sábado, novembro 12, 2016

O IDIOTA DE DOSTOIÉVSKI

Em 11 de novembro de 1821 nasceu o escritor russo Fyodor Dostoievsky, uma das mais importantes referências literárias na história.
Um dos seus mais relevantes romances, que revelam muito de sua visão da sociedade da época e de sua incapacidade de compreensão do individualismo que chegava com a modernidade, é o Idiota, um romance que traduz a realidade do escritor.

O protagonista, um príncipe chamado Liév Nickoláeivitch Míchkin sofria de epilepsia, uma doença considerada na época em que o livro foi publicado, 1869, como uma desordem psiquiátrica.

Ele foi internado num sanatório na Suiça por vários anos para tratar da doença e retornaria a Petersburgo, para receber uma herança deixada por um parente de seu seu pai. Ali ele pretendia retomar a sua vida.

A trama se desenvolve a partir da sua inadaptação à sociedade corrupta, incompatível com a sua integridade, lealdade  e senso de justiça.
 

Trata-se de uma narrativa densa, que envolve uma gama de personagens e situações que se desencadeiam nos vários entrechos que se cruzam, enfocando a personalidade austera, virtuosa e íntegra de Míchkin, que se opunha às demandas sociais manifestadas na esperteza, individualidade e injustiça.
 

Por outro lado, a obra apresenta uma narrativa tensa, por tratar-se de um romance de cunho psicológico, cujo pano de fundo é a doença e tudo que a cerca, transmitindo uma dramaticidade que influi nos personagens, tanto no protagonista, considerado um idiota, em virtude de suas convulsões e transitórios “apagamentos”, bem como em relação aos demais que demonstram o preconceito relacionado à enfermidade.

Este preconceito se dá através de atitudes grosseiras, levando Michkin ao isolamento.

Dentro deste universo, onde as atitudes ficam reféns dos preconceitos e descaminhos próprios de personalidades deformadas, a construção do ritmo da trama acontece sob permanente tensão.

Neste cenário, o autor delineia a perspectiva social, que segundo sua ótica literária e sua ideologia, a questão básica é a construção de um personagem perfeito.

Na construção do protagonista, observa-se características fundamentais de Jesus Cristo e atitudes e sentimentos muito próximos a Dom Quixote.

Na verdade, há elementos quixotescos, embora não propriamente cômicos, mas certamente o aspecto utópico, muito explorado no romance de Cervantes.

Pode-se afirmar que idiotice, neste caso refere-se à utopia, que é a ausência de lugar, ou seja, um lugar que não existe, que é apenas um sonho, uma fantasia. O ideal. O protagonista não é de lugar nenhum e a sociedade não consegue compreendê-lo.
   

Já a referência a Jesus Cristo revela-se no seu caráter social, onde o outro tem um peso igual ao seu na medida da justiça, do amor, da verdade e da honestidade. Ele ama o seu semelhante, tal como Cristo, e pretende distribuir o seu modo de sentir e ver a vida, na sociedade em que vive.

Entretanto, este despreendimento causa um estranhamento, um desconforto para a comunidade que não absorveu os seus conceitos, ao contrário, manifesta-se de forma oposta à que ele pensa.

É criteriosa no seu convívio, porque não lhe interessa a coletividade, nem o bem comum, mas sim a individualidade, o direito de cada um, não os seus deveres. Muito menos, os conceitos éticos, virtuosos ou morais.
 

A única condição de sobrevivência era o bom senso de preservar a sua vida e de se reunir em sociedade.

Míschkin é um homem sensato, além de seu caráter virtuoso.

Ele representa não somente um ideal humano, mas um ideal russo, que se contrapõe à cultura europeia. Para ele, a Europa estava se afundando num materialismo enquanto que a Rússia ainda propagava o espírito como fonte para uma vida melhor.

É um problema importante, inclusive sob o ponto de vista da efetividade do direito.

Quanto mais bom senso, as pessoas tiverem, menos lei. Não são necessárias leis para estruturarem regras para a sociedade, quando esta caminha no rumo certo, quando esta obedece a regras definidas e solidárias, cujo bom senso é utilizado.

Dostoévisk propôs, no fundo, esta questao da Rússia tradicional. Educar para deveres e não apenas exigir os direitos, como o grupo de Petersburgo agia. 

Neste enfoque, há uma noção clara de coletividade, tal como Míchkin se expressava. 

Nesta questão de direito, percebe-se que pelo fato de Míschkin ser um príncipe, o cruzamento das relações ligadas ao poder se estabelecem.

Durante toda a trama há questões juridicas, como a reivindicação de sua fortuna. Isso é relevante, porque ele nao enfrenta a questão simplesmente do ponto de vista matemático, ele se pergunta sobre a responsabilidade que tem sobre o outro, ou seja, uma questão paradigmática.

Trata-se de uma atitude surpreendente até para os dias atuais, porque o indivíduo que se envolve em pendengas jurídicas, preocupa-se com o seu direito, não com o seu dever, ou o direito do outro.

Ele, ao contrário, é alguém que se ocupa das outras pessoas, que se envolve emotivamente e possui uma postura ética que a modernidade nao entende.

No final do livro, retorna para a Suíça, o isolamento originário. Entretanto, o personagem em confronto com a sociedade corrompida pelos valores, não encontra um lugar neste meio.
 

Por fim, através dos confrontos de Míchkin e seus relacionamentos, percebe-se que o individualismo perpassa o texto. Apesar da construção excessivamente idealista do personagem, não ocorre uma interatividade que confirme o caráter bondoso do personagem através de mudanças nos demais.

Ele não toma atitudes que os ajude a serem pessoas melhores e que os qualifique a vivenciar uma mudança de paradigma naquela sociedade obtusa e obsoleta com a qual não se identificava. Ao contrário, ele tem uma impossibilidade prática para agir, pois não angaria apoio no grupo e embora, propondo soluções, ainda teme ser mal compreendido em seus ideiais e acaba não realizando nada.

Para comprovar a regra, ele tem uma ação efetiva com uma personagem, a qual a ajuda, recompondo a sua imagem social.

Por outro lado, sua ação se estabelece a partir da ajuda das crianças, talvez aí esteja a grande lição do autor, pois estas ainda não estão imbuídas de individualismo, não perderam a esponteneidade, ao ponto de compreender suas aspirações.
 

Por fim, pode-se afirmar que o romance expressa uma dramaticidade intensa, mostrando um homem inadaptado no grupo em que vive, porque está fora dos padrões estabelecidos.

O autor pretende além de traçar um perfil psicológico, mostrar a sociedade corrupta da época, a modernidade que chegava na Europa, através da industrialização, tornando as pessoas cada vez mais individualistas, integradas a uma cultura materialista que ele abominava.

Por outro lado, queria conservar e enaltecer a força espiritual da Rússia. Segundo ele, o sentimento patriarcal e ortodoxo era o caminho para a realização pessoal de seu País.
 

O idiota, de Dostoiévski é um excelente romance que vale à pena ler ou reler pelo seu conteúdo social e psicológico, através da construção humanística de seus personagens.

No Brasil, temos a tradução diretamente da língua russa, por Paulo Bezerra, do russo, 3.ª ed., Editora 34, 2010. 

A fotografia da vida de Santa - CAP. 19

Capítulo 19

No carro, faz-se um silêncio pesado. Parece que nenhum dos dois sabe o que dizer. Fernando porém ensaia alguns temas como o próprio trabalho, o tempo em que ficou desempregado e a proposta da tia para trabalhar na casa de Santa. Alfredo parece entediado. Não lhe interessa aquele assunto, muito menos falar sobre a vida profissional de Fernando.

Fernando conclui, satisfeito:

— Parece que somos amigos há muito tempo. Engraçado, quando há empatia, o assunto flui, não é mesmo?

Na verdade, não era o que estava acontecendo entre os dois, mas Alfredo concorda. Por fim, pergunta:

— Não acha que devemos parar num bar? Como lhe disse, seria bom conversarmos com mais calma.

Fernando sorri, confiante. Em pouco tempo, estão num bar, tomando uma cerveja.

— Então, me diga, o que é que você queria me dizer?

— Não sei, Fernando. É que sou um homem muito solitário.

— Mas nós não somos amigos. Sou apenas o jardineiro de sua mãe.

— Há pouco tempo, você disse que havia empatia entre nós.

— É verdade, mas… deixa pra lá. Não precisamos de um motivo para tomar uma cerveja, não é mesmo?

— Tem um motivo.

— Como assim?

— Você sabe que venho observando-o há algum tempo, deve ter percebido, não?

— Olha aqui, Alfredo, só quero lhe dizer uma coisa: eu não sou gay.

— Meu Deus, o preconceito é uma coisa terrível.

— Não, eu não tenho preconceito, se tivesse, não estaria neste bar, desculpe a franqueza, conversando com você.

— Você acha que dou pinta?

— Não, você parece mais macho do que muito cara que conheço, mas todo mundo sabe…

— Não se trata disso, Fernando. Não tem nada a ver com orientação sexual. Na verdade, eu nunca pensei em ter um caso com você, se é isto que o está afligindo.

— Ah, sim.

— Como disse, eu venho observando você, além disso, você sabe, sou advogado. Sei que não é uma coisa muito honesta, mas no meu meio, sabe-se de tudo.

— Que eu fui presidiário?

— É verdade. Eu sei tudo sobre a sua vida, sei também que você matou um homem.

— E o que isso tem a ver com o nosso papo?

— Quero que você me ajude. Acho que você é a única pessoa com quem posso contar.

— E o que você quer de mim?

Alfredo entorna o copo, sentindo a bebida gelada escorrer-lhe pela garganta. O suor empapa-lhe o colarinho da camisa. Por um momento, tem a sensação de que está conversando com a pessoa errada, na hora errada, mas agora não há como recuar. Solta o copo e abre um pouco a camisa, enquanto olha fixamente para Fernando.

— Sei que as coisas estão difíceis para você. Olhe, eu não tenho nenhuma intenção de prejudicá-lo, só falei isso porque você precisava saber com quem está lidando. Não podia simplesmente fingir que somente o conhecia como o jardineiro de minha mãe.

— Muito bem, até aí, eu concordo. Mas não entendi qual é a sua intenção.

— Bem, na verdade, eu preciso de um favor.

— Um favor? De repente, todo mundo precisa de um favor meu.

— Por que você diz isso?

— Nada. Esquece.

Alfredo faz uma pausa, pensativo. Em seguida, pergunta se Fernando não quer outra bebida.

— Você não acha que está bebendo muito para quem está dirigindo?

— É verdade, mas você não quer repetir a dose?

— Não. Gosto de beber com amigos, desculpe. Acho que esta já é de bom tamanho.

— Acho que você tem razão. É a segunda vez que afirma que não somos amigos.

Fernando fica calado, olhando para o copo. Alfredo prossegue, um tanto ansioso.

— Claro, claro, não faz diferença.

— Meu amigo, não enrola. Me diz como posso ajudá-lo.

— Preciso explicar-lhe com calma. O assunto é delicado.

Fernando decide pedir outra cerveja, considerando que o assunto será longo. Faz o pedido e o garçom se aproxima, trazendo a bebida em seguida. Alfredo então, põe as cartas na mesa.

— Bem, Fernando, a minha família está passando por um momento muito complicado. Vou resumir a parte que interessa e depois, vejamos como você pode me ajudar.

— Você se refere a sua mãe?

— Um pouco sobre ela sim, mas o problema maior é o meu pai.

— Seu Sandoval?

— Ele está com uns planos malucos, está sendo desonesto com minha mãe e eu preciso ajudá-la de qualquer maneira. Não vou deixar que a considerem louca.

Fernando lembra-se da conversa que tivera com Santa e do segredo que ela lhe confiara. Teria a ver com o que Alfredo falava neste momento?

— E o que você quer que eu faça?

— Quero que dê um susto no meu pai. Não quero matá-lo, não faria isso, mas quero que ele desapareça por uns tempos.

— Cara, eu não sou bandido. O que está havendo hem, todo mundo ta querendo me ferrar, é isso? Eu estou em liberdade condicional, querem que eu volte pra cadeia?

— Escute, Fernando, você vive naquela casa, praticamente todo o dia. Sei que desde que foi para lá, tem ficado na casa dos fundos, junto com Linda. Você deve estar a par de tudo.

— Eu vou sair de lá. Você sabe para onde estou indo agora.

— Tudo bem, você vai voltar para a casa que era de seus pais, mas continuará trabalhando em minha casa.

— Como assim, um susto?

— Eu pensei muito quando você pretendeu se mudar. É uma casa abandonada, num lugar afastado. Eu quero que você o leve para lá, por uns tempos, até que eu resolva todos os problemas de minha mãe.

— Você quer que eu sequestre o velho?

— Sim, mas será por um mês.

— Você não parece advogado, né, a menos que queira me ferrar mesmo! Então não sabe que toda a polícia vai procurar o velho na minha casa? Será o primeiro local que procurarão.

— Não, ninguém o procurar, não se preocupe, porque direi que ele decidiu viajar. Invento qualquer coisa em relação à empresa. Não se preocupe, não acontecerá nada com você.

— Que família desgraçada, hem!

— Por que diz isso?

— Porque a sua mãe também está planejando contra o velho.

— Como assim?

— Contra ele e minha tia. Parece que os dois estão de conluio, estão querendo enlouquecer ela, foi o que me contou. Então, ela quer que eu descubra tudo e consiga provas para mostrar a vocês, a toda a família o que eles estão aprontando.

— Meu Deus, eu tinha razão. Meu pai quer ficar com toda a fortuna, sozinho.

— Mas tem mais coisa aí, você sabia que seu pai tem um filho com Linda? Foi o segredo que sua mãe me revelou.

— Miserável! Eu não sabia de nada!

— Os dois tem um plano, mas não sei ainda se estão juntos por conveniência ou por que minha tia o chantageou.

— Então, o meu plano tem muito mais razão de existir. Este canalha não pode ficar impune!

— Mas o que você pretende fazer com o sumiço do velho?

— Nesse meio tempo eu pretendia provar que minha mãe é uma pessoa lúcida e capaz. Não posso deixar que ele participe do processo, porque vai moldar a situação de acordo com seus objetivos. Mas, agora sabendo o que sei, que você me disse, o caso muda de figura.

— Por que?

— Porque é muito mais grave do que eu pensava. Nós sumimos com ele e você aperta com sua tia. Nós vamos provar que os dois estavam planejando se livrarem de minha mãe.

— Eu não posso fazer nada contra minha tia, porque ela me ameaça, me joga na cadeia novamente.

— Mas você pode fingir que não sabe de nada e começa a se preocupar com ela, perguntar coisas. Não pode enfrentá-la, apenas. Tem que ser cínico.

— E o que eu ganho com isso?

— Eu posso lhe dar um bom dinheiro, é isso que interessa, não é mesmo?

— E o que eu faço com a proposta de sua mãe?

— Faça a sua parte, descubra tudo com a sua tia, não é o que ela quer?

— Sim, inclusive sobre os remédios. Sua mãe desconfia que minha tia está lhe dando calmantes fortíssimos, para que se esqueça das coisas.

— Muito bem, faça isso. E faça o que lhe pedi, tenha certeza que só tem a ganhar.

— E como vou fazer isso? Eu já lhe disse, eu errei uma vez, fiz uma burrada, acabei matando um homem, mas não sou um bandido. Eu não quero voltar pra prisão!

— Só tem uma maneira: fazer a coisa certa. Pode deixar, eu vou ajudá-lo.

Fernando coça a cabeça, intrigado.

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A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

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