Sra. Presidente Dalva Leal Martins, senhoras e senhores acadêmicos, autoridades presentes, queridos parentes e amigos.
As coisas acontecem de modo
extraordinário. Por mais que pensemos, que reflitamos sobre determinadas
situações, a vida impõe desafios. Como todas as pessoas, enfrentei muitos
desafios, certamente desde os tempos escolares. Passei pela universidade, em
dois cursos superiores, nas pós-graduações, no trabalho de professor e
bibliotecário, no fazer da escrita. Além, é claro, dos desafios de todo ser
humano, para sobreviver e conviver com os seus. Um desafio, porém, nunca antes
havia imaginado é o que enfrento hoje: o de pertencer a esta casa, o que me
parecia um desejo muito ambicioso e distante de meus objetivos literários.
Entretanto, o fato de estar aqui e ser um, entre os meus confrades e confreiras,
um membro da Academia Rio-grandina de Letras, me confere honra e me proporciona
extrema alegria. Nunca havia pensado
nisso, até que o meu amigo e agora padrinho Sérgio Puccinelli me convidou certa
vez. E eis que estou aqui, ao lado de vocês, recebendo este acolhimento e de
cujo convívio muito serei enriquecido literária e intelectualmente.
Após estas palavras iniciais, dedico-me ao
meu patrono, Alfredo Ferreira Rodrigues, cuja qualidade intelectual foi
grandemente propagada em sua obra, que registrou o seu fazer literário, o seu
talento especial para as artes, revelando-o como um admirável historiador, além
de escritor talentoso. Alfredo Ferreira
Rodrigues nasceu no distrito do Povo Novo e muito pequeno passou a residir em
Pelotas, sendo que aos 16 anos, por sua elevada condição intelectual, começou a
ministrar aulas de várias disciplinas. Trabalhou como revisor na Livraria
Americana e mais tarde, passou a trabalhar em sua filial em Rio Grande, vindo a
morar definitivamente em nossa cidade.
Dedicou-se a vários gêneros literários, tais como
crônicas, ensaios, contos, relatos históricos e poesia. Sua intelectualidade o
conduziu a ser historiador, poeta, ensaísta, biógrafo, charadista e professor.
Nascido a 12 de setembro de 1865, Alfredo Ferreira Rodrigues foi um homem de
seu tempo, preocupado em divulgar ao público a história e características
singulares do RS. Interessou-se por toda a história nacional, mas
especializou-se na história regional, divulgando-a aos seus compatriotas, principalmente a
partir da organização do Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande Sul.
Este Anuário foi publicado a partir de 1889 e prosseguiu até 1917. Aqui, eram
publicados diversos textos de entretenimento e artigos culturais de autores
gaúchos, assim como os seus próprios contos, ensaios e crônicas, que eram
ansiosamente esperados pela sociedade da época e rapidamente esgotado nas
bancas. Foi um vencedor. Além do bem sucedido Almanaque Literário, publicou
livros, livretos e artigos em diversos periódicos.
Apesar das inúmeras dificuldades que
enfrentou, principalmente em âmbito financeiro, tinha um sonho que era o de
elaborar um grande relato da Revolução Farroupilha, um movimento no qual possuía
um interesse especial. Sua literatura, neste particular, se dava sob a ótica
positivista da época, preocupado com a reconstrução histórica da formação
rio-grandense. Para tanto, esforçou-se em reunir documentos históricos em todo
o Estado, bem como em diversos lugares do Brasil e do exterior, de modo que a
história do Rio Grande do Sul fosse amplamente detalhada e divulgada a partir
de seus registros. Numa das citações do artigo do Prof. Francisco das Neves Alves, p.43.
Revista Biblos. 2008. O autor Othelo Rosa observa: “Uma ordem meticulosa preside a tudo. As próprias
cópias são feitas com limpeza e atenção máxima, de modo a excluir a
possibilidade de erros de leitura e, principalmente, de erros de interpretação.
E o que se sente, sobretudo, naqueles papéis empoeirados e velhos, naqueles
recortes de jornais, naqueles cadernos bem cozidos, é o amor, o grande e
profundo amor do homem pela história do Rio Grande do Sul”. Costumava
também fazer traduções do inglês, alemão e, inclusive traduziu o clássico “O
corvo” do escritor americano Edgar Alan Poe, publicando-o no Almanaque. Foi
homenageado por muitos Institutos, dos quais participava em seus quadros
sociais, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituto
Arqueológico e Geográfico de Pernambuco , da Bahia, de São Paulo, do Ceará, do
RS, da Sociedade Geográfica de Lisboa, além de ser membro fundador da Academia
Rio-Grandense de letras. Na virada do século XIX para o XX, foi um dos
articuladores do monumento-túmulo de Bento Gonçalves, situado na Praça
Tamandaré. Suas crônicas, contos, ensaios , relatos históricos, eram
estruturados numa linguagem simples, econômica, mas ao mesmo tempo cheia de
lirismo e intencionalidade política, quando o texto exigia e objetividade ao se tratar de uma informação mais técnica,
o que o tornou um dos maiores intelectuais da época. Um rio-grandino, que amava
a sua terra e que queria deixar um legado, um registro, do seu fazer literário
através de sua vida dedicada à literatura, revelando-o um grande historiador.
Este homem ilustre é o patrono da cadeira n° 3, a qual humildemente passo a
ocupar a partir desta data.
Por outro lado, não posso me
furtar de falar sobre o último ocupante da cadeira, que foi o Professor
Fernando Lopes Pedone, um emérito bacharel de História, que tornou-se um dos
reitores da Universidade Federal do Rio Grande. O Professor Pedone teve
destacada atuação na criação de novos cursos da Universidade, em sua gestão,
bem como foi o idealizador e criador do Campus Carreiros. Foi também o criador
da Estação de Apoio ao Programa Brasileiro na Antártica (ESANTAR). Além de
professor e historiador, falava inglês, francês, espanhol e italiano. Também
foi laureado como comendador agraciado
com a medalha do Mérito naval, bem como com a Medalha Brigadeiro José da silva
Paes, igualmente no grau de comendador. Um homem que exerceu com dignidade e
louvor a sua profissão.
Bem, meus amigos, quer dizer
que estou muito bem acompanhado.
E também, acho que a literatura é acima de
tudo uma companheira. Ela exerce um papel fundamental na vida das pessoas.
Mesmo que não percebamos, é através da literatura, que mostramos o que somos, o
que queremos da vida, o que sonhamos. Sabemos que a literatura é uma
manifestação artística e para muitos escritores, ela se esgota nesta proposta.
Para outros porém, dos quais eu me incluo, a literatura deve ser um registro da
realidade que recria, como uma tentativa
constante de transformação do mundo em que vivemos. Na minha opinião ela só tem
verdadeira importância, se for crivada dos anseios de seu povo, se tiver um
viés político. O mínimo que se espera é que haja, em alguma medida, o
pensamento crítico sendo colocado em jogo, sendo trabalhado e compartilhado. A arte da escrita não é puramente estética. A
despeito do que escrevemos, haverá sempre a intencionalidade do autor com a
conexão do mundo real, da sociedade e também com o seu mundo interior, moldado
em suas experiências e apreensão da vida. Faz-se política em qualquer gesto e tenho
comigo que este brado deve corresponder ao clamor das minorias, dos excluídos,
dos que não tem os privilégios, dos trabalhadores invisíveis. Acho que o homem
é o algoz do próprio homem e a literatura está aí, para redimir esta sequela
humana, para transformar o bruto, no belo, no artístico, no lírico, no
imponderável, mas acima de tudo, mostrar que o rústico, o pobre, o ausente das benesses
é tão intenso e dramático e pertencem ao mesmo mundo em que vivemos. Basta
olhar para o lado. Não me interessa uma literatura calada, amordaçada,
padronizada no senso comum, amarrada apenas à lógica literária e aos padrões
estilísticos e de gênero. Interessa-me a literatura que não se cala às
adversidades, aos desmandos, às ditaduras, à mídia manipulada e manipuladora.
Interessa-me uma literatura que mostra o seu povo, que enaltece a sua linguagem
e que acima de tudo, produza a reflexão. E que por fim, seja, além de tudo
puramente literatura, na qual a emoção e o sonho se completem no lirismo e na
beleza. Acho, inclusive que o autor é um ser dividido e complexo, como todo ser
humano, mas que ao refletir sobre isso, extravasa sua emoção e sentimentos no
seu ofício e talvez sofra com essa dicotomia. O poema “Traduzir-se” de Ferreira Gullar, musicado por Chico Buarque, exemplifica bem
esta singularidade do escritor, quando diz: “Uma parte de mim é todo mundo:
outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra
parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira.
Uma parte de mim é só vertigem: outra
parte, linguagem.
Traduzir-se uma parte na outra parte – que
é uma questão de vida ou morte – será arte?”
Como falei anteriormente, a
vida é cheia de desafios. Mas alguns são conduzidos por mãos amigas que nos
ajudam a transpô-los de algum modo. O desafio de ler e escrever, de procurar um
significado no universo das letras. Aqui, tive a presença de meu pai, que me
indicava o caminho, mostrando nos jornais, bem cedo, antes mesmo de ir à
escola, as palavras, e nelas o seu conteúdo. A vontade de minha mãe em sempre
ocupar-me com bons livros. E a partir destes momentos, o desejo de saber mais,
de participar daquela gama de significados e formar outros, a ponto de
construir as próprias escritas. Muito pequeno, comecei a escrever e mostrar à
família e aos professores, aos amigos, as primeiras histórias. E estas
histórias se confundiram numa metalinguagem produzindo outras histórias, no
momento em que outras pessoas liam, formava-se uma nova trama. A princípio, um
tio interessado, depois os amigos. Alguns ficaram com os velhos cadernos
recheados de histórias melodramáticas, como o caso de meu colega do curso médio
e de minha amiga Ângela Puccinelli, que aos poucos foi me devolvendo as
velhas lembranças através daquelas
folhas presas em velhos espirais que havia guardado, laços de amizade da
adolescência que se tornaram atemporais. E a vida se insinuou entre as histórias,
que com o passar do tempo e a aprendizagem estética, foram tomando forma e cada
vez mais maduras, mais literárias, até chegar a concursos, premiações e
publicações. Neste momento, só tenho a agradecer, além de meus pais, minhas
irmãs que sempre leram e debataram minhas histórias, meus cunhados e sobrinhos,
minha mulher e minha filha, companheiras
fiéis em minha caminhada e minha sogra, uma contumaz leitora de meus romances e
contos, além de todos os amigos que acompanharam minha trajetória. Mas os
desafios prosseguiram e especialmente este acalentado pelo convite de meu
padrinho Sérgio Puccinelli, que também, de certo modo, participou de minha
história literária. Naqueles tempos idos, quando das discussões filosóficas e
literárias, ao lado de minha amiga Ângela, ele, seu irmão, já tinha seus poemas
guardados, e nós, pelo menos eu, nem sabíamos e talvez ficasse atento aos
nossos sonhos da época. Pois ele, o nosso grande poeta, me escolheu para que eu
participasse dessa confraria. Portanto, quero afirmar a todos, que tudo farei para
fazer juz a esta confiança em mim depositada. Não preciso falar muito de
Sérgio, basta que leiamos a poesia “Estes ditos normais”, para perceber-se a pessoa especial que é e o grande poeta, que desvela a literatura,
intensificando a sua função de revelar a transmutação do pensamento.
“Estes ditos normais”
Que gente misteriosa e infeliz
Estes ditos normais:
Não fizeram nada do que eu fiz
Não fizeram muitas coisas mais
Não tiveram fome nem frio
Não foram lambidos por cães
Não viram a vida por um fio
Não clamaram por suas mães...
Tiveram a vida regrada
Casamento, prole sã
Nunca tomaram o desvio da estrada
Nunca enfrentaram o Leviatã.
Nunca viajaram no espaço
Viveram a vida sem estupor
Nunca fizeram o que eu faço
Nunca morreram de amor!
Muito obrigado.
(Estes ditos normais: poema de Sergio Puccinelli, de seu livro "Poemas para uma tarde de chuva".)
PUCCINELLI, Sergio. Poemas para uma tarde de chuva. Rio Grande: Casaletras, 2013.
(Estes ditos normais: poema de Sergio Puccinelli, de seu livro "Poemas para uma tarde de chuva".)
PUCCINELLI, Sergio. Poemas para uma tarde de chuva. Rio Grande: Casaletras, 2013.
Comentários