Monumento a Frédéric Chopin
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Este blog pretende expressar a literatura em suas distintas modalidades, de modo a representar a liberdade na arte de criar, aliada à criatividade muitas vezes absurda da sociedade em que vivemos. Por outro lado, pretende mostrar o cotidiano, a política, a discussão sobre cinema e filmes favoritos, bem como qualquer assunto referente à cultura.
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Sempre a vira expor-se de maneira ridícula. Pelo menos para os padrões da época. Tinha lá seus quase oitenta anos e se vestia como uma mulher de trinta. Um vestido godê preto, que ao vento lhe subia nos ombros, aos meus olhos espantados de 10 anos. Na boca, um batom vermelho delineando os lábios sumidos. Um sorriso largo, de dentes miúdos, com falhas inevitáveis. Gostava de sentir-se assim, livre e talvez a sensibilidade aflorada na pele revelasse apenas o desejo de felicidade. Uma brisa, um aroma, um sopro de vida. Todos ou quase todos a chamavam de louca. Ou senil. Ou velha destemperada. Não lhe permitiam explosões em seus pensamentos, nem alfinetadas nas ideias que não se constituíssem um dedal. Mentes torpes, endurecidas pelo hábito higiênico e padronizado da maioria. Eu, como criança, talvez a seguisse no que tinha de melhor. E o melhor eram os livros que me oferecia. Livros tão antigos quanto à coluna que se comprimia nas vértebras enferrujadas. Livros amarelecidos, capas andrajosas pedintes de leituras, folhas finas, às vezes rasgadas. Pedaços de livros. Frangalhos de histórias. Mas que me faziam beber da fonte inesgotável da aventura, de trajetórias distintas das que seguia, dos vôos altos em que avistava outros prados.
Ela não arrefecia em mostrar-me este novo mundo, talvez porque visse em mim uma sagacidade desconhecida aos demais de sua família. Um desejo de ir mais longe ou de descobrir o que estava tão perto, mas tão perto, que nem fazia sentido.
Ela era assim: alegre, divertida, faceira, estranha. Um estranho absurdo, que talvez a lançasse aos limites da loucura. Mas esta insanidade voraz e desconhecida talvez a tornasse um ser humano íntegro em sua relação peculiar com a vida.
Claro que nem todos a entendiam, nem eu. Apenas não a julgava com o olhar de adulto. Por certo, encontrava em sua imaginação fértil uma afinidade com o universo interior de um pretenso escritor. Tudo que eu escrevia
num papel encardido de embrulho era devidamente analisado, anotado e compreendido. Quando muito, uma nova visão, um ponto de vista próprio, difícil de atingir, mas que anunciava uma entrega desavisada com cheiro de sonho e gosto de felicidade.
Morava com um irmão tão velho quanto ela e os três sobrinhos. Todos a consideravam amalucada, rótulo vencido.
Eu sentia um certo constrangimento em me aproximar, tal era o preconceito que expressavam sobre ela.
Certa vez, ela me chamou pelo muro. Estendeu seus braços finos, com um caderno na mão, tão amarelo quanto os livros. As unhas vermelhas apertavam a capa cerzida na restauração improvisada. Percebi que havia uma espécie de tule ou renda branca empoeirada, revelando o guardado num daqueles baús imensos que tinha ao lado da cama. Espichei o meu braço, arrastando-o no reboco rugoso e peguei o caderno. Ela fez um sinal cúmplice com a boca, produzindo mil ruguinhas entre os lábios, pedindo que não o abrisse logo, apenas quando estivesse em casa, engendrando minhas histórias. Obedeci. Guardei o caderno embaixo do travesseiro para lê-lo à noite, sem muito tempo para decifrar o que havia nele. Fui para a escola, de lá para casa, o banho, um pouquinho de tv, o sono e esqueci o presente.
Acordamos pela manhã, eu e meus pais com os gritos. Uma ambulância e um olhar de desespero cercado entre braços fortes que a empurravam para dentro do veículo, como se pudesse resistir a não ser com gritos. Um cheiro de fumaça, de papel queimado, de lixo armazenado no fundo do quintal.
Meu pai perguntou ao sobrinho mais velho o que estava acontecendo, mas não houve tempo para respostas, a sirene já se ouvia forte, abrindo caminho na rua onde se formavam pequenos grupos. Todos comentavam, produzindo explicações que convinham. Alguns meninos no caminho da escola, paravam intrigados, observando a cena. Cenário perfeito para uma investida na imaginação por mais acanhada que fosse. Tudo conspirava para o senso comum se estabelecer: dispensar a tia louca para o sanatório.
Meu pai afastou-se do lugar enquanto minha mãe já tomava as últimas da vizinhança. Entramos, a hora se adiantava. A vida continuava. O mundo girava no mesmo ritmo. Um ritmo desordenado em nossa vida caótica. Lembrei de seu irmão mais velho, que nem aparecera. Devia ter ficado lá, constrangido pela covardia em não lutar contra um destino que mais cedo ou mais tarde seria o seu.
Não me contive e desviei do cuidado de meus pais e pulei o muro, pelos fundos do quintal. Atravessei o pequeno alpendre e passei pela cozinha, dirigindo-me ao quarto dela: reduto pouco visitado, embora lá havia conhecido e ganho os meus primeiros livros. Percebi que o irmão estava encostado no parapeito da janela que dava para o nosso pátio, um cotovelo apoiado, com a mão no queixo, amaciando a barba mal feita e na outra mão, um cigarro de brasa esquecida.
Afastei-me pé ante pé e abri a porta do quarto, lentamente. Observei a cama de mogno desarrumada, a cômoda com os porta-retratos atirados, uns sobre os outros como em efeito dominó, alguns livros rasgados. Mas meus olhos se detiveram espantados na velha estante de madeira que emoldurava toda a parede do lado esquerdo, oposto à janela. Estava vazia, uma estante em que moradores notáveis fizeram historia, um Kafka, um Machado, um Guimarães Rosa, um Joice, um Goethe, um Dostoevisk. Demandaram em derradeira missão, talvez desconhecida e definitiva, jamais almejada.
Corri para os fundos do quintal, segui a cortina que se antecipava aos meus olhos e um pequeno visgo de fumaça, como uma serpente que se insinuava, mostrava o caminho.
Ali estavam os livros, com suas brochuras à mostra como esqueletos restantes do incêndio homicida, costuras desalinhadas, pedaços de folhas em desenhos disformes com olhos negros produzidos pelo fogo, marcas indeléveis, transmutando o que era saudável em feridas fatais. Sangue negro escorrido nas cinzas, fome de vingança jamais aplacada.
Ainda salvei das últimas chamas, alguns farrapos que resistiam aos pingos de sereno. Parte de um livro de Almeida Garret, que li sujando as mãos na página quente, que me doíam os dedos: restos mortais de uma vida que se dissolvia na intolerância.
Seus olhos - se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.
Divino, eterno! - e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.
Nunca mais a vi. À noite, abri o caderno de capa cerzida e passei a viver assim, embasbacado, até descobrir o sentido das coisas que avistara. Ela teria feito um apanhado de minhas histórias, como incentivo a prosseguir no desvendar incessante da imaginação. Um dia, seria talvez um aprendiz de um daqueles escritores consagrados. Mais tarde, porém percebi que aquelas narrativas não eram minhas, a não ser a semelhança pela ingenuidade e a descoberta prenhe da vida. Eram histórias de há muito tempo atrás, talvez de seis ou sete décadas, quando ela era tão criança quanto eu e assim, iniciara também seus contos num caderno, hoje cerzido de linha azul, para preservar o sonho. E talvez, a lucidez.
Há quem adore rico. Certamente não àquele rico de fachada, que aparece toda semana nas páginas de socialite dos jornais ou fazendo campanhas de benemerência, sob alcunhas de bons moços e gente de bem. Gente chic que veste nos grandes magazines (sic) e se atualiza em grifes de marketing.
Há os que adoram gente rica, e não são pessoas ruins ou cidadãos menores. São apenas simplórios.
E também não há nada contra os verdadeiramente abonados, que construiram suas fortunas e obtiveram seus bens com seu trabalho, aumentaram seu patrimônio ou investiram nos que lhes foi legado de direito.
Mas há os que grudam nos ricos, diria que são verdeiros piolhos de rico, cono costumava dizer um colega de trabalho, talvez um pouco incomodado pela sabujice de um ou outro companheiro.
Mas analisando a situação, percebi que piolho de rico é aquele que está sempre grudado numa pessoa abonada, em qualquer esquina que vá, em qualquer cruzeiro pra lhe dar as boas idas (e vindas), em qualquer festa de bodas em Punta de Leste, talvez inconsciente, grude de tal modo para um dia chegar à Casa-grande.
Este tipo de pessoa costuma adorar o rico que representa a verdadeira elite, não falo dos novos ricos ou filhos de imigrantes, que aqui vieram labutar e conseguir suas riquezas pelo trabalho e esforço. Muito menos da elite intelectual. Esta deveria ser a verdadeira elite, a da educação, do ensino, do conhecimento. Falo da velha elite, cujos representantes herdaram terras e enriqueceram com o sangue dos escravos e índios, como tão bem se expressava Gilberto Freyre em sua “Casa-grande & Senzala”, alimentando a luta de classes, investindo no sangue que irrigava as plantações que provinham os celeiros.
Talvez as pessoas que possuam este fascínio pela riqueza e pelos que a usufruam, cultivem a fantasia da estirpe dos monarcas, dos grandes latifundiários, dos colonizadores que exploraram, povoaram e dominaram a terra, cheios de saudade de seu Portugal, sofrendo por decepar cabeças de insurrentes naquele seu sentimental lusitano.
Talvez elas os amem apenas porque correspondem aos mesmos preconceitos arraigados da elite que criou a monoc
ultura latifundiaria, o sistema econômico, social e politico, de produção, completada pela senzala, ou seja, a Casa-grande, que muitos ainda cultivam (e acham que ainda existe).Talvez os amem por serem contritas em suas orações, tal como o eram as famílias que tinham o capelão subordinado ao pater familia, inseridas num patriacarlismo polígono e no compadrismo da política, no autoritarismo.
Talvez adorem este tipo novo de vida, que assistem nas novelas da Globo ou nas revistas de celebridades ou mesmo na Veja, onde a elite se vê ali acobertada, de tal forma que está acima de qualquer justiça ou bem social, que se veste de boazinha e de caráter íntegro, mas sobrevoa a política e alcança com fúria os poderes da mídia, da manipulação, dos podres poderes, como dizia o poeta.
Um poder que corrompe os simples e deforma mentes, ao criar sistemas de permanência de sua própria classe.
Quanto aos demais, os da classe média, que rastejam subordinados a mediocridades tacanhas, vindo de autoritarismos de tempos passados, a estes, apenas a conformação do reflexo na janela. Têm o carro importado, a roupa de grife e acreditam sinceramente no acolhimento. Mas que nada, como na canção do Chico que assinala o furor do colonizador lusitano, as coisas acontecem assim:
“Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo... (além da sífilis, é claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em
torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora...”
Eu odeio pobre! Como posso me mover entre centenas de transeuntes, uniformizados, correndo atrás de ônibus especiais, em direção ao serviço. Aquela gente estranha, mal cheirosa, vinda de nem sei de onde e se juntando com os pobres daqui, perfazendo o nº cada vez maior de assalariados na cidade, tudo por causa daquele tal de Lula, que trouxe para cá estas construções de plataformas e embarcações para a indústria do petróleo!Por que não deixou estas construções lá no exterior, bem longe, como queria FHC? Quem sabe, já não despachava esta plebe pra lá!
Eu odeio pobre. Como pode esta gentalha enchendo as ruas com os seus carros zero, impedindo que nossos carrões circulem livremente! Como era bom no tempo do Fernando Henrique, do Collor, do Itamar, que carro de pobre era só empurrado pra pegar no tranco, e na maioria das vezes, só circulava nas vilas. E o Itamar ainda trouxe o Fusca a álcool, aquele sim era carro pra pobre, claro que comprado através de consórcio! E quem teve a infortunada idéia de surgerir a Dilma que abaixasse o IPI dos carros zero? Ou foi ideia desta guerrilheira, mesmo? Não tinha mais o que fazer, como por exemplo, seguir o modelo capitalista dos tucanos e cia. bela, como privatizar os portos, sucatear as universidades até conseguir a privatização e acabar com esta corja pobre nas universidades? Não, para desgosto maior da elite, ela criou ou continuou o prouni, aumentou as cotas e concedeu bolsas! Que absurdo! Qualquer dia, eles estarão se formando lado a lado com nossos filhos!
Eu odeio pobre! Como podem circular belos e faceiros pelos supermercados, comprando ranchos e adquirindo surpérfluos, estes últimos produtos peculiares a minha classe, como iorgurtes, sorvetes, cookies e outros afins? Agora enchem os supermercados todo o dia, parece até Natal! No Natal, nós até dávamos um desconto, afinal, o coração nestas ocasiões se torna mole, sentimental. Embora nos esgueiramos por entre estantes, prateleiras e corredores repletos, fugindo da escória, suportamos com benevolência, quase amor, a mulher gorda que se posiciona na caixa, vestida numa na calça legging menor para seu tamanho, barriga de fora, segurando nas duas maos, como um trofeu, o peru transgênico. Ou vasculhamos entediados, mas com ar de consternação, porque é Natal, o olhar eufórico do homem mirrado, mas barrigudo, pesquisando no balcão do açougue, uma costela bem gorda para o churrasco. Até toleramos todo este tipo de gente, com uma certa náusea, é natural, quando é necessário comprar o presentinho da empregada. Coisas do Natal. Mas atualmente, o Natal parece eterno, estas pessoas usam cartão de crédito, enchem os bancos em filas quilométricas, se comprimem nas caixas eletrônicas, tomam avião, invadem os aeroportos com suas malas exuberantes e chapinhas coloridas! O máximo que se podia imaiginar sobre um pobre era a faculdade de pilotar um avião de carrossel ou de controle remoto. Infelizmente não, hoje em dia eles chafurdam nos voos baratos. Por isso, surgiram tantas companhias populares, destruindo todo o glamour dos aeroportos, das viagens internacionais, dos vôos de gente de bem!
Além de curtir futebol, que é coisa pra povo mesmo, pricipalmente o esporte de várzea, agora inventaram de participar dos grandes jogos! Que despautério! Pretendem até assistir jogos da seleção brasileira! E a copa do mundo será no Brasil, imaginem. Não, é um sonho terrível, aquelas centenas de pobres presumiveis ascensores da classe média, investindo nas arenas, como se fossem um de nós! É um verdadeiro absurdo, um desastre para o próprio patriotismo!
Ah que saudade daquele patriotismo de fachada do tempo da ditadura, aquela época que era saudável para nós, os da elite! Quando estudávamos OSPB e desconhecíamos a nossa história, quando a filosofia foi banida de nossos currículos e a história era mastigada pelos dentes selvagens dos poderosos. Pelo menos, somente nós viajavamos, participávamos dos eventos culturais, assistíamos os grandes jogos e o povo... ah, o povo, esse assistia pela Globo, ouvindo o “pra-frente Brasil”, aquela música encomendada pelos militares para anestesiar a platéia. Afinal, o povo não devia se dar conta do malogro descarado da transamazonica, das calamitosas usinas nucleares, um negócio com a Alemanha, que lhe rendeu milhões de dólares, nem das torturas escabrosas contra os brasileiros que pensavam contrário ao regime. Isso, o povo desconhecia completamente, aliás, nem nós sabíamos e se soubéssemos, não fariamos nada, não tínhamos nada a ver com isso. Os torturados eram brasileiros iguais a nós, mas não passavam de tontos que pretendiam mudar o Brasil. Essa gente não tinha mais nada a fazer? Ah, que saudade da ditadura!
Por isso, eu odeio pobres! Até esta gente que estava na linha da miséria está saindo para uma vida mais digna! Coisas da Dilma! Quem se interessa com eles, uma corja de vagabundos que só pensam em se dar bem! Ganham bolsa família para se locuplerarem e se encherem de filhos! Um circo vicioso! Dizem que o bolsa família reduziu em 17% a mortalidade, mas quem se importa com isso? Pra que mais arruaceiros, crescendo soltos ai na rua para nos roubarem mais tarde? E que no Rio de Janeiro, reduziu a criminalidade, mas pra que esta gente viva? Que diferença faz? Ah, ainda alguns especialistas argumentam que este dinheiro faz girar o mercado, faz crescer as indústrias, pois mais gente se insere na economia, há mais compras, mais oferta e procura, e por conta disso, uma melhoria na indústria e no comércio. Não deveriam se preocupar mais com os juros e a bolsa de valores? E o pior de tudo isso, é a informação de mais de 40 países querem copiar o programa do bolsa família! O mundo está virando um!
Melhor nem falar! O mundo tá de cabeça pra baixo, por isso devemos fazer algum protesto, pela volta da cuisine nouvelle, da década de 70, pelos branquette de veau (ensopado de vitela), um cassoulete, escargot ou caviar, para falar apenas das tradicionais ou um château lafite Rothschild 1787, um Cheval Blanc 1947, um Hermitage La Chapelle 1961. Devemos lutar por isso, fazer passeatas, manifestações pacíficas, esbravejar. Agora, pasmem, os pobres enchem os free shops comprando vinhos estrangeiros, perfumes e se não houver nenhuma oposição ferrenha por conta das autoridades, vão acabar igualando a sua culinária horrorosa, à nossa! Lutemos por isso!Odeio os pobres! Eles atualmente usam carro como qualquer um de nós (só falta contratarem motorista), tomam cerveja no happy hour e passeiam com cachorros de raça nas nossas ruas! Além de usufruirem de três refeições ao dia, como vaticinou o tal Lula.
Ah, tem outra, estão se interessando pela leitura! Hoje em dia, compram mais livros, não sei, obviamente, de que gênero, provavelmente autoajuda, mas lêem! Sem dúvida, que diferem de nós, da elite, que não precisamos nos aprofundar na leitura, até mesmo o ato de ler é dispensável, a não ser a Veja e alguns jornais que nos representam, porque estes autores esquerdistas, não nos dizem nada. Afinal, o que vale é saber contar o que temos no banco.
Meu Deus e estas tais redes sociais, a que os pobres tem acesso! Feliz o tempo em que a Globo (e todo o seu monopólio) e somente ela era a única forma de informação. Ela soube muito bem esclarecer o caso do Riocentro, em 1981 (atualmente surgiu uma nova testemunha, mas deixa pra lá), além das das diretas-já, na qual custou-lhe entender o clamor das ruas, mas por fim, obrigou-se a mostrar, mais tarde, o caso do debate do Collor -Lula, e sua manipulação histórica, e entre tantos casos, o de Brizola, que foi chamado pela emissora de senil e esta obrigou-se a se retratar através de um Cid Moreira visivelmente constrangido. Cresceu bem, cresceu com a ditadura e se fez uma grande rede! Fez história e mudou a forma de pensar e de agir do povo brasileiro. Um padrão maravilhoso. Afinal, pra que as diferenças regionais que devem ser mostradas na tv, segundo a ótica destes comunistas de plantão? Que interesse o folclore de regiões afastadas do eixo Rio-São Paulo, e o teatro, a literatura, a música locais e toda a forma de expressão artistica e cultural? Tudo deve ser padronizado, pausterizado. É o adequado, puro senso comum. Que interessa a Excelsior, a maior emissora da época, que faliu por conta da interferência do governo militar, em vista de sua conduta contrária à vigente, bem como a Empresa Aérea Panair, que foi forçada à falência pelo mesmo governo. Se deram incentivos importantes para o crescimento da nova rede de tv, que surgiu em 1965, por que não acabar com estes párias? E hoje, se ela nao paga o fisco, é problema dela.
Por isso, eu odeio pobre, querem agora se informar em qualquer blog vagabundo da internet!
Fonte:https://pixabay.com/pt/photos/celebração-povos-feliz-amigos-3783495/
Mexia as mãos, inquieto, sobre as páginas amareladas do jornal. Ilustrações saltando na retina, inesperadas. As colunas horizontais, repletas de letras: mosquinhas pretas que se juntavam em tropa disciplinada. Sentia a mão forte, rugosa, que nem galho de árvore, machucado pela intempérie: calos doídos, veias salientes, unhas escalavradas. Mãos de operário. A mão que me instigava o olhar, empurrava suave a minha, deslizando sobre as linhas, que lembravam a fuligem dos trens, passando céleres, vagões rumando ao porto. Olhava para ele de frente, engatando um sorriso, ele de soslaio, orgulhoso. Voz pausada e firme. Então, o esplendor, o regozijo, a iluminação. Comunhão. Despertar da leitura na palavra “hotel”, com todas as letras, em seguida, “pronúncia”, palavra difícil, que significava pronúncia? Ele pigarreou, explicou, explicou, mas logo mandou seguir adiante, que pronúncia não era palavra que dava nome a coisas, por isso, não tão importante. Era jeito de falar, mas se não juntasse o assunto, não dava nada. Procurava as mais complicadas, maiores, acentuadas. Ele me indicava o contexto. Coisa importante de ser dita. De repente, sob inspiração, desando a ler dezenas delas: jornal, cambraia, papel, outono, coronel, militar, morte. Observo-o sério. Muda de assunto. Pega outra coluna. O mundo se abre a minha frente. Uma catedral de sons, músicas e anjos dançantes pairam em meus devaneios. Livro, planta, flor, poesia. Ele sorri, satisfeito. Me beija de leve no rosto e começa a ler devagar um texto tão bonito, que me induz participar tão intimamente que me sentia ali, integrado naquelas folhas de jornal velho, amassado, oriundo de algum embrulho da mercearia. De repente, sou mais uma palavra com conteúdo brilhante, forte, denso, ou uma ilustração estética, bela, nobre. Naquele momento, meu pai parecia ter 6 anos e eu a sua idade. Estava feliz. Eu sério, contrito, ouvindo os sons pausados, as sílabas alongadas que surgiam de sua pouca leitura. Tudo certo, redondinho, exato, quase infantil. Mas com uma dose extraordinária de sabedoria e emoção.
Minha mãe passeava pela cozinha, deixando o toque-toque dos saltos insurgir-se prosaico, na ansiedade temerosa da vida que brotava, mas não ousava dispersar-nos de nossos momentos de parceria. Ouvia o correspondente da rádio e de seus olhos castanhos, pude avaliar um brilho de aflição. Meu pai parara, estupefato, embora sem se afastar dali, da mesa da copa, onde ficávamos tanto tempo fazendo planos, os três. Ela estava ao pé do rádio, encostada na beirada do armário que ficava à altura de seu seio. Próxima à porta, olhava-nos, esperando o desfecho. Meu pai estático, fixando o jornal, mas ouvindo atento. Eu olhava ora para um, ora para o outro.
Brizola irrompeu a falar obstinado, sem cessar, instalando a rádio no palácio. Reivindicou homens para a luta, relatou o apoio do partido comunista. Instigava à Nação, na luta pela posse de Jango.
O silencio pesava. A noite interrompia a vida, a morte suscitava denúncias, guerrilhas, terror, medo, golpe. Ou tudo isso suscitava a morte. Por momentos, meu pai encolheu-se na cadeira, pensativo, enquanto a emissora prosseguia, inflamada, reverenciando os heróis. Um mar revolto antecedia a tempestade. Prenúncio de inverno nefando, doído. Ossos enrijecidos. O aporte do frio, da dor, do inverno latente que se imergia nos corações e cérebros apalermados (turvos). Parece que estava fadado a interromper ali, naquele ponto, a naturalidade que nos envolvia. Com o tempo, meu pai foi se afastando de nossas conversas, nossas cumplicidades, nossas aulas de leitura e vida. Minha mãe cada vez mais tensa. Juntava-lhe os óculos pendentes num cordão de ouro, mastigando pequenas letras que se inseriam rápidas no seu repertório. Buscava nelas, talvez, inspiração para seguir adiante. Poesias, contos, temas suaves, prenúncio de romance e ternura. Mas nada a tirava dos pensamentos mais funestos. Seu olhar se perdia no horizonte, principalmente quando o viu afastar-se de vez. Quando nossos olhos se encontraram e os corações bateram em uníssono. Deve ter me abraçado, acalentado minhas esperanças. Mesmo assim, a via distante e solitária. Não era mais a mesma: taciturna, perdida. Reticente. Empilhava os inúmeros cadernos dos alunos e entre eles um recorte qualquer de jornal, uma folha amassada trazida por alguma colega da escola, uma carta que chegara da capital. Meu pai estava lá, distante, envolvido na luta pela liberdade, pela justiça, pelo desejo de continuar vivo e de me ver assim, livre e senhor de meu destino: destino que ele quisera impunemente conduzir. O tempo passou. Brizola exilou-se. A campanha fracassou. O golpe triunfou: forte, estridente. Fera que devorava as presas que não palmilhassem os mesmos passos, não seguissem os mesmos caminhos ou que apenas divergissem da caça.
Minha mãe vestiu-se com recato, sóbria, elegante. Juntou-se ao grupo. Resistência. Esperança. Espalhou papéis. Panfletos. Documentos que denunciavam a repressão, a tortura, manifestações indiciantes da ditadura. Lutou pela volta dele. Esperou-o. Foi aos quartéis. Buscou-o nos menores e piores recônditos. Nos porões. Ficou finalmente, quase só na dor. Um comunista não ficava impune. Mesmo um homem amável, doce, que tentava me conduzir suave, no caminho do conhecimento. Ela deixou-se ficar, vazia, à espera amiúde da volta: da maneira que fosse. Vivo ou morto. Passou a exercer a dor com dignidade. Cada gesto, cada movimento era devidamente pensado, arquitetado, engendrado. Desafios que se impunham aos seus anseios.
Via-a envelhecer paulatinamente. Eu ingressara na escola, misturando-me ao meio que me acercava sem perceber que ao meu lado estavam os que me libertavam de minha velha vida: agora, integrante do meio denso e feliz da infância. Uma infância não mais marcada, não estigmatizada pela dor, nem pelo medo ou desesperança. Uma infância que me alienava de tudo aquilo: todo aquele passado que aos poucos se afastava de mim e não mais me dizia respeito. Deixava minha mãe de lado, as suas buscas desesperadas, o sumiço de meu pai, suas lutas, seu passado. Não queria mais sofrer com eles. Queria ser feliz, ser um igual no bando uniforme que me cercava. As brincadeiras, as descobertas, o outro mundo desconhecido. Não mais o aguado mexer de mãos, mergulhar na água e descobri-las tão igual quanto antes: limpas, sem máculas. Segurá-las uma na outra, uni-las para pedir perdão e suplicar ajuda. Não mais o caminhar lento e fragilizado de minha mãe, ronronando pela sala, procurando nas almofadas o cheiro de um passado que já não existe. Entrar sorrateira atravessando a cozinha, sentar no portal que dá para o pátio, acercar-se de que o seu mundo não passa dali. Olhar as nuvens e avistar nelas a fuligem dos trens de carga, rumo ao porto e seguir junto a eles, correndo por entre os dormentes, esperando encontrá-lo, levar-lhe a comida que lhe matava a fome do corpo e da alma. Por vezes, ia até o porto, olhava ao longe, sentada à beira do cais, e lá deixava-se ficar à espreita de alguma notícia, um balbuciar assustado de algum operário, dizendo-lhe coisas suspeitas, frases fragmentadas, pedidos de segredo. Eu a seguia, mão na mão. Quase arrastado pelas alamedas quentes, trilhos escaldantes, brilhando, espelhando meus olhos indiferentes. Afundando os pés na rua de carvão. Nestes momentos, a odiava, assim como odiava meu pai, com todas as forças, por ter me abandonado, por ter buscado lá fora uma vida que não se coadunava com a nossa, por ter me exilado de seus planos. Por que me fizera ingressar no mundo novo, desconhecido das palavras? Por que aguçara a minha curiosidade, por que me alertara para as buscas que faria?
Quando pela primeira vez ingressei na biblioteca, um brilho absurdo se apossou de meu ser. As palavras fluíam céleres, ilustrações majestosas. Um encontro inesperado que não supunha ocorrer daquele modo. De repente, a revelação: meu pai estava ali, inteiro, metamorfoseado naquelas páginas ávidas de conhecimento, de verdades não absolutas, de indução à curiosidade, do fazer mil perguntas e exigir um mundo de respostas. A fuga do senso comum. A mão forte, agora, me guiava segura, tranqüila, induzindo-me a partilhar consigo as mesmas verdades, as mesmas buscas, os mesmos caminhos. Luta armada, guerrilha, comunismo, golpe, tortura, ditadura passaram a fazer parte de meu vocabulário. Aos poucos fui enfrentando meus medos, assumindo suas lutas, seus anseios de transformação, desertando daquela vida medíocre e mesquinha, assumindo a esperança dos sonhadores. Porém, cedo, percebi a mão pesada da autoridade obscura, quando centenas de soldados imiscuíram-se entre os livros, espalhando-os ao chão, desatentos a sua sorte; ratos desenfreados e famintos fuçando pela ração da intolerância. Buscavam literatura subversiva e ali, brevemente, num momento de dor, mas de iluminação, tive a confirmação da legitimidade da luta de meu pai. Minha mãe procurou-o em vão. Nem seu nome estava arrolado nos autos dos insubordinados, subversivos, comunistas. Nem seu corpo, seus restos, mas o seu legado permaneceu entre nós, tão firme e forte, que nos sustentou por toda a vida.
Hilário sorriu. Os dentes brancos, recém maquiados pelo ortodentista, o olhar apaziguado de quem se revela num acervo de poemas menores, eficazes para certas ocasiões. Apertou o tubo do creme dental com o cabo da escova de dentes, alisando com eficácia o material amassado no calor do plástico. Por certo, hoje, o mundo lhe abriria um novo sorriso, tão seguro quanto o seu. Mas as coisas se arranjariam do modo mais adequado. Ele consertaria os pneus traseiros do carro, empreenderia pequenas viagens, visitaria os tios velhos e os primos desalentados. Ali cravaria a sua placa. O seu pendor de vencedor; superar obstáculos era sua meta. Portanto a hora era agora.
Ajeitou o paletó, balanceando o corpo e firmou o nó da gravata, assegurando a simetria. Puxou os cabelos para trás, desalinhando apenas alguns fios, até parecer natural. Sorriu mais uma vez, lambeu os lábios, e se imaginou no meio do palanque, apertando mãos, acenando para conhecidos, correligionários, autoridades.
Afastou-se do espelho da velha cômoda e sentou-se. Doeram-lhe as carnes magras da bunda, chocando-se ao colchão duro e deformado. Abaixou-se, calçou com cuidado os sapatos e respirou fundo. Agora nada mais faltava. Apenas um detalhe, pensou. Abriu a gaveta do bidê, tirou um bloco de anotações, leu algumas linhas de um pequeno discurso e recitou o próprio nome, várias vezes. Hilário Bandeira. Hilário Bandeira. E acrescentou: candidato.
Em seguida, na rua, atravessava o pequeno parque que fazia fronteira do seu bairro com o do largo da prefeitura. O parque parecia vazio. Um ou outro transeunte, carregando sacolas, oriundos de alguma loja próxima. Aos poucos, estes também desapareciam, como se a única finalidade consistia em evadir-se daquele lugar ermo. Hilário sentiu um certo aperto no peito, uma dor miúda, que mastigava por dentro, como se o alertasse de alguma coisa mal sucedida. De repente, avistou um homem, finalmente havia mais alguém no parque e que talvez se dirigisse também ao palanque. Entretanto, o homem se distanciava a tal ponto, que quase não o avistava, a não ser uns trejeitos estranhos, uma maneira incomum de se vestir. Tentou identificar as vestimentas que mais pareciam uma fantasia de carnaval. Nada lhe vinha à mente conturbada. A figura estranha que se afastava, quase numa nuvem de poeira, ou névoa, ou fumaça, sabe-se lá o quê, produzia um sentimento de intensa perplexidade. Hilário franziu a testa, apertou os olhos e forçou a visão como pode para identificar o homem que se afastava naquele parque vazio. Aproximou-se do banco de pedra, próximo àquela árvore retorcida que costumava engendrar brincadeiras com os meninos do bairro, fingindo-se de herói nos tempos em que estes existiam, e sentou-se, inquieto. A parte posterior das coxas lhe doía pelo gelado da pedra. Na testa um suor desavisado empapava as sobrancelhas. Tocou-a levemente, roçando o anel vermelho e pensou estar com febre. Temia que alguma coisa terrível lhe acontecesse, afinal, tudo parecia ser um prenúncio de tragédia. Por fim, suspirou aliviado. Conseguiu visualizar, já na esquina, quase na curva que desembocava na prefeitura, o homem que se afastava tão rápido e assim, de maneira acautelada. Então era isso. A situação era tão simples e ao mesmo tempo tão absurda. Como ele não tinha percebido? Era um toureiro. O homem estava vestido de toureiro e se adiantava nos passos porque se dirigia à arena. Sim, à arena dos touros. As calças brancas, muito justas desde a cintura, aparteadas por um pequeno colete prateado. Se pudesse ver melhor, teria a certeza de que ele carregava alguma coisa na mão. Talvez uma espécie de lança, provavelmente para desafiar e investir contra o touro. Também observou-lhe a capa vermelha que esvoaçou ao dobrar na esquina. Nesse momento, não o viu mais.
Hilário levantou-se do banco de pedra, acabrunhado. Aquela revelação não era nada auspiciosa. Afinal de contas o que faria um toureiro no largo da prefeitura. Onde estariam todos? Onde estariam os convidados, as autoridades, inclusive, algumas celebridades? Era o dia dele, o dia do candidato, a sua chance de subir no palanque. Mas aquele homem, vestido daquele jeito... Bom, melhor não pensar nisso, agora, e seguir em frente. Certamente, a coisa mudaria de figura, logo que ele também dobrasse a esquina e ouvisse as bandas e o povo bradando o seu nome. Por fim, ele, espalhando sorrisos, enquanto pisasse firme em direção ao palanque.
Entretanto, outra circunstância extraordinária repentinamente saltou aos olhos de Hilário. Ao se aproximar do largo da prefeitura, o piso não era mais aquele emaranhado de ladrilhos bem dispostos, formando desenhos articulados, escolhidos a dedo por arquitetos que compunham a história da cidade. Não, ao contrário, era um chão tosco, no qual ele sujava os pés numa poeira vermelha, e seus sapatos de solado de couro riscavam com a lama seca. Hilário evitava olhar os pés e assim, já perdera toda a elegância. Seus olhos tingiam-se de vermelho e sua boca estava seca, como se atravessasse o deserto e apenas o líquido do suor de seu rosto era o que lhe cabia. Seu coração disparava, agitado. Temia que de repente, surgisse da primeira curva empoeirada, um touro ensandecido e que as pessoas disparassem pendurando-se em muros, em árvores, nas janelas das casas, nas grades dos portões e ele devesse enfrentar a fera sozinho.
Hilário recuou alguns passos, temendo ver mais do que sua imaginação criava. Mas era tudo real. O largo da prefeitura, antes ornamentado com flores e jardins, agora virado numa saga de animais ferozes e pessoas tresloucadas. Como se todos estivessem possuídos por uma droga potente, a ponto de transformar seus raciocínios, transportando-os a um mundo medieval. E não havia palanque. E desaparecera o imponente prédio da prefeitura. E não estavam as autoridades, nem os amigos, os conselheiros,os colaboradores. Apenas aquele terreno vazio e aquela turba delirante. Aquele povo de cara suja e olhos alucinados, torcendo que o sangue empapasse a lama, tingindo-a de vermelho e marrom, aprofundando a cor tenra em seara madura.
Num gesto reflexo, Hilário acelerou o passo. Um movimento que o assombrou a tal ponto de pensar que estava cometendo um suicídio. Mas tinha consigo que devia seguir em frente. As pernas magras balançavam dentro das calças. O olhar ponderava ao longe um ar de indagação. Que poderia haver além daquelas trincheiras, daquele povo que se acotovelava na volta da arena? Então, avistou um pequeno grupo de pessoas vestidas de palhaço, com nariz vermelho e roupas largas. Traziam consigo, pequenas lanças, tal como o toureiro, que a estas alturas devia estar encavado em algum canto obscuro, pois desaparecera completamente de seu campo de visão. Caminhavam devagar, observando as pessoas que riam de suas caras engraçadas. Um que outro dava cambalhotas, mas só um que outro. Os demais permaneciam no passo ritmado e nem pareciam felizes. A missão devia ser árdua. Hilário teve a impressão de avistar uma lágrima em uma das faces e às vezes, eles se davam as mãos, como se precisassem se apoiar uns nos outros.
Hilário parou novamente e olhou em torno, ouvindo os assobios e gritos agitados do povo. Teve a impressão de que o mundo inteiro se transformara numa sangrenta arena e que os touros eram fantoches criados apenas para satisfazer os donos do poder. O tolos que explodiam em pontapés, acotovelando-se e rindo às estribeiras nem se davam conta, que tudo não era uma simples diversão. E o que havia por detrás da batalha era muito mais intenso do que a população festejava. Hilário desta vez, não recuou. Ficou como estava, patético, petrificado. Finalmente, ele compreendeu tudo.
Naquela disputa, talvez não haja espaço para ele. Ou talvez ele precise usar a lança para espetar o touro. Ou seja ele, touro, não sabe. Em algum momento, porém, ele dará lugar a outro, mais jovem, com número maior de eleitores, com sorriso mais branco.
Pensando assim, tentou afastar-se, mas na sua frente, do nada, apareceu o toureiro. Hilário até sorriu, mas sua alegria durou pouco. O outro investia contra ele, com a mesma lança que avistara ao longe, a capa vermelha esvoaçando ao vento e um sorriso seguro, de quem tem a vitória estampada nos lábios.
Hilário viu-se ameaçado pelas costas, tal como o touro e não conseguia enfrentar o inimigo, muito menos encará-lo com o mesmo poder. Sentia a lâmina rasgar suas carnes, o ferro borrifando pequenas faíscas no sangue que vertia rápido, sujando a lama seca da arena. Naquele momento, ele percebeu que não era o candidato. Que não era um ser humano. Que não era ele.
A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...