sexta-feira, agosto 15, 2014

AS MENINAS DA SOCOOWSKI


São lindas, feias, morenas, loiras, negras e sararás.
São pobres, jovens; jovens demais. Aparentam entre 14 e 21 anos. Não se sabe precisar ao certo. Afinal, permanecem ali, na beira da calçada, sem sonhos ou direções.
Seus encantos e encantamentos se foram há tempos, na sarjeta da rua sem meio fio.
Por certo, há pouco brincavam e vez que outra, ainda o fazem, na imaginação. Brinquedos usados, roupas da última campanha, dores do desfazer, do quase inexistir.
Estão lá, considerando-se belas, cabelos despenteados, roupas que nem lhes cabem, botas compradas com o dinheiro da humilhação e decadência.
As meninas da Socoowski*.
Talvez tivessem outro destino.
Talvez não se desfrutassem nas madrugadas e manhãs frias da Socoowiski, oferecendo-se nos pontos de ônibus ou aos caminhoneiros de passagem.
Talvez tivessem outros sonhos, se a vida lhes fosse afável.
Ou não.
Buscam o que precisam, não refletem, não questionam. Seus sonhos são rasteiros e doídos, despidos de qualquer beleza. Seu aspecto é tristonho. Carregam consigo o mais torpe fardo. Seu olhar é perdido, quiçá um pensamento distante de um futuro que não lhes cabe, vasculha de vez enquanto, a mente.
A prostituição é  atividade profissional no Brasil, enquanto  praticada por adultos.
Mas serão adultas, as meninas da Socoowski?
E há os que as procuram, por isso, elas existem. Não importa se são menores ou não. Há os pais que as oferecem. E o que fazem as mães das meninas da Socoowski?
O que querem as meninas da Socoowski? Dinheiro, roupas da moda, drogas?
Certamente as drogas são ferramentas de seu trabalho.
São prostitutas as meninas da Socoowski? Ou sofreram abuso sexual intra e extra familiar?
Estão ali por que querem?
Quem entende as meninas da Socoowski?
Quem salvará as meninas da Socoowski? 

 * Rua na direção dos bairros, até a rodovia, em Rio Grande (RS)

domingo, agosto 03, 2014

Restauração da imagem por ser considerada feia

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A notícia sobre a restauração da  imagem de Nossa Senhora do Caravaggio, em Farroupilha, tem no mínimo, um quê de absurdo. Parece que  que conta realmente nos dias de hoje, é a aparência, até mesmo da imagem das santas. Fica de somemos importância a fé, o carisma de Nossa Senhora, a devoção dos peregrinos.  Segundo a maioria que reivindica a maquiagem na face da estátua, reitera a desproporcionalidade da imagem, identificando uma figura excessivamente feia e por isso, não compatível com a grandeza de Nossa Senhora. Mas onde está a grandeza,  se não um elo de intercessão entre os fiéis e Deus? Ou na aparência que deve incentivar o turismo? E que critérios foram discutidos para sugerir uma mudança na estrutura da escultura? Quais os critérios artísticos que comprovam que há uma desproporcionalidade na obra? Quem pode afirmar que esta condição que foge ao modelo padronizado  não induz a formas artísticas que produzam movimento e ideias, quem sabe uma grandeza simbolizada na força de Nossa Senhora? Que modelo de beleza é adequado  para que ocorra essa mudança, que não leva em consideração a contrariedade do próprio escultor? Quando a visitei, achei tudo deslumbrante e nem me preocupei com o tamanho da estátua, talvez imbuído por um único objetivo, o de interagir aquele momento com a mais absoluta fé. Mas para o caso que nos deparamos, fica a pergunta:  o que é mais importante para os devotos e peregrinos? Para as pessoas que procuram um regaço para suas dores, seus pedidos, seus agradecimentos? O comércio? O turismo? A beleza da imagem da santa? A fé? Ou a falta dela? É de pensar.

quinta-feira, julho 10, 2014

SERIA A NAÇÃO DE CHUTEIRAS, A GENI?

A nação de chuteiras é dos errantes, dos pobres, marginalizados, dos quem não tem mais nada. Dos que não tem porvir. Como a Geni do Chico, dá-se assim, desde menina; é um poço de bondade mas é feita pra apanhar.
Um dia surgiu a copa,  e a seleção acionada. A cidade clamou desesperada, vai Nação desenfreada, não importa o que falta, não importa o que não temos, tudo será arrumado. Vai nação e enfrenta o inimigo pra nos trazer a vitória. Não importa quem te manda, não importa quem te quer. Quem te usa é o povo. E que venha o guerreiro, tão temido, o forasteiro.
Acontece que a nação também tinha seus caprichos: ao lutar com soldado tão nobre, devia superar as falhas. Arrumar a casa, fazer acessos, pontes, caminhos, para chegar ao panteão tão esperado. Mas parte do povo, gritava descompassado. Não conseguirás. Gastas onde não deves. Deixas teus compromissos e investes na competição. Joga pedra na Nação. Ela é feita pra apanhar. Ela deve sumir. E toma xingamento na Mandatária. E toma preconceito. E toma frases de efeito. E toma protestos pra não ter competição.
Mas a Nação vilipendiada, num suspiro aliviado, tentou até sorrir. E lutou e venceu e perseguiu o rumo da competição. E a Nação envaidecida se permitiu até sonhar. A cidade em cantoria, esqueceu da letargia, da fúria e do ódio e gritou animada: vai com ele, vai Nação! Você pode nos salvar, você vai nos redimir. Você vence qualquer um. Bendita Nação!
 Foram tantos os pedidos, tão sinceros, tão sentidos que ela sonhou com os astros. A cidade em romaria foi curvar-se à Nação. O prefeito de joelhos, o bispo de olhos vermelhos, a mídia emocionada e o banqueiro com um milhão. As igrejas aplaudindo, as escolas solidárias, a elite comemorando, e políticos dando as mãos. Não importa o partido. A Nação é campeã. A publicidade vendendo Brahma , fuleco e tv, o ibope exorbitando e dinheiro a roldão.
A Nação sorriu sentida. A paz voltara e a bonança coletiva. O olhar mistificado. A sujeira? Já passado. Tudo brilho. Tudo amor. O patriotismo voltou. O campeão também. Atirou-se na arena, corpo aberto, sorriso franco e lutou contra os leões. O hino flamejante, coração apertado, o povo enternecido. A vitória do herói. Mas a força se extinguiu, o desânimo se instalou e o leão da morte venceu. O fracasso foi fatal. A nação caiu fraca, esbaforida, arrasada. E tentou até chorar. Mas logo chegou a noite, e a cidade em cantoria não deixou nem suspirar. Joga pedra na Nação. Ela é feita pra apanhar. Tá na hora de votar. Tá na hora de lembrar o que a gente esqueceu. Tá na hora de mentir. De voltar o processo velho. Tá na hora do protesto, da máscara dos black blocs e correr a camarilha que ousou trazer a copa.
Por um momento a cidade pensou: Conseguimos o que queríamos. O sonho não acabou. Joga pedra na Nação!

E segue a Nação de chuteiras.


sábado, junho 21, 2014

Pesagem das crianças e benefícios

Que bom!
Que bom que os serviços públicos estejam atentos às pessoas, aos cidadão
s.
Que bom que se faça pesagem das crianças até sete anos e das gestantes.
Que bom que nos preocupemos com a atualização do calendário das vacinas e imunizações.
Que bom que a matrícula escolar e a frequência de no mínimo 85% sejam fundamentais como exigência das políticas públicas, como o Bolsa Família.
Que as mães e recém-nascidos devam participar das atividades educativas de aleitamento materno e alimentação saudável.
Estes, por certo, terão no futuro, a educação tão preconizada, e que tanto queremos. Terão oportunidade de ler, escrever, amar as artes, encontrar nos livros o alimento da alma, porque quando crianças, seu cérebro cresceu sadio e suas mentes podem agora voar.
Está passando o tempo em que as crianças eram desprovidas de inteligência para aceitarem o mínimo de abstração intelectual. Graças a Deus, a alimentação para que atinjam este patamar, está vindo antes. Que adianta oferecer arte a quem não pode usufruir, a quem está ausente das oportunidades, a quem não se deu o direito de existir?
Finalmente deixando de ser o povo marcado pela desgraça, pela miséria excludente, pela fome. Marcados sim, com a esperança de serem brasileiros tão iguais quanto qualquer um mais abastado. Marcados com a fé de vencerem a si próprios, seus desafios, sem se preocuparem com os desafios maiores e intransponíveis da vida sem esperanças.
Há os que pensam diferente e respeito suas ideias. Talvez acreditem que estes benefícios são somente por interesse político. Mas que saudável interesse pelo povo brasileiro! Antes pelo povo, por suas dificuldades, por suas exclusões como cidadão, do que interesse por banqueiros internacionais, pelo FMI, por monopólios midiáticos, por compra de votos nas reeleições, etc. Que venha o povo. Que se pese o povo! Que vença o povo!



quinta-feira, junho 12, 2014

Meu discurso na posse da Academia Rio-grandina de Letras no dia 06/06/14








Sra. Presidente Dalva Leal Martins, senhoras e senhores acadêmicos, autoridades presentes, queridos parentes e amigos.

As coisas acontecem de modo extraordinário. Por mais que pensemos, que reflitamos sobre determinadas situações, a vida impõe desafios. Como todas as pessoas, enfrentei muitos desafios, certamente desde os tempos escolares. Passei pela universidade, em dois cursos superiores, nas pós-graduações, no trabalho de professor e bibliotecário, no fazer da escrita. Além, é claro, dos desafios de todo ser humano, para sobreviver e conviver com os seus. Um desafio, porém, nunca antes havia imaginado é o que enfrento hoje: o de pertencer a esta casa, o que me parecia um desejo muito ambicioso e distante de meus objetivos literários. Entretanto, o fato de estar aqui e ser um, entre os meus confrades e confreiras, um membro da Academia Rio-grandina de Letras, me confere honra e me proporciona extrema alegria.  Nunca havia pensado nisso, até que o meu amigo e agora padrinho Sérgio Puccinelli me convidou certa vez. E eis que estou aqui, ao lado de vocês, recebendo este acolhimento e de cujo convívio muito serei enriquecido literária e intelectualmente.  
Após estas palavras iniciais, dedico-me ao meu patrono, Alfredo Ferreira Rodrigues, cuja qualidade intelectual foi grandemente propagada em sua obra, que registrou o seu fazer literário, o seu talento especial para as artes, revelando-o como um admirável historiador, além de escritor talentoso.  Alfredo Ferreira Rodrigues nasceu no distrito do Povo Novo e muito pequeno passou a residir em Pelotas, sendo que aos 16 anos, por sua elevada condição intelectual, começou a ministrar aulas de várias disciplinas. Trabalhou como revisor na Livraria Americana e mais tarde, passou a trabalhar em sua filial em Rio Grande, vindo a morar definitivamente em nossa cidade.
Dedicou-se a vários gêneros literários, tais como crônicas, ensaios, contos, relatos históricos e poesia. Sua intelectualidade o conduziu a ser historiador, poeta, ensaísta, biógrafo, charadista e professor. Nascido a 12 de setembro de 1865, Alfredo Ferreira Rodrigues foi um homem de seu tempo, preocupado em divulgar ao público a história e características singulares do RS. Interessou-se por toda a história nacional, mas especializou-se na história regional, divulgando-a  aos seus compatriotas, principalmente a partir da organização do Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande Sul. Este Anuário foi publicado a partir de 1889 e prosseguiu até 1917. Aqui, eram publicados diversos textos de entretenimento e artigos culturais de autores gaúchos, assim como os seus próprios contos, ensaios e crônicas, que eram ansiosamente esperados pela sociedade da época e rapidamente esgotado nas bancas. Foi um vencedor. Além do bem sucedido Almanaque Literário, publicou livros, livretos e artigos em diversos periódicos.
Apesar das inúmeras dificuldades que enfrentou, principalmente em âmbito financeiro, tinha um sonho que era o de elaborar um grande relato da Revolução Farroupilha, um movimento no qual possuía um interesse especial. Sua literatura, neste particular, se dava sob a ótica positivista da época, preocupado com a reconstrução histórica da formação rio-grandense. Para tanto, esforçou-se em reunir documentos históricos em todo o Estado, bem como em diversos lugares do Brasil e do exterior, de modo que a história do Rio Grande do Sul fosse amplamente detalhada e divulgada a partir de seus registros. Numa das citações do artigo do Prof. Francisco das Neves Alves, p.43. Revista Biblos. 2008. O autor Othelo Rosa observa: “Uma ordem meticulosa preside a tudo. As próprias cópias são feitas com limpeza e atenção máxima, de modo a excluir a possibilidade de erros de leitura e, principalmente, de erros de interpretação. E o que se sente, sobretudo, naqueles papéis empoeirados e velhos, naqueles recortes de jornais, naqueles cadernos bem cozidos, é o amor, o grande e profundo amor do homem pela história do Rio Grande do Sul”.   Costumava também fazer traduções do inglês, alemão e, inclusive traduziu o clássico “O corvo” do escritor americano Edgar Alan Poe, publicando-o no Almanaque. Foi homenageado por muitos Institutos, dos quais participava em seus quadros sociais, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco , da Bahia, de São Paulo, do Ceará, do RS, da Sociedade Geográfica de Lisboa, além de ser membro fundador da Academia Rio-Grandense de letras. Na virada do século XIX para o XX, foi um dos articuladores do monumento-túmulo de Bento Gonçalves, situado na Praça Tamandaré. Suas crônicas, contos, ensaios , relatos históricos, eram estruturados numa linguagem simples, econômica, mas ao mesmo tempo cheia de lirismo e intencionalidade política, quando o texto exigia e objetividade  ao se tratar de uma informação mais técnica, o que o tornou um dos maiores intelectuais da época. Um rio-grandino, que amava a sua terra e que queria deixar um legado, um registro, do seu fazer literário através de sua vida dedicada à literatura, revelando-o um grande historiador. Este homem ilustre é o patrono da cadeira n° 3, a qual humildemente passo a ocupar a partir desta data.

Por outro lado, não posso me furtar de falar sobre o último ocupante da cadeira, que foi o Professor Fernando Lopes Pedone, um emérito bacharel de História, que tornou-se um dos reitores da Universidade Federal do Rio Grande. O Professor Pedone teve destacada atuação na criação de novos cursos da Universidade, em sua gestão, bem como foi o idealizador e criador do Campus Carreiros. Foi também o criador da Estação de Apoio ao Programa Brasileiro na Antártica (ESANTAR). Além de professor e historiador, falava inglês, francês, espanhol e italiano. Também foi laureado como comendador  agraciado com a medalha do Mérito naval, bem como com a Medalha Brigadeiro José da silva Paes, igualmente no grau de comendador. Um homem que exerceu com dignidade e louvor a sua profissão.

Bem, meus amigos, quer dizer que estou muito bem acompanhado.
E também, acho que a literatura é acima de tudo uma companheira. Ela exerce um papel fundamental na vida das pessoas. Mesmo que não percebamos, é através da literatura, que mostramos o que somos, o que queremos da vida, o que sonhamos. Sabemos que a literatura é uma manifestação artística e para muitos escritores, ela se esgota nesta proposta. Para outros porém, dos quais eu me incluo, a literatura deve ser um registro da realidade que recria,  como uma tentativa constante de transformação do mundo em que vivemos. Na minha opinião ela só tem verdadeira importância, se for crivada dos anseios de seu povo, se tiver um viés político. O mínimo que se espera é que haja, em alguma medida, o pensamento crítico sendo colocado em jogo, sendo trabalhado e compartilhado.  A arte da escrita não é puramente estética. A despeito do que escrevemos, haverá sempre a intencionalidade do autor com a conexão do mundo real, da sociedade e também com o seu mundo interior, moldado em suas experiências e apreensão da vida.  Faz-se política em qualquer gesto e tenho comigo que este brado deve corresponder ao clamor das minorias, dos excluídos, dos que não tem os privilégios, dos trabalhadores invisíveis. Acho que o homem é o algoz do próprio homem e a literatura está aí, para redimir esta sequela humana, para transformar o bruto, no belo, no artístico, no lírico, no imponderável, mas acima de tudo, mostrar que o rústico, o pobre, o ausente das benesses é tão intenso e dramático e pertencem ao mesmo mundo em que vivemos. Basta olhar para o lado. Não me interessa uma literatura calada, amordaçada, padronizada no senso comum, amarrada apenas à lógica literária e aos padrões estilísticos e de gênero. Interessa-me a literatura que não se cala às adversidades, aos desmandos, às ditaduras, à mídia manipulada e manipuladora. Interessa-me uma literatura que mostra o seu povo, que enaltece a sua linguagem e que acima de tudo, produza a reflexão. E que por fim, seja, além de tudo puramente literatura, na qual a emoção e o sonho se completem no lirismo e na beleza. Acho, inclusive que o autor é um ser dividido e complexo, como todo ser humano, mas que ao refletir sobre isso, extravasa sua emoção e sentimentos no seu ofício e talvez sofra com essa dicotomia.  O poema “Traduzir-se” de Ferreira Gullar,  musicado por Chico Buarque, exemplifica bem esta singularidade do escritor, quando diz: “Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira.
Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem.
Traduzir-se uma parte na outra parte – que é uma questão de vida ou morte – será arte?”
Como falei anteriormente, a vida é cheia de desafios. Mas alguns são conduzidos por mãos amigas que nos ajudam a transpô-los de algum modo. O desafio de ler e escrever, de procurar um significado no universo das letras. Aqui, tive a presença de meu pai, que me indicava o caminho, mostrando nos jornais, bem cedo, antes mesmo de ir à escola, as palavras, e nelas o seu conteúdo. A vontade de minha mãe em sempre ocupar-me com bons livros. E a partir destes momentos, o desejo de saber mais, de participar daquela gama de significados e formar outros, a ponto de construir as próprias escritas. Muito pequeno, comecei a escrever e mostrar à família e aos professores, aos amigos, as primeiras histórias. E estas histórias se confundiram numa metalinguagem produzindo outras histórias, no momento em que outras pessoas liam, formava-se uma nova trama. A princípio, um tio interessado, depois os amigos. Alguns ficaram com os velhos cadernos recheados de histórias melodramáticas, como o caso de meu colega do curso médio e de minha amiga Ângela Puccinelli, que aos poucos foi me devolvendo as velhas  lembranças através daquelas folhas presas em velhos espirais que havia guardado, laços de amizade da adolescência que se tornaram atemporais. E a vida se insinuou entre as histórias, que com o passar do tempo e a aprendizagem estética, foram tomando forma e cada vez mais maduras, mais literárias, até chegar a concursos, premiações e publicações. Neste momento, só tenho a agradecer, além de meus pais, minhas irmãs que sempre leram e debataram minhas histórias, meus cunhados e sobrinhos, minha mulher e  minha filha, companheiras fiéis em minha caminhada e minha sogra, uma contumaz leitora de meus romances e contos, além de todos os amigos que acompanharam minha trajetória. Mas os desafios prosseguiram e especialmente este acalentado pelo convite de meu padrinho Sérgio Puccinelli, que também, de certo modo, participou de minha história literária. Naqueles tempos idos, quando das discussões filosóficas e literárias, ao lado de minha amiga Ângela, ele, seu irmão, já tinha seus poemas guardados, e nós, pelo menos eu, nem sabíamos e talvez ficasse atento aos nossos sonhos da época. Pois ele, o nosso grande poeta, me escolheu para que eu participasse dessa confraria. Portanto,  quero afirmar a todos, que tudo farei para fazer juz a esta confiança em mim depositada. Não preciso falar muito de Sérgio, basta que leiamos a poesia “Estes ditos normais”,  para perceber-se a pessoa especial que é e o  grande poeta, que desvela a literatura, intensificando a sua função de revelar a transmutação do pensamento.

“Estes ditos normais”

Que gente misteriosa e infeliz
Estes ditos normais:
Não fizeram nada do que eu fiz
Não fizeram muitas coisas mais
Não tiveram fome nem frio
Não foram lambidos por cães
Não viram a vida por um fio
Não clamaram por suas mães...
Tiveram a vida regrada
Casamento, prole sã
Nunca tomaram o desvio da estrada
Nunca enfrentaram o Leviatã.
Nunca viajaram no espaço
Viveram a vida sem estupor
Nunca fizeram o que eu faço
Nunca morreram de amor!

Muito obrigado.              

(Estes ditos normais: poema de Sergio Puccinelli, de seu livro "Poemas para uma tarde de chuva".)
PUCCINELLI,  Sergio. Poemas para uma tarde de chuva. Rio Grande: Casaletras, 2013.




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