Este blog pretende expressar a literatura em suas distintas modalidades, de modo a representar a liberdade na arte de criar, aliada à criatividade muitas vezes absurda da sociedade em que vivemos. Por outro lado, pretende mostrar o cotidiano, a política, a discussão sobre cinema e filmes favoritos, bem como qualquer assunto referente à cultura.
sábado, janeiro 25, 2014
DOCE OBEDIÊNCIA
sexta-feira, janeiro 03, 2014
O que as hemácias tem a ver com meu blog?
produzindo a vida literária e política que corre nas veias da discussão. Meu blog é cheio de hemácias. De ideias. De pluralismo. De vida. ( A ilustração retirei do http://patofisio.files.wordpress.com)
sábado, dezembro 21, 2013
sábado, dezembro 14, 2013
Trabalho voluntário no Hospital Psiquiátrico: uma provocação para a vida
A linha que nos norteava era a solidariedade com o próximo. Queríamos inconscientemente modificar o mundo, pelo menos minorar o sofrimento dos que estavam a nossa volta. Diversos temas vinham à pauta, tais como moradores de vilas pobres, desempregados, idosos do asilo, crianças sem acesso a brinquedos ou lazer. Era uma pauta bem extensa, mas houve um tema que foi sugerido por mim.
Tratava-se de algum tipo de trabalho com os pacientes do hospital psiquiátrico. Houve de imediato, uma certa aversão e pânico pelos integrantes do grupo.
Classificavam os transtornos mentais a partir da agressividade, da falta de controle, do perigo iminente do confronto. Naquela época, no ano de 82, provavelmente eu não pensasse nestes termos, mas hoje, eu diria que é temor interno, um medo da loucura que todos nós temos e, por conseguinte, uma negação da mesma.
Eu era um aluno que estava iniciando o curso de Letras, enquanto trabalhava na biblioteca da Universidade, no início de carreira. Tinha 18 anos, pouca experiência da vida, tal como os meus companheiros de grupo e somente estava disposto a fazer alguma diferença na sociedade marginalizada que percebíamos de modo precário através dos jornais e da TV, a conta-gotas, porque nesta época de censura e ditadura, pouco se sabia da realidade do país.
Na biblioteca, tinha acesso a livros como “As veias abertas da América Latina “ de Eduardo Galeano, no qual o autor fazia uma digressão histórica desde a descoberta da América, com a desvalorização dos índios, e sua inevitável redução, através das perdas enormes que sofriam, até os dias atuais, do século XX, inclusive, no Brasil, onde o Estados Unidos marcavam presença forte através do FMI, prometendo milagres, mas apenas organizando um controle financeiro sobre o País e em toda a América. Em outras obras, principalmente utilizadas por professores do Curso de História, que eu percebia politizados, aos quais eu procurava acompanhar, fazendo indagações e muitas vezes, aproveitando a leitura dos livros, ao serem devolvidos.
Não me esquivava da músicas do Chico Buarque, cujas metáforas ressaltavam a situação do Brasil e eu, um pouco diferente para os jovens da época, curtia muito o Chico, além de outros cantores de mensagens semelhantes.
Também, nessa época, proliferavam os debates sobre as Comunidades Eclesiais de Base, ligadas à Teologia da Libertação, nas quais eu participava de corpo e alma. Seu foco principal era a reunião em comunidades produzidas a partir da proximidade dos bairros, que compartilhassem dificuldades e miséria, compostas por membros despossuídos e descontentes com a realidade social e política em que viviam. Queriam pregar a mensagem bíblica anexada à luta pela melhoria social, sem perder a caridade e os preceitos da fé.
Eu participava de seminários imensos, realizados na Escola Salesianos e toda aquela efervescência de ideias e ideais me encantava e me tornava mais consciente de meus projetos.
Além disso, participava das conversas intermináveis entre meu pai e um tio, que discutiam política intensamente, muitas vezes, de forma velada, para que suas opiniões não saíssem das quatro paredes de nossa sala.
Havia momentos em que eu e meu pai debatíamos esses temas políticos; eu, na intemperança da idade imatura, ele no bom senso de sua experiência, às vezes concordava comigo em vários pontos e elucidava ou contrapunha outros.
Tenho comigo que minhas convicções políticas se originaram destas experiências, sei que aproveitei o que pude e absorvi um pouco da realidade do País que era a minha Pátria, uma Pátria, em que determinado tempo, assumiu sinistro lema era” Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Mas, voltando ao tema inicial, sobre as reuniões de nosso grupo, lembro que meus amigos não se preocupavam muito com esta discussão política, ao contrário, queriam falar em festas, garotas e bebidas. Cada vez mais o grupo se furtava a discussões políticas e aos poucos se reduzia a um ou outro interessado. Com uma de minhas amigas, que estudara no Lemos Jr., a nossa escola do curso médio, eu tinha grande empatia e embora nossos assuntos versassem em geral sobre literatura, havia um pouco de tudo, inclusive de política. O grupo de jovens, no entanto, estava interessado nas atividades solidárias, o que sem dúvida era uma atitude valiosa.
Quanto ao projeto, que seria o de trabalhar no hospital psiquiátrico, do qual eu ainda não tinha uma noção exata do que faríamos, houve mais dois integrantes corajosos que toparam a tarefa árdua. Depois de muito debate, decidimos iniciar o trabalho a partir de uma conversa avalizada com um psiquiatra, que trabalhava no hospital.
A princípio, o psiquiatra, apesar de bem interessado, ficou um tanto apreensivo sobre o resultado final de nossa atividade. Provavelmente, tenha ficado em dúvida se resultaria num dado positivo, prevendo tratar-se de uma utopia de jovens despreparados. Adiantou-nos em fazer um pequeno relatório sobre os pacientes e o ambiente inóspito que iríamos encontrar. A cada observação, ficávamos mais entusiasmados com a possibilidade de interagir de algum modo e transformar a situação, por mínima mudança que ocorresse.
Sabíamos que não faríamos milagres, mas a nossa disposição era imensa. Por fim, ele elogiou nossa coragem, inferindo que havia uma brecha em nossa utopia, pois a realidade mostrava que o fato de alguns doentes serem abandonados no hospital psiquiátrico por muitos anos, a nossa presença oportunizaria a possibilidade de algum retorno positivo. Afinal, seria uma visita exclusiva deles. Desejou-nos boas-vindas e acertou nossos horários de ida ao hospital. Seria nas tardes de sábado e quando dispuséssemos de um período livre, poderíamos ir às quartas, que também eram os dias de visita.
No primeiro dia, a nossa reação um tanto assustada seria considerada natural, visto que o ambiente físico era soturno, triste, muito parecido com o de uma prisão. Além disso, observávamos aquelas pessoas andrajosas caminhando pelos corredores, falando consigo mesmas, disputando baganas de cigarros, rindo ou chorando à toa, transmudando sua fisionomia em imagens distorcidas, às vezes, com ódio, noutras, irônicas ou simplesmente passivas e tristes.
Era de praxe, alguns permanecerem quietos nos cantos, às vezes, sentados no chão, em absoluta depressão e isolamento. Um que outro agredia a si mesmo ou batia nas paredes, indo de imediato para a cela de punição, onde deviam ficar como resultado de seus atos agressivos. Aquela situação, de certo modo, nos revoltava e nos deixava angustiados. Entretanto, eram normas da Instituição e o nosso dever era apenas enfrentar o problema.
Com o passar do tempo, começamos a nos ambientar no hospital, conhecíamos cada meandro das salas que compunham o posto de atendimento de medicamentos, a copa onde faziam as refeições, geralmente um café com leite e pão torrado, servidos em copos de plástico e o pátio onde muitos deles permaneciam e, no qual, alguns recebiam as visitas dos parentes.
Também começamos a conviver com os pacientes mais antigos, aqueles que fatalmente moravam no hospital por terem sido abandonados por parentes e não tinham para onde ir. De certa forma, essa atitude dos gestores do hospital era uma medida generosa e adequada àquela situação.
Lembro de uma senhora, a Dona Guides que fora abandonada há mais de 20 anos, na época, pelo companheiro. A partir daí, ela se recusou a falar e apenas movia o corpo, num balanço, evitando qualquer proximidade.
Um que outro nem sabia quem os tinha deixado ali e se tinham parentes na cidade ou não.
Havia toda uma gama de pessoas que constituíam uma comunidade heterogênea, observando aqui, apenas os comportamentos, sem me referir às doenças, por desconhecimento médico. Mas reporto-me aos diferentes personagens que transitavam naquele cenário confuso, desde prostitutas poliglotas que trabalhavam na região do porto, até homens que abusavam de crianças (pelo pouco que nos diziam) e também alcoólatras de passagem transitória, mas que vez ou outra, voltavam, assim como homens que tinham uma vida produtiva, mas que se descontrolavam emocional e fisicamente por algum motivo, até os viciados em drogas. Estes é os que mais contavam histórias.
Por uma estratégia de trabalho, decidimos que cada um de nós deveria se ocupar principalmente de três pacientes. Claro, que em meio às conversas, estaríamos sempre prontos a interagir com os demais, mas àqueles três nos dedicaríamos, com um objetivo definido. Sendo assim, eles perceberiam que a visita era exclusiva e poderiam ter um melhor rendimento. Por certo, não esperávamos melhoras, longe de nós esta ousadia. A nossa intenção era proporcionar momentos em que se sentissem melhor ao nosso lado, mais aceitos, mais felizes.
Entre as pacientes com as quais me envolvia, obedecendo o nosso planejamento era justamente a Dona Guides, aquela senhora abandonada pelo companheiro e que se recusava a falar. Sem dúvida, nos dedicávamos a outros pacientes, mas ela estava sempre por perto. Em determinados dias, ela desaparecia, ficava em sua cela ou num canto do pátio. Nestes momentos, eu me aproximava, sentava num banco qualquer e chamava a sua atenção para uma revista, uma fotografia ou um objeto qualquer que eu trazia, como um livro. Às vezes, falava de minha família, minha infância e ela ouvia sem emitir um som. Por momentos, parava de se mover e eu percebia que ela se acalmava e ouvia atentamente. Noutros, se dispersava, fumava a bagana, que mastigava na boca de poucos dentes e voltava ao movimento contínuo. Nesta ocasiões, eu me calava. Deixava que as nuvens de seu cérebro amainassem e me detinha em outros pacientes. De esgueiro, percebia a sua presença por perto. Com o passar do tempo, Dona Guides percebeu que a visita era para ela e começou a me seguir. Eu fingia não entender, e dispondo de uma psicologia de almanaque, improvisava algumas histórias, cujas tramas imputava a mim. Certa vez, li um conto meu. É provável que não tenha achado a menor graça, no entanto, dessa maneira eu levava adiante o meu objetivo. Sentia a presença durante todo o tempo, sem se afastar, como se devesse me acompanhar naquela leitura ou ficasse grata com a companhia. Na verdade, a gratidão era minha.
Uma outra atividade que planejávamos era a de organizar festas, geralmente dedicadas aos aniversariantes da semana e quando não havia nenhum, inventávamos um aniversariante do grupo, com a intenção de realizar da festa. Na verdade, nosso propósito era que eles ouvissem as músicas, divertindo-se uns com os outros e conosco. Talvez, dessa forma esquecessem por algum tempo o cotidiano triste que constituía as suas rotinas.
Via de regra, conseguíamos o bolo em padarias ou confeitarias e os doces e refrigerantes eram por nossa conta. Cantávamos parabéns ao redor da mesa, juntávamos todos, inclusive a única enfermeira que trabalhava aos sábados, e oferecíamos um presente ao aniversariante.
Numa dessas festas em que não havia nenhum paciente de aniversário, a saída foi criar um aniversariante do dia. Eu fui o escolhido para a tarefa. No meio da festa, vieram ao meu encontro com uma euforia e sinceridade, que me emocionou, me felicitando, desejando sorte e alegria. Naquele momento, senti uma ponta de culpa pela mentira, mas sabia de antemão que a fantasia era necessária, cujo resultado superava qualquer transgressão.
Uma outra atividade se relacionava às campanhas de higiene, cujos produtos arrecadávamos com os colegas de trabalho, da Universidade, com os vizinhos, e até através de solicitações a supermercados. Todos os produtos de higiene pessoal, além de produtos de beleza aumentavam a autoestima e produziam uma necessidade estética. Alguns se penteavam com as escovas, outros guardavam afoitos os xampus e contavam sobre a campanha aos familiares. Esta sensação de autoestima, entretanto não se sustentava por muito tempo, pela dificuldade da doença, ou pela piora, segundo o estágio em que determinado paciente se encontrava. No entanto, o fato de voltarmos com as campanhas, acrescentava outros momentos de realização, por isso, era imprescindível a nossa insistência.
Um outro fato interessante ocorria em dias de tempestade, nos quais os pacientes revelavam-se muito ansiosos, como se o prenúncio de mudança do clima os afetasse pessoalmente, de tal forma que ficavam agitados e irritados.
Num desses dias, em virtude de meus colegas faltarem e a enfermeira permanecer na portaria, por confiar em nosso trabalho, eu fiquei sozinho entre eles. A princípio, não me preocupei e decidi cumprir a minha tarefa como de hábito. Entretanto, o clima desandou, começando uma chuva esparsa, aliada a trovoadas e escuridão. Eles começaram a caminhar pelo corredor indo à copa e voltando, entre gritos, com extrema ansiedade. Por um momento, temi algum caso mais agressivo. E quanto mais um gritava, mais o outro ficava nervoso, o que desencadeava uma reação de ansiedade e agressividade cada vez maior, como efeito dominó. Então, tive uma ideia, que no fundo, não era muito honesta, mas que talvez acomodasse as coisas. Lembrei que carregava pastilhas nos bolsos. Decidi chamar a atenção de todos, como como fazia a enfermeira, ao dispor os medicamentos na hora indicada.
Imediatamente, alguns fizeram fila e os demais se aprumavam, esticando as mãos, na espera do remédio. Acho que a fila lhes proporcionava um certo prazer, como um ritual a ser cumprido, talvez porque conehciam o efeito que as pílulas produziam. Comecei a distribuir as pastilhas, sempre exigindo que se organizassem, para evitar confusões. Em consequência, eles reagiram de maneira semelhante à fila que a enfermeira organizava e ao receberem a pastilha, acalmavam-se e voltavam para a copa, local onde costumavam ficar em dias de chuva.
Eram experiências incríveis e uma que me tocou profundamente, ocorreu a partir de um fato inusitado e jamais esperado por nós, muito menos nas reuniões que tínhamos semanalmente com o psiquiatra para relatarmos as nossas atividades e presumíveis reações dos pacientes. Tratava-se de Dona Guides, a senhora que evitava falar, cujo fato marcante e emocionante foi a necessidade que mostrou em se expressar de alguma forma. A princípio, emitia alguns grunhidos, exigindo muito esforço e uma boa dose de euforia, mas aos poucos, foi elaborando frases inteiras, cujo conteúdo servia para concordar conosco ou tentar argumentar alguma coisa. Claro que eram expressões modestas, mas percebíamos a necessidade em nos alertar que estava em contato, que queria a nossa presença, que precisa de nós. Mal sabia ela, que a alegria que nos proporcionava, acrescentava sentido a nossa vida. A troca de experiências se consolidava e nos sentíamos plenos em nossa missão. O medo de hospital psiquiátrico ou dos considerados loucos, não era para nós. A loucura grassava Brasil afora, transformando homens decentes em párias, alijando-os de suas liberdades individuais, torturando-os, expulsando-os de sua pátria. A loucura era muito maior e devastadora, do que a que nós presenciávamos e convivíamos.
Além de Dona Guides, havia mais dois pacientes com os quais eu me ocupava mais detidamente, conforme o combinado. Tratava-se de um homem, beirando os 40 anos, que costumava ler as notícias e quaisquer artigos nos jornais e os descrevia minuciosamente, com uma capacidade criadora incomparável. Também havia outra senhora que falava muito, praticamente sem ouvir, apenas o que sua mente conturbada ditava e em muitas oportunidades, entrava em surtos, que a levava a esquecer por um tempo de nossas visitas.
Dediquei-me com mais afinco à Dona Guides, neste texto, para descrever um fato que me deixou muito emocionado e me fez rever muitas coisas em minha vida. Certa vez, sofri um acidente e acabei ficando doente por algum tempo. Para minha surpresa, em determinado dia, apareceram estas três pessoas em minha casa, acompanhadas por uma enfermeira.
Era a primeira vez que Dona Guides saía para a rua, após tanto tempo, e nos gestos que fazia e nas poucas palavras que usava, demonstrava uma satisfação intensa. Os demais pareciam orgulhosos da visita. Eu, muito sensibilizado, me sentia recompensado, por ter, de algum modo, provocado aquela pequena revolução. Uma revolução que não somente atingiu a ela, mas a todos nós e principalmente a mim.
Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/photos/teia-de-aranha-noite-fumo-rede-1644984/
quinta-feira, dezembro 12, 2013
UM NATAL DISTANTE
sábado, dezembro 07, 2013
A rebeldia dos guris e gurias da LES
quinta-feira, dezembro 05, 2013
RELIGIÃO - RELIGIO - RELIGAR A DEUS
Tenho pena dessa gente. Dessa gente que julga, que menospreza, que segue quase sempre o senso comum da pseudo justiça. Via de regra, acusam de forma destemperada e discriminatória, sob qualquer circunstância em que se depare com uma situação que as assuste. Talvez as apavore, do ponto de vista interno, porque o medo, na maioria das vezes, está dentro de nós mesmos. De nossos pensamentos mais escusos, de nossas fragilidades, nossos pequenos deslizes quase sempre intocáveis e esquecidos no fundo do baú de nossas consciências.
Estas pessoas, em geral, são aquelas que rezam muito, que ficam se persignando na frente de qualquer santo e em qualquer situação, que vão às missas, que participam de novenas, que expressam toda a religiosidade que possuem e demonstram um carinho especial por todos os papas.
Não falo dos religiosos que abraçam em plenitude as suas crenças e as seguem segundo a doutrina do bem e do amor ao próximo.
Falo dos religiosos que também acreditam, que seguem as suas crenças, mas não exitam em execrar o próximo que para eles não é tão próximo assim, principalmente se estão num patamar hierarquicamente abaixo.
Há mais de dois mil anos, Jesus Cristo colocou todos no mesmo balaio, incluiu os que estavam à margem da sociedade, abraçou os leprosos, beijou as prostitutas, conviveu com os cobradores de impostos e demostrou o seu imenso amor aos homens. Seguiu fielmente a sua própria lei: amar uns aos outros, como eu vos amei.
Sei que é muito difícil este amor incondicional. Como amar o cara que nos pede uns trocados para comprar crack, fingindo que cuida de nosso carro? Como amar o mendigo que estica o boné na porta da igreja, se nos afastamos para não sermos abordados, muito menos queremos sentir o cheiro da sujeira que exala? Como amar o colega de trabalho, que nos trapaceia e alardeia à chefia que somos incompetentes, ou que nos odeia por lhe ditarmos regras? Como amar o colega que nos trata com indisfarçável cinismo? Como amar o amigo que nos traiu? Como amar os políticos que extrapolam suas funções e roubam descaradamente nosso dinheiro?
Claro que este amor incondicional deve ser mensurado e talvez, nem sei como seria a forma correta de agir, ser amainado, esperado, calmo, utilizando o perdão e pedindo ao criador uma maneira de cultuar o amor. Quem sabe, sendo menos policialiesco, menos juíz e mais irmão. Não sei. Talvez ele indique o caminho. É preciso pedir.
Mas, fora tudo isso, volto àquela gente do início do texto, que falei anteriormente. São pessoas dignas, que trabalham, que estudam, que professam suas crenças, que comungam semanalmente, recebendo com dignidade o corpo de Cristo. Pessoas que expressam o seu carinho para com os seus, para com os amigos, que costumam postar imagens e mensagens de santos nas redes sociais, com saídas redentoras para todos os males, que se preocupam com a sociedade, com as pessoas que sofrem e compartilham o sofrimento alheio, ao mesmo tempo que distribuem boas aventuranças, desejos de felicidades e amor ao próximo. São estas pessoas, das quais não teria nada a reprovar, a não ser… Bem, elas me surpreendem extremamente. São estas pessoas que ficam rezando, fazendo novenas, indo a missas e tendo absoluta admiração por todos os papas, além de serem arautos das coisas de Deus, e ao mesmo tempo, estas mesmas pessoas que possuem uma inefável atitude de descrença e ódio por outros cidadãos, que segundo suas atitudes, me parece, que os consideram pessoas menores. São as santas pessoas que amam a Deus sobre todas as coisas, que seguem seus mandamentos ao pé da letra, mas que não se conformam em ver seu dinheiro, através dos impostos, serem distribuídos para outros, que estão na linha da miséria, chamando-os de vagabundos, exploradores, maus-elementos ou ladrões. Consideram que eles se perpetuarão nessas benesses de bolsas para a sua subsistência, jamais passando a outros e ficarão eternamente devendo aos cofres públicos, através de medidas, que, segundo elas, exploradoras de seu rico dinheirinho. Destilam um ódio tão forte a estes descamisados, talvez até mais pungente do que o ódio dos romanos aos cristãos.
Também consideram que o dinheiro recebido pelos presidiários é um roubo para os cofres públicos, o que não é verdade, pois a verba não vai para eles e sim para a família, para ser sustentada e isso somente acontece, caso o preso tenha contribuído para o INSS. Por outro lado, caso o detento vá para o regime aberto, os familiares perdem o benefício. Não é portanto, um benefício de nossos impostos, mas uma contribuição do presidiário, como qualquer outra pessoa, enquanto trabalhava. Também olham de esgueio para o Brasil Carinhoso, no qual é passado aos municípios o valor para a alimentação de crianças de 0 a seis anos, no Programa Saúde na Escola.
Mas essas pessoas não amam as crianças? Não cultuam a expressão de Jesus que dizia “vinde a mim os pequeninos, porque deles é o reino dos céus”?
Não sei o que ocorre realmente. Tenho comigo que é possível e de bom alvitre discordar de muitas medidas sociais. O que não consigo entender, por mais que me esforce, é o fato dessas pessoas tão carinhosas, meigas, disciplinadas e atuantes na religião, se oponham com tanto ódio a estas medidas, sem ao menos se debruçarem sobre seus objetivos e metas. Nem ao menos lhes chama a atenção o fato de que estas medidas estão sendo copiadas por muitos países, inclusive, os desenvolvidos. Quem sabe, elas se impressionem pelos ares estrangeiros e acabem mudando de ideia.
Já nem falo das cotas, nas quais há muitas discussões, por ambos os lados, nem falo da inclusão social dos estudantes mais pobres através do Fies e de outros programas educacionais, nem falo…
Deixa pra lá, o que me incomoda mesmo, é que estas mesmas pessoas que destilam este ódio extremo, esta dificuldade em aceitar o próximo, que os consideram marginais, exploradores, vagabundos, vadios, etc, ainda vão na missa comungar com a alma pura e lavada, exalando a essência dos bons perfumes e aspirando o incenso dos altares. Será que se dão conta disso? Será que pensam nisso, alguma vez? Quem sabe, ao rezarem o pai nosso, pulem a frase “assim como nós perdoamos os nossos devedores”. Como perdoar, se não perdoam nem a si próprias?
No fundo de suas almas, talvez pensem, trêmulas e confusas, amo meus irmãos, como Cristo me ama, com excessão dos negros, dos vadios, dos pobres, dos cotistas, dos gays, dos …deixa pra lá. Venha a nós o Vosso Reino!
sábado, novembro 16, 2013
Comissão da Verdade vai investigar morte do presidente João Goulart - Política - iG http://t.co/kLg4Lp9CWB via @ultimosegundoHá muitas dúvidas, que esperamos ansiosamente que sejam dirimidas. Aconteça o que acontecer, mesmo que não tenha havido assassinato por envenamento do Presidente, houve, infelizmente para a nação, um latrocínio da liberade, um golpe sujo e violento que considerou vago o cargo do chefe da nação, para na calada da noite, tomarem o poder. Tempos difícieis. Tempos de dor e agonia. Tempos de espera e morte da liberdade. Nada será alterado na história de nosso País, mas pelo menos, a verdade virá aos poucos e o povo brasileiro descobrirá que as margens plácidas em que estava deitado, não eram tão tranquilas assim, e que talvez agora tome consciência do turbilhão de sofrimento em que se instalara. Graças à Comissão da Verdade, a história está sendo reescrita e a memória ficará intacta e mais lúcida.
— GILSON BORGES CORRÊA (@gilsoncorrea) November 16, 2013
Exumação de João Goulart
Comissão da Verdade vai investigar morte do presidente João Goulart - Política - iG http://t.co/kLg4Lp9CWB via @ultimosegundo
— GILSON BORGES CORRÊA (@gilsoncorrea) November 16, 2013
quarta-feira, outubro 02, 2013
Os pombos não devem ser alimentados
A VARSÓVIA QUE VI: suas peculiaridades, beleza, modernidade
Monumento a Frédéric Chopin
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PRAÇA DAS TRÊS CRUZES |
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CASTELO REAL |
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quarta-feira, julho 31, 2013
A CINZA EM QUE ARDI
Sempre a vira expor-se de maneira ridícula. Pelo menos para os padrões da época. Tinha lá seus quase oitenta anos e se vestia como uma mulher de trinta. Um vestido godê preto, que ao vento lhe subia nos ombros, aos meus olhos espantados de 10 anos. Na boca, um batom vermelho delineando os lábios sumidos. Um sorriso largo, de dentes miúdos, com falhas inevitáveis. Gostava de sentir-se assim, livre e talvez a sensibilidade aflorada na pele revelasse apenas o desejo de felicidade. Uma brisa, um aroma, um sopro de vida. Todos ou quase todos a chamavam de louca. Ou senil. Ou velha destemperada. Não lhe permitiam explosões em seus pensamentos, nem alfinetadas nas ideias que não se constituíssem um dedal. Mentes torpes, endurecidas pelo hábito higiênico e padronizado da maioria. Eu, como criança, talvez a seguisse no que tinha de melhor. E o melhor eram os livros que me oferecia. Livros tão antigos quanto à coluna que se comprimia nas vértebras enferrujadas. Livros amarelecidos, capas andrajosas pedintes de leituras, folhas finas, às vezes rasgadas. Pedaços de livros. Frangalhos de histórias. Mas que me faziam beber da fonte inesgotável da aventura, de trajetórias distintas das que seguia, dos vôos altos em que avistava outros prados.
Ela não arrefecia em mostrar-me este novo mundo, talvez porque visse em mim uma sagacidade desconhecida aos demais de sua família. Um desejo de ir mais longe ou de descobrir o que estava tão perto, mas tão perto, que nem fazia sentido.
Ela era assim: alegre, divertida, faceira, estranha. Um estranho absurdo, que talvez a lançasse aos limites da loucura. Mas esta insanidade voraz e desconhecida talvez a tornasse um ser humano íntegro em sua relação peculiar com a vida.
Claro que nem todos a entendiam, nem eu. Apenas não a julgava com o olhar de adulto. Por certo, encontrava em sua imaginação fértil uma afinidade com o universo interior de um pretenso escritor. Tudo que eu escrevia
num papel encardido de embrulho era devidamente analisado, anotado e compreendido. Quando muito, uma nova visão, um ponto de vista próprio, difícil de atingir, mas que anunciava uma entrega desavisada com cheiro de sonho e gosto de felicidade.
Morava com um irmão tão velho quanto ela e os três sobrinhos. Todos a consideravam amalucada, rótulo vencido.
Eu sentia um certo constrangimento em me aproximar, tal era o preconceito que expressavam sobre ela.
Certa vez, ela me chamou pelo muro. Estendeu seus braços finos, com um caderno na mão, tão amarelo quanto os livros. As unhas vermelhas apertavam a capa cerzida na restauração improvisada. Percebi que havia uma espécie de tule ou renda branca empoeirada, revelando o guardado num daqueles baús imensos que tinha ao lado da cama. Espichei o meu braço, arrastando-o no reboco rugoso e peguei o caderno. Ela fez um sinal cúmplice com a boca, produzindo mil ruguinhas entre os lábios, pedindo que não o abrisse logo, apenas quando estivesse em casa, engendrando minhas histórias. Obedeci. Guardei o caderno embaixo do travesseiro para lê-lo à noite, sem muito tempo para decifrar o que havia nele. Fui para a escola, de lá para casa, o banho, um pouquinho de tv, o sono e esqueci o presente.
Acordamos pela manhã, eu e meus pais com os gritos. Uma ambulância e um olhar de desespero cercado entre braços fortes que a empurravam para dentro do veículo, como se pudesse resistir a não ser com gritos. Um cheiro de fumaça, de papel queimado, de lixo armazenado no fundo do quintal.
Meu pai perguntou ao sobrinho mais velho o que estava acontecendo, mas não houve tempo para respostas, a sirene já se ouvia forte, abrindo caminho na rua onde se formavam pequenos grupos. Todos comentavam, produzindo explicações que convinham. Alguns meninos no caminho da escola, paravam intrigados, observando a cena. Cenário perfeito para uma investida na imaginação por mais acanhada que fosse. Tudo conspirava para o senso comum se estabelecer: dispensar a tia louca para o sanatório.
Meu pai afastou-se do lugar enquanto minha mãe já tomava as últimas da vizinhança. Entramos, a hora se adiantava. A vida continuava. O mundo girava no mesmo ritmo. Um ritmo desordenado em nossa vida caótica. Lembrei de seu irmão mais velho, que nem aparecera. Devia ter ficado lá, constrangido pela covardia em não lutar contra um destino que mais cedo ou mais tarde seria o seu.
Não me contive e desviei do cuidado de meus pais e pulei o muro, pelos fundos do quintal. Atravessei o pequeno alpendre e passei pela cozinha, dirigindo-me ao quarto dela: reduto pouco visitado, embora lá havia conhecido e ganho os meus primeiros livros. Percebi que o irmão estava encostado no parapeito da janela que dava para o nosso pátio, um cotovelo apoiado, com a mão no queixo, amaciando a barba mal feita e na outra mão, um cigarro de brasa esquecida.
Afastei-me pé ante pé e abri a porta do quarto, lentamente. Observei a cama de mogno desarrumada, a cômoda com os porta-retratos atirados, uns sobre os outros como em efeito dominó, alguns livros rasgados. Mas meus olhos se detiveram espantados na velha estante de madeira que emoldurava toda a parede do lado esquerdo, oposto à janela. Estava vazia, uma estante em que moradores notáveis fizeram historia, um Kafka, um Machado, um Guimarães Rosa, um Joice, um Goethe, um Dostoevisk. Demandaram em derradeira missão, talvez desconhecida e definitiva, jamais almejada.
Corri para os fundos do quintal, segui a cortina que se antecipava aos meus olhos e um pequeno visgo de fumaça, como uma serpente que se insinuava, mostrava o caminho.
Ali estavam os livros, com suas brochuras à mostra como esqueletos restantes do incêndio homicida, costuras desalinhadas, pedaços de folhas em desenhos disformes com olhos negros produzidos pelo fogo, marcas indeléveis, transmutando o que era saudável em feridas fatais. Sangue negro escorrido nas cinzas, fome de vingança jamais aplacada.
Ainda salvei das últimas chamas, alguns farrapos que resistiam aos pingos de sereno. Parte de um livro de Almeida Garret, que li sujando as mãos na página quente, que me doíam os dedos: restos mortais de uma vida que se dissolvia na intolerância.
Seus olhos - se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.
Divino, eterno! - e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.
Nunca mais a vi. À noite, abri o caderno de capa cerzida e passei a viver assim, embasbacado, até descobrir o sentido das coisas que avistara. Ela teria feito um apanhado de minhas histórias, como incentivo a prosseguir no desvendar incessante da imaginação. Um dia, seria talvez um aprendiz de um daqueles escritores consagrados. Mais tarde, porém percebi que aquelas narrativas não eram minhas, a não ser a semelhança pela ingenuidade e a descoberta prenhe da vida. Eram histórias de há muito tempo atrás, talvez de seis ou sete décadas, quando ela era tão criança quanto eu e assim, iniciara também seus contos num caderno, hoje cerzido de linha azul, para preservar o sonho. E talvez, a lucidez.
Postagem em destaque
A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

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