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A identidade subjetiva, a alteridade e as diferenças

Na obra “A escada dos fundos da filosofia", do filósofo Wilhelm Weischedel, observa-se que o autor apresenta a ideia do outro como fundamental para se chegar a uma concepção dos direitos humanos. Ao pousar o olhar no tu, no outro, o homem incorpora o pensamento de que precisa do outro para sobreviver como ser humano, adquirindo assim um contexto de pluralismo das identidades. A isso chama-se alteridade, afastar-se do pensamento antigo da subjetividade, do eu, e amparar-se à ação pessoal no outro.

A concepção da filosofia ocidental sobre a identidade, a expressão subjetiva do eu, descuidado-se da importância do outro, revela uma falta de sentido, à proporção de que homem em grande parte de sua vida, depende do outro para sobreviver. Freud reiterava este desamparo radical que ocorre desde que o homem nasce, cuja sobrevida depende deste reconhecimento no outro e pelo outro. Tanto Freud, como Heidegger e outros tantos filósofos ratificam este conceito.

Pela definição de alteridade, derivada do latim, conclui-se que é o esforço de se colocar no lugar do outro (alter= outro), ou seja ter consciência da existência da outra pessoa e respeitá-la como é, e não de acordo com o que refletimos a partir de nossa vaidade, quando a julgamos apenas conforme a nossa compreensão do mundo.

Na maioria das vezes, construímos uma relação de identidade comum, o que nos torna semelhantes, de forma que que ouvimos o outro em todas as linguagens ou nos calamos, ratificando o que para nós individualmente é a verdade.

Alteridade é uma destas ideias que desafia o espírito humano em todas as áreas do conhecimento e da história, nas artes, na filosofia, na ciência e nas religiões. Isso ocorre à medida que o homem tem dificuldade em lidar com as diferenças, porque na verdade todos os seres humanos são diferentes em sua essência formadora. Entretanto, a humanidade desenvolveu a ideia de que todos devem ser iguais, com entendimentos únicos.

No entanto, é necessário distinguirmos o conceito de igualdade como a igualdade num espaço, ou seja na esfera pública, que segundo Jürgen Habermas, é apreciada como um valor, que define a nossa convivência com os demais.

Por outro lado, há outro conceito de igualdade, diversa deste primeiro, que remete à cultura da dificuldade de lidar com as diferenças, como por exemplo, no evento da Segunda Guerra Mundial, que produziu a morte de mais de 50 milhoes de pessoas, sendo cerca de 6 milhões de judeus e a estimativa de cerca de 10 milhões de ciganos, que foram exterminados nos campos de concentração.

Até hoje, a humanidade se pergunta como explicar esta cultura que pretendia ser um padrão para o mundo civilizado, cujos ideais da Revolução Francesa não impediram a geração do nazismo. Provavelmente, essa dificuldade em entender as diferenças seja consequência de que, em algum momento da nossa história, confundimos a igualdade segundo os dois conceitos distintos citados acima, ou seja, a igualdade como um espaço de convívio com as nossas diferenças confundida com a igualdade de reduzirmos o outro aquilo gostaríamos que ele fosse.

Conviver exige a visão de que cada um apresenta um pontencial para fazer coisas extraordinárias ou não, mas que são desconhecidas por nós. Do mesmo modo, é preciso compreender que a outra pessoa não se trata de um semelhante, ao ponto de construirmos a ideia de igualdade que tenta formatar o outro como desejaríamos. Na verdade, devemos entender que o outro é o próximo, não um igual no sentido do entendimento do mundo e das coisas, porque jamais podemos transformar as pessoas em espelhos que reflitam o que pensamos, segundo as nossas expectativas.

Infelizmente, conclui-se que nos dias atuais, o homem engendra verdadeiros monólogos, propondo ideias sem ouvir as do outro, porque acaba apenas olhando a si próprio. Ele acha que constrói a igualdade, mas na verdade, somos diferentes.

Bibliografia.

Weischedel, Wilhelm. A escada dos fundos da filosofia: a vida cotidiana do pensamento de 34 grandes filósofos. São Paulo: Raimundo Lulio, 2006.

Barros, A. P. A importância do conceito de esfera pública de Habermas para a análise da imprensa- uma revisão do tema. Universitas: Arquit. e Comun. Social, Brasília, v. 5n. 1/2, p. 23-34, jan./dez. 2008

Silva, Sérgio Luiz Pereira da. Sociedade da diferença: formac’ões identitárias, esfera pública e democracia na sociedade global. Online: http://www.academia.edu/3829490.

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