que esta juventude sabe fazer melhor. E com frescor. Discutir. Discutir sobre tudo, inclusive sobre suas procuras, sobre suas dúvidas, e sobre os caminhos que trilham. Isso é o que lhes leva ao conhecimento, à troca de experiências, à aprendizagem, à “ensinagem", como apregoam. Eles têm um olhar peculiar, atento e alerta na sua realidade interior e na dos que compartilham seu conhecimento. Um sentimento que aflora, que alcança voos elevados, a ponto de se identificarem com a verdade do outro.  Eles vão além das trocas de experiências, do encontro, da interação com os diversos tipos de pessoas com as quais mantém convivência. Pessoas estas que vão ao encontro de seus sonhos recônditos, de suas vontades adormecidas, de suas declarações internas de amor ao próximo, de seus sentimentos transbordantes em ações e que ficam guardados e esquecidos, em virtude da diáspora criada na sociedade em que vivemos. Como antídoto a esta carência, os guris e gurias possuem as ferramentas da  solidariedade, paixão e alegria. Uma alegria genuína de quem não se preocupa em agradar, em competir ou mostrar conhecimento. Uma alegria genuína que só a juventude tem.
Nem preciso reiterar sobre o tema, porque foi trabalhado com brilhantismo nos diversos relatos. Mas só queria dar este registro e retomar uma ideia que parecia extinta dos meios acadêmicos: a rebeldia. Não a rebeldia falsa e falida dos black blocks, mas a rebeldia de não aceitar o pré estabelecido, tal como ocorria na época da ditadura. A rebeldia em refutar as coisas prontas, consumadas, sem a hipótese de mudança. A rebeldia em contestar o senso comum, o que é correto para uma determinada classe elitista e conveniente com seus valores conservadores, na qual nada mais importa do que manter o establishment. O pobre deve estar onde sempre esteve, bem longe dos meios esclarecidos, intelectuais, da gente que pensa, que manda. Para eles, o trabalho braçal, apenas. Ou a fome, a miséria, a marginalidade. Tal como é apregoado por um personagem humorístico e que infelizmente, até mesmo pessoas humildes acham graça, reiterando a posição medíocre onde o pobre deve ficar, na esquina mais longe de nossas fronteiras. Eu, que continuo um rebelde, lutando por causas que percebo que até meus próprios pares se surpreendem, fico feliz com esta liberdade alicerçada em valores tão puros e tão vigorosos que permeiam as mentes avançadas de nossos jovens. Fico feliz, por existirem grupos que não se deterioram com a alienação do consumismo, dos prazeres transitórios, das facilidades burguesas. Não mais, a flagelação dos sentimentos em função do poder, do dinheiro, da ostentação de ser mais ou melhor (ou ter), da competitividade desenfreada, da exacerbação do corpo, da caricaturização da alma. Há jovens que pensam sim. Há jovens que sentem, que se emocionam, que lutam por transformações, que trocam experiências, que apreendem com os outros, que cultivam valores sociais, humanistas, que vivem. Este jovens estão tão próximos de nós e nem nos damos conta, mergulhados que estamos na invocação aparente da juventude que surge todos os dias na mídia. Há jovem evoluídos, entretanto, que sabem e somente eles, que a vida é muito mais que uma passagem monótona e cerceada por muros contendores das normas conservadoras. Sabem que podem abrir brechas, que desembocam em grandes oceanos, para formar, a partir daí, as vertentes que desaguam em outras terras, terras antes inférteis pelos descuidados humanos. Há o que cuidar, o que plantar. Elas, por certo, darão muitos e bons frutos. E eles… bem, eles continuarão rebeldes, porque a rebeldia é um ato de liberdade. 







quinta-feira, dezembro 05, 2013

RELIGIÃO - RELIGIO - RELIGAR A DEUS



Tenho pena dessa gente. Dessa gente que julga, que menospreza, que segue quase sempre o senso comum da pseudo justiça. Via de regra, acusam de forma destemperada e discriminatória, sob qualquer circunstância em que se depare com uma situação que as assuste. Talvez as apavore, do ponto de vista interno, porque o medo, na maioria das vezes, está dentro de nós mesmos. De nossos pensamentos mais escusos, de nossas fragilidades, nossos pequenos deslizes quase sempre intocáveis e esquecidos no fundo do baú de nossas consciências.

Estas pessoas, em geral, são aquelas que rezam muito, que ficam se persignando na frente de qualquer santo e em qualquer situação, que vão às missas, que participam de novenas, que expressam toda a religiosidade que possuem e demonstram um carinho especial por todos os papas.

Não falo dos religiosos que abraçam em plenitude as suas crenças e as seguem segundo a doutrina do bem e do amor ao próximo.

Falo dos religiosos que também acreditam, que seguem as suas crenças, mas não exitam   em   execrar o próximo que para eles não é tão próximo assim, principalmente se estão num patamar hierarquicamente abaixo.

Há mais de dois mil anos, Jesus Cristo colocou todos no mesmo balaio, incluiu os que estavam à margem da sociedade, abraçou os leprosos, beijou as prostitutas, conviveu com os cobradores de impostos e demostrou o seu imenso amor aos homens. Seguiu fielmente a sua própria lei: amar uns aos outros, como eu vos amei.

Sei que é muito difícil este amor incondicional. Como amar o cara que nos pede uns trocados para comprar crack, fingindo que cuida de nosso carro? Como amar o mendigo que estica o boné na porta da igreja, se nos afastamos para não sermos abordados, muito menos queremos sentir o cheiro da sujeira que exala? Como amar o colega de trabalho, que nos trapaceia e alardeia à chefia que somos incompetentes, ou que nos odeia por lhe ditarmos regras? Como amar o colega que nos trata com indisfarçável cinismo? Como amar o amigo que nos traiu? Como amar os políticos que extrapolam suas funções e roubam descaradamente nosso dinheiro?

Claro que este amor incondicional deve ser mensurado e talvez, nem sei como seria a forma correta de agir, ser amainado, esperado, calmo, utilizando o perdão e pedindo ao criador uma maneira de cultuar o amor. Quem sabe, sendo menos policialiesco, menos juíz e mais irmão. Não sei.  Talvez ele indique o caminho. É preciso pedir. 

Mas, fora tudo isso, volto àquela gente do início do texto, que falei anteriormente. São pessoas dignas, que trabalham, que estudam, que professam suas crenças, que comungam semanalmente, recebendo com dignidade o corpo de Cristo. Pessoas que expressam o seu carinho para com os seus, para com os amigos, que costumam postar imagens e mensagens de santos nas redes sociais, com saídas redentoras para todos os males, que se preocupam com a sociedade, com as pessoas que sofrem e compartilham o sofrimento alheio, ao mesmo tempo que distribuem boas aventuranças, desejos de felicidades e amor ao próximo. São estas pessoas, das quais  não teria nada a reprovar, a não ser… Bem, elas me surpreendem extremamente. São estas pessoas que ficam rezando, fazendo novenas, indo a missas e tendo absoluta admiração por todos os papas, além de serem arautos das coisas de Deus, e ao mesmo tempo, estas mesmas pessoas que possuem uma inefável atitude de descrença e ódio por outros cidadãos, que segundo suas atitudes, me parece, que os consideram pessoas menores. São as santas pessoas que amam a Deus sobre todas as coisas, que seguem seus mandamentos ao pé da letra, mas que não se conformam em ver seu dinheiro, através dos impostos, serem distribuídos para outros, que estão na linha da miséria, chamando-os de vagabundos, exploradores, maus-elementos ou ladrões. Consideram que eles se perpetuarão nessas benesses de bolsas para a sua subsistência, jamais passando a outros e ficarão eternamente devendo aos cofres públicos, através de medidas, que, segundo elas, exploradoras de seu rico dinheirinho. Destilam um ódio tão forte a estes descamisados, talvez até mais pungente do que o ódio dos romanos aos cristãos.

Também consideram que o dinheiro recebido pelos presidiários é um roubo para os cofres públicos, o que não é verdade, pois a verba não vai para eles e sim para a família, para ser sustentada e isso somente acontece, caso o preso tenha contribuído para o INSS. Por outro lado,  caso o detento vá para o regime aberto, os familiares perdem o benefício. Não é portanto, um benefício de nossos impostos, mas uma contribuição do presidiário, como qualquer outra pessoa, enquanto trabalhava. Também olham de esgueio para o Brasil Carinhoso, no qual é passado aos municípios o valor para a alimentação de crianças de 0 a seis anos, no Programa Saúde na Escola.

Mas essas pessoas não amam as crianças? Não cultuam a expressão de Jesus que dizia “vinde a mim os pequeninos, porque deles é o reino dos céus”?

Não sei o que ocorre realmente. Tenho comigo que é possível e de bom alvitre discordar de muitas medidas sociais. O que não consigo entender, por mais que me esforce, é o fato dessas pessoas tão carinhosas, meigas, disciplinadas e atuantes na religião,  se oponham com tanto ódio a estas medidas, sem ao menos se debruçarem sobre seus objetivos e metas.  Nem ao menos lhes chama a atenção o fato de que estas medidas estão sendo copiadas por muitos países, inclusive, os desenvolvidos.  Quem sabe, elas se impressionem pelos ares estrangeiros e acabem mudando de ideia.


Já nem falo das cotas, nas quais há muitas discussões, por ambos os lados, nem falo da inclusão social dos estudantes mais pobres através do Fies e de outros programas educacionais, nem falo…

Deixa pra lá, o que me incomoda mesmo, é que estas mesmas pessoas que destilam este ódio extremo, esta dificuldade em aceitar o próximo, que os consideram marginais, exploradores, vagabundos, vadios, etc, ainda vão na missa comungar com a alma pura e lavada, exalando a essência dos bons perfumes e aspirando o incenso dos altares. Será que se dão conta disso? Será que pensam nisso, alguma vez? Quem sabe, ao rezarem o pai nosso, pulem a frase “assim como nós perdoamos os nossos devedores”. Como perdoar, se não perdoam nem a si próprias?

No fundo de suas almas, talvez pensem, trêmulas e confusas, amo meus irmãos, como Cristo me ama, com excessão dos negros, dos vadios, dos pobres, dos cotistas, dos gays, dos …deixa pra lá. Venha a nós o Vosso Reino!


sábado, novembro 16, 2013

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Há muitas dúvidas, que esperamos ansiosamente que sejam dirimidas. Aconteça o que acontecer, mesmo que não tenha havido assassinato por envenamento do Presidente, houve, infelizmente para a nação, um latrocínio da liberade, um golpe sujo e violento que considerou vago o cargo do chefe da nação, para na calada da noite, tomarem o poder. Tempos difícieis. Tempos de dor e agonia. Tempos de espera e morte da liberdade. Nada será alterado na história de nosso País, mas pelo menos, a verdade virá aos poucos e o povo brasileiro descobrirá que as margens plácidas em que estava deitado, não eram tão tranquilas assim, e que talvez agora tome consciência do turbilhão de sofrimento em que se instalara. Graças à Comissão da Verdade, a história está sendo reescrita e a memória ficará intacta e mais lúcida.

Exumação de João Goulart

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quarta-feira, outubro 02, 2013

Os pombos não devem ser alimentados


Tenho observado que nas ruas da cidade, e não somente em praças ou próximos à igrejas, os pombos proliferam de modo desregrado a p
onto de serem atropelados, em determinados momentos. Eles já não temem os transeuntes. Passeiam tranquilamente, esgueirando-se entre calçadas e ruas em busca do alimento que lhes é oferecido regularmente. As pessoas, por certo, tem consigo que alimentam um pequeno animal que possui uma simbologia muito forte, como a da paz, e talvez por isso, subjetivamente acreditem que estão apenas trazendo beleza e alegria aos passantes e moradores. Entretanto, estes animais, os pombos precisam, na verdade, alimentar-se através de suas próprias andanças por comida, pois somente assim, se esforçarão para a busca e não se reproduzirão tão facilmente, percorrendo grandes distâncias para tal fim. Eu tenho observado senhoras com crianças, distribuindo porções de pães aos pombos, e as crianças convivendo com as aves, inclusive perseguindo-as, em seu encalço. Os pais riem, satisfeitos, sem perceberem que seus filhos estão na iminência de contrairem alguma doença. 
Segundo os pesquisadores, os pombos  são agentes transmissores de mais de 20 doenças. A mais grave delas, a criptococose, mata 30% em casos de diagnósticos tardios, além de outras doenças  também causadas por fungos e bactérias, como histoplasmose, ornitose e salmonelose, além de ácaros e piolhos que causam dermatites e alergias. Os especialistas, inclusive recomendam o uso de luvas e máscaras na hora de limpar forros, telhas e calhas ou qualquer lugar com acúmulo de fezes de pombos - e os dejetos devem ser umedecidos antes de recolhidos, para evitar a inalação de fungos.
De acordo com o pesquisador João Justi Junior, do Instituto Biológico- Apta (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), não há produtos legalizados no Brasil para esterilização de pombos.  Parte da solução do problema passa pela educação das  pessoas conscientizando-as de que não se deve alimentar os pombos. “Assim os pombos precisam de uma área maior para procurar  alimento, procriam menos e acabam deixando as áreas urbanas,  indo viver nos campos”, explica.   Em locais onde os pombos são alimentados,  ressalta o pesquisador, ocorre ainda a proliferação de ratos, baratas e moscas devido às sobras de alimentos e às fezes que atraem moscas. Por outro lado, há uma lei federal nº 9605, de 1998, que configura crime ambiental a agressão aos pombos. 
Então o que fazer com estes “ratos de asas”, conforme a definição do ex-prefeito londrino Ken Livingston. É preciso esclarecer a população que não deve dar migalhas aos pombos, ou seja, alimentá-los sob hipótese alguma. Este alerta viria, talvez pela elaboração de uma campanha do governo muncipal, através das mídias tradicionais e, também pelas redes sociais, nas quais há um alcance muito grande da população. Outro aporte importante seria a Furg, com a participação de profissionais ligados à área de saúde e meio ambiente, bem como no manuseio de animais, para  esclarecer  à comunidade através de um viés científico.  Somente a educação e o conhecimento mais apurado do problema poderá mudar este panorama. É necessário a elaboração  de estratégias que permitam este conhecimento, através da disseminação de informações que esclareçam os reais malefícios desta prática cada vez mais frequente em nossa cidade e em tantas outras pelo Brasil afora. Em algumas cidades do Brasil, as pessoas são multadas quando alimentam os pombos. Em outras, como Helsinque, Finlândia, há placas de aviso em toda a cidade, desencorajando os turistas a alimentar os pombos. Em Londres, na Inglaterra, os monumentos são elitrificados para impedir que os pombos evacuem nas estátuas. 
Esperemos então que a nossa cidade se antecipe a estes problemas de saúde pública e atinja um bom grau de esclarecimento nesta questão, de forma a planejar o seu futuro com melhor qualidade de vida a todos. 

A VARSÓVIA QUE VI: suas peculiaridades, beleza, modernidade

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Há tanto a falar sobre a Polônia, um país que me conquistou a partir da sua história e a experiência de seu povo, que soube preservar a memória e visualizar o futuro baseado em suas raizes mais vigorosas. Observei que Varsóvia, a capital, cujo centro histórico, chamado de “cidade velha”, é uma região que se reergueu, totalmente reconstruída de acordo com as suas origens medievais. A cidade destruída pela Segunda Guerra Mundial, pelos alemães e  hoje, amplamente restaurada,  evoca a memória do povo  que tange em cada pedra, em cada mármore, em cada ladrilho. Portanto, é um triunfo da vida que passa serena e precisa, produzindo uma metamorfose de beleza e integridade. A morte, a desesperança, o furor da guerra, deram lugar aos monumentos históricos que expressam o seu passado e a esperança do futuro. Ali, na região histórica, vê-se o Castelo Real, que se transformou em ruínas, sobrevivendo  apenas a porta central. O povo polonês o reconstruiu de 1971 a 1988. 
Na zona norte, a praça da cidade velha com suas peculiaridades, circundada por belíssimas casas coloridas em estilos distintos, abarcam o Museu Histórico de Varsóvia. Na mesma praça, observa-se o brasão da cidade, representado pela fonte da sereia, dizem, é uma sereia de água doce, porque a cidade é banhada pelo rio Vistula.  
Na praça das três cruzes, uma cruz imponente no centro da praça e outras três no lado oposto da igreja, de onde se tem uma vista maravilhosa ao vale do rio Vístula, Kazimierz e o Castelo Janowiec. Nesta região, além do significado arquitetônico e turístico, coexistem em harmonia algumas  lojas  conceituadas, tais como Hugo Boss, Lacoste, entre outras, além de apartamentos  muito prestigiados em virtude de sua proximidade com o comércio e as facilidades de locomoção.  
  No Bairro Mokotow, avistam-se edificios da década de 40, tipicamente residenciais,  que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial, ao lado de outros restaurados ou construidos mais recentemente. Um prédio emblemático para a cidade é o da Universidade de Varsóvia, inaugurada em 1816 e  tem desempenhado um papel cultural, politico e educativo muito importante para a Polônia. Trata-se de um espaço magnifico, onde se pode encontrar grande riqueza cultural através das diferentes formas de pensar e agir, resultado das experiências de estudantes de várias partes do mundo. O acesso à cultura é gratuito, de tal modo que o nivel cultural passa a ser um paradigma para a comunidade.  O acesso à informação e ao conhecimento é original e constante, através de uma gama imensa de concertos musicais, passeios distintos, atividades de rua, feiras, exposições. Esta estrutura produz uma cidade cosmopolita, onde culturas interagem, tornando-a cada vez mais atrativa. Na Universidade há um “bar-livraria”, denominado Tarabuk, ou seja, trata-se de  um café peculiar, porque dispõe  de  livros de autores poloneses e estrangeiros. Neste ambiente,  misturam-se os livros, o café, o bar, enfim, um ambiente acolhedor e descontraído, permeado por uma conduta particular de aprender e se relacionar. 
Ainda há muito para ver em Varsóvia, se não vejamos, na avenida Ujazdow, no centro da cidade, se delinea o famoso Parque Lazienki (Banhos reais), ocupando 80 hectares no centro da cidade, ligando o Castelo Real com Owilanow ao sul. No parque,  encontra-se o monumento a Frédéric Chopin, inaugurado em 1926.  Foi destruido pelos alemães e nos anos 50 foi novamente inaugurado no mesmo lugar.  O Parque Lazienki se limita ao sul com o Parque Belvedere, um grande e belo gramado que compôe o Palácio Belvedere, antiga residência dos presidentes. 
Por outro lado, através de conversas com pessoas da cidade e pela observação das casas sem muros ou grades, percebemos, que há segurança nas ruas de Varsóvia, podendo-se caminhar tranquilamente pelas avenidas e parques, sem preocupação com assaltos ou qualquer espécie de violência. Também, pode-se verificar  que há uma expressiva consciência social, pois há rampas para deficientes em todas as calçadas, ciclovias que cortam bairros, inclusive seguindo até outras aldeias ou cidades,  os banheiros públicos são bem sinalizados, as ruas são limpas, bem cuidadas e ornamentadas com flores, constituindo belíssimos canteiros nas rótulas, além do  transporte público que, segundo as fontes consultadas, é excelente. É uma cidade onde tudo funciona de acordo com a necessidade do cidadão, uma cidade que embora praticamente destruída pela guerra, foi completamente reconstruída e restaurada, com grande mérito, com a arquitetura semelhante à original.  Ao lado da reconstrução, há  também uma arquitetura moderna, perfeitamente integrada na urbanização,  com crescimento racional, com hotéis de qualidade e um grande incentivo ao turismo.
Um outro fato que me chamou a atenção, foi o uso de bicicletas pela população. Para tanto, entrevistei pessoas que conheciam a cidade, além de utilizar como fonte a revista The Warsaw Voice Magazine: Multimedia Plarform in Poland (29/08/2013), cujo artigo  da jornalista  Jolanta Wolska, intitulado “Bike power”, foi muito elucidativo. Ela discorre sobre um sistema de aluguel de bicicletas públicas, que foi introduzido há um ano em Varsóvia. Chama-se Veturilo, que significa veículo, em esperanto. Este nome foi criado pelo estudante Mateus Kempisty, vencedor de uma competição na internet para a escolha do nome. Já foram alugadas mais de um milhão de bicicletas, desde que o sistema foi implantado na cidade. Mais de 120.000 pessoas já se inscreveram para alugar as bicicletas e até agora há 2.600 bicicletas em uso em 168 localidades ao redor de Varsóvia. 
As bicicletas estão disponíveis para aluguel nove meses do ano e proporcionam mobilidade urbana, além de significarem um investimento barato, flexível e saudável. Normalmente são usadas em distâncias curtas, por exemplo, entre uma estação de metrô e a universidade ou do local do trabalho à casa. 
Os usuários devem registrar-se online no www.veturilo.waw.pl e pagar uma taxa inicial de 10 zl. para ativar sua conta. Os primeiros 20 minutos são gratuitos, com os próximos 40 minutos custando 1 zl. Em Varsóvia, 80 por cento dos aluguéis ocorre dentro do limite livre de 20 minutos. Em média, cada bicicleta é usada três a quatro vezes por dia. As bicicletas são equipadas com engrenagens, assentos ajustáveis, cestas e uma fechadura segura. Para o Programa Veturilo, foi desenvolvido um sistema de bloqueio automático que acelera o processo de locação.  
      Até agora, na Polônia, o aluguel de bicicletas funciona em Varsóvia, bem como em Wrocław, Poznań, Cracóvia e Opole.  Qualquer pessoa cadastrada no sistema Veturilo em Varsóvia também podem utilizar os sistemas de outros países e cidades polonesas, onde o serviço Nextbike (empresa que implementou o sistema público de aluguel de bicicletas em vários países e também na Polônia) opera.
A revista utilizada como fonte, foi-me presenteada pelo Sr. Victor, um dos componentes do nosso grupo da excursão da BRASPOL, a quem deixo o meu agradecimento.





 Parque Lazienki



 Monumento a Frédéric Chopin
Adicionar legenda

PRAÇA DAS TRÊS CRUZES

CASTELO REAL


CASTELO REAL



PORTA DO CASTELO REAL


quarta-feira, julho 31, 2013

A CINZA EM QUE ARDI

Sempre a vira expor-se de maneira ridícula. Pelo menos para os padrões da época. Tinha lá seus quase oitenta anos e se vestia como uma mulher de trinta. Um vestido godê preto, que ao vento lhe subia nos ombros, aos meus olhos espantados de 10 anos. Na boca, um batom vermelho delineando os lábios sumidos. Um sorriso largo, de dentes miúdos, com falhas inevitáveis. Gostava de sentir-se assim, livre e talvez a sensibilidade aflorada na pele revelasse apenas o desejo de felicidade. Uma brisa, um aroma, um sopro de vida. Todos ou quase todos a chamavam de louca. Ou senil. Ou velha destemperada. Não lhe permitiam explosões em seus pensamentos, nem alfinetadas nas ideias que não se constituíssem um dedal. Mentes torpes, endurecidas pelo hábito higiênico e padronizado da maioria. Eu, como criança, talvez a seguisse no que tinha de melhor. E o melhor eram os livros que me oferecia. Livros tão antigos quanto à coluna que se comprimia nas vértebras enferrujadas. Livros amarelecidos, capas andrajosas pedintes de leituras, folhas finas, às vezes rasgadas. Pedaços de livros. Frangalhos de histórias. Mas que me faziam beber da fonte inesgotável da aventura, de trajetórias distintas das que seguia, dos vôos altos em que avistava outros prados.

Ela não arrefecia em mostrar-me este novo mundo, talvez porque visse em mim uma sagacidade desconhecida aos demais de sua família. Um desejo de ir mais longe ou de descobrir o que estava tão perto, mas tão perto, que nem fazia sentido.

Ela era assim: alegre, divertida, faceira, estranha. Um estranho absurdo, que talvez a lançasse aos limites da loucura. Mas esta insanidade voraz e desconhecida talvez a tornasse um ser humano íntegro em sua relação peculiar com a vida.

Claro que nem todos a entendiam, nem eu. Apenas não a julgava com o olhar de adulto. Por certo, encontrava em sua imaginação fértil uma afinidade com o universo interior de um pretenso escritor. Tudo que eu escrevia num papel encardido de embrulho era devidamente analisado, anotado e compreendido. Quando muito, uma nova visão, um ponto de vista próprio, difícil de atingir, mas que anunciava uma entrega desavisada com cheiro de sonho e gosto de felicidade.

Morava com um irmão tão velho quanto ela e os três sobrinhos. Todos a consideravam amalucada, rótulo vencido.

Eu sentia um certo constrangimento em me aproximar, tal era o preconceito que expressavam sobre ela.

Certa vez, ela me chamou pelo muro. Estendeu seus braços finos, com um caderno na mão, tão amarelo quanto os livros. As unhas vermelhas apertavam a capa cerzida na restauração improvisada. Percebi que havia uma espécie de tule ou renda branca empoeirada, revelando o guardado num daqueles baús imensos que tinha ao lado da cama. Espichei o meu braço, arrastando-o no reboco rugoso e peguei o caderno. Ela fez um sinal cúmplice com a boca, produzindo mil ruguinhas entre os lábios, pedindo que não o abrisse logo, apenas quando estivesse em casa, engendrando minhas histórias. Obedeci. Guardei o caderno embaixo do travesseiro para lê-lo à noite, sem muito tempo para decifrar o que havia nele. Fui para a escola, de lá para casa, o banho, um pouquinho de tv, o sono e esqueci o presente.

Acordamos pela manhã, eu e meus pais com os gritos. Uma ambulância e um olhar de desespero cercado entre braços fortes que a empurravam para dentro do veículo, como se pudesse resistir a não ser com gritos. Um cheiro de fumaça, de papel queimado, de lixo armazenado no fundo do quintal.

Meu pai perguntou ao sobrinho mais velho o que estava acontecendo, mas não houve tempo para respostas, a sirene já se ouvia forte, abrindo caminho na rua onde se formavam pequenos grupos. Todos comentavam, produzindo explicações que convinham. Alguns meninos no caminho da escola, paravam intrigados, observando a cena. Cenário perfeito para uma investida na imaginação por mais acanhada que fosse. Tudo conspirava para o senso comum se estabelecer: dispensar a tia louca para o sanatório.

Meu pai afastou-se do lugar enquanto minha mãe já tomava as últimas da vizinhança. Entramos, a hora se adiantava. A vida continuava. O mundo girava no mesmo ritmo. Um ritmo desordenado em nossa vida caótica. Lembrei de seu irmão mais velho, que nem aparecera. Devia ter ficado lá, constrangido pela covardia em não lutar contra um destino que mais cedo ou mais tarde seria o seu.

Não me contive e desviei do cuidado de meus pais e pulei o muro, pelos fundos do quintal. Atravessei o pequeno alpendre e passei pela cozinha, dirigindo-me ao quarto dela: reduto pouco visitado, embora lá havia conhecido e ganho os meus primeiros livros. Percebi que o irmão estava encostado no parapeito da janela que dava para o nosso pátio, um cotovelo apoiado, com a mão no queixo, amaciando a barba mal feita e na outra mão, um cigarro de brasa esquecida.

Afastei-me pé ante pé e abri a porta do quarto, lentamente. Observei a cama de mogno desarrumada, a cômoda com os porta-retratos atirados, uns sobre os outros como em efeito dominó, alguns livros rasgados. Mas meus olhos se detiveram espantados na velha estante de madeira que emoldurava toda a parede do lado esquerdo, oposto à janela. Estava vazia, uma estante em que moradores notáveis fizeram historia, um Kafka, um Machado, um Guimarães Rosa, um Joice, um Goethe, um Dostoevisk. Demandaram em derradeira missão, talvez desconhecida e definitiva, jamais almejada.

Corri para os fundos do quintal, segui a cortina que se antecipava aos meus olhos e um pequeno visgo de fumaça, como uma serpente que se insinuava, mostrava o caminho.

Ali estavam os livros, com suas brochuras à mostra como esqueletos restantes do incêndio homicida, costuras desalinhadas, pedaços de folhas em desenhos disformes com olhos negros produzidos pelo fogo, marcas indeléveis, transmutando o que era saudável em feridas fatais. Sangue negro escorrido nas cinzas, fome de vingança jamais aplacada.

Ainda salvei das últimas chamas, alguns farrapos que resistiam aos pingos de sereno. Parte de um livro de Almeida Garret, que li sujando as mãos na página quente, que me doíam os dedos: restos mortais de uma vida que se dissolvia na intolerância.

Seus olhos - se eu sei pintar

O que os meus olhos cegou

Não tinham luz de brilhar.

Era chama de queimar;

Vivaz, eterno, divino,

Como facho do Destino.

Divino, eterno! - e suave


Ao mesmo tempo: mas grave


E de tão fatal poder,


Que, num só momento que a vi,

Queimar toda alma senti...


Nem ficou mais de meu ser,

Senão a cinza em que ardi.

Nunca mais a vi. À noite, abri o caderno de capa cerzida e passei a viver assim, embasbacado, até descobrir o sentido das coisas que avistara. Ela teria feito um apanhado de minhas histórias, como incentivo a prosseguir no desvendar incessante da imaginação. Um dia, seria talvez um aprendiz de um daqueles escritores consagrados. Mais tarde, porém percebi que aquelas narrativas não eram minhas, a não ser a semelhança pela ingenuidade e a descoberta prenhe da vida. Eram histórias de há muito tempo atrás, talvez de seis ou sete décadas, quando ela era tão criança quanto eu e assim, iniciara também seus contos num caderno, hoje cerzido de linha azul, para preservar o sonho. E talvez, a lucidez.

sexta-feira, julho 19, 2013

PIOLHOS DE RICO


Há quem adore rico. Certamente não àquele rico de fachada, que aparece toda semana nas páginas de socialite dos jornais ou fazendo campanhas de benemerência, sob alcunhas de bons moços e gente de bem. Gente chic que veste nos grandes magazines (sic) e se atualiza em grifes de marketing.

Há os que adoram gente rica, e não são pessoas ruins ou cidadãos menores. São apenas simplórios.

E também não há nada contra os verdadeiramente abonados, que construiram suas fortunas e obtiveram seus bens com seu trabalho, aumentaram seu patrimônio ou investiram nos que lhes foi legado de direito.

Mas há os que grudam nos ricos, diria que são verdeiros piolhos de rico, cono costumava dizer um colega de trabalho, talvez um pouco incomodado pela sabujice de um ou outro companheiro.

Mas analisando a situação, percebi que piolho de rico é aquele que está sempre grudado numa pessoa abonada, em qualquer esquina que vá, em qualquer cruzeiro pra lhe dar as boas idas (e vindas), em qualquer festa de bodas em Punta de Leste, talvez inconsciente, grude de tal modo para um dia chegar à Casa-grande.

Este tipo de pessoa costuma adorar o rico que representa a verdadeira elite, não falo dos novos ricos ou filhos de imigrantes, que aqui vieram labutar e conseguir suas riquezas pelo trabalho e esforço. Muito menos da elite intelectual. Esta deveria ser a verdadeira elite, a da educação, do ensino, do conhecimento. Falo da velha elite, cujos representantes herdaram terras e enriqueceram com o sangue dos escravos e índios, como tão bem se expressava Gilberto Freyre em sua “Casa-grande & Senzala”, alimentando a luta de classes, investindo no sangue que irrigava as plantações que provinham os celeiros.

Talvez as pessoas que possuam este fascínio pela riqueza e pelos que a usufruam, cultivem a fantasia da estirpe dos monarcas, dos grandes latifundiários, dos colonizadores que exploraram, povoaram e dominaram a terra, cheios de saudade de seu Portugal, sofrendo por decepar cabeças de insurrentes naquele seu sentimental lusitano.

Talvez elas os amem apenas porque correspondem aos mesmos preconceitos arraigados da elite que criou a monoc

ultura latifundiaria, o sistema econômico, social e politico, de produção, completada pela senzala, ou seja, a Casa-grande, que muitos ainda cultivam (e acham que ainda existe).

Talvez os amem por serem contritas em suas orações, tal como o eram as famílias que tinham o capelão subordinado ao pater familia, inseridas num patriacarlismo polígono e no compadrismo da política, no autoritarismo.

Talvez adorem este tipo novo de vida, que assistem nas novelas da Globo ou nas revistas de celebridades ou mesmo na Veja, onde a elite se vê ali acobertada, de tal forma que está acima de qualquer justiça ou bem social, que se veste de boazinha e de caráter íntegro, mas sobrevoa a política e alcança com fúria os poderes da mídia, da manipulação, dos podres poderes, como dizia o poeta.

Um poder que corrompe os simples e deforma mentes, ao criar sistemas de permanência de sua própria classe.

Quanto aos demais, os da classe média, que rastejam subordinados a mediocridades tacanhas, vindo de autoritarismos de tempos passados, a estes, apenas a conformação do reflexo na janela. Têm o carro importado, a roupa de grife e acreditam sinceramente no acolhimento. Mas que nada, como na canção do Chico que assinala o furor do colonizador lusitano, as coisas acontecem assim:

“Sabe, no fundo eu sou um sentimental

Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo... (além da sífilis, é claro)

Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar

Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora...”

sábado, julho 13, 2013

EXTENSÃO POPULAR: um trabalho de pesquisa do Prof.Pedro Cruz

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EXTENSÃO POPULAR : PEQUENA EXPLANAÇÃO DO TRABALHO DE DISSERTAÇÃO DO PROF. PEDRO JOSÉ CARNEIRO CRUZ



Observando o trabalho de dissertação do Prof. José Santos Carneiro Cruz, Extensão popular: a pedagogia da participação estudantil em seu movimento social, que apresenta a participação estudantil na Organização da Articulação Nacional de Extensão Popular (ANEPOP), pude apreender de certa forma, uma nova visão da vida estudantil e principalmente dos atores envolvidos na imensa trama de poderes (e falta de) de nossa sociedade, na maioria da vezes, marginalizada. Sou leigo e me detive a aspectos que me emocionaram e talvez, nem consiga definir claramente os significados dos conteúdos que tentam inaugurar uma nova cidadania. Extamente isso é que me chamou a atenção, o modelo de participação popular, junto à comunidade, trocando experiências e como resultado a produção de conhecimentos de parte a parte. O mundo não é estático, ele gira e em cada face, há um espelho que refletirá inevitavelmente no outro lado. Essa é a grande jogada! Isto é cidadania!

Tudo que apreendi, desta feita, é advinda de meus conhecimentos tanto de professor, quanto de bibliotecário e experiência de vida, que me levam muitas vezes a realizar a vocação de escritor (que é a que mais pratico atualmente).

Passando pela seara da línguística, podemos afirmar, segundo Saussure, que o conceito ou ideia é a representação mental de um objeto ou da realidade social em que nos situamos, representação essa condicionada pela formação sociocultural que nos cerca deste o berço. Em outras palavras, para Saussure, conceito é sinonimo de significado (plano de ideias), algo como o lado espiritual das palavras, sua contraparte inteligível, em oposição ao significante (plano de expressão), que é sua parte sensível. Para tanto, voltando à pesquisa do Prof. Pedro, percebemos o olhar curioso, origem de toda pesquisa e conhecimento e a partir daí, o caráter qualitativo para resgatar a história, a experiência e assim compreender a análise crítica. Tudo aqui, engloba o significado , ou seja , o plano das ideias, a parte abstrata, o estudo, a pesquisa exaustiva, o encontro para atingirem o significante, que trata-se, enfim, da parte concreta que forma o conjunto e constitui o conhecimento representado. Deste modo, através da gestão de ideias (o significado) e atingindo o significante (o conhecimento representado pelos signos), o resultado real é cumprido.

Através destes aspectos, verificamos de modo mais concreto, a experiência real avaliada, examinada, estudada e compartilhada, produzindo os sinais indicativos da plena cidadania. Percebe-se que se trata de uma participação ativa no movimento, a cidadania em suas melhores formas de troca entre comunidade e universidade. Seguindo o grande mentor Paulo Freire, importam aqui as trocas de saberes e a compreensão do saber popular. A partir destes trabalhos intelectuais e práticos, ocorre um legado novo, mesmo aprendido por nossa educacao bancária, tradicional. O projeto talvez seja exatamente este, dar autonomia às pessoas que não tem voz, que não tem capacidade de luta, nem de expor as suas misérias ou esperanças. Quem sabe, elevá-las no mesmo patamar que o governo atua e transformar o que ocorre em via única, em duas ou mais, onde haja troca e conhecimento. E o conhecimento em sua plenitude se dá, sem dúvida, pela interação de nossa educação tradicional e a educação popular, tão rica nos seus nuances de experiência e vida. É a troca que viabiliza a desconstrução do preconceito. Isso é admirável!

Pretendo encerrar dizendo que este movimento é o resultado de uma transmissão de conhecimentos, o que configura a verdadeira cidadania, o verdadeiro despertar para novos vôos, onde o homem aprenda a voar junto e saiba ver-se um igual. Os vôos só divergem, porque uns abatem os outros. No caso dos pássaros, eles fazem verdadeiros balés de beleza e sabedoria. Jamais se chocam. Jamais se excluem. Jamais se afastam do objetivo comum.

Parabéns Prof. Pedro José Santos Carneiro Cruz e ANEPOP.


Gilson Borges Corrêa

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