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Análise dos poemas: “Poesia do momento” “Sentir" e “Realidade” da poeta Dalva Leal Martins

As poesias devem ser declamadas, interpretadas. Em geral, é o que se pensa. Pelo menos, eu tenho comigo que são muito mais expressivas as imagens, os sentimentos, as sensações que os versos transmitem, quando os mesmos são lidos em voz alta. Entretanto, há o outro lado, a literatura difundida nas expressões literárias, no sentimento profundo que estimula a imaginação e o pensamento e lendo-se com absoluta atenção, percebemos nas entrelinhas o quanto as sensações podem ser intensas. Os poemas são suaves, leves, atingem devagarinho as nossas percepções sem percebermos, às vezes, o grau de envolvimento. Aos poucos, estamos completamente submetidos à emoção. Assim, aconteceu com a leitura que estou fazendo do livro “Sentimentos da alma: poesias, crônicas, pensamentos”, da poeta Dalva Leal Martins. São histórias que nos transportam a experiências vividas ou imaginadas, a momentos de alegria ou solidão, a sentimentos de busca e encontro. Na “Poesia do Momento” (p.16), observamos, através dos versos bem delineados, que a autora identifica certa distinção nos sentimentos que a poesia atual expressa, aqui personificada, principalmente na sua perspectiva em relação ao passado. Um passado que a autora provavelmente tenha vivido. Na poesia do presente, revela-se a maturidade, talvez em virtude dos sofrimentos, dos percalços da vida, das esperanças frustradas e das experiências vividas. Percebemos esta mudança nos versos que dizem : ela (a poesia) tem a inspiração da alma sofrida de coração ansiado, do desejo de crer na alegria da vida. Para isso, propõe sentimentos ou sensações que se contrapõem em antíteses, como nos versos “tem luz e lume nos caminhos do amor, nas sombras noturnas, nos soturnos olhares”. Percebemos que embora os caminhos do amor sejam iluminados pela poesia, estas mesmas luzes são atingidas por olhares tristes e desesperançados. Por outro lado, a autora afirma que a poesia tem “lágrima e graça.” “Tem emoção sentida na fé que transcreve, no sentimento que fala da natureza ao redor, no olhar que espera…”. Aqui o poema revela que a alegria e o sofrimento tem guarida na esperança produzida pela fé. No último verso, ratificando o que foi afirmado sobre a mudança ocorrida na poesia, observamos uma ruptura da poesia anterior, com a poesia de agora. “Nada tem de outrora a poesia de agora!”. Ressalta-se aqui, um crescimento interior dos sentimentos da poeta, que apesar de acreditar em todas as expressões dos sentimentos da poesia de outrora, compreende que tudo isso faz parte de um passado do qual só restam lembranças (talvez boas recordações), mas que não se repetem mais (ou perderam a expectativa antiga de sua realização). A poesia já não é a mesma, talvez porque a vida também possui vieses distintos. A poesia acompanha a vida da autora, palmo a palmo, traduzindo a realidade de crescimento interior, pois a maturidade traz consigo a sabedoria e a mudança de perspectivas. Neste último verso, que é o ápice do poema, a poesia adquire o seu melhor momento. Aqui ocorre um lirismo intenso, consolidando o sentimento que a autora expressa desde o início. No poema “Sentir" (p.44), observa-se que a autora descreve com maestria os sentimentos que afloram em seu viver, através de um aura melancólica, mas sublimada pela força e poder da própria poesia. Para tanto, vejamos: “Sinto a chuva como lágrimas copiosas e os ventos como sopros de saudade”. Aqui, percebe-se a figura da chuva como a presumível melancolia, anunciada pelos ventos ( ou seja) experiências passadas que são revividas como suspiros de saudade (os sopros dos ventos). Por outro lado, vemos nos versos “Sinto na claridade dos relâmpagos, falsas esperanças despertadas”. Apesar da saudade, de vez enquanto, há luzes, clarões de esperanças, tão esparsas e velozes, quanto a velocidade dos relâmpagos. Segue, nas imagens da natureza, o seu estado de espírito: “Sinto nas manhãs frias estar abandonada… e no calor solar ter o mais doce aconchego.” As manhãs frias sugerem uma exclusão do mundo exterior, uma vontade de isolar-se e esconder-se entre as paredes do quarto, num abandono natural ( pelo frio, pelo medo, pela solidão) em contraponto às manhãs ensolaradas que nos estimulam a sair para a rua, a sentir o sol no rosto, nos ombros, acariciando a pele e a alma. A partir deste estágio, a poeta desperta na alegria esperançosa do cantar dos pássaros, afastando-se do sofrimento, da solidão. Desta forma, apropria-se da inspiração que jaz latente em si, como a explosão das ondas. O desafio da vida. E nesta experiência, torna-se novamente refém de si mesma, de seus sonhos, suas ilusões, seus sentimentos. Volta então, a viver plenamente, pois quando se sonha, se vive. E que valem os pesadelos, para quem tem a alma sonhadora? “A Natureza fala à minha alma, como a prece fala ao coração. Sinto-me refém de mim mesma, presa ao meus próprios sentimentos… rastreando sonhos e pesadelos!" No soneto “Realidade” (p.53), a autora utiliza a metáfora galope do tempo, para demonstrar a finitude da vida, transformando em segundos o presente em passado. E neste galope do tempo, nada é imutável, nada é eterno, nem o homem e a natureza da qual faz parte. Parece aqui, que só há um poder inabalável, um imperador que dita todas as ordens da condição humana. Neste caso, está muito claro a ideia de que tudo é perecível, e deste modo, a única forma de perpetuarmos os nossos valores é através da aceitação desta realidade e do desejo de harmonia. Somente assim, o homem não vê o tempo como um galope inexorável, mas como uma faculdade de nossa existência, que pode ser utilizada a nosso favor. Teria muito a falar, muito a descrever e pretendo fazê-las analisando de modo apenas baseado na sensibilidade de saber ler a poesia com os olhos mais afinados de um leitor que possui algum conhecimento de literatura (nada porém, que comprove em definitivo o que pensa realmente o autor). De todo modo, uso dos parcos conhecimentos que possuo, para fazer uma análise do livro que estou lendo. Fonte: MARTINS, Dalva Leal. Sentimentos da alma: poesias, crônicas, pensamentos. Rio Grande, Casa Letras, 2013.

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