Quando avistou a mãe no velho espelho do quarto, pensou que chegara a hora. Olhar enviesado, taciturno.
Precisava de coragem, isso sim. Coragem que nunca tivera na vida. Era um fraco, diziam seus irmãos, truculentos e pouco amistosos. A própria mãe se preocupava com aquela passividade que sempre o caracterizara.
Mas, enfim, era chegada a hora. Como contar porém, que à noite, não ia para a casa de amigos, mas apenas circular por vielas escuras. Um impulso indefinido. Talvez sentir-se vivo. Impulso, pulsão, compulsivo. Tudo que havia ouvido de centenas de psiquiatras, psicólogos, psicanalistas e até autores de autoajuda. Sabia, entretanto que precisava seguir o ritual. Um sentimento de busca, uma verdade inconteste que latejava no peito e respondia no sexo, o degrau inferior que percorria pensamentos, mas que o impelia a se sentir alguém. Talvez fosse um louco, destes que andam às escuras, escondidos nas brumas das árvores dos parques, prontos a atacar ou serem atacados. A praça o seduzia; uma atração tão forte, que não ousava fugir. Lembrava-lhe brinquedos, dias ensolarados, o avô ao seu lado, o carinho seguro, a liberdade vigiada e a certeza de que a vida se resumia na firmeza da mão. Nada os separaria, estariam sempre juntos, ele, ouvindo suas histórias enfadonhas, que o transportavam a sua vida rural: um modelo tão estranho e diferente do seu.
Viver pelos becos sombrios, atravessar as vielas sórdidas, ícones de seus desejos escondidos, produzia um prazer muito maior do que o gozo que procurava. No entanto, o vazio que se instalava no peito, refletia o suor gelado através das roupas grossas de lã, sob a camiseta de algodão, frio de bater joelhos, parceiro nestas buscas intermináveis. Via em cada olhar entre as sombras, uma provável fonte de prazer, mais forte do que o medo de ser atacado ou humilhado. Em todos, talvez avistasse os meninos que o desprezavam, inclusive seus irmãos truculentos e fortes, e talvez por isso, quisesse agradá-los, para se sentir um igual. Ou talvez, as imagens disformes traduzissem a rudeza do avô, que mesmo no ensolarado do sol, carregasse com ele, a crueza de um mundo marginalizado que o atraía. Olhos passeavam nas sombras agitadas, rumos diferentes, que se cruzavam a todo momento, que se aproximavam, se tocavam, pedindo sexo. Homens, mulheres, prostitutas, vadios, mendigos, ladrões, traficantes, drogados, policiais, travestis, garotos de programa, todos à espera de um beijo seu. Uma confirmação que finalmente cedera a sua sina.
Noite límpida. Só estrelas no céu e a lua brilha desenhando imagens absurdas na praça. Seres que se contorcem no ambiente insípido, molhados de sereno e suor, bocas úmidas que procuram outras bocas e outros corpos. E ele, ali, como um malabarista entre os galhos contorcidos pelo inverno, escondido, obedecendo à hierarquia da sedução, temeroso de ceder também, de se sentir um igual, tão igual que jamais voltasse a ser o que deveria. Alguns sorriam, outros se masturbavam indecentes, uns aos outros, na noite vazia de sonhos e ilusões, outros se locupletavam com as moedas que proviam a miséria de seu cofres sem dono. Ladrões de si mesmos, seus destinos curtos, desafiados no brilhar de facas, no tilintar de faróis oficiais, no estourar de pistolas.
Se pudesse fugir, mas estava preso ao chão, realizando o ritual que ousava repetir. Que o fazia viver.
Pensou em tudo isso e calou-se, quando a mãe perguntou: – Você é gay?
Ilustração: https://pixabay.com/pt/photos/banco-de-parque-sentado-assento-338429/omourya
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