Chegou de mansinho e se instalou em minha casa. A princípio, estranhei e até evitei de me envolver em demasia, a não ser proferindo algumas palavras daqui, outras dali, apenas o necessário. Com o passar do tempo, foi ficando mais audacioso. Começara a tomar conta da cozinha, da sala de estar e até mesmo de meu quarto. E nem tinha pudores em se alojar no banheiro. Respirei fundo, avaliei a situação e olhei pela janela, tentando encontrar alguma pista que me desse a solução. Um ser que domina o ambiente e se espalha por tua vida, como o sapo que precisava conquistar a princesa, enlameado e cheio de pedidos esdrúxulos. O que fazer com aquela companhia? Observei pessoas apressadas dando e recebendo recados, falando sozinhas enquanto atravessavam ruas ou sentavam-se em parques, absortas, entretidas em seus contatos. Não seria melhor livrar-me imediatamente daquele peso? Não me tornar mais um zumbi, como elas? Quem sabe, dar um chega pra lá e esquecer de vez que esteve aqui, entre estas paredes, ouvindo-me até o arrastar dos chinelos.
Com o passar do tempo, entretanto, me sentia cada vez mais impotente. Limitava-me a encarar a sua presença, como uma necessidade perene. Talvez por isso, ele tenha ficado e aos poucos tomou conta de mim. Esforço-me em manter-me livre de sua influência, dizendo a mim mesmo que não preciso dele, mas cada vez que o vejo por perto, sinto que não há como evitar o contato. Afinal, onde vou parar? E se ele despencasse escada abaixo, transmutando o que era vida em ruína absoluta? Ou naufragasse numa enchente terrível, dessas que até as palafitas desaparecem ou se, por outro lado, o sol o queimasse, retorcendo a pele e transformando-o num ser inútil? Quem sabe, me livro dele para sempre. Entretanto, sei que haverá em meu coração uma mágoa, uma ansiedade difícil de controlar, uma vontade de substituí-lo por outro. Certamente, este será mais esperto, mais independente e capaz, até, de me dar ordens. Quem sabe!
Não queria ser assim, um amante passivo, cujo protagonista mande e desmande com seus caprichos. Mas sei que cada dia, dependo mais dele, de seus alertas, seus conselhos, seus avisos, suas notícias, seus jogos, suas mensagens, sua mania de sempre me chamar na hora inadequada. Às vezes, o amo, noutras, o odeio. Não sei qual será o nosso fim, mas por certo, nunca um longe do outro. Por mais que eu resiste, por mais que o dispense, sempre o terei ao meu lado. Como um vício, como uma dose a mais que desfruto em meu viver, como um carma, ratificado no verso da música do Chico Buarque, “meu amigo, se ajeite comigo e dê graças a Deus”.
Mas ele está aí e por mais que o atire do vigésimo andar, irá sobreviver. Na verdade, a vida não está nele, mas na minha procura, na minha ansiedade, na minha dependência. Quero-o longe de mim e o desejo tão perto. Freud talvez tivesse algum veredicto, algum prognóstico se o conhecesse naquele tempo e me avaliasse como sou agora. Eu, que o desprezo e apenas o usava quando realmente precisava! Mas sei que necessito dele a todo momento. Como se fosse onipotente, absoluto, quase um deus. Provavelmente, se livrar-me dele, algum dia, encontrarei outro com novas possibilidades e upgrade, porque eles se reproduzem como ratos e cada vez mais potentes e indestrutíveis.
Por certo, vou relaxar e esquecê-lo um pouco, não tão distante, a ponto de ouvi-lo chamar: apenas com um toque, com a música preferida, com o vídeo mais engraçado ou a mensagem mais emocionante. Ou quem sabe, procuro nele, os meus e-mails e descubro neste meio tempo a temperatura? Acho que ficará mais um tempo comigo!
Celular amado e odiado!
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