Tenho esta mania de fotografar carros antigos. Nem é interesse por determinados modelos ou por conhecimento de motores ou marcas importantes. Nem tenho qualquer coleção, mesmo porque é preciso demandar um bom dinheiro para este tipo de hobby. Entretanto, sempre que vou a Montevidéu e noutras cidades do interior do Uruguai, tento fotografar aqueles automóveis datados de épocas tão antigas e que parecem contar muito de seu passado. Fico talvez, na minha posição de escritor, inventando histórias. Mas histórias plausíveis, que talvez fossem tão verdadeiras como se as vivêssemos. Uma lembrança que me vem em momentos, como num déjà vu de algo que nao vivi. Há os que falam em universo paralelo para este tipo de evento, mas evitarei este tema, até por não ter certezas absolutas. Deixo para os pesquisadores e os escritores de ficção científica. Penso, porém naquele carro verde e pequeno da década de 50, que deve ter servido por muitos anos a uma família de imigrantes italianos, que veio se instalar em Montevidéu, uma cidade com tantos pizzaiolos e donos de restaurantes. Quem sabe ele levava o filho à escola, uma dificuldade para a época, porque não havia tantos funcionários para prover o negócio que começava, onde toda a família participava. Ou, quem sabe aquele carro bege ou amarelo claro que me parece um citroen, andando displicente pelas ruas de Punta del Este, fazendo furor, tendo atrás do volante uma morena de olhos grandes e lenço estampado, parando uma livraria e descendo garbosa com uma bolsa da da cor do sapato. Um escândalo para uma cidade cosmopolita, não só por ser uma mulher no volante, mos anos 40, como uma mulher tão espalhafatosa. Mas se dirigia a uma livraria, não ao botequim. Por outro lado, que pensar daquele sedã imenso, de cor preta, provavelmente dos anos 60, pilotado por um homem de óculos pesados e cabelos estiirados para trás, salientando as entradas reluzentes, com um cigarro fumegante nos lábios e um olhar conspirador. Que faria, estacionando em frente à intendência de montevidéu, levando consigo uma pasta preta, talvez conduzindo um dossiê e um olhar arrogante?
E no Brasil, dá pra imaginar um homem magro, usando o seu eterno chapéu panamá amassado, a bordo de um automóvel inimaginável, até por ser o primeiro a ser usado em terras brasileiras? Passeava lentamente pelas ruas, talvez chegando a 20 ou 30 km por hora, levantando poeira, deixando as mulheres atônitas, os homens entusiasmados e as crianças eufóricas e assustadas com o bicho que andava sozinho. Certamente os mais velhos não aprovavam aquela máquina que provavelmente destruiria o mundo. Ficavam assustados e arredios. Mas ele passeava, fagueiro e sorridente, pois já tivera sonhos bem mais altos. Afinal, não passava do inventor do avião, Santos Dumont. Pois foi este gênio a trazer o primeiro automóvel de motor a explosão para o Brasil. Era um Peugeot. E ele foi o primeiro a reclamar do estado das ruas.
Mas deixemos as histórias para o seu passado ou para a imaginação para recontar a vida de uma forma diferente, mas paradoxalmente, parecida. Daí a verossimilhança tão difundida na literatura.
Por outro lado, tenho verdadeira fixação por estes carros, de qualquer marca ou ano, principalmente os de décadas bem atrás. Acho estranho que em países como o Uruguai e também em algumas cidades do interior da Argentina, continuem circulando pelas ruas e até por rodovias. Carros que aparentemente estão em péssimo estado, embora o seu motor possa estar tinindo. Ainda não fui a Cuba, que é o maior museu de carros antigos do mundo, principalmente das décadas de 40 e 50; lá teria muitos carros para fotografar, mas os que vejo por aqui, tão perto, já me bastam. Muito interessante visitar os museus de automóveis antigos, como o de Gramado, ou assistir o desfile de colecionadores. Entretanto, o que me impressiona mais são os que estão em franco estado de trabalho, ou seja, atravessando estradas e servindo seus donos por aí. Em cidades como Maldonado, Mello, Colônia do Sacramento, Chuy, Rochas, San Carlos(cidade irmã de Rio Grande, RS) e até em Punta del Este, além da própria Montevideu, pude ver carros deste tipo. Ricos em história e sonhos para os imaginativos. O interessante de tudo isso é que muitos dos carros que fotografei estavam parados a frente de suas casas, ou em garagens, cujos donos apareciam e os utilizavam como nós fazemos com nossos veículos atuais. Também vi motos muito antigas e com fios enjambrados, em atividade, e fico me perguntando, como é o relacionamento do trânsito com o policiamento rodoviário. Como são efetivadas as multas? Em todo o caso, o trânsito naquele país me parece muito disciplinado e o povo bastante tranquilo. Também vi carros antigos na cidade de São tomé, na Argentina, que faz fronteira com o Brasil, através da ponte da integração com São Borja. Uma cidade muito bonita, organizada e limpa.
Colônia do Sacramento, entretanto, tem outras peculiaridades marcantes, além dos carros antigos. É separada de Buenos Aires pelo Rio de la Plata, onde pode-se atravessar por buquebus, num trajeto em torno de 50 km. Nela, pode-se admirar a memória viva, pois sua arquitetura original é de casas antigas e coloridas e seus velhos lampiões. É preservada e declarada pela Unesco como patrimônio da humanidade. Entre as suas ruas estreitas e de pedras irregulares, a mais conhecida chama-se Calle de los Suspiros, por acolher no passado os marinheiros que buscavam companhias antes de embarcarem. Atualmente, os turistas observam maravilhosos as casas baixas e gastas pelo tempo, embora muito bem conservadas. Sua origem portuguesa é visível na fortaleza fundada no fim do seculo XVII e os canhões que enfeitam as calçadas são os símbolos das disputas entre os portugueses e espanhóis, que por quase um século se alternaram no poder. Se por um lado, permaneceram as construções portuguesas de pedra do periodo colonial, por outro ficaram as casas de tijolos e com varanda, erguidas pelos espanhóis. Uma coisa interessante que ficou como lembrança destas disputas, foi a igreja em estilo espanhol, que esconde embaixo do reboco branco, uma igreja portuguesa feita de pedras, cujas paredes e colunas foram construídas pelos portugueses. Como no século posterior, os espanhóis deixaram a igreja lisa e branca, a de pedra ficou por dentro. Por outro lado, voltando ao nosso tema, percebemos que há um enorme quantidade de carros antigos circulando pelas ruas e que alguns, já desativados, servem como atração, a partir de adaptações para restaurantes ou floreiras que enfeitam a rua. Uma paixão que principalmente, a meu ver, os uruguaios possuem, mas uma paixão que também usufro ardentemente. Como disse, nada que eu conheça com propriedade os diversos modelos, suas origens, fábricas montadoras e países onde foram criados. São designs antigos, datados, mas que me dão a certeza de que o passado revive, não como atributos melancólicos, ou com intenções retrógradas. Não, ao contrário. Quero que tudo evolua, que o mundo cresça nos seus diferentes aspectos e neste, especialmente, da industrialização automotiva, que atinja inúmeros avanços, embora não deixando de reconhecer e adaptar os belos desenhos e performances de antigamente. Um carro é só um objeto. Mas as impressões que provocam, estas sim, podem levar a devaneios, sonhos, desejos inexplicaveis, emoções, especialmente porque a mão do homem está ali, embutida, e a união destes elementos transforma a realidade numa coisa elaborada e criativa. Os carros e sua memória. Uma memória que nao tive, que nao vivi, que pouco conheci no passado. Mas um memória que me cai bem, que me faz pensar e imaginar. Só na imaginação e no sonho, encontramos o sentido da vida, a vontade de vivermos coisas tão boas como aquelas passadas ou pelo menos, imaginadas. Quem sabe, um passeio no parque, um piquenique no campo, uma mirada na praia. Um olhar mais atento à nautreza. O despertar de uma nova história. E sempre partilhando a companhia daqueles velhos automóveis. Um bem sempre presente.













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