quinta-feira, dezembro 12, 2013

UM NATAL DISTANTE



Há quem se lembre dos natais da infância e são estes os que realmente preenchem a nossa memória, trazendo de volta a fantasia, a alegria e a recordação da família naqueles momentos intensos. Tenho comigo que os natais são todos bons, a menos que tenhamos tido algum sofrimento marcante e as coisas, aí, trilhem caminhos mais estreitos e tortuosos. Lembro de muitos natais da infância e acho que na maioria foram muito felizes. Entretanto, há um em especial, em que eu não era criança, nem adolescente, nem vivenciava aqueles momentos de encantamento em que somos pais com filhos pequenos. Tinha meus 20 e poucos anos e o Natal se resumia a um pequeno encontro de família, com os pais e irmãs, a missa do galo e no máximo, alguma festa maior à noite, em que houvesse danças e namoricos. Nada que se compare às baladas explosivas de hoje em dia. 
E este natal começou muito cedo. Na véspera, numa tarde de sábado. Um desses sábados à tarde em que as pessoas já fizeram as suas compras ou ainda permanecem comprando os últimos presentes que faltaram. Nas ruas, um pouco distante do centro comercial, a cidade parecia completamente deserta (principalmente nos idos dos 70, em que a cidade era bem menos povoada). Era uma avenida arborizada, com grandes canteiros centrais e árvores gigantescas que davam um ar de nostalgia para a véspera de natal, que já por conta de todos os envolvimentos emocionais, o Natal  em si, já é nostálgico para mim. Porque lembramos de entes queridos que já não se encontram em nosso meio, porque as famílias já se dissolveram e vivem em outros lugares distantes ou mesmo construíram outros lares e possuem outros relacionamentos, ou porque, sei lá, temos uma dificuldade interna de sermos felizes quando todos assim parecem. 
Pois, antes de chegar nesta avenida arborizada, eu resolvi visitar o asilo de pobres. Era uma experiência nova para mim, não que eu não tivesse ido até lá em outras oportunidades, ao contrário, já participara de outros encontros e dedicado alguns momentos que foram talvez bons para eles, mas muito produtivos para mim. De todo modo, a experiência a que me refiro, se chama véspera de natal. Na véspera de natal, os velhinhos parecem ter a obrigação de serem felizes. Os cuidadores riem, esforçam-se para incentivá-los e não admitem quaisquer reclamações ou tristezas. Alguns filhos os visitam, trazem os netos e outros parentes. Às vezes, até os levam para casa. Eu conversei com alguns idosos e havia lhes trazido presentes. Na verdade, guloseimas, porque o que interessa para um idoso  ganhar uma camisa nova ou uma blusa de rendas? Para onde eles vão? Com que se divertem? Como vestir roupas novas, se o seu destino inevitável é o quarto onde deitam suas dores? Então foi o que fiz. Presenteei-os com chocolates, biscoitos, cookies, balas e todos os tipos de guloseimas que pudessem adoçar-lhes a boca e o coração. Uns conversaram mais do que os outros. Uns se fecharam em si mesmos, embora  agradecessem os presentes, mesmo que momentaneamente, decididos a se afastarem, habituados a ficarem sozinhos. Houve os que contaram histórias, verdadeiras ou fantasia, mas que preenchia suas memórias de maneira intensa, mesmo que por alguns momentos. Talvez, o encontro tenha durado uma hora. Dali sai satisfeito e angustiado. Satisfeito por ter realizado o meu objetivo que era o de levar aquelas pequenas lembranças e angustiado, talvez por que outro objetivo não tenha sido alcançado, que seria o encontro. Acho que não houve o encontro entre nós. Não houve interatividade. Não houve partilha de sentimentos, de emoções, de troca de experiências. Houve apenas um encontro social, onde alguns fragmentos de sentimentos vieram à tona. De todo modo, fiz o que me propus e pensei que no próximo ano seria melhor. Depois, pensei melhor e me perguntei, por que no próximo ano? Por que não na próxima semana, no próximo mês, no forte calor de janeiro, no imenso frio do inverno? Há tanto momentos para serem compartilhados. Há tantos dias a serem preenchidos. E pensando desta forma, retirei-me, entre os cumprimentos e desejos de feliz natal e  anseios de um bom ano novo. 
Por um momento, lembrei de nosso trabalho no hospital psiquiátrico e o comparei com o asilo. Na verdade, a solidão e a fantasia eram as únicas coisas que os uniam. E talvez as únicas que realmente tinham alguma importância. Mas desviei o olhar, tentando não ver aquelas paredes escuras, cujas luzes pareciam focalizar apenas olhos assustados e ouvidos desatentos. Procurei não pensar e esquecer de vez esta visita. Muito menos divagar, fazendo comparações, cujas conclusões poderiam argumentar uma tese.  Afinal, o asilo já tinha preenchido bastante aquela tarde. 
Afastei-me devagar. Não estava tranquilo. Mas não devia me deter muito nisso. Teria mais tempo e mais angústias, que por certo aflorariam. Dirigi-me a algumas casas, onde deixaria  cartões sob as portas ou os entregaria pessoalmente. Nesta época, não havia cartões virtuais, nem redes sociais, nem comunicações online. Tudo era concreto. Tão concreto, quanto a calçada da avenida que eu, agora, após a entrega dos cartões natalinos, me dispunha a caminhar. Observei que o sol já se punha, devagar, bem lentamente. É um sol de verão e portanto, demora mais a se esconder. Entretanto, a noite se aproximava e devia me antecipar, porque havia muito mais a percorrer. Do outro lado da avenida, havia a igreja e nem uma pessoa na rua. Um silêncio sepulcral, como se todos houvessem abandonado a cidade. Um silêncio bom, que me deixava refletir, inclusive sobre a calma que a natureza despertava. O sol ao longe, se pondo, jogando seus raios por entre as árvores da avenida, a rua que se alongava em direção à saída da cidade, o silêncio intenso, tudo produzia uma paz que nem sabia explicar. Nem tentava, só absorvia. Por outro lado, estava satisfeito, porque a maioria dos cartões natalinos foram entregues.
Pensei comigo que esta tranquilidade contempla a condição de nos sentirmos plenos, inteiros em nossa caminhada. Atravessei a avenida e aproximei-me da igreja, agora já um pouco às escuras, pois o lusco-fusco aumentava, em virtude das luminárias serem acesas, amiúde,  e por momentos, via-se apenas a luz natural. Foi neste momento, ouvi um voz firme e forte, me chamando. Olhei para os lados e não vi ninguém. A voz insistiu, pedindo que o olhasse, com a convicção implícita de que o atenderia. Meio aturdido, voltei-me e avistei um homem encostado na porta da igreja, meio escondido, pois embora fechada, a porta fica um pouco para dentro, como um nicho. Percebi tratar-se de um senhor idoso, do qual não conseguia avaliar a idade que aparentava. Usava um terno escuro e vestia um colarinho de padre. Os sapatos pretos me pareciam de verniz.  Aproximei-me, agora tranquilo, apertei sua mão com firmeza e sorri, quando disse: — Tinha certeza de que conversarias comigo. Hoje em dia, todos estão muito apressados, mas tu já fizeste com calma o que te propuseste. Visitaste o asilo de pobres, entregaste os cartões natalinos e agora parasses para conversar comigo. Eu sabia que farias isso. 
Respondi com determinação e calma, que não havia motivo para não parar e ouvi-lo. Não entendi bem como ele sabia sobre o que eu havia feito, mas, de qualquer modo, tudo me parecia muito natural. Naquele momento, não achei que este detalhe tivesse alguma importância. 
Ele então, concluiu: — És um bom rapaz. Foi por isso, que parasses para conversar comigo. Sei que sempre evitas contar as tragédias que tens conhecimento pela tv, jornais ou por outras pessoas, para os teus familiares. Achas que não vale à pena incomodar teus pais com estas histórias tristes, até mesmo, porque tu não gostas de repetir estas coisas. Não acrescentam nada. 
Concordei com ele. Então, fez uma pequena revelação: _ A partir de hoje, véspera do Natal, ficarei aqui, nesta igreja, até o ano novo. Se quiseres me ver novamente, conversar comigo, eu estarei aqui, te esperando. Agora, vai, te esperam em tua casa. 


Apertei-lhe a mão e afastei-me ainda mais contente do que estava antes. Passou o tempo, esqueci do ocorrido. Naquela época, havia o cinema Lido, que ficava próximo à Igreja. Na véspera do  ano novo, eu e minha irmã decidimos assistir um filme, lembro que se tratava de um musical com Barbra Streisand.  Ao sair do cinema, passamos pela frente da igreja e, para minha surpresa, ele estava lá, sorrindo e me chamando para conversarmos. Avisei a minha irmã da pessoa que havia encontrado naquele mesmo lugar, na véspera do natal, da qual havia comentado anteriormente. Para minha surpresa, ela ficou em verdadeiro pânico, correndo em desabalada carreira, em direção à esquina, sem parar um segundo, muito menos atender aos meus chamados.  Ainda, antes de me afastar por completo, voltei-me e olhei para o homem que sorria e me acenava. As pessoas passavam rápidas, saindo do cinema e provavelmente conversando sobre o filme. Ele continuava lá, e nem sei se o viam, tal como eu. De todo modo, nunca mais o vi, embora ele deva ter ficado até o dia primeiro do ano novo que começava. Nunca mais o vi, nem tenho certeza de que a mensagem que deixara, fora apenas  uma invenção de sua mente. De todo modo, ratificou a ideia  de que devemos sempre fazer o melhor em quaisquer circunstâncias, a qual eu não tinha consciência plena. Que devemos preservar em nossa  missão e observar a natureza, vivenciando sem pressa os momentos em que estamos sozinhos ou reunidos. Isso é o que podemos chamar de momentos de felicidade. Provavelmente, seja este o significado maior do Natal. 

sábado, dezembro 07, 2013

A rebeldia dos guris e gurias da LES

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Lendo os artigos dos alunos e participantes da LES, ficou-me a impressão de que as pessoas aos poucos se acomodam ou se adaptam de acordo com as circunstâncias em que estão envolvidas. Tenho comigo, que os guris e gurias não se dão conta da extrema relevância de suas atuações, produzidas através de atitudes, procedimentos e interesses pessoais e coletivos. Já explico. Seus interesses podem ser até inconscientes. Querem, precisam como todo ser humano estar junto, participar, partilhar dos acontecimentos, de tal forma que suas ações sejam reconhecidas pelo grupo e muito mais do que isso, que eles próprios interiorizem em suas mentes a capacidade humanitária de doação, mesmo que os sentimentos sejam confusos, conturbados e toda a correnteza não surja com clareza. Mas as águas descem rápidas pela cachoeira, formam veios  nas rochas que jamais são apagados pela natureza, ao contrário, eles crescem, se aprofundam e tornam-se verdadeiros cortes. Da mesma forma,  elas produzem energia e explodem em beleza inqualificável. Assim é a mente do jovem, quando desperta para a troca de experiências, e, embora utilizando plataformas científicas e filosofias educacionais, como as atribuídas a Paulo Freire e outros mestres, elas transbordam no amor. O amor pelo próximo, o amor pelo conhecimento implícito dos que pouco sabem da academia, mas muito conhecem da vida, o amor pela história, pelas peculiaridades da vida em comunidade, pela igualdade de condições, embora em patamares diversos. O amor do jovem abre caminhos para o conhecimento muito maior do que o encontrado nos compêndios científicos, pois permite que caminhem em vaivém, cruzando expectativas e experiências, nunca em paralelo, como linhas que jamais se encontram. O jovem se encontra e quer cultivar este encontro. Quer emancipar suas descobertas. Quer prevalecer a raiz da informação mais tenra, dando lugar à palavra do artesão, da dona de casa, do menino pescador, do trabalhador dos mares, do idoso solitário, do gritar mais alto da garganta oculta, onde as vozes quase nunca são ouvidas, onde os homens são invisíveis, esquecidos de uma sociedade baseada no senso comum, onde pobre, negro ou  gay é marginal. Uma sociedade que grita por socorro, que almeja saídas, onde o humilde não tem voz. 
Ficou-me, acima de tudo, a reflexão de que  a necessidade do ser humano interagir com seus pares é quase uma emergência. (Falo “seus pares” aqui, pela faculdade de seres da mesma condição humana, moradores deste planeta, não me referindo à posição social ou intelectual).  Percebe-se, portanto, que este projeto chamado Liga de Educação e Saúde (LES),  possui uma estrutura elaborada a partir de teorias de educação perpetradas por grandes educadores e filósofos da educação, como citados, mas que acima de tudo, somente se desenvolve a partir do querer inovador e de seus participantes, da ânsia devoradora que somente consome os que sonham, da disputa interna em decidir o caminho mais adequado, mesmo quando existem centenas de outros, muito mais prazerosos ou melhor aceitos pela sociedade e pela academia, que pretende manter o status quo, sem quaisquer mudanças em seus critérios.  Sabemos que mudanças produzem o medo e este paralisa os reacionários, cujas máscaras  incólumes não devem ser analisadas para que a discussão não sobreviva. E é o que esta juventude sabe fazer melhor. E com frescor. Discutir. Discutir sobre tudo, inclusive sobre suas procuras, sobre suas dúvidas, e sobre os caminhos que trilham. Isso é o que lhes leva ao conhecimento, à troca de experiências, à aprendizagem, à “ensinagem", como apregoam. Eles têm um olhar peculiar, atento e alerta na sua realidade interior e na dos que compartilham seu conhecimento. Um sentimento que aflora, que alcança voos elevados, a ponto de se identificarem com a verdade do outro.  Eles vão além das trocas de experiências, do encontro, da interação com os diversos tipos de pessoas com as quais mantém convivência. Pessoas estas que vão ao encontro de seus sonhos recônditos, de suas vontades adormecidas, de suas declarações internas de amor ao próximo, de seus sentimentos transbordantes em ações e que ficam guardados e esquecidos, em virtude da diáspora criada na sociedade em que vivemos. Como antídoto a esta carência, os guris e gurias possuem as ferramentas da  solidariedade, paixão e alegria. Uma alegria genuína de quem não se preocupa em agradar, em competir ou mostrar conhecimento. Uma alegria genuína que só a juventude tem.
Nem preciso reiterar sobre o tema, porque foi trabalhado com brilhantismo nos diversos relatos. Mas só queria dar este registro e retomar uma ideia que parecia extinta dos meios acadêmicos: a rebeldia. Não a rebeldia falsa e falida dos black blocks, mas a rebeldia de não aceitar o pré estabelecido, tal como ocorria na época da ditadura. A rebeldia em refutar as coisas prontas, consumadas, sem a hipótese de mudança. A rebeldia em contestar o senso comum, o que é correto para uma determinada classe elitista e conveniente com seus valores conservadores, na qual nada mais importa do que manter o establishment. O pobre deve estar onde sempre esteve, bem longe dos meios esclarecidos, intelectuais, da gente que pensa, que manda. Para eles, o trabalho braçal, apenas. Ou a fome, a miséria, a marginalidade. Tal como é apregoado por um personagem humorístico e que infelizmente, até mesmo pessoas humildes acham graça, reiterando a posição medíocre onde o pobre deve ficar, na esquina mais longe de nossas fronteiras. Eu, que continuo um rebelde, lutando por causas que percebo que até meus próprios pares se surpreendem, fico feliz com esta liberdade alicerçada em valores tão puros e tão vigorosos que permeiam as mentes avançadas de nossos jovens. Fico feliz, por existirem grupos que não se deterioram com a alienação do consumismo, dos prazeres transitórios, das facilidades burguesas. Não mais, a flagelação dos sentimentos em função do poder, do dinheiro, da ostentação de ser mais ou melhor (ou ter), da competitividade desenfreada, da exacerbação do corpo, da caricaturização da alma. Há jovens que pensam sim. Há jovens que sentem, que se emocionam, que lutam por transformações, que trocam experiências, que apreendem com os outros, que cultivam valores sociais, humanistas, que vivem. Este jovens estão tão próximos de nós e nem nos damos conta, mergulhados que estamos na invocação aparente da juventude que surge todos os dias na mídia. Há jovem evoluídos, entretanto, que sabem e somente eles, que a vida é muito mais que uma passagem monótona e cerceada por muros contendores das normas conservadoras. Sabem que podem abrir brechas, que desembocam em grandes oceanos, para formar, a partir daí, as vertentes que desaguam em outras terras, terras antes inférteis pelos descuidados humanos. Há o que cuidar, o que plantar. Elas, por certo, darão muitos e bons frutos. E eles… bem, eles continuarão rebeldes, porque a rebeldia é um ato de liberdade. 







quinta-feira, dezembro 05, 2013

RELIGIÃO - RELIGIO - RELIGAR A DEUS



Tenho pena dessa gente. Dessa gente que julga, que menospreza, que segue quase sempre o senso comum da pseudo justiça. Via de regra, acusam de forma destemperada e discriminatória, sob qualquer circunstância em que se depare com uma situação que as assuste. Talvez as apavore, do ponto de vista interno, porque o medo, na maioria das vezes, está dentro de nós mesmos. De nossos pensamentos mais escusos, de nossas fragilidades, nossos pequenos deslizes quase sempre intocáveis e esquecidos no fundo do baú de nossas consciências.

Estas pessoas, em geral, são aquelas que rezam muito, que ficam se persignando na frente de qualquer santo e em qualquer situação, que vão às missas, que participam de novenas, que expressam toda a religiosidade que possuem e demonstram um carinho especial por todos os papas.

Não falo dos religiosos que abraçam em plenitude as suas crenças e as seguem segundo a doutrina do bem e do amor ao próximo.

Falo dos religiosos que também acreditam, que seguem as suas crenças, mas não exitam   em   execrar o próximo que para eles não é tão próximo assim, principalmente se estão num patamar hierarquicamente abaixo.

Há mais de dois mil anos, Jesus Cristo colocou todos no mesmo balaio, incluiu os que estavam à margem da sociedade, abraçou os leprosos, beijou as prostitutas, conviveu com os cobradores de impostos e demostrou o seu imenso amor aos homens. Seguiu fielmente a sua própria lei: amar uns aos outros, como eu vos amei.

Sei que é muito difícil este amor incondicional. Como amar o cara que nos pede uns trocados para comprar crack, fingindo que cuida de nosso carro? Como amar o mendigo que estica o boné na porta da igreja, se nos afastamos para não sermos abordados, muito menos queremos sentir o cheiro da sujeira que exala? Como amar o colega de trabalho, que nos trapaceia e alardeia à chefia que somos incompetentes, ou que nos odeia por lhe ditarmos regras? Como amar o colega que nos trata com indisfarçável cinismo? Como amar o amigo que nos traiu? Como amar os políticos que extrapolam suas funções e roubam descaradamente nosso dinheiro?

Claro que este amor incondicional deve ser mensurado e talvez, nem sei como seria a forma correta de agir, ser amainado, esperado, calmo, utilizando o perdão e pedindo ao criador uma maneira de cultuar o amor. Quem sabe, sendo menos policialiesco, menos juíz e mais irmão. Não sei.  Talvez ele indique o caminho. É preciso pedir. 

Mas, fora tudo isso, volto àquela gente do início do texto, que falei anteriormente. São pessoas dignas, que trabalham, que estudam, que professam suas crenças, que comungam semanalmente, recebendo com dignidade o corpo de Cristo. Pessoas que expressam o seu carinho para com os seus, para com os amigos, que costumam postar imagens e mensagens de santos nas redes sociais, com saídas redentoras para todos os males, que se preocupam com a sociedade, com as pessoas que sofrem e compartilham o sofrimento alheio, ao mesmo tempo que distribuem boas aventuranças, desejos de felicidades e amor ao próximo. São estas pessoas, das quais  não teria nada a reprovar, a não ser… Bem, elas me surpreendem extremamente. São estas pessoas que ficam rezando, fazendo novenas, indo a missas e tendo absoluta admiração por todos os papas, além de serem arautos das coisas de Deus, e ao mesmo tempo, estas mesmas pessoas que possuem uma inefável atitude de descrença e ódio por outros cidadãos, que segundo suas atitudes, me parece, que os consideram pessoas menores. São as santas pessoas que amam a Deus sobre todas as coisas, que seguem seus mandamentos ao pé da letra, mas que não se conformam em ver seu dinheiro, através dos impostos, serem distribuídos para outros, que estão na linha da miséria, chamando-os de vagabundos, exploradores, maus-elementos ou ladrões. Consideram que eles se perpetuarão nessas benesses de bolsas para a sua subsistência, jamais passando a outros e ficarão eternamente devendo aos cofres públicos, através de medidas, que, segundo elas, exploradoras de seu rico dinheirinho. Destilam um ódio tão forte a estes descamisados, talvez até mais pungente do que o ódio dos romanos aos cristãos.

Também consideram que o dinheiro recebido pelos presidiários é um roubo para os cofres públicos, o que não é verdade, pois a verba não vai para eles e sim para a família, para ser sustentada e isso somente acontece, caso o preso tenha contribuído para o INSS. Por outro lado,  caso o detento vá para o regime aberto, os familiares perdem o benefício. Não é portanto, um benefício de nossos impostos, mas uma contribuição do presidiário, como qualquer outra pessoa, enquanto trabalhava. Também olham de esgueio para o Brasil Carinhoso, no qual é passado aos municípios o valor para a alimentação de crianças de 0 a seis anos, no Programa Saúde na Escola.

Mas essas pessoas não amam as crianças? Não cultuam a expressão de Jesus que dizia “vinde a mim os pequeninos, porque deles é o reino dos céus”?

Não sei o que ocorre realmente. Tenho comigo que é possível e de bom alvitre discordar de muitas medidas sociais. O que não consigo entender, por mais que me esforce, é o fato dessas pessoas tão carinhosas, meigas, disciplinadas e atuantes na religião,  se oponham com tanto ódio a estas medidas, sem ao menos se debruçarem sobre seus objetivos e metas.  Nem ao menos lhes chama a atenção o fato de que estas medidas estão sendo copiadas por muitos países, inclusive, os desenvolvidos.  Quem sabe, elas se impressionem pelos ares estrangeiros e acabem mudando de ideia.


Já nem falo das cotas, nas quais há muitas discussões, por ambos os lados, nem falo da inclusão social dos estudantes mais pobres através do Fies e de outros programas educacionais, nem falo…

Deixa pra lá, o que me incomoda mesmo, é que estas mesmas pessoas que destilam este ódio extremo, esta dificuldade em aceitar o próximo, que os consideram marginais, exploradores, vagabundos, vadios, etc, ainda vão na missa comungar com a alma pura e lavada, exalando a essência dos bons perfumes e aspirando o incenso dos altares. Será que se dão conta disso? Será que pensam nisso, alguma vez? Quem sabe, ao rezarem o pai nosso, pulem a frase “assim como nós perdoamos os nossos devedores”. Como perdoar, se não perdoam nem a si próprias?

No fundo de suas almas, talvez pensem, trêmulas e confusas, amo meus irmãos, como Cristo me ama, com excessão dos negros, dos vadios, dos pobres, dos cotistas, dos gays, dos …deixa pra lá. Venha a nós o Vosso Reino!


sábado, novembro 16, 2013

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Há muitas dúvidas, que esperamos ansiosamente que sejam dirimidas. Aconteça o que acontecer, mesmo que não tenha havido assassinato por envenamento do Presidente, houve, infelizmente para a nação, um latrocínio da liberade, um golpe sujo e violento que considerou vago o cargo do chefe da nação, para na calada da noite, tomarem o poder. Tempos difícieis. Tempos de dor e agonia. Tempos de espera e morte da liberdade. Nada será alterado na história de nosso País, mas pelo menos, a verdade virá aos poucos e o povo brasileiro descobrirá que as margens plácidas em que estava deitado, não eram tão tranquilas assim, e que talvez agora tome consciência do turbilhão de sofrimento em que se instalara. Graças à Comissão da Verdade, a história está sendo reescrita e a memória ficará intacta e mais lúcida.

Exumação de João Goulart

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quarta-feira, outubro 02, 2013

Os pombos não devem ser alimentados


Tenho observado que nas ruas da cidade, e não somente em praças ou próximos à igrejas, os pombos proliferam de modo desregrado a p
onto de serem atropelados, em determinados momentos. Eles já não temem os transeuntes. Passeiam tranquilamente, esgueirando-se entre calçadas e ruas em busca do alimento que lhes é oferecido regularmente. As pessoas, por certo, tem consigo que alimentam um pequeno animal que possui uma simbologia muito forte, como a da paz, e talvez por isso, subjetivamente acreditem que estão apenas trazendo beleza e alegria aos passantes e moradores. Entretanto, estes animais, os pombos precisam, na verdade, alimentar-se através de suas próprias andanças por comida, pois somente assim, se esforçarão para a busca e não se reproduzirão tão facilmente, percorrendo grandes distâncias para tal fim. Eu tenho observado senhoras com crianças, distribuindo porções de pães aos pombos, e as crianças convivendo com as aves, inclusive perseguindo-as, em seu encalço. Os pais riem, satisfeitos, sem perceberem que seus filhos estão na iminência de contrairem alguma doença. 
Segundo os pesquisadores, os pombos  são agentes transmissores de mais de 20 doenças. A mais grave delas, a criptococose, mata 30% em casos de diagnósticos tardios, além de outras doenças  também causadas por fungos e bactérias, como histoplasmose, ornitose e salmonelose, além de ácaros e piolhos que causam dermatites e alergias. Os especialistas, inclusive recomendam o uso de luvas e máscaras na hora de limpar forros, telhas e calhas ou qualquer lugar com acúmulo de fezes de pombos - e os dejetos devem ser umedecidos antes de recolhidos, para evitar a inalação de fungos.
De acordo com o pesquisador João Justi Junior, do Instituto Biológico- Apta (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), não há produtos legalizados no Brasil para esterilização de pombos.  Parte da solução do problema passa pela educação das  pessoas conscientizando-as de que não se deve alimentar os pombos. “Assim os pombos precisam de uma área maior para procurar  alimento, procriam menos e acabam deixando as áreas urbanas,  indo viver nos campos”, explica.   Em locais onde os pombos são alimentados,  ressalta o pesquisador, ocorre ainda a proliferação de ratos, baratas e moscas devido às sobras de alimentos e às fezes que atraem moscas. Por outro lado, há uma lei federal nº 9605, de 1998, que configura crime ambiental a agressão aos pombos. 
Então o que fazer com estes “ratos de asas”, conforme a definição do ex-prefeito londrino Ken Livingston. É preciso esclarecer a população que não deve dar migalhas aos pombos, ou seja, alimentá-los sob hipótese alguma. Este alerta viria, talvez pela elaboração de uma campanha do governo muncipal, através das mídias tradicionais e, também pelas redes sociais, nas quais há um alcance muito grande da população. Outro aporte importante seria a Furg, com a participação de profissionais ligados à área de saúde e meio ambiente, bem como no manuseio de animais, para  esclarecer  à comunidade através de um viés científico.  Somente a educação e o conhecimento mais apurado do problema poderá mudar este panorama. É necessário a elaboração  de estratégias que permitam este conhecimento, através da disseminação de informações que esclareçam os reais malefícios desta prática cada vez mais frequente em nossa cidade e em tantas outras pelo Brasil afora. Em algumas cidades do Brasil, as pessoas são multadas quando alimentam os pombos. Em outras, como Helsinque, Finlândia, há placas de aviso em toda a cidade, desencorajando os turistas a alimentar os pombos. Em Londres, na Inglaterra, os monumentos são elitrificados para impedir que os pombos evacuem nas estátuas. 
Esperemos então que a nossa cidade se antecipe a estes problemas de saúde pública e atinja um bom grau de esclarecimento nesta questão, de forma a planejar o seu futuro com melhor qualidade de vida a todos. 

A VARSÓVIA QUE VI: suas peculiaridades, beleza, modernidade

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Há tanto a falar sobre a Polônia, um país que me conquistou a partir da sua história e a experiência de seu povo, que soube preservar a memória e visualizar o futuro baseado em suas raizes mais vigorosas. Observei que Varsóvia, a capital, cujo centro histórico, chamado de “cidade velha”, é uma região que se reergueu, totalmente reconstruída de acordo com as suas origens medievais. A cidade destruída pela Segunda Guerra Mundial, pelos alemães e  hoje, amplamente restaurada,  evoca a memória do povo  que tange em cada pedra, em cada mármore, em cada ladrilho. Portanto, é um triunfo da vida que passa serena e precisa, produzindo uma metamorfose de beleza e integridade. A morte, a desesperança, o furor da guerra, deram lugar aos monumentos históricos que expressam o seu passado e a esperança do futuro. Ali, na região histórica, vê-se o Castelo Real, que se transformou em ruínas, sobrevivendo  apenas a porta central. O povo polonês o reconstruiu de 1971 a 1988. 
Na zona norte, a praça da cidade velha com suas peculiaridades, circundada por belíssimas casas coloridas em estilos distintos, abarcam o Museu Histórico de Varsóvia. Na mesma praça, observa-se o brasão da cidade, representado pela fonte da sereia, dizem, é uma sereia de água doce, porque a cidade é banhada pelo rio Vistula.  
Na praça das três cruzes, uma cruz imponente no centro da praça e outras três no lado oposto da igreja, de onde se tem uma vista maravilhosa ao vale do rio Vístula, Kazimierz e o Castelo Janowiec. Nesta região, além do significado arquitetônico e turístico, coexistem em harmonia algumas  lojas  conceituadas, tais como Hugo Boss, Lacoste, entre outras, além de apartamentos  muito prestigiados em virtude de sua proximidade com o comércio e as facilidades de locomoção.  
  No Bairro Mokotow, avistam-se edificios da década de 40, tipicamente residenciais,  que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial, ao lado de outros restaurados ou construidos mais recentemente. Um prédio emblemático para a cidade é o da Universidade de Varsóvia, inaugurada em 1816 e  tem desempenhado um papel cultural, politico e educativo muito importante para a Polônia. Trata-se de um espaço magnifico, onde se pode encontrar grande riqueza cultural através das diferentes formas de pensar e agir, resultado das experiências de estudantes de várias partes do mundo. O acesso à cultura é gratuito, de tal modo que o nivel cultural passa a ser um paradigma para a comunidade.  O acesso à informação e ao conhecimento é original e constante, através de uma gama imensa de concertos musicais, passeios distintos, atividades de rua, feiras, exposições. Esta estrutura produz uma cidade cosmopolita, onde culturas interagem, tornando-a cada vez mais atrativa. Na Universidade há um “bar-livraria”, denominado Tarabuk, ou seja, trata-se de  um café peculiar, porque dispõe  de  livros de autores poloneses e estrangeiros. Neste ambiente,  misturam-se os livros, o café, o bar, enfim, um ambiente acolhedor e descontraído, permeado por uma conduta particular de aprender e se relacionar. 
Ainda há muito para ver em Varsóvia, se não vejamos, na avenida Ujazdow, no centro da cidade, se delinea o famoso Parque Lazienki (Banhos reais), ocupando 80 hectares no centro da cidade, ligando o Castelo Real com Owilanow ao sul. No parque,  encontra-se o monumento a Frédéric Chopin, inaugurado em 1926.  Foi destruido pelos alemães e nos anos 50 foi novamente inaugurado no mesmo lugar.  O Parque Lazienki se limita ao sul com o Parque Belvedere, um grande e belo gramado que compôe o Palácio Belvedere, antiga residência dos presidentes. 
Por outro lado, através de conversas com pessoas da cidade e pela observação das casas sem muros ou grades, percebemos, que há segurança nas ruas de Varsóvia, podendo-se caminhar tranquilamente pelas avenidas e parques, sem preocupação com assaltos ou qualquer espécie de violência. Também, pode-se verificar  que há uma expressiva consciência social, pois há rampas para deficientes em todas as calçadas, ciclovias que cortam bairros, inclusive seguindo até outras aldeias ou cidades,  os banheiros públicos são bem sinalizados, as ruas são limpas, bem cuidadas e ornamentadas com flores, constituindo belíssimos canteiros nas rótulas, além do  transporte público que, segundo as fontes consultadas, é excelente. É uma cidade onde tudo funciona de acordo com a necessidade do cidadão, uma cidade que embora praticamente destruída pela guerra, foi completamente reconstruída e restaurada, com grande mérito, com a arquitetura semelhante à original.  Ao lado da reconstrução, há  também uma arquitetura moderna, perfeitamente integrada na urbanização,  com crescimento racional, com hotéis de qualidade e um grande incentivo ao turismo.
Um outro fato que me chamou a atenção, foi o uso de bicicletas pela população. Para tanto, entrevistei pessoas que conheciam a cidade, além de utilizar como fonte a revista The Warsaw Voice Magazine: Multimedia Plarform in Poland (29/08/2013), cujo artigo  da jornalista  Jolanta Wolska, intitulado “Bike power”, foi muito elucidativo. Ela discorre sobre um sistema de aluguel de bicicletas públicas, que foi introduzido há um ano em Varsóvia. Chama-se Veturilo, que significa veículo, em esperanto. Este nome foi criado pelo estudante Mateus Kempisty, vencedor de uma competição na internet para a escolha do nome. Já foram alugadas mais de um milhão de bicicletas, desde que o sistema foi implantado na cidade. Mais de 120.000 pessoas já se inscreveram para alugar as bicicletas e até agora há 2.600 bicicletas em uso em 168 localidades ao redor de Varsóvia. 
As bicicletas estão disponíveis para aluguel nove meses do ano e proporcionam mobilidade urbana, além de significarem um investimento barato, flexível e saudável. Normalmente são usadas em distâncias curtas, por exemplo, entre uma estação de metrô e a universidade ou do local do trabalho à casa. 
Os usuários devem registrar-se online no www.veturilo.waw.pl e pagar uma taxa inicial de 10 zl. para ativar sua conta. Os primeiros 20 minutos são gratuitos, com os próximos 40 minutos custando 1 zl. Em Varsóvia, 80 por cento dos aluguéis ocorre dentro do limite livre de 20 minutos. Em média, cada bicicleta é usada três a quatro vezes por dia. As bicicletas são equipadas com engrenagens, assentos ajustáveis, cestas e uma fechadura segura. Para o Programa Veturilo, foi desenvolvido um sistema de bloqueio automático que acelera o processo de locação.  
      Até agora, na Polônia, o aluguel de bicicletas funciona em Varsóvia, bem como em Wrocław, Poznań, Cracóvia e Opole.  Qualquer pessoa cadastrada no sistema Veturilo em Varsóvia também podem utilizar os sistemas de outros países e cidades polonesas, onde o serviço Nextbike (empresa que implementou o sistema público de aluguel de bicicletas em vários países e também na Polônia) opera.
A revista utilizada como fonte, foi-me presenteada pelo Sr. Victor, um dos componentes do nosso grupo da excursão da BRASPOL, a quem deixo o meu agradecimento.





 Parque Lazienki



 Monumento a Frédéric Chopin
Adicionar legenda

PRAÇA DAS TRÊS CRUZES

CASTELO REAL


CASTELO REAL



PORTA DO CASTELO REAL


quarta-feira, julho 31, 2013

A CINZA EM QUE ARDI

Sempre a vira expor-se de maneira ridícula. Pelo menos para os padrões da época. Tinha lá seus quase oitenta anos e se vestia como uma mulher de trinta. Um vestido godê preto, que ao vento lhe subia nos ombros, aos meus olhos espantados de 10 anos. Na boca, um batom vermelho delineando os lábios sumidos. Um sorriso largo, de dentes miúdos, com falhas inevitáveis. Gostava de sentir-se assim, livre e talvez a sensibilidade aflorada na pele revelasse apenas o desejo de felicidade. Uma brisa, um aroma, um sopro de vida. Todos ou quase todos a chamavam de louca. Ou senil. Ou velha destemperada. Não lhe permitiam explosões em seus pensamentos, nem alfinetadas nas ideias que não se constituíssem um dedal. Mentes torpes, endurecidas pelo hábito higiênico e padronizado da maioria. Eu, como criança, talvez a seguisse no que tinha de melhor. E o melhor eram os livros que me oferecia. Livros tão antigos quanto à coluna que se comprimia nas vértebras enferrujadas. Livros amarelecidos, capas andrajosas pedintes de leituras, folhas finas, às vezes rasgadas. Pedaços de livros. Frangalhos de histórias. Mas que me faziam beber da fonte inesgotável da aventura, de trajetórias distintas das que seguia, dos vôos altos em que avistava outros prados.

Ela não arrefecia em mostrar-me este novo mundo, talvez porque visse em mim uma sagacidade desconhecida aos demais de sua família. Um desejo de ir mais longe ou de descobrir o que estava tão perto, mas tão perto, que nem fazia sentido.

Ela era assim: alegre, divertida, faceira, estranha. Um estranho absurdo, que talvez a lançasse aos limites da loucura. Mas esta insanidade voraz e desconhecida talvez a tornasse um ser humano íntegro em sua relação peculiar com a vida.

Claro que nem todos a entendiam, nem eu. Apenas não a julgava com o olhar de adulto. Por certo, encontrava em sua imaginação fértil uma afinidade com o universo interior de um pretenso escritor. Tudo que eu escrevia num papel encardido de embrulho era devidamente analisado, anotado e compreendido. Quando muito, uma nova visão, um ponto de vista próprio, difícil de atingir, mas que anunciava uma entrega desavisada com cheiro de sonho e gosto de felicidade.

Morava com um irmão tão velho quanto ela e os três sobrinhos. Todos a consideravam amalucada, rótulo vencido.

Eu sentia um certo constrangimento em me aproximar, tal era o preconceito que expressavam sobre ela.

Certa vez, ela me chamou pelo muro. Estendeu seus braços finos, com um caderno na mão, tão amarelo quanto os livros. As unhas vermelhas apertavam a capa cerzida na restauração improvisada. Percebi que havia uma espécie de tule ou renda branca empoeirada, revelando o guardado num daqueles baús imensos que tinha ao lado da cama. Espichei o meu braço, arrastando-o no reboco rugoso e peguei o caderno. Ela fez um sinal cúmplice com a boca, produzindo mil ruguinhas entre os lábios, pedindo que não o abrisse logo, apenas quando estivesse em casa, engendrando minhas histórias. Obedeci. Guardei o caderno embaixo do travesseiro para lê-lo à noite, sem muito tempo para decifrar o que havia nele. Fui para a escola, de lá para casa, o banho, um pouquinho de tv, o sono e esqueci o presente.

Acordamos pela manhã, eu e meus pais com os gritos. Uma ambulância e um olhar de desespero cercado entre braços fortes que a empurravam para dentro do veículo, como se pudesse resistir a não ser com gritos. Um cheiro de fumaça, de papel queimado, de lixo armazenado no fundo do quintal.

Meu pai perguntou ao sobrinho mais velho o que estava acontecendo, mas não houve tempo para respostas, a sirene já se ouvia forte, abrindo caminho na rua onde se formavam pequenos grupos. Todos comentavam, produzindo explicações que convinham. Alguns meninos no caminho da escola, paravam intrigados, observando a cena. Cenário perfeito para uma investida na imaginação por mais acanhada que fosse. Tudo conspirava para o senso comum se estabelecer: dispensar a tia louca para o sanatório.

Meu pai afastou-se do lugar enquanto minha mãe já tomava as últimas da vizinhança. Entramos, a hora se adiantava. A vida continuava. O mundo girava no mesmo ritmo. Um ritmo desordenado em nossa vida caótica. Lembrei de seu irmão mais velho, que nem aparecera. Devia ter ficado lá, constrangido pela covardia em não lutar contra um destino que mais cedo ou mais tarde seria o seu.

Não me contive e desviei do cuidado de meus pais e pulei o muro, pelos fundos do quintal. Atravessei o pequeno alpendre e passei pela cozinha, dirigindo-me ao quarto dela: reduto pouco visitado, embora lá havia conhecido e ganho os meus primeiros livros. Percebi que o irmão estava encostado no parapeito da janela que dava para o nosso pátio, um cotovelo apoiado, com a mão no queixo, amaciando a barba mal feita e na outra mão, um cigarro de brasa esquecida.

Afastei-me pé ante pé e abri a porta do quarto, lentamente. Observei a cama de mogno desarrumada, a cômoda com os porta-retratos atirados, uns sobre os outros como em efeito dominó, alguns livros rasgados. Mas meus olhos se detiveram espantados na velha estante de madeira que emoldurava toda a parede do lado esquerdo, oposto à janela. Estava vazia, uma estante em que moradores notáveis fizeram historia, um Kafka, um Machado, um Guimarães Rosa, um Joice, um Goethe, um Dostoevisk. Demandaram em derradeira missão, talvez desconhecida e definitiva, jamais almejada.

Corri para os fundos do quintal, segui a cortina que se antecipava aos meus olhos e um pequeno visgo de fumaça, como uma serpente que se insinuava, mostrava o caminho.

Ali estavam os livros, com suas brochuras à mostra como esqueletos restantes do incêndio homicida, costuras desalinhadas, pedaços de folhas em desenhos disformes com olhos negros produzidos pelo fogo, marcas indeléveis, transmutando o que era saudável em feridas fatais. Sangue negro escorrido nas cinzas, fome de vingança jamais aplacada.

Ainda salvei das últimas chamas, alguns farrapos que resistiam aos pingos de sereno. Parte de um livro de Almeida Garret, que li sujando as mãos na página quente, que me doíam os dedos: restos mortais de uma vida que se dissolvia na intolerância.

Seus olhos - se eu sei pintar

O que os meus olhos cegou

Não tinham luz de brilhar.

Era chama de queimar;

Vivaz, eterno, divino,

Como facho do Destino.

Divino, eterno! - e suave


Ao mesmo tempo: mas grave


E de tão fatal poder,


Que, num só momento que a vi,

Queimar toda alma senti...


Nem ficou mais de meu ser,

Senão a cinza em que ardi.

Nunca mais a vi. À noite, abri o caderno de capa cerzida e passei a viver assim, embasbacado, até descobrir o sentido das coisas que avistara. Ela teria feito um apanhado de minhas histórias, como incentivo a prosseguir no desvendar incessante da imaginação. Um dia, seria talvez um aprendiz de um daqueles escritores consagrados. Mais tarde, porém percebi que aquelas narrativas não eram minhas, a não ser a semelhança pela ingenuidade e a descoberta prenhe da vida. Eram histórias de há muito tempo atrás, talvez de seis ou sete décadas, quando ela era tão criança quanto eu e assim, iniciara também seus contos num caderno, hoje cerzido de linha azul, para preservar o sonho. E talvez, a lucidez.

sexta-feira, julho 19, 2013

PIOLHOS DE RICO


Há quem adore rico. Certamente não àquele rico de fachada, que aparece toda semana nas páginas de socialite dos jornais ou fazendo campanhas de benemerência, sob alcunhas de bons moços e gente de bem. Gente chic que veste nos grandes magazines (sic) e se atualiza em grifes de marketing.

Há os que adoram gente rica, e não são pessoas ruins ou cidadãos menores. São apenas simplórios.

E também não há nada contra os verdadeiramente abonados, que construiram suas fortunas e obtiveram seus bens com seu trabalho, aumentaram seu patrimônio ou investiram nos que lhes foi legado de direito.

Mas há os que grudam nos ricos, diria que são verdeiros piolhos de rico, cono costumava dizer um colega de trabalho, talvez um pouco incomodado pela sabujice de um ou outro companheiro.

Mas analisando a situação, percebi que piolho de rico é aquele que está sempre grudado numa pessoa abonada, em qualquer esquina que vá, em qualquer cruzeiro pra lhe dar as boas idas (e vindas), em qualquer festa de bodas em Punta de Leste, talvez inconsciente, grude de tal modo para um dia chegar à Casa-grande.

Este tipo de pessoa costuma adorar o rico que representa a verdadeira elite, não falo dos novos ricos ou filhos de imigrantes, que aqui vieram labutar e conseguir suas riquezas pelo trabalho e esforço. Muito menos da elite intelectual. Esta deveria ser a verdadeira elite, a da educação, do ensino, do conhecimento. Falo da velha elite, cujos representantes herdaram terras e enriqueceram com o sangue dos escravos e índios, como tão bem se expressava Gilberto Freyre em sua “Casa-grande & Senzala”, alimentando a luta de classes, investindo no sangue que irrigava as plantações que provinham os celeiros.

Talvez as pessoas que possuam este fascínio pela riqueza e pelos que a usufruam, cultivem a fantasia da estirpe dos monarcas, dos grandes latifundiários, dos colonizadores que exploraram, povoaram e dominaram a terra, cheios de saudade de seu Portugal, sofrendo por decepar cabeças de insurrentes naquele seu sentimental lusitano.

Talvez elas os amem apenas porque correspondem aos mesmos preconceitos arraigados da elite que criou a monoc

ultura latifundiaria, o sistema econômico, social e politico, de produção, completada pela senzala, ou seja, a Casa-grande, que muitos ainda cultivam (e acham que ainda existe).

Talvez os amem por serem contritas em suas orações, tal como o eram as famílias que tinham o capelão subordinado ao pater familia, inseridas num patriacarlismo polígono e no compadrismo da política, no autoritarismo.

Talvez adorem este tipo novo de vida, que assistem nas novelas da Globo ou nas revistas de celebridades ou mesmo na Veja, onde a elite se vê ali acobertada, de tal forma que está acima de qualquer justiça ou bem social, que se veste de boazinha e de caráter íntegro, mas sobrevoa a política e alcança com fúria os poderes da mídia, da manipulação, dos podres poderes, como dizia o poeta.

Um poder que corrompe os simples e deforma mentes, ao criar sistemas de permanência de sua própria classe.

Quanto aos demais, os da classe média, que rastejam subordinados a mediocridades tacanhas, vindo de autoritarismos de tempos passados, a estes, apenas a conformação do reflexo na janela. Têm o carro importado, a roupa de grife e acreditam sinceramente no acolhimento. Mas que nada, como na canção do Chico que assinala o furor do colonizador lusitano, as coisas acontecem assim:

“Sabe, no fundo eu sou um sentimental

Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo... (além da sífilis, é claro)

Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar

Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora...”

sábado, julho 13, 2013

EXTENSÃO POPULAR: um trabalho de pesquisa do Prof.Pedro Cruz

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EXTENSÃO POPULAR : PEQUENA EXPLANAÇÃO DO TRABALHO DE DISSERTAÇÃO DO PROF. PEDRO JOSÉ CARNEIRO CRUZ



Observando o trabalho de dissertação do Prof. José Santos Carneiro Cruz, Extensão popular: a pedagogia da participação estudantil em seu movimento social, que apresenta a participação estudantil na Organização da Articulação Nacional de Extensão Popular (ANEPOP), pude apreender de certa forma, uma nova visão da vida estudantil e principalmente dos atores envolvidos na imensa trama de poderes (e falta de) de nossa sociedade, na maioria da vezes, marginalizada. Sou leigo e me detive a aspectos que me emocionaram e talvez, nem consiga definir claramente os significados dos conteúdos que tentam inaugurar uma nova cidadania. Extamente isso é que me chamou a atenção, o modelo de participação popular, junto à comunidade, trocando experiências e como resultado a produção de conhecimentos de parte a parte. O mundo não é estático, ele gira e em cada face, há um espelho que refletirá inevitavelmente no outro lado. Essa é a grande jogada! Isto é cidadania!

Tudo que apreendi, desta feita, é advinda de meus conhecimentos tanto de professor, quanto de bibliotecário e experiência de vida, que me levam muitas vezes a realizar a vocação de escritor (que é a que mais pratico atualmente).

Passando pela seara da línguística, podemos afirmar, segundo Saussure, que o conceito ou ideia é a representação mental de um objeto ou da realidade social em que nos situamos, representação essa condicionada pela formação sociocultural que nos cerca deste o berço. Em outras palavras, para Saussure, conceito é sinonimo de significado (plano de ideias), algo como o lado espiritual das palavras, sua contraparte inteligível, em oposição ao significante (plano de expressão), que é sua parte sensível. Para tanto, voltando à pesquisa do Prof. Pedro, percebemos o olhar curioso, origem de toda pesquisa e conhecimento e a partir daí, o caráter qualitativo para resgatar a história, a experiência e assim compreender a análise crítica. Tudo aqui, engloba o significado , ou seja , o plano das ideias, a parte abstrata, o estudo, a pesquisa exaustiva, o encontro para atingirem o significante, que trata-se, enfim, da parte concreta que forma o conjunto e constitui o conhecimento representado. Deste modo, através da gestão de ideias (o significado) e atingindo o significante (o conhecimento representado pelos signos), o resultado real é cumprido.

Através destes aspectos, verificamos de modo mais concreto, a experiência real avaliada, examinada, estudada e compartilhada, produzindo os sinais indicativos da plena cidadania. Percebe-se que se trata de uma participação ativa no movimento, a cidadania em suas melhores formas de troca entre comunidade e universidade. Seguindo o grande mentor Paulo Freire, importam aqui as trocas de saberes e a compreensão do saber popular. A partir destes trabalhos intelectuais e práticos, ocorre um legado novo, mesmo aprendido por nossa educacao bancária, tradicional. O projeto talvez seja exatamente este, dar autonomia às pessoas que não tem voz, que não tem capacidade de luta, nem de expor as suas misérias ou esperanças. Quem sabe, elevá-las no mesmo patamar que o governo atua e transformar o que ocorre em via única, em duas ou mais, onde haja troca e conhecimento. E o conhecimento em sua plenitude se dá, sem dúvida, pela interação de nossa educação tradicional e a educação popular, tão rica nos seus nuances de experiência e vida. É a troca que viabiliza a desconstrução do preconceito. Isso é admirável!

Pretendo encerrar dizendo que este movimento é o resultado de uma transmissão de conhecimentos, o que configura a verdadeira cidadania, o verdadeiro despertar para novos vôos, onde o homem aprenda a voar junto e saiba ver-se um igual. Os vôos só divergem, porque uns abatem os outros. No caso dos pássaros, eles fazem verdadeiros balés de beleza e sabedoria. Jamais se chocam. Jamais se excluem. Jamais se afastam do objetivo comum.

Parabéns Prof. Pedro José Santos Carneiro Cruz e ANEPOP.


Gilson Borges Corrêa

segunda-feira, julho 08, 2013

BALADA DO REACIONÁRIO


Eu odeio pobre! Como posso me mover entre centenas de transeuntes, uniformizados, correndo atrás de ônibus especiais, em direção ao serviço. Aquela gente estranha, mal cheirosa, vinda de nem sei de onde e se juntando com os pobres daqui, perfazendo o nº cada vez maior de assalariados na cidade, tudo por causa daquele tal de Lula, que trouxe para cá estas construções de plataformas e embarcações para a indústria do petróleo!Por que não deixou estas construções lá no exterior, bem longe, como queria FHC? Quem sabe, já não despachava esta plebe pra lá!

Eu odeio pobre. Como pode esta gentalha enchendo as ruas com os seus carros zero, impedindo que nossos carrões circulem livremente! Como era bom no tempo do Fernando Henrique, do Collor, do Itamar, que carro de pobre era só empurrado pra pegar no tranco, e na maioria das vezes, só circulava nas vilas. E o Itamar ainda trouxe o Fusca a álcool, aquele sim era carro pra pobre, claro que comprado através de consórcio! E quem teve a infortunada idéia de surgerir a Dilma que abaixasse o IPI dos carros zero? Ou foi ideia desta guerrilheira, mesmo? Não tinha mais o que fazer, como por exemplo, seguir o modelo capitalista dos tucanos e cia. bela, como privatizar os portos, sucatear as universidades até conseguir a privatização e acabar com esta corja pobre nas universidades? Não, para desgosto maior da elite, ela criou ou continuou o prouni, aumentou as cotas e concedeu bolsas! Que absurdo! Qualquer dia, eles estarão se formando lado a lado com nossos filhos!

Eu odeio pobre! Como podem circular belos e faceiros pelos supermercados, comprando ranchos e adquirindo surpérfluos, estes últimos produtos peculiares a minha classe, como iorgurtes, sorvetes, cookies e outros afins? Agora enchem os supermercados todo o dia, parece até Natal! No Natal, nós até dávamos um desconto, afinal, o coração nestas ocasiões se torna mole, sentimental. Embora nos esgueiramos por entre estantes, prateleiras e corredores repletos, fugindo da escória, suportamos com benevolência, quase amor,  a mulher gorda  que se posiciona na caixa,  vestida numa na calça legging menor para seu tamanho, barriga de fora, segurando nas duas maos, como um trofeu, o peru transgênico. Ou vasculhamos entediados, mas com ar de consternação, porque é Natal, o olhar eufórico do homem  mirrado, mas barrigudo, pesquisando no balcão do açougue, uma costela bem gorda para o churrasco. Até toleramos todo este tipo de gente, com uma certa náusea, é natural, quando é necessário comprar o presentinho da empregada. Coisas do Natal. Mas atualmente, o Natal parece eterno, estas pessoas usam cartão de crédito, enchem os bancos em filas quilométricas, se comprimem nas caixas eletrônicas, tomam avião, invadem os aeroportos com suas malas  exuberantes e chapinhas coloridas! O máximo que se podia imaiginar sobre um pobre  era a faculdade de pilotar um avião de carrossel ou de controle remoto. Infelizmente não, hoje em dia eles chafurdam nos voos baratos. Por isso, surgiram tantas companhias populares, destruindo todo o glamour dos aeroportos, das viagens internacionais, dos vôos de gente de bem!

Além de curtir futebol, que é coisa pra povo mesmo, pricipalmente o esporte de várzea, agora inventaram de participar dos grandes jogos! Que despautério! Pretendem até assistir jogos da seleção brasileira! E a copa do mundo será no Brasil, imaginem. Não, é um sonho terrível, aquelas centenas de pobres presumiveis ascensores da classe média, investindo nas arenas, como se fossem um de nós! É um verdadeiro absurdo, um desastre para o próprio patriotismo!

Ah que saudade daquele patriotismo de fachada do tempo da ditadura, aquela época que era saudável para nós, os da elite! Quando estudávamos OSPB e desconhecíamos a nossa história, quando a filosofia foi banida de nossos currículos e a história era mastigada pelos dentes selvagens dos poderosos. Pelo menos, somente  nós viajavamos, participávamos dos eventos culturais, assistíamos os grandes jogos e o povo... ah, o povo, esse assistia pela Globo, ouvindo o “pra-frente Brasil”, aquela música encomendada pelos militares para anestesiar a platéia. Afinal, o povo não devia se dar conta do malogro descarado da transamazonica, das calamitosas usinas nucleares, um negócio com a Alemanha, que lhe rendeu milhões de dólares, nem das torturas escabrosas contra os brasileiros que pensavam contrário ao regime. Isso, o povo desconhecia completamente, aliás, nem nós sabíamos e se soubéssemos, não fariamos nada, não tínhamos nada a ver com isso. Os torturados eram brasileiros iguais a nós, mas não passavam de tontos que pretendiam mudar o Brasil. Essa gente não tinha mais nada a fazer? Ah, que saudade da ditadura!

Por isso, eu odeio pobres! Até esta gente que estava na linha da miséria está saindo para uma vida mais digna! Coisas da Dilma! Quem se interessa com eles, uma corja de vagabundos que só pensam em se dar bem! Ganham bolsa família para se locuplerarem e se encherem de filhos! Um circo vicioso! Dizem que o bolsa família reduziu em 17% a mortalidade, mas quem se importa com isso? Pra que mais arruaceiros, crescendo soltos ai na rua para nos roubarem mais tarde? E que no Rio de Janeiro, reduziu a criminalidade, mas pra que esta gente viva? Que diferença faz? Ah, ainda alguns especialistas argumentam que este dinheiro faz girar o mercado, faz crescer as indústrias, pois mais gente se insere na economia, há mais compras, mais oferta e procura, e por conta disso, uma melhoria na indústria e no comércio. Não deveriam se preocupar mais com os juros e a bolsa de valores? E o pior de tudo isso, é a informação de mais de 40 países querem copiar o programa do bolsa família! O mundo está virando um!

Melhor nem falar! O mundo tá de cabeça pra baixo, por isso devemos fazer algum protesto, pela volta da cuisine nouvelle, da década de 70, pelos branquette de veau (ensopado de vitela), um cassoulete, escargot ou caviar, para falar apenas das tradicionais ou um château lafite Rothschild 1787, um Cheval Blanc 1947, um Hermitage La Chapelle 1961. Devemos lutar por isso, fazer passeatas, manifestações pacíficas, esbravejar. Agora, pasmem, os pobres enchem os free shops comprando vinhos estrangeiros, perfumes e se não houver nenhuma oposição ferrenha por conta das autoridades, vão acabar igualando a sua culinária horrorosa, à nossa! Lutemos por isso!Odeio os pobres! Eles atualmente usam carro como qualquer um de nós (só falta contratarem motorista), tomam cerveja no happy hour e passeiam com cachorros de raça nas nossas ruas! Além de usufruirem de três refeições ao dia, como vaticinou o tal Lula.

Ah, tem outra, estão se interessando pela leitura! Hoje em dia, compram mais livros, não sei, obviamente, de que gênero, provavelmente autoajuda, mas lêem! Sem dúvida, que diferem de nós, da elite, que não precisamos nos aprofundar na leitura, até mesmo o ato de ler é dispensável, a não ser a Veja e alguns jornais que nos representam, porque estes autores esquerdistas, não nos dizem nada. Afinal, o que vale é saber contar o que temos no banco.

Meu Deus e estas tais redes sociais, a que os pobres tem acesso! Feliz o tempo em que a Globo (e todo o seu monopólio) e somente ela era a única forma de informação. Ela soube muito bem esclarecer o caso do Riocentro, em 1981 (atualmente surgiu uma nova testemunha, mas deixa pra lá), além das das diretas-já, na qual custou-lhe entender o clamor das ruas, mas por fim, obrigou-se a mostrar, mais tarde, o caso do debate do Collor -Lula, e sua manipulação histórica, e entre tantos casos, o de  Brizola, que foi chamado pela emissora de senil e esta obrigou-se a se retratar através de um Cid Moreira visivelmente constrangido. Cresceu bem, cresceu com a ditadura e se fez uma grande rede! Fez história e mudou a forma de pensar e de agir do povo brasileiro. Um padrão maravilhoso. Afinal, pra que as diferenças regionais que devem ser mostradas na tv, segundo a ótica destes comunistas de plantão? Que interesse o folclore de regiões afastadas do eixo Rio-São Paulo, e o teatro, a literatura, a música locais e toda a forma de expressão artistica e cultural? Tudo deve ser padronizado, pausterizado. É o adequado, puro senso comum. Que interessa a Excelsior, a maior emissora da época, que faliu por conta da interferência do governo militar, em vista de sua conduta contrária à vigente, bem como a Empresa Aérea Panair, que foi forçada à falência pelo mesmo governo. Se deram incentivos importantes para o crescimento da nova rede de tv, que surgiu em 1965,  por que não acabar com estes párias? E hoje, se ela nao paga o fisco, é problema dela.

Por isso, eu odeio pobre, querem agora se informar em qualquer blog vagabundo da internet!

Fonte:https://pixabay.com/pt/photos/celebração-povos-feliz-amigos-3783495/

quarta-feira, maio 15, 2013

A EVOLUÇÃO DA RELAÇÃO MÉDICA

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Este texto está indexado no blog da Liga de Educação e Saúde - LES - FURG.
A autora CLARISSA RESENDE CORRÊA participa da Liga e liberou o art
igo para o meu blog. O texto refere-se à experiência que a autora possui na Liga e a sua descoberta dentro da Extensão Popular de uma maneira mais igualitária narelação médico-paciente.

TERÇA-FEIRA, 14 DE MAIO DE 2013



Relembrando...


Hoje tive o privilégio de me lembrar como eu entrei na medicina, como foi bom e estranho se sentir uma página em branco prestes a ser preenchida com tanto conhecimento novo e instigante. Lembrei-me de como é aquela sensação de estar no inicio uma nova etapa e me deu saudade. Saudade dos inícios, saudade de quando tudo é expectativa e sonho, saudades daquela sensação que se tem ao abrir uma revista nova, com aquele cheiro de plástico novo.

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Assim resolvi escrever, resolvi pegar essa página em branco e relembrar todos os momentos bons que passei na LES. Ahhhh e foram muitos, a começar pelo primeiro contato quando eu, uma monitora de anatomia e aspirante a cirurgiã, encontrei dois alunos do primeiro ano cheios de idéias malucas. Depois de um tempo, por mais que eu não quisesse ouvir e nem quisesse saber daquilo, eles foram me conquistando, acho que essa é a palavra, a LES surgiu como um romance na minha vida, eu não tive acolhida como a maioria dos alunos que hoje faz parte da LES, eu fui conquistada, eu fui dominada por um sentimento de curiosidade e de esperança.
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E o segundo ano passou e eu, finalmente, não resisti e no início do meu terceiro ano de medicina fui a minha primeira reunião da Liga de Educação e Saúde. Na época, LES pra mim era Lúpos Eritematoso Sistêmico, a doença do House. Cheguei na minha primeira reunião incomodada, queria saber mais sobre aquelas idéias tão malucas antes e que agora pareciam ter tanto a ver com o que eu sentia, e claro que eu, filha de professores, irmã de duas professoras, já havia ouvido falar em Paulo Freire, porém o enfoque que LES deu pra ele foi como se um mundo estivesse se descortinado na minha frente. Repentinamente a medicina tinha voltado a ter o tom e a cor que tanto faltavam pra mim naquele momento.
Acabei descobrindo o quanto é bom ouvir aquele sujeito atrás da mesa no ambulatório, o tal do paciente, que hoje pra mim tem nome, é o seu João, pescador que toma umas caninha às vezes, mas que hoje já sabe que não pode mais, ou é a Dona Maria que tem tanto carinho por mim e me espera sempre com um sorriso largo e firme, apesar de estar em uma maca no corredor e com muita dor, eu sei que ela confia em mim e eu confio nela, e também no seu João. Hoje eu não tenho mais uma relação estritamente objetiva e profissional com os pacientes, ao contrário do que a Semiologia me ensinou, nem sempre o Porto tem razão, às vezes a dor é doída mesmo, nem sempre ela tem um caráter, talvez o caráter da dor seja o mesmo caráter da minha dor, talvez seja frustração por estar na maca ou tristeza por saber que o meu problema parece não ter solução. De qualquer forma, ter a confiança em dizer que o problema é nosso, meu e do meu amigo paciente me fez uma acadêmica de medicina melhor, me fez um ser humano melhor e eu sei que me fará uma médica melhor, mesmo eu querendo ser cirurgiã.


Um abraço, pastedGraphic_2.pdf
                                                                                                                                   Clarissa Resende Corrêa

terça-feira, março 19, 2013

CLARISSA

 


Sair à procura de algo que não se sabe, muitas vezes do que se trata: uma viagem no pequeno diário, um caderno colorido, de páginas desenhadas, margens de arabescos ou uma caneta especial, de ponta fina, da marca tal, que tinha na loja tal, naquela livraria onde compraste o teu livro. Quase sempre assim, exigente, disciplinada, austera para a idade, com atitudes impensadas para os mais velhos. Era assim, mandona, talvez autoritária, uma espécie de Mônica, amiga do Cebolinha, ou a Mônica forçuda, como a chamavam, os mais destemperados. Tinha sempre um argumento na ponta da língua, afiada, ferina, mas amiga, afetuosa e sincera. Por vezes, deixava-se levar pela ilusão e fantasia: tinha um cão imaginário, o mar, a lagoa, as árvores da praça eram entidades com vida própria (e atitudes), às quais costumava cumprimentar, relacionar-se e compartilhar com a natureza, como se suas histórias fossem tão presentes e atuais, que fizessem parte do seu cotidiano, não apenas de seu imaginário.  Não sofria nenhum desses males da mente: ao contrário, era de uma lucidez e entendimento da vida inabalável, mas sabia cultivar o sonho, a beleza de viver, pelo menos por alguns momentos, a liberdade que só os que alimentam suas mentes com a grandeza da ilusão, apreedem. Por fim,  esta fantasia se desenvolvia nas leituras que se acumulavam em dezenas de livros que costumava dissecar, tentando encontrar um sentido em cada tema, em cada trama, em cada conflito. Talvez, eu tenha grande parcela de culpa nesta maneira de ver o mundo, que aos poucos se solidificou e a fez, tenho certeza, fugir do senso comum, do mundo padronizado, das verdades absolutas e enfrentar a vida de frente. Talvez a tenha induzido, não sei se seria a palavra certa, a encontrar outros caminhos e principalmente através da leitura, e, enquanto criança, na possibilidade deste encontro com a natureza, de cultivar o amor pelas pessoas, pelo mar, pelos animais, mesmo que imaginários e cumprimentar a todos, como se cumprimenta e se deseja um bom dia, quando amanhece e se vai ao trabalho, ou no caso, para a escola. Até mesmo o sol era saudado, no caminho para a aula. Eram coisas nossas, de pai e filha, uma certa cumplicidade que me deixava feliz. Este processo se complementava também através das histórias infantis, nas quais nem sempre o vilão era o mau, ou a princesa era a protagonista. Muitas vezes, o lobo mau era um pobre coitado, perseguido por um lenhador antiecológico, acuado por uma menina egoísta, acobertada por uma velha que se fazia de doente. É, talvez assim, ela tenha conhecido a diversidade da vida e introjetado que nem todo ser é integralmente bom ou mau, que esta dicotomia do mocinho e do vilão só leva a criar rótulos,  e por aí vão tantos conceitos e preconceitos que não levam a nada. 
Ah, teve o balé com sua disciplina intensa, além das leituras e estávamos sempre ao seu lado, mesmo nos primeiros passos, nos primeiros bailados, o que para nós significava passos de primeira bailarina do Muncipal. E tudo seguindo seu trajeto: a escola, o cursinho para o vestibular, a vitória para o curso de medicina e dai por diante. 
Pois,  esta é Clarissa. Acho que ainda tem um pouco de bailarina, de leitora incansável, de fantasia, até mesmo de Monica forçuda. Mas tem o discernimento da vida em suas atitudes e relacionamentos com os amigos ou com as pessoas que encontra no dia a dia; tem a sensatez das escolhas, tem as atitudes nas quais valoriza o afeto,  o sentimento, o carinho, a verdade, o amor às causas nobres, a certeza dos que sabem aprender com as adversidades e tomar fôlego para seguir em frente. Esta é minha filha. Hoje, uma doutoranda do 5º ano, amanhã, uma médica. 

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