Este blog pretende expressar a literatura em suas distintas modalidades, de modo a representar a liberdade na arte de criar, aliada à criatividade muitas vezes absurda da sociedade em que vivemos. Por outro lado, pretende mostrar o cotidiano, a política, a discussão sobre cinema e filmes favoritos, bem como qualquer assunto referente à cultura.
sexta-feira, agosto 10, 2012
A HIDROGINÁSTICA E A SELEÇÃO MUSICAL. INFORTÚNIOS.
quinta-feira, maio 10, 2012
Um dos livros que me despertou para a leitura: Tiradentes de o Aleijadinho
sábado, abril 14, 2012
DEDICATÓRIA IMPRESSA
quinta-feira, abril 12, 2012
A MÃO QUE CONDUZ A VIDA
Mexia as mãos, inquieto, sobre as páginas amareladas do jornal. Ilustrações saltando na retina, inesperadas. As colunas horizontais, repletas de letras: mosquinhas pretas que se juntavam em tropa disciplinada. Sentia a mão forte, rugosa, que nem galho de árvore, machucado pela intempérie: calos doídos, veias salientes, unhas escalavradas. Mãos de operário. A mão que me instigava o olhar, empurrava suave a minha, deslizando sobre as linhas, que lembravam a fuligem dos trens, passando céleres, vagões rumando ao porto. Olhava para ele de frente, engatando um sorriso, ele de soslaio, orgulhoso. Voz pausada e firme. Então, o esplendor, o regozijo, a iluminação. Comunhão. Despertar da leitura na palavra “hotel”, com todas as letras, em seguida, “pronúncia”, palavra difícil, que significava pronúncia? Ele pigarreou, explicou, explicou, mas logo mandou seguir adiante, que pronúncia não era palavra que dava nome a coisas, por isso, não tão importante. Era jeito de falar, mas se não juntasse o assunto, não dava nada. Procurava as mais complicadas, maiores, acentuadas. Ele me indicava o contexto. Coisa importante de ser dita. De repente, sob inspiração, desando a ler dezenas delas: jornal, cambraia, papel, outono, coronel, militar, morte. Observo-o sério. Muda de assunto. Pega outra coluna. O mundo se abre a minha frente. Uma catedral de sons, músicas e anjos dançantes pairam em meus devaneios. Livro, planta, flor, poesia. Ele sorri, satisfeito. Me beija de leve no rosto e começa a ler devagar um texto tão bonito, que me induz participar tão intimamente que me sentia ali, integrado naquelas folhas de jornal velho, amassado, oriundo de algum embrulho da mercearia. De repente, sou mais uma palavra com conteúdo brilhante, forte, denso, ou uma ilustração estética, bela, nobre. Naquele momento, meu pai parecia ter 6 anos e eu a sua idade. Estava feliz. Eu sério, contrito, ouvindo os sons pausados, as sílabas alongadas que surgiam de sua pouca leitura. Tudo certo, redondinho, exato, quase infantil. Mas com uma dose extraordinária de sabedoria e emoção.
Minha mãe passeava pela cozinha, deixando o toque-toque dos saltos insurgir-se prosaico, na ansiedade temerosa da vida que brotava, mas não ousava dispersar-nos de nossos momentos de parceria. Ouvia o correspondente da rádio e de seus olhos castanhos, pude avaliar um brilho de aflição. Meu pai parara, estupefato, embora sem se afastar dali, da mesa da copa, onde ficávamos tanto tempo fazendo planos, os três. Ela estava ao pé do rádio, encostada na beirada do armário que ficava à altura de seu seio. Próxima à porta, olhava-nos, esperando o desfecho. Meu pai estático, fixando o jornal, mas ouvindo atento. Eu olhava ora para um, ora para o outro.
Brizola irrompeu a falar obstinado, sem cessar, instalando a rádio no palácio. Reivindicou homens para a luta, relatou o apoio do partido comunista. Instigava à Nação, na luta pela posse de Jango.
O silencio pesava. A noite interrompia a vida, a morte suscitava denúncias, guerrilhas, terror, medo, golpe. Ou tudo isso suscitava a morte. Por momentos, meu pai encolheu-se na cadeira, pensativo, enquanto a emissora prosseguia, inflamada, reverenciando os heróis. Um mar revolto antecedia a tempestade. Prenúncio de inverno nefando, doído. Ossos enrijecidos. O aporte do frio, da dor, do inverno latente que se imergia nos corações e cérebros apalermados (turvos). Parece que estava fadado a interromper ali, naquele ponto, a naturalidade que nos envolvia. Com o tempo, meu pai foi se afastando de nossas conversas, nossas cumplicidades, nossas aulas de leitura e vida. Minha mãe cada vez mais tensa. Juntava-lhe os óculos pendentes num cordão de ouro, mastigando pequenas letras que se inseriam rápidas no seu repertório. Buscava nelas, talvez, inspiração para seguir adiante. Poesias, contos, temas suaves, prenúncio de romance e ternura. Mas nada a tirava dos pensamentos mais funestos. Seu olhar se perdia no horizonte, principalmente quando o viu afastar-se de vez. Quando nossos olhos se encontraram e os corações bateram em uníssono. Deve ter me abraçado, acalentado minhas esperanças. Mesmo assim, a via distante e solitária. Não era mais a mesma: taciturna, perdida. Reticente. Empilhava os inúmeros cadernos dos alunos e entre eles um recorte qualquer de jornal, uma folha amassada trazida por alguma colega da escola, uma carta que chegara da capital. Meu pai estava lá, distante, envolvido na luta pela liberdade, pela justiça, pelo desejo de continuar vivo e de me ver assim, livre e senhor de meu destino: destino que ele quisera impunemente conduzir. O tempo passou. Brizola exilou-se. A campanha fracassou. O golpe triunfou: forte, estridente. Fera que devorava as presas que não palmilhassem os mesmos passos, não seguissem os mesmos caminhos ou que apenas divergissem da caça.
Minha mãe vestiu-se com recato, sóbria, elegante. Juntou-se ao grupo. Resistência. Esperança. Espalhou papéis. Panfletos. Documentos que denunciavam a repressão, a tortura, manifestações indiciantes da ditadura. Lutou pela volta dele. Esperou-o. Foi aos quartéis. Buscou-o nos menores e piores recônditos. Nos porões. Ficou finalmente, quase só na dor. Um comunista não ficava impune. Mesmo um homem amável, doce, que tentava me conduzir suave, no caminho do conhecimento. Ela deixou-se ficar, vazia, à espera amiúde da volta: da maneira que fosse. Vivo ou morto. Passou a exercer a dor com dignidade. Cada gesto, cada movimento era devidamente pensado, arquitetado, engendrado. Desafios que se impunham aos seus anseios.
Via-a envelhecer paulatinamente. Eu ingressara na escola, misturando-me ao meio que me acercava sem perceber que ao meu lado estavam os que me libertavam de minha velha vida: agora, integrante do meio denso e feliz da infância. Uma infância não mais marcada, não estigmatizada pela dor, nem pelo medo ou desesperança. Uma infância que me alienava de tudo aquilo: todo aquele passado que aos poucos se afastava de mim e não mais me dizia respeito. Deixava minha mãe de lado, as suas buscas desesperadas, o sumiço de meu pai, suas lutas, seu passado. Não queria mais sofrer com eles. Queria ser feliz, ser um igual no bando uniforme que me cercava. As brincadeiras, as descobertas, o outro mundo desconhecido. Não mais o aguado mexer de mãos, mergulhar na água e descobri-las tão igual quanto antes: limpas, sem máculas. Segurá-las uma na outra, uni-las para pedir perdão e suplicar ajuda. Não mais o caminhar lento e fragilizado de minha mãe, ronronando pela sala, procurando nas almofadas o cheiro de um passado que já não existe. Entrar sorrateira atravessando a cozinha, sentar no portal que dá para o pátio, acercar-se de que o seu mundo não passa dali. Olhar as nuvens e avistar nelas a fuligem dos trens de carga, rumo ao porto e seguir junto a eles, correndo por entre os dormentes, esperando encontrá-lo, levar-lhe a comida que lhe matava a fome do corpo e da alma. Por vezes, ia até o porto, olhava ao longe, sentada à beira do cais, e lá deixava-se ficar à espreita de alguma notícia, um balbuciar assustado de algum operário, dizendo-lhe coisas suspeitas, frases fragmentadas, pedidos de segredo. Eu a seguia, mão na mão. Quase arrastado pelas alamedas quentes, trilhos escaldantes, brilhando, espelhando meus olhos indiferentes. Afundando os pés na rua de carvão. Nestes momentos, a odiava, assim como odiava meu pai, com todas as forças, por ter me abandonado, por ter buscado lá fora uma vida que não se coadunava com a nossa, por ter me exilado de seus planos. Por que me fizera ingressar no mundo novo, desconhecido das palavras? Por que aguçara a minha curiosidade, por que me alertara para as buscas que faria?
Quando pela primeira vez ingressei na biblioteca, um brilho absurdo se apossou de meu ser. As palavras fluíam céleres, ilustrações majestosas. Um encontro inesperado que não supunha ocorrer daquele modo. De repente, a revelação: meu pai estava ali, inteiro, metamorfoseado naquelas páginas ávidas de conhecimento, de verdades não absolutas, de indução à curiosidade, do fazer mil perguntas e exigir um mundo de respostas. A fuga do senso comum. A mão forte, agora, me guiava segura, tranqüila, induzindo-me a partilhar consigo as mesmas verdades, as mesmas buscas, os mesmos caminhos. Luta armada, guerrilha, comunismo, golpe, tortura, ditadura passaram a fazer parte de meu vocabulário. Aos poucos fui enfrentando meus medos, assumindo suas lutas, seus anseios de transformação, desertando daquela vida medíocre e mesquinha, assumindo a esperança dos sonhadores. Porém, cedo, percebi a mão pesada da autoridade obscura, quando centenas de soldados imiscuíram-se entre os livros, espalhando-os ao chão, desatentos a sua sorte; ratos desenfreados e famintos fuçando pela ração da intolerância. Buscavam literatura subversiva e ali, brevemente, num momento de dor, mas de iluminação, tive a confirmação da legitimidade da luta de meu pai. Minha mãe procurou-o em vão. Nem seu nome estava arrolado nos autos dos insubordinados, subversivos, comunistas. Nem seu corpo, seus restos, mas o seu legado permaneceu entre nós, tão firme e forte, que nos sustentou por toda a vida.
quarta-feira, novembro 23, 2011
terça-feira, novembro 22, 2011
segunda-feira, novembro 14, 2011
terça-feira, novembro 08, 2011
domingo, outubro 23, 2011
segunda-feira, setembro 12, 2011
sexta-feira, abril 29, 2011
O CANDIDATO A CANDIDATO
Hilário sorriu. Os dentes brancos, recém maquiados pelo ortodentista, o olhar apaziguado de quem se revela num acervo de poemas menores, eficazes para certas ocasiões. Apertou o tubo do creme dental com o cabo da escova de dentes, alisando com eficácia o material amassado no calor do plástico. Por certo, hoje, o mundo lhe abriria um novo sorriso, tão seguro quanto o seu. Mas as coisas se arranjariam do modo mais adequado. Ele consertaria os pneus traseiros do carro, empreenderia pequenas viagens, visitaria os tios velhos e os primos desalentados. Ali cravaria a sua placa. O seu pendor de vencedor; superar obstáculos era sua meta. Portanto a hora era agora.
Ajeitou o paletó, balanceando o corpo e firmou o nó da gravata, assegurando a simetria. Puxou os cabelos para trás, desalinhando apenas alguns fios, até parecer natural. Sorriu mais uma vez, lambeu os lábios, e se imaginou no meio do palanque, apertando mãos, acenando para conhecidos, correligionários, autoridades.
Afastou-se do espelho da velha cômoda e sentou-se. Doeram-lhe as carnes magras da bunda, chocando-se ao colchão duro e deformado. Abaixou-se, calçou com cuidado os sapatos e respirou fundo. Agora nada mais faltava. Apenas um detalhe, pensou. Abriu a gaveta do bidê, tirou um bloco de anotações, leu algumas linhas de um pequeno discurso e recitou o próprio nome, várias vezes. Hilário Bandeira. Hilário Bandeira. E acrescentou: candidato.
Em seguida, na rua, atravessava o pequeno parque que fazia fronteira do seu bairro com o do largo da prefeitura. O parque parecia vazio. Um ou outro transeunte, carregando sacolas, oriundos de alguma loja próxima. Aos poucos, estes também desapareciam, como se a única finalidade consistia em evadir-se daquele lugar ermo. Hilário sentiu um certo aperto no peito, uma dor miúda, que mastigava por dentro, como se o alertasse de alguma coisa mal sucedida. De repente, avistou um homem, finalmente havia mais alguém no parque e que talvez se dirigisse também ao palanque. Entretanto, o homem se distanciava a tal ponto, que quase não o avistava, a não ser uns trejeitos estranhos, uma maneira incomum de se vestir. Tentou identificar as vestimentas que mais pareciam uma fantasia de carnaval. Nada lhe vinha à mente conturbada. A figura estranha que se afastava, quase numa nuvem de poeira, ou névoa, ou fumaça, sabe-se lá o quê, produzia um sentimento de intensa perplexidade. Hilário franziu a testa, apertou os olhos e forçou a visão como pode para identificar o homem que se afastava naquele parque vazio. Aproximou-se do banco de pedra, próximo àquela árvore retorcida que costumava engendrar brincadeiras com os meninos do bairro, fingindo-se de herói nos tempos em que estes existiam, e sentou-se, inquieto. A parte posterior das coxas lhe doía pelo gelado da pedra. Na testa um suor desavisado empapava as sobrancelhas. Tocou-a levemente, roçando o anel vermelho e pensou estar com febre. Temia que alguma coisa terrível lhe acontecesse, afinal, tudo parecia ser um prenúncio de tragédia. Por fim, suspirou aliviado. Conseguiu visualizar, já na esquina, quase na curva que desembocava na prefeitura, o homem que se afastava tão rápido e assim, de maneira acautelada. Então era isso. A situação era tão simples e ao mesmo tempo tão absurda. Como ele não tinha percebido? Era um toureiro. O homem estava vestido de toureiro e se adiantava nos passos porque se dirigia à arena. Sim, à arena dos touros. As calças brancas, muito justas desde a cintura, aparteadas por um pequeno colete prateado. Se pudesse ver melhor, teria a certeza de que ele carregava alguma coisa na mão. Talvez uma espécie de lança, provavelmente para desafiar e investir contra o touro. Também observou-lhe a capa vermelha que esvoaçou ao dobrar na esquina. Nesse momento, não o viu mais.
Hilário levantou-se do banco de pedra, acabrunhado. Aquela revelação não era nada auspiciosa. Afinal de contas o que faria um toureiro no largo da prefeitura. Onde estariam todos? Onde estariam os convidados, as autoridades, inclusive, algumas celebridades? Era o dia dele, o dia do candidato, a sua chance de subir no palanque. Mas aquele homem, vestido daquele jeito... Bom, melhor não pensar nisso, agora, e seguir em frente. Certamente, a coisa mudaria de figura, logo que ele também dobrasse a esquina e ouvisse as bandas e o povo bradando o seu nome. Por fim, ele, espalhando sorrisos, enquanto pisasse firme em direção ao palanque.
Entretanto, outra circunstância extraordinária repentinamente saltou aos olhos de Hilário. Ao se aproximar do largo da prefeitura, o piso não era mais aquele emaranhado de ladrilhos bem dispostos, formando desenhos articulados, escolhidos a dedo por arquitetos que compunham a história da cidade. Não, ao contrário, era um chão tosco, no qual ele sujava os pés numa poeira vermelha, e seus sapatos de solado de couro riscavam com a lama seca. Hilário evitava olhar os pés e assim, já perdera toda a elegância. Seus olhos tingiam-se de vermelho e sua boca estava seca, como se atravessasse o deserto e apenas o líquido do suor de seu rosto era o que lhe cabia. Seu coração disparava, agitado. Temia que de repente, surgisse da primeira curva empoeirada, um touro ensandecido e que as pessoas disparassem pendurando-se em muros, em árvores, nas janelas das casas, nas grades dos portões e ele devesse enfrentar a fera sozinho.
Hilário recuou alguns passos, temendo ver mais do que sua imaginação criava. Mas era tudo real. O largo da prefeitura, antes ornamentado com flores e jardins, agora virado numa saga de animais ferozes e pessoas tresloucadas. Como se todos estivessem possuídos por uma droga potente, a ponto de transformar seus raciocínios, transportando-os a um mundo medieval. E não havia palanque. E desaparecera o imponente prédio da prefeitura. E não estavam as autoridades, nem os amigos, os conselheiros,os colaboradores. Apenas aquele terreno vazio e aquela turba delirante. Aquele povo de cara suja e olhos alucinados, torcendo que o sangue empapasse a lama, tingindo-a de vermelho e marrom, aprofundando a cor tenra em seara madura.
Num gesto reflexo, Hilário acelerou o passo. Um movimento que o assombrou a tal ponto de pensar que estava cometendo um suicídio. Mas tinha consigo que devia seguir em frente. As pernas magras balançavam dentro das calças. O olhar ponderava ao longe um ar de indagação. Que poderia haver além daquelas trincheiras, daquele povo que se acotovelava na volta da arena? Então, avistou um pequeno grupo de pessoas vestidas de palhaço, com nariz vermelho e roupas largas. Traziam consigo, pequenas lanças, tal como o toureiro, que a estas alturas devia estar encavado em algum canto obscuro, pois desaparecera completamente de seu campo de visão. Caminhavam devagar, observando as pessoas que riam de suas caras engraçadas. Um que outro dava cambalhotas, mas só um que outro. Os demais permaneciam no passo ritmado e nem pareciam felizes. A missão devia ser árdua. Hilário teve a impressão de avistar uma lágrima em uma das faces e às vezes, eles se davam as mãos, como se precisassem se apoiar uns nos outros.
Hilário parou novamente e olhou em torno, ouvindo os assobios e gritos agitados do povo. Teve a impressão de que o mundo inteiro se transformara numa sangrenta arena e que os touros eram fantoches criados apenas para satisfazer os donos do poder. O tolos que explodiam em pontapés, acotovelando-se e rindo às estribeiras nem se davam conta, que tudo não era uma simples diversão. E o que havia por detrás da batalha era muito mais intenso do que a população festejava. Hilário desta vez, não recuou. Ficou como estava, patético, petrificado. Finalmente, ele compreendeu tudo.
Naquela disputa, talvez não haja espaço para ele. Ou talvez ele precise usar a lança para espetar o touro. Ou seja ele, touro, não sabe. Em algum momento, porém, ele dará lugar a outro, mais jovem, com número maior de eleitores, com sorriso mais branco.
Pensando assim, tentou afastar-se, mas na sua frente, do nada, apareceu o toureiro. Hilário até sorriu, mas sua alegria durou pouco. O outro investia contra ele, com a mesma lança que avistara ao longe, a capa vermelha esvoaçando ao vento e um sorriso seguro, de quem tem a vitória estampada nos lábios.
Hilário viu-se ameaçado pelas costas, tal como o touro e não conseguia enfrentar o inimigo, muito menos encará-lo com o mesmo poder. Sentia a lâmina rasgar suas carnes, o ferro borrifando pequenas faíscas no sangue que vertia rápido, sujando a lama seca da arena. Naquele momento, ele percebeu que não era o candidato. Que não era um ser humano. Que não era ele.
sábado, dezembro 11, 2010
EPISÓDIO WIKILEAKS EXPÕE A NUDEZ DA MÍDIA: LIBERDADE NÃO É O SEU NEGÓCIO
EPISÓDIO WIKILEAKS EXPÕE A NUDEZ DA MÍDIA: LIBERDADE NÃO É O SEU NEGÓCIO
Companheiros me cobram, em vários espaços, posicionamento sobre assuntos em evidência. Então, vale um esclarecimento: às vezes deixo de me manifestar porque, simplesmente, considero que não exista dúvida possível quanto à posição correta.
P. ex., será que, acompanhando meu trabalho, alguém pode remotamente supor que eu não apoiaria o reconhecimento do estado palestino?
É evidente que tem todo direito a existir e ter sua soberania respeitada pelo todo poderoso e todo belicoso vizinho.
Mas, também não me entusiasmam essas iniciativas meramente simbólicas, que não mudam verdadeiramente as situações. Enquanto o mundo não tomar as providências necessárias para que sejam punidos/evitados os massacres e atos de pirataria sistematicamente perpetrados pelos israelenses, não serei eu a aplaudir os meros enxugamentos de gelo.
Também é fácil de adivinhar que sou totalmente favorável à divulgação dos documentos secretos dos poderosos e totalmente contrário à perseguição kafiana que governos vêm movendo contra homens de esquerda como Cesare Battisti, Roman Polanski e Julian Assange. É, como bem disse o Carlos Lungarzo, o IV Reich togado...
Só que nem sempre encontro algo original para dizer, em meio à avalanche de textos coincidentes. E acabo escrevendo sobre outro assunto qualquer, em que minha visão possa realmente acrescentar algo ao que já foi dito.
Enfim, como o episódio WikiLeaks está na crista da onda, vale a pena reproduzir aqui, com meu total endosso, uma das melhores análises até agora publicadas na grande imprensa, Os meios e os fins, do velho guerreiro Jânio de Freitas:
"Estava muito esquisito. Precisar fazer estupro, logo na Suécia de tão dourada generosidade? Ainda se fosse na Suíça, nada a estranhar. E reclamação contra assédio masculino? Na Bélgica ainda podia ser.
As coisas, porém, afinal voltam à sua natureza nos lugares apropriados. E fica-se sabendo que a acusação a Julian Assange de 'estuprar uma mulher sueca e molestar sexualmente outra', como os meios de comunicação repetem mundo afora há duas semanas, foi não usar preservativo, pode-se supor que com proveito mútuo, e, no outro caso, um ensaio compartilhado.
Mas a conduta dos meios de comunicação não deixou de atingir a reputação de Assange e, com isso, contribuir para a sufocação que governos poderosos buscam aplicar à divulgação que esse valente australiano faz de documentos sigilosos, pelo seu site WikiLeaks.
Não estamos só diante de muitos gatos graúdos e um ratinho que lhes roubou pedaços do melhor queijo escondidos com cuidado. É de liberdade de informação que se trata.
É do direito dos cidadãos de saber o que seus governos dizem e fazem sorrateiramente, no jogo em que as peças são as comunidades nacionais.
É de jornalismo que se trata. E os meios de comunicação jornalística estão ficando tão mal quanto os países, governos e personagens desnudados pelo Wikileaks. Era a hora de estarem todos em campanha contra os governantes que querem sufocar as revelações. Ou seja, em defesa da liberdade de informação, da própria razão de ser que os jornais, TVs, rádios e revistas propagam ser a sua.
Com escassas exceções, que se saiba, os meios de comunicação estão muito mais identificados com os governos e governantes do que com os cidadãos-leitores e com a liberdade de informação. A união e a contundência que têm na defesa da sua liberdade de empresas, dada como liberdade de imprensa, não se mostra: segue, nos Estados Unidos, o aprendizado imposto pela era Bush e, no restante do Ocidente, os reflexos desse aprendizado sob a paranoia do terrorismo.
Os jornalistas profissionais não estão melhor do que os meios de comunicação. Poucos são os seus recursos de expressão, mas, ao que se deduz do noticiário rarefeito, as manifestações de repúdio à pressão contra as revelações do Wikileaks são feitas por leitores/espectadores. Os jornalistas apenas as registram, pouco e mal." http://kbimages.blogspot.com/url-code.jpg Fonte: blog: Náufrago da Utopia do jornalista Lungaretti.
LIBERDADE POÉTICA - LETRAS LIVRES
EPISÓDIO WIKILEAKS EXPÕE A NUDEZ DA MÍDIA: LIBERDADE NÃO É O SEU NEGÓCIO
Companheiros me cobram, em vários espaços, posicionamento sobre assuntos em evidência. Então, vale um esclarecimento: às vezes deixo de me manifestar porque, simplesmente, considero que não exista dúvida possível quanto à posição correta.
P. ex., será que, acompanhando meu trabalho, alguém pode remotamente supor que eu não apoiaria o reconhecimento do estado palestino?
É evidente que tem todo direito a existir e ter sua soberania respeitada pelo todo poderoso e todo belicoso vizinho.
Mas, também não me entusiasmam essas iniciativas meramente simbólicas, que não mudam verdadeiramente as situações. Enquanto o mundo não tomar as providências necessárias para que sejam punidos/evitados os massacres e atos de pirataria sistematicamente perpetrados pelos israelenses, não serei eu a aplaudir os meros enxugamentos de gelo.
Também é fácil de adivinhar que sou totalmente favorável à divulgação dos documentos secretos dos poderosos e totalmente contrário à perseguição kafiana que governos vêm movendo contra homens de esquerda como Cesare Battisti, Roman Polanski e Julian Assange. É, como bem disse o Carlos Lungarzo, o IV Reich togado...
Só que nem sempre encontro algo original para dizer, em meio à avalanche de textos coincidentes. E acabo escrevendo sobre outro assunto qualquer, em que minha visão possa realmente acrescentar algo ao que já foi dito.
Enfim, como o episódio WikiLeaks está na crista da onda, vale a pena reproduzir aqui, com meu total endosso, uma das melhores análises até agora publicadas na grande imprensa, Os meios e os fins, do velho guerreiro Jânio de Freitas:
"Estava muito esquisito. Precisar fazer estupro, logo na Suécia de tão dourada generosidade? Ainda se fosse na Suíça, nada a estranhar. E reclamação contra assédio masculino? Na Bélgica ainda podia ser.
As coisas, porém, afinal voltam à sua natureza nos lugares apropriados. E fica-se sabendo que a acusação a Julian Assange de 'estuprar uma mulher sueca e molestar sexualmente outra', como os meios de comunicação repetem mundo afora há duas semanas, foi não usar preservativo, pode-se supor que com proveito mútuo, e, no outro caso, um ensaio compartilhado.
Mas a conduta dos meios de comunicação não deixou de atingir a reputação de Assange e, com isso, contribuir para a sufocação que governos poderosos buscam aplicar à divulgação que esse valente australiano faz de documentos sigilosos, pelo seu site WikiLeaks.
Não estamos só diante de muitos gatos graúdos e um ratinho que lhes roubou pedaços do melhor queijo escondidos com cuidado. É de liberdade de informação que se trata.
É do direito dos cidadãos de saber o que seus governos dizem e fazem sorrateiramente, no jogo em que as peças são as comunidades nacionais.
É de jornalismo que se trata. E os meios de comunicação jornalística estão ficando tão mal quanto os países, governos e personagens desnudados pelo Wikileaks. Era a hora de estarem todos em campanha contra os governantes que querem sufocar as revelações. Ou seja, em defesa da liberdade de informação, da própria razão de ser que os jornais, TVs, rádios e revistas propagam ser a sua.
Com escassas exceções, que se saiba, os meios de comunicação estão muito mais identificados com os governos e governantes do que com os cidadãos-leitores e com a liberdade de informação. A união e a contundência que têm na defesa da sua liberdade de empresas, dada como liberdade de imprensa, não se mostra: segue, nos Estados Unidos, o aprendizado imposto pela era Bush e, no restante do Ocidente, os reflexos desse aprendizado sob a paranoia do terrorismo.
Os jornalistas profissionais não estão melhor do que os meios de comunicação. Poucos são os seus recursos de expressão, mas, ao que se deduz do noticiário rarefeito, as manifestações de repúdio à pressão contra as revelações do Wikileaks são feitas por leitores/espectadores. Os jornalistas apenas as registram, pouco e mal." http://kbimages.blogspot.com/url-code.jpg Fonte: blog: Náufrago da Utopia do jornalista Lungaretti.
segunda-feira, novembro 15, 2010
O PACIENTE E O PSICANALISTA, OU UM OU OUTRO
O paciente e o psicanalista, ou um e outro
Eu o esperava, organizando os arquivos no notebook. Nada era tão previsível naquela tarde, do que aguardar o paciente, via de regra, impaciente e angustiado. Uma nesga de sol se abria na vidraça que dava para os prédios posteriores à praça. Não sei porque meu olhar se detinha lá longe, naqueles prédios cinzas, de telhados sujos. Uma ou outra pomba investia pela vidraça, o que me dava certo estremecimento. Espiei na janela e quando me voltei, o vi, olhos fixos na tela, observando atento, os protocolos de sua história. Olhou-me, intrigado. Tinha olhos grandes, densos e agora, pareciam maiores. Fingi displicência e fechei o notebook, sem dar importância ao caso. Cumprimentei-o e pedi que ficasse à vontade. Poderia sentar-se na poltrona, à minha frente ou no divã, segundo sua escolha.
_Eu vi, doutor, eu vi!
_Você viu o quê? – caminhei em direção à escrivaninha, mantendo o controle – não há dúvidas, de que se viu alguma coisa, não pode influenciar em nada no nosso trabalho.
_Então por que grafou o meu nome em negrito?
Já sentado, argumentei – é apenas um registro, por que não se acomoda na poltrona? — ele nem me ouviu, ali, parado, patético.
_Por que está preocupado, doutor? O alucinado deve ser eu, não?
_Na verdade, Antônio, neste momento não deve haver preocupações, de parte a parte.
_Mas o senhor está, eu vi no seu olhar quando olhava pra fora, o senhor está tenso.
Quase levantei, mas não fazia parte da estratégia, me mostraria intranqüilo, como talvez ele quisesse. Queria que ele se acomodasse, escolhesse um lugar para ficar no mesmo nível, ou mais inferior, quem sabe, no divã. Torci as mãos na mesa, juntei os dedos em oração, fitei-o tranqüilo, quase com afeto. Ele não mexeu um músculo. Nem piscou.
_Não devia ser assim, doutor, não devia ser mesmo! Mas o senhor é um homem como eu, não é um super-homem, um deus. Por isso, acho que não devo obedecê-lo.
Tentei perguntar “como assim?”, mas permaneci calado, ouvindo-o, também sem mover um músculo da face, a não ser aquele movimento involuntário, próximo ao olho esquerdo, prenúncio de enxaqueca. Ele prosseguiu: _Quero ficar em pé, ou caminhar pela sala, ou fumar o meu cachimbo. Sei que o senhor detesta o cheiro do cachimbo e quem gosta, não é mesmo? Minha mulher detesta, os meus empregados suportam. É tudo uma questão de hierarquia. Mas aqui, quebramos a hierarquia. O senhor desceu do pedestal, hoje, pra mim.
_Parece que você evita falar de si, não quer se enxergar mais intimamente, e por isso, prefere falar de mim. Há alguma coisa que o impede, que o incomoda, não é mesmo?
_E quem é o senhor para saber o que me incomoda? Quem é o senhor, o todo poderoso, para saber como devo pensar, falar, agir. Por favor, Antônio, sente aqui, ou melhor, Antônio, escolha a cadeira, a poltrona ou o divã, o que preferir. É tudo tática, estratégia, tudo planejado, pensa que não sei?
_Eu não sei o que o perturba, é você quem revela. Apenas o induzo a encontrar caminhos.
_Pra quê? Quer me dizer? Para seguir o senso comum, que o senhor proclama? Quer me padronizar, me engessar , me transformar num clone de todo o mundo?
_Você está dizendo o que imagina ser o meu objetivo. Talvez seja isso que você no fundo deseja – a minha experiência de psicanalista não servia muito naquele momento. De todo modo, prossegui, enfático — você não quer ser diferente, porque a diferença é cruel.
_O senhor viu o que está fazendo? Está tirando conclusões para que eu concorde com o senhor e tudo volta à normalidade. Mas eu – e batia no peito, um som surdo, que me assustou — eu tenho dignidade. Eu sei o que é melhor pra mim! Além disso, depois do que fez, ainda quer que eu obedeça!?
_Não se trata de obediência, Antonio, você sabe muito bem disto. Acho que não precisamos começar como se fosse a primeira sessão. Não vai exigir que eu enuncie os objetivos que traçamos juntos.
_Traçamos juntos, péra aí, doutor – ele se aproximou, calcando os punhos cerrados na mesa, os olhos emoldurados pelas sobrancelhas espessas, o olhar intenso, carregado – o senhor criou a trajetória do inicio ao fim, se houver um fim algum dia, o senhor analisou as minhas fraquezas, examinou meus pontos falhos, fez um dossiê a meu respeito e finalmente me deixou a vontade, para que eu contasse tudo, tudo que escondera até de mim mesmo, durante anos e anos de minha vida. O senhor armou este circo e agora diz que planejamos juntos!?
_Você acha que devo dizer alguma coisa, Antonio?
_ É mais uma tática doutor? É uma daquelas teorias fajutas que utilizou para me comandar, me subjugar, me transformar num verme e depois esmigalhar no solo e se afastar limpando os sapatos, com raiva? É este o seu entendimento de missão cumprida?
_Por favor, Antonio... — eu deveria ter evitado este “por favor, Antonio”, acabei de entrar no seu jogo, mostrei-me fragilizado ante aquele desvario descompassado. Eu que devia manter o percurso, usar a artimanha técnica para não ceder à ansiedade, acabei resvalando e caindo na vala comum em que ele se afogava. Antônio aproveitou a deixa e deu uma tacada decisiva: _Tá aí, agora confessa, que nenhuma daquelas baboseiras foi honesta. Tudo forjado, planejado, arquitetado. O senhor limpou os pés, me fez de tapete, me embrulhou numa lata de lixo. Agora quer remendar o que destroçou. Por favor, Antonio, por favor, uma pinóia! Agora, quem vai sentar no divã, é o senhor.
_Que está dizendo? – mais uma vez, falhei. Não devia levar à serio o seu descontrole emocional. Repliquei, tentando equilibrar a luta, ou fingir que eu era apenas o juiz, ou o assessor, ou o caddie do jogo. Conhecer o campo e observar o jogador. Contemporizar: minha função.
_Estou feliz por você, Antônio, esta explosão de emoções é uma atitude saudável. Você botou pra fora, abriu seu coração: isto é que importante. Não importa, se sentado, em pé, no parapeito da janela – neste momento me interrompi, um pomba passeava rente à vidraça e dava uns grunhidos estranhos, obscenos. Meu olhar se estende para os prédios cinzas e senti um arrepio na espinha. Uma dor melancólica, de quem perdeu alguma coisa e ainda não sabe. Ou tem dúvidas.
Ele percebeu meu desvio e aproveitou: _O senhor grafou o meu nome, digitou ai, nos seus arquivos, em negrito, eu vi o adjetivo que me destinou.
Então sorri, um leve sorriso, quase um afago, e um breve aceno de cabeça. Ele discordou de meu gesto abonador. – Li e não gostei e posso lhe garantir uma coisa, só tem uma saída pra nós dois.
Quase explodi, “diga, fale de uma vez, seu idiota”, mas me contive, a tempo. Por um momento, pensei nas contas que se acumulavam, no andar desorientado de minha mulher, nas dúvidas em sua conduta e percebi que meu percurso se alongava para atrás dos prédios cinzas. Voltei para o momento preciso, e esperei que ele completasse o pensamento.
_A sua mulher costuma aparecer no meu bairro. Ta sempre por lá, sabe que moro depois da praça, não sabe?
Fiquei surpreso com a observação irônica. Pensei em informá-lo de que ela faz benemerências, mas não lhe devia explicações. Calei-me, um pouco inseguro e ele prosseguiu, destemperado: — Tenho uma solução para nós dois: para que ninguém saia perdendo, é preciso haver um equilíbrio. O senhor sabe das minhas necessidades, das minhas deficiências, e portanto tem um ponto a seu favor, tanto que ta ai, registrado no seu notebook. Pois bem, o senhor está em vantagem.
_Não se trata disso, Antônio, nossa relação é profissional e as necessidades que você comenta, não significam que o seu conteúdo seja desfavorável a você e que eu as qualifique segundo a sua ótica. Como afirmo sempre, o meu julgamento é irrelevante, aliás, não é minha função. Para mim, não existe o certo nem o errado, existe o que é saudável, o que é bom pra você.
_Vou fazer de conta, que não ouvi de novo esta papagaiada, doutor, mas seguindo o fio da meada, o bom pra mim, é o equilíbrio. É reconhecer no senhor, falhas, deficiências e fraquezas, como em mim.
_Espere um momento – novamente me excedi. Não era de bom alvitre perder a disputa, afinal, sou um profissional — quero dizer, claro que sou falho como qualquer ser humano, mas assim, como eu não posso julgar as suas atitudes, você não deve fazer o mesmo em relação a mim.
_Mas aí a coisa fica desequilibrada e eu saio perdendo.
_E o que você quer que eu faça? – perguntei indignado, levantando-me da mesa. Ele sorriu, vitorioso. Deu alguns passos, dirigindo-se à esquerda da escrivaninha. Deixou de lado a poltrona ou o divã que costumeiramente ocupava. Acomodou-se placidamente na poltrona de couro.
_Muito bem, doutor, o senhor agora está falando a minha língua. Nada de frases prontas, de expressões estudadas. O senhor se irritou e mais um pouco, estaria se atracando comigo. Não se esqueça, que tal como o senhor, eu me coloco na sua posição, no seu lugar. Sei o que pensa.
_Não exagere, Antônio — sorri, tentando mostrar-me calmo. Ele também ria da poltrona e para minha surpresa, bateu com a mão estendida no braço da outra, em frente a sua e me convidou: — Sente aqui, doutor, vamos conversar. Prove que é igual a mim e tome o meu lugar.
Pensei duas vezes, se deveria atender o convite ou se recusaria com superioridade profissional. Se atendesse, estaria cedendo ao capricho do paciente, e demonstraria meu fracasso. Se recusasse, corroboraria com o que ele afirmava, de que eu me sentia superior, que tinha pontos de vantagem, porque o conhecia profundamente. Aproximei-me da janela, bati na vidraça espantando a pomba que deu um vôo rasante parando na marquise da farmácia da esquina. Voltei-me para ele e seu sorriso vencedor me apavorava.
_Então doutor, vai sentar aqui ou não vai? Está com medo de ser analisado?
Não resisti ao desafio. Mexi nuns papéis sobre a mesa, abri o notebook, ouvindo a observação dele “vai dar mais uma olhadinha pra lembrar do meu perfil?”. Não respondi a provocação e sentei a sua frente. Antônio parecia imenso, as pernas esticadas à vontade, os pés acomodados para os lados, mostrando descuido com os sapatos.
_E aí, doutor, não vai dizer como é que se sente?
Eu diria que me sentia pequeno, ínfimo, quase humilhado, mas apenas perguntei: — Você se sente à vontade aí, na minha cadeira?
_Muito bem, doutor, muito bem. Não sabia que era tão confortável. Parece até que a visão que se tem aqui é do alto, o senhor não acha? Ah, não acha, não. Faz parte da estratégia terapêutica, não é mesmo? Mas não vem ao caso. Agora quero que fale.
_Falar o quê?
_Não sei, deve ter muito a dizer. Como eu.
_Você é que precisa dizer o que sente, sentado na minha cadeira.
_Outra vez, minha cadeira, o senhor nem percebe, não é mesmo? Mas o senhor enche a boca para dizer que a cadeira é sua! E porque ela é sua? Para resguardar a sua integridade, a hierarquia, para representar quem tem o poder. Viu, aí não tem equilíbrio.
_Então, você precisa da minha verdade, é isso – afinei os sentidos, talvez procurasse também o tal equilíbrio que ele tanto queria, para não ceder de uma vez por todas. Assim, me colocava no lugar dele, para atingir meus objetivos. Parece que ele já fazia isso, literalmente.
_Acho que você tem razão, Antonio. O adjetivo era apenas uma observação eventual, talvez você não compreenda, mas eu preciso de certos sinais, características para identificar os pacientes. Não significava muita coisa, a não ser que precisava atentar além do que você dizia.
_Monótono. O senhor digitou monótono ao lado do meu nome.
_É verdade. Quando você falava, armava um rosário de lamentações inúteis, que usava apenas como conteúdo de fuga e não acrescentava nada. Estas lamentações eu rejeitava.
_Como?
_Pensando noutras coisas.
_Por exemplo?
_Nas contas para pagar.
_Que mais?
_Problemas do dia a dia.
_Que problemas?
_Problemas pessoais, como o de todo mundo.
_Sim, mas porque não revela os seus. O senhor sabe tudo sobre mim, sabe até que tenho o hábito de evacuar com a porta aberta. Pois bem, se posso evacuar com a porta aberta e me conformar com isso, não precisando fechar a porta apenas para agradar os outros, o senhor deve ter um problema que posso também examinar para induzi-lo a não se sentir abalado com ele. Quem sabe assim, parar de dormir, quando um paciente fala!
_Dormir? Eu nunca... — Não, não, não diga isso. O senhor dormiu, quando eu estava no divã e abri os olhos e o vi, cabeça tombada no queixo. O senhor quase roncava.
_Uma vez só, uma vez...
_Ou então, o senhor se esforçava em evitar o bocejo quando eu discorria sobre a minha insossa vida profissional. Ou sobre o cachorro da vizinha que invade o elevador toda vez que saio de meu apartamento, ou sobre o... deixa pra lá. O senhor ficava quieto que nem rato em guampa, então eu me dava conta.
_Rato em guampa?
_É, o bicho fica quieto, à espreita, fingindo de morto, só esperando uma brecha pra sair. O senhor ouvia, mas não ouvia, tá entendendo? – faz um gesto girando a mão em concha ao lado do ouvido esquerdo, com o indicador e o polegar alongados, em uníssono.
Pergunto, acuado: _Então?
_É a sua vez, para eu sair do prejuízo. Fale alguma coisa.
_Você já me acusou que eu dormi, enquanto falava, que eu fico quieto me fazendo de morto, você apontou as minhas falhas.
_Quero que você mesmo as aponte. Aí é que tá o retorno.
_Está bem, eu tenho uma fraqueza — não pensei em mais nada, atabalhoado, discursei vigoroso, quase uma vingança — sabe aquela vez que você mencionou o seu relacionamento nada convencional com sua mulher? Pois eu a imaginava naquele furor que você descrevia, aquele verdadeiro tornado que dificultava as suas noites, mas que me deliciava os pensamentos! Sabe quantas vezes eu a tive em meus braços, nas duchas demoradas em que me lambuzei, quantas vezes eu transei com ela em meus sonhos? Pois sempre que você falava nela eu desfrutava cada cena que você rechaçava, com vigor, com explosão, com quase orgasmo! Era isso que você queria saber, Antônio? Era esta falha de comportamento? Está satisfeito agora, você me venceu!
_Não, eu to aliviado, doutor, porque eu também tenho uma revelação para fazer ao senhor, mas agora, nada de estratégia, de objetivo, de ficar quites. Uma conversa de homem pra homem!
_Do que se trata Antônio?
_Cada vez que o senhor comia a minha mulher em sonhos, eu comia a sua de verdade!
Foi a tacada final, o arremesso definitivo, o objetivo alcançado pelos meandros do percurso, com tenacidade, planejamento e ação. Ele acertara o buraco. Literalmente. Mas houve equilíbrio. Será? Afastei-me em direção da janela e avistei os prédios cinzas, ao longe, lá atrás. Uma pomba obscena beliscou meu olhar.
domingo, outubro 03, 2010
FEIRA DO LIVRO EM SÃO BORJA E PALESTRA AOS AGENTES DE BIBLIOTECA
Vou transcrever o texto postado no blog: http//felivroinforma.blogpot.com. O texto é de
Ludmila Constant e Nathalya de Oliveira e a foto de Nathalya de Oliveira. Aproveito para agradecer o apoio que o blog deu à minha participação na oficina com a palestra e na feira do livro de São Borja, muma cidade cativante, na qual falarei em um próximo post.
Gilson Correa foi premiado em primeiro lugar com duas cronicas que fizeram parte do livro "Outras Águas".
O autor relata que "Escrever mim é como respirar", sua visão sob a biblioteconomia está avançando com os adventos da internet, disseminando a informação, segundo o autor a biblioteca é mais que um depósito de livros, é onde pode ser encontrado todo e qualquer tipo de informação.
"Estar em São Borja e ter trocado informações com bibliotecários da cidade é uma alegria para mim" relata Gilson.
O livro trata do preconceito ético e social, todas as pessoas tem preconceito, o personagem tem um pé no presente e um pé no futuro e vai se transformando conforme as atitudes tomadas, isso se desenvolveu a partir de sua convivência com a mãe, e vai se transformando conforme as atitudes tomadas. Ele queria muito olhar o eclipse e na noite em que foi olhar seu pai desapareceu.
Ao perguntar a sua mãe sobre a ausência do pai (que havia fugido por motivos politicos na época da ditadura) ela esconde do menino os motivos.
*Essa é apenas uma ideia do contexto do livro!
Mais informações sobre Gilson Corrêa em:
Email: gcgilson4@gmail.com
Blog: letras-livres.blogspot.com
Site: sites.google.com/site/dasletrasnovas
www.recantodasletras.com.br
Twitter: @gilsoncorrea
Postado: Ludmila Constant e Nathalya de Oliveira
Postado por Feira do Livro às 07:43 0 comentários
Palestra de Gilson Correa capacita agentes bibliotecários!
Oficina para agentes Bibliotecários com, Gilson Correa. Foto: Nathalya de Oliveira.
Bibliotecário e escritor formou-se em letras na Univeridade de Rio Grande, onde também lecionou durante alguns anos de sua vida. Atualmente Gilson é escritor, em sua palestra na 25º Feira do Livro ele relata as várias faces de sua profissão, desde os primeiros sistemas (SAB) até os sistemas mais atualizados que podem ser encontrados no site www.sab.furg.br.
Suportes da informaçãpo ao decorrer do tempo:
- Tablete de argila: criados pelos suméricos em 3200 A.C
- Papiro vegetal usado pela primeirta vez em 4000 A.C se tornou a maior exportação do Egito, que originou o nome papel.
Tudo se transformou em linguagem, lugar onde se armazena informação. Em exemplo de hoje é o computador.
-Pergaminho feito pelo couro de carneiro encontrado na região do Pérgamo, atual Turquia, ele resultou em um aprimoramento do papel.
- Códice são da Idade Média, podemos dizer que é um antepassado do livro, por sua semelhança no formato. O método utilizado para montar o códice era através do recorte e costura das folhas.
- Papel é criação dos Chineses, mas que predominava na Europa, era fabricado com fibras de algodão, fibras e cãnhamo.
- Livro é um meio democrático de veicular a informação. O primeiro livro impresso foi a Biblia em Latin inventado por Gutenberg, e Lutero lutou para que fosse impresso em Alemão apartir disso o livro começou a ser um meio democrático, uma maneira de fornecer a população um acesso a informação.
Atualmente existem livros em todas as áreas, com durabilidade de aproximadamente 100 anos, e jamais será deixado de lado mesmo com o avanço das tecnologias. As editoras citam que houve um aumento de 60% dos impressos, o que prova que a tecnologia não acabará com os livros.
- Livros digitais, e-books ou livrtos eletrônicos (com o mesmo conteudo da versão impressa) incluindo capa e contra capa, só que com um suporte digital serve para resgatar artigos, revistas e livros na integra. Além de compartilhar em alguns aparelhos com a internet podendo ler e também interagir.
A palestra teve o objetivo de discutir estratégias para intensificar as ações de incentivo à leitura.
segunda-feira, julho 05, 2010
O URUGUAI E SEUS CARROS ATRAENTES
http://O URUGUAI E SEUS CARROS ATRAENTES
O Uruguai é um país muito bonito e como integrante da América, cheio de contrastes, sem dúvida. Mas o que me chama a atenção, sempre que visito aquele país, além da hospitalidade e elegância de seu povo, é a a maneira como as autoridades de trânsito permitem que determinados veículos sejam dirigidos nas estradas. Na verdade, a obediência às leis me parece muito bem orientada. É um povo tranquilo, que conduz seus veículos obedecendo as regras. Todavia, o que sempre me deixa intrigado são os inúmeros carros velhos, danificados, em precárias condições para transitar, que ainda vez que outra surgem nas rodovias. Por isso, tirei algumas fotos para ilustrar esta curiosidade. É uma peculiaridade de comportamento, da qual é provável que sirva de tema a muitos blogs, no entanto quero deixar aqui, às vezes a minha perplexidade, por observar estes “automóveis” andando.
Em tempo: estou torcendo pelo Uruguai, nesta copa, assim como muitos brasileiros, acredito. kbimages.blogspot.com/url-code.jpg
segunda-feira, março 08, 2010
O DIA INTERNACIONAL DA MULHER
É provável que a mulher comum hoje em dia, nem tenha se preocupado com a data, a não ser pela incessante e maciça propaganda da mídia, em virtude da venda de produtos e do merchandising da nova postura feminina. Como tudo na vida tem dois lados, o lado bom de tudo isso é chamar a atenção para a força de trabalho da mulher, da capacidade e inteligência e do chamamento à igualdade salarial, que em muitas profissões ainda não é bem resolvida. Por outro lado, como em todas as datas comemorativas, há a invasão de produtos destinados à mulher, que em sua maioria, seria plenamente descartável. De todo modo, resta a lembrança e esta é sempre bem-vinda.
Mas quem é a mulher brasileira do século XXI? É a mulher ativa, integrada na sociedade, com liberdade plena em decidir o seu futuro, a sua vida, em tomar conta de seu corpo e de seu pensamento? É a mulher forte, decidida, trabalhadora, capaz? É a mulher que multiplica as funções, somando-as além da profissão, com as de dona de casa, mãe e esposa? É a mulher dirigente, política, batalhadora? É a mulher independente financeira e emocionalmente? Ou a mulher submissa, alicerçada no medo do futuro, frente à miséria das favelas das grandes cidades, onde os filhos se proliferam e os problemas também? É a mulher de iniciativa, mãe e avó, filha e neta, aprendiz e mestra? É a mulher vitrine, que desfila a última Louis Vuitton e aparece na Caras? Por certo, são todas elas, uma única mulher, a mulher que vive e sobrevive as façanhas da vida diária, como todos os indivíduos, com um handicap: enfrentar este ranking desenfreado, com muitas maneiras de olhar, de ver o outro, de assistir, de fazer várias coisas ao mesmo tempo e também se emocionar, e sorrir, e chorar, e gritar, e assumir e viver. Uma mulher que sangra o sentimento todos os dias e desenvolve uma carapaça que a protege e protege os seus, pois sabe, talvez por instinto apenas, que é preciso ser forte e doce para sobreviver. Esta é a mulher que convivemos e que amamos. A mulher feminina que nos agrada, que nos atiça e nos embrulha num pacote pequeno, pronto a ser desembrulhado quando deseja. A esta mulher forte, desejo votos de alegria e muita vitalidade neste dia e em todos de sua trajetória. Pois a ela, devemos todos, e nela, sem dúvida, confiamos.
sábado, dezembro 12, 2009
QUESTIONAMENTOS SOBRE O ROMANCE “O ECLIPSE DE SERGUEI” DE GILSON BORGES CORRÊA
Serguei é um homem na faixa etária de 30 anos, cuja vida se resume numa luta constante entre o cotidiano medíocre e sua vida interior comandada por ações passadas. Trabalha num cartório e faz um turno numa biblioteca de um museu, mas parece não se sentir à vontade em lugar nenhum. Faz uma crítica feroz aos colegas, ao chefe, principalmente recheada de preconceitos, que embotam seus sentidos e pensamentos. O romance se chama “O eclipse de Serguei”, porque quando pequeno, tomado por uma curiosidade infantil, ele pretendia munido do maior interesse, assistir ao eclipse. Neste momento, porém, estava numa escada, observando uma aranha que colhia uma mosca em sua teia. Lá , costumava caçar os insetos e guardá-los num pote. Quando a empregada, uma mulher ignorante e perplexa com o fenômeno, corria para todos os lados acendendo velas, ele se desequilibrou e perdeu o eclipse. Neste mesmo dia, seu pai desaparecera para sempre de sua vida. Era um militante de esquerda, que fora delatado e preso. Foram duas perdas expressivas e com afirmara sua mãe, “Ele se foi com o eclipse, Serguei. Não tenha mais esperanças. Assim como você não viu o eclipse, nunca mais verá o seu pai. Nem a poeira de seus ossos!”. Resumindo: o eclipse é uma metáfora das frustrações e dos enganos que Serguei tivera na vida.
Em que momento ele se torna um skinhead?
Na verdade, Serguei sempre fora um skinhead, um neonazista, alicerçado numa ideologia que fortemente transmitida pela mãe, uma mulher que participara da marcha em repúdio ao comunismo, em 1964, enquanto o pai, ao contrário lutava contra a revolução militar que se transformaria na mais ferrenha e feroz ditadura. Serguei ficara com o conservadorismo da mãe, até porque um ódio inconsciente pelo pai, se alastrava em seu coração, por não entender o motivo de seu abandono. Para ele, o pai deveria ser um marginal, como sempre lhe fora apregoado pela mãe, pois jamais voltara à casa. Por conseguinte, transferia todo este ódio para os seres que representavam a escória tão criticada por sua mãe, em sua mocidade. Passou então a ampliar o limite de seu ódio aos negros, aos homossexuais, aos judeus, a todos que significavam o avesso dos conceitos de homens de bem, de acordo com os costumes, as crenças e a moral através da ótica que lhe fôra passada. A vida, porém, lhe pregara uma peça, pois a mulher que amava era uma judia. Com o passar do tempo, a pressão do grupo do cartório considerado inofensivo, aumentava gradualmente, forçando-o a assumir a postura de um homem “nobre”, que devia exercer a sua função de líder e tomar as atitudes que levassem ao extermínio da cultura cada vez mais libertária que se disseminava no país e no mundo. Por fim, ele fica completamente desorientado e se torna um verdadeiro skinhead, inclusive mudando a aparência.
Que personagens tem influência na vida do protagonista?
Incialmente, a mãe pela veemência das atitudes e principalmente pelas mensagens conservadoras e por outro lado, o pai, que através de sua ausência, o transformaram numa criança introvertida e num adulto demasiadamente crítico e desconfiado. Tinha consigo que sempre havia alguém desafiando-o ou querendo tomar partido de suas fraquezas. No cartório, o Sr. Oliveira, o chefe que influenciava em demasia as suas atitudes, até o momento em que passou também a desconfiar do seu interesse em transformá-lo num líder dentro do grupo. Anselmo, colega bajulador o irritava profundamente, mas não exercecia nenhuma influência aparente. Entretanto, quem mais causava desconforto em seus relacionamentos com o grupo era um estagiário, um rapaz íntegro, interessado no seu trabalho e em seus estudos, mas cuja etnia ia de encontro às idéias ultrapassadas e preconceituosas de Serguei. Por outro lado, o Gomes, um funcionário que se suicidara lhe lembrava comportamentos muito semelhantes ao seu, o que lhe deixava profundamente triste. Havia ainda, Dóris, a secretária, que sua aliada num projeto de eliminação da empregada, Zulmira, que praticamente o criara, mas que detestava por sua condição de ignorância, além da carga étnica, que não aceitava. Dóris, entretanto, fazia parte da Irmandande, o grande grupo que precisava de um “escolhido”, no caso, ele. Por isso, o traíra. Além dela, havia o funcionário do café, chamado Adolf Hitler, um homem estranho, que tinha um objetivo principal: transformar Serguei no líder da Irmandade. Todos obedeciam ao Venerável, um segredo de todos. Na sua vida pessoal e afetiva, havia Beatriz, a mulher que amava, a noiva que abandonara por descobrir através de um estudo de sua genealogia, que era de descendência judia. Ela seria a responsável pela revelação final, a descoberta que deveria guiá-lo a escolher um dos caminhos: aceitar que sua vida inteira havia sido uma farsa e retornar ao mundo real e sensato ou enveredar pelo caminho manipulado pelo grupo, transformando-se finalmente num skinhead. Ela seria, enfim, a sua salvação.
Há salvação para Serguei?
Talvez quando ele descubra, já seja tarde para decidir, entretanto, o segredos aos poucos são revelados e ele põe em cheque todo o grupo, mostrando quem é quem, suas fraquezas, mentiras, vilanias, falsidades. Enfim, mostra ao leitor que ele fora manipulado pelo grupo, mas dá o troco, transformando-se de caça em caçador e dando um exemplo de dignidade rara para um homem que perseguia outros homens,talvez tão fracos, tão frágeis e submissos quanto ele. Ou mais fortes, muito mais nobres. A mensagem se torna clara para o leitor, à medida em que se descobre os reais objetivos da Irmandade que faz parte do grupo do cartório e quem é o verdadeiro líder, o chamado Venerável. Quem sabe, em cada um de nós, existam preconceitos tão semelhantes ao de Serguei, preconceitos inconfessáveis, mas que tentamos lidar de modo a não nos comprometermos e seguir o senso comum, aquilo que é políticamente correto. Resta então uma esperança de repensarmos nossos conceitos, nossas intolerâncias com o outro, o outro tão próximo e tão semelhante. Talvez essa seja a salvação, de Serguei e nossa.
O ROMANCE O ECLIPSE DE SERGUEI ESTÁ NO GOOGLE BOOKS, NA www.biblioteca24x7.com.br e no site www.amazon.com
Gilson Borges Corrêahttp://kbimages.blogspot.com/url-code.jpg
segunda-feira, novembro 30, 2009
O ECLIPSE DE SERGUEI
Este livro está nos sites a seguir:
http://books.google.com.br, www.biblioteca24x7.com.br e www.amazon.com
A seguir uma pequena sinopse do "Eclípse de Serguei":
Nem sempre o homem atua na sociedade e em sua vida pessoal, de acordo com suas convicções e ideologias. Serguei é um destes que desconfia de suas próprias idéias, mas procede segundo os preconceitos arraigados, de tal forma que o mundo lhe parece de ponta-cabeça, vivendo em eterno conflito. De repente todo o seu ódio pelas diversidades sociais deterioram os seus relacionamentos, desde os do convívio familiar, como a mãe, uma figura cada vez mais distante e frágil, bem como a empregada negra, com a qual convive desde a infância, mas considerada apenas objeto descartável, até a mulher que ama, da qual se afasta movido pela descoberta de sua origem judia. Até mesmo a ausência do pai, cuja partida se confundiu com o fenômeno tão esperado do eclipse, em sua infância, e dos quais, nenhum teve uma sequer oportunidade de acompanhar. Tal como o eclipse, seu pai desapareceu para não mais voltar. Tudo contribui para a distância que impõe aos que o cercam. No trabalho, porém alcança o cenário favorável para extrapolar seus sentimentos, o caldo de cultura essencial para a colônia de bactérias representativas das crenças discriminatórias. Não imagina ele porém, que ao não assumir os propósitos do grupo, também passa a ser discriminado. Há sempre o olho onipresente do Venerável, supremo chefe da suposta Irmandade que parece conduzir o destino de todos e Serguei parece ter sido o escolhido para dar prosseguimento da missão: acabar com a escória da sociedade. Entretanto, o preço é muito alto, cujas prováveis perdas o deixam desorientado, a ponto de se transformar num skinhead. Seria este o seu destino? A sua missão? Seria realmente ele o escolhido? E quem seria o Venerável? Para estas descobertas, Serguei teria assumir o destino dos escolhidos e talvez enfrentar o eclipse.
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sábado, julho 25, 2009
Blog de ouro

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jornalista, produtor de eventos e shows que se inclinou em meus textos, para dar de algum modo a sua opinião, já que indicou o meu blog para o selo de ouro. A partir de agora, mesmo com o frio aqui de Rio Grande, meu coração está mais quente e alvissareiro. Obrigado Lafayette.
O caminho para as Índias
Quem sabe partilhas deste sebastianismo, tão próprio aos povos de origem lusitana. Tu que no Sul, fundaste o Estado, lutando contra os espanhóis que invadiram a cavalo tua igreja matriz, talvez sejas tão esperançosa na visão libertadora e salvadora de teu povo, que nem te dás conta do que é ficção ou realidade.
Afinal, cá estão entre irmãos, os que superaram a dor através da busca incansável do morto, procurando-o em cada esquina, apontando seus ideais e compromissos, suas metas e edificações, sua iluminação eterna. Aqui o tens voltado para o mar, provavelmente vez que outra, ainda fitando ao longe a ilha de onde veio. E não é pra menos, o coração pesa e chora, herdamos esta melancolia algoz de nossos colonizadores.
Tu como mãe generosa cuidaste muito bem de teu filho, cultivaste sua memória e perdoaste seus pecados. Acho que estás correta, não deves julgar ninguém, apenas te repreendo numa coisa: erraste na medida da exaltação, no alarde de seus feitos, no enaltecer de suas qualidades. Não poupaste os inimigos nos esforços para defendê-lo, nem mesmo os adversários mais frágeis.
Mas te desculpo, entendo tua tática, como mãe generosa, pensaste nos teus filhos e eles estão tão próximos, tão seguros ao porto que ainda vibra pelas ruas ventosas e arenosas dos dias sem brilho. Sabes que durante muitas décadas, a dinastia vai se perpetuar, mas que fazer, se não ceder aos desejos dos herdeiros, mesmo à sombra e parvalhice dos incautos? Afinal, tens o gozo dos irmãos e a vontade dos súditos. Foi nele que votaram nestes anos todos e ainda não acordaram que já havia morrido. Bem como planejaste, uma mãe lusitana, de coração aberto ao mar. Afinal, te consolas com a alegria florescente dos novos ricos, legatários messiânicos do senhor que partiu, mas que permanece tão forte e presente, quanto nunca. O tens presente no sangue que corre nas veias imponentes de sua mulher, filhos, sobrinhos, primos, irmãos, netos, cunhados, amigos, genros...Aqui mais uma vez apaziguaste a realidade com a mão carinhosa e matreira, estes três últimos não carregam seu sangue, mas persistem com seus dentes afiados nos pescoços herdeiros. Tal como D. João II, que planejou o caminho marítimo para as Índias, designando o pai, Estevão da Armada, para chefiar a expedição. Neste caso, o traçado não foi mantido, em vista de dificuldades políticas e eles, coitados, acabaram morrendo seu alcançar seu intento. Entretanto, suas ideias fizeram barulho ao sucessor D. Manuel I, para quem Vasco da Gama devesse chefiar a missão, mantendo o plano inicial do rei.
Viste como és parecida, sabes de onde vens, qual é tua origem, tanto que cumpriste o plano do tio. Se é que havia algum projeto além de executar a incumbência de assegurar a sucessão, suceder o poder de geração ad eternum. E para isso, tinges as ruas de preto, configuras tua paisagem tornando-a semelhante a outros rincões, de aspecto e história tão diferentes e esqueces, que mais longe, teus filhos menos ilustres chafurdam na lama de ruas que não existem.
Fizeste doída a carreata de seu passamento, tão magistral e ornamentada que faltaram flores para velórios que tiveram a petulância de ocorrerem no mesmo dia. Houve quem se enterrou com flores de plástico.
Mas segues atenta e prossegues na dinastia, tão urgente aos propostos de teus cidadãos. Talvez penses, tal como Dom João II, que esta terra se tornará um império. Tens coração tão grandioso que organizaste a vinda triunfal de teu filho ilustre na época, em que andava meio atordoado com denúncias para as quais pedia habeas corpus.
Certamente, sentimental que és, aconselhaste ao povo humilde, aquele que mastiga o solo nos dias de chuva, que atravessa as noites com filhos ranhentos em busca dos postos de saúde desaparelhados, os que se finam nas mortalhas de pinus, debruçados em caixotes riscando os cotovelos magros e inchados na dor. Além de conselho, pediste com coração sufocado e lágrimas nos olhos, que esperassem o messias, organizando cartazes e faixas, alertando à mídia que amavam o soberano impoluto e que pediam, mais ainda, exigiam sua volta e proteção. Certamente naquele dia, um bando de matronas e siliconadas fizeram coro aos trapentos, esgueirando-se dos guris mal cheirosos, temorosas que suas bolsas fossem investigadas.
Não sei se um dia acordarás do sonho, afinal estás cada dia mais bem vestida e afastas pra longe os atributos defeituosos que te reduzem a um espelho no qual temes mirar. Não sei se perceberás que a tua beleza ainda é artificial. Não abrange tua estrutura. Afinal estás cada vez mais linda e mais impetuosa. A maquiagem te cega a inteligência e deforma tua alma. Não consegues olhar para os pés, desconfio que tens medo do que possas ver.
De todo modo, tua cabeça está rodeada das belezas naturais que sempre te encantaram, fogosa e faceira que és como noiva do mar que te serve de margem e de leito. Da lagoa que te banha, do céu que envolve em pontilhados azuis, levando rápido os flocos claros que se agitam ao longe, fazendo às vezes de véu que te cobre e te ilumina. Estás ficando forte, sadia, quase capitalista. Tuas veias se mesclam em imagens simbólicas de avenidas que compactuam com tua beleza, assim enfeitadas, assim atrapalhadas e inadvertidas, mesmo que às vezes, as avenidas têm o aspecto de ruas e as ruas, o de avenidas. Mesmo que na tua entrada haja uma placa avisando as rajadas de ventos chegam a 100 km, por hora. Sei, sei que tu indicaste em virtude dos vôos que, embora raros, também enfeitam teus céus. Mas convenhamos, um turista desavisado se apavora com tua franqueza. Talvez faça o retorno e desapareça ao ver aquela sinalização, um tanto absurda, não achas?
Mesmo assim, estás bela; o que me assusta são as estruturas que parecem cada dia mais frágeis, toscas, oxidadas, capazes de não suportar tua beleza e força. Se não, observa a atenção precária que dás à saúde, a tua preocupação exígua com o bem-estar social, com a juventude, com o saneamento, com a educação.
Não te dilaceraram as carnes, quando destruíste uma escola? Será que como mãe protetora e afetuosa não encontrarias meios para evitar este descalabro? Quando todos lutam por escolas, quando ainda há escolas de estrutura de lata no Estado, tu desistes de uma com toda a infraestrutura e história na educação? Não seria viável chamar a comunidade, dialogar com a população, ouvir especialistas? Ou era mais fácil destruíres de vez com o quisto que te incomodava? Não sei, mas sinto te dizer: teus pés estão ficando enormes e não há polainas que possam aquecê-los, muito menos ocultá-los da parte bela de teu corpo. Estás te tornando um pavão, que evita olhar para as patas disformes. Acho até que teu novo caminho para as índias não está te conduzindo ao império, talvez ao poder, à dinastia, à sucessiva lista de sobrenomes idênticos, mas ao contrário, estás afundando no lodaçal mais poluído e impróprio para tua saúde. Teu povo pobre que servia à beleza de tua cabeça, está ficando cada vez mais longe, se aprofundando nas crateras em que enfias os pés. E aos poucos, estes pobres mirrados, famintos, que servem para alimentar teu ego, estão percebendo que teus pés são de barro.
Quem sabe, acordas, não desprezas de todo teu sangue lusitano, mas conspurca um pouquinho com a violência do espanhol, não adentra a Matriz a cavalo, nem surra teus inimigos, mas abre os olhos de modo ágil e austero, e aciona depressa a tua justiça. Saibas que não és mãe apenas dos fortes, dos opressores, dos imperialistas, dos sucessores da dinastias, mas de seus súditos, seus opositores, o povo humilde que grassa nas ruas enfiados em casacos gentilmente cedidos pela primeira dama, ou os que ainda pensam na tua história e querem te valorizar no todo, não apenas na maquiagem, mas no teu interior.
Acorda, cidade lusitana do sul, fundadora do Estado, a primeira entre as primeiras, não te compra com carnaval barato, com festas gratuitas de fim de ano ou com auxílios especiais em detrimento do verdadeiro auxílio à sociedade: garantir a cidadania e o direito de ser cidadão sem baixar a cabeça.
Um dia ainda, vais servir ao teu povo e teu povo te servirá. A melancolia além mar só vai lembrar teus ancestrais, mas no que te deixaram de belo, de poesia, de literatura, de obras de engenharia, de edificações, de artes, de humanidade.
E dança com eles, dança o vira, o samba, o rock, dança a música de uma cidade democrática e cidadã. Esquece o bloco do toma lá da cá, porque és mãe de todos. Mas uma mãe moderna, não autocrática. Que tem os pés no chão e não são de barro. Aí, podes chorar, até olhar para as ilhas, para o céu, para a lagoa, para as vilas, para as ruas, para o povo. Sem donos.
Esta crônica sobre as mazelas de minha cidade, meio que me inspirei na maravilhosa música de Chico Buarque, Fado tropical, obviamente, excetuando a genialidade do autor. A seguir, a letra de Fado Tropical
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo...(além da sífilis, é claro)*
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora...
Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebato um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa...
Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial
* trecho original, vetado pela censura
quinta-feira, julho 23, 2009
terça-feira, julho 14, 2009
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