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Fragmento da manhã

Levantar cedo pode ser um sacrifício. Embora o sol exuberante da manhã fria de outono, embora o vai e vem das crianças rumo à escola e seus alaridos que mais parecem gorjeios matinais. Embora o café aplumado, o sanduíche na medida certa, o sabor dos vapores e dos sorrisos, o bom humor dos que acompanham, dos que ficam ao lado, dos parceiros. Pode ser um sacrifício. Levantar pode ser desastroso. Embora o avançar das horas, o começo da meia manhã, o início dos trabalhos, o esperar o ônibus, o atravessar a ponte, o chegar na cidade vizinha, o encontrar o prédio, o elevador, a porta da sala, o médico. A espera. Os momentos de conversa, uma visita aqui, outra ali no celular. O olhar alienado do paciente, a conversa sem nexo da mulher do paciente, a resposta desatenta da secretária. Um começo de assunto. Um tema interessante. Viagens. Em seguida, alguém silencia. O grupo aumenta e o burburinho fica menor. Todos atentos no celular. A TV obsoleta. Um olhar mais atento ao cenário e a fa

Entrevista ao vivo Gilson New New

Entrevista com a renomada jornalista Jussara Souza, em 2012 sobre um pouco de minha trajetória literária, abordando principalmente o romance "O eclipse de Serguei".

A bruma que apascenta

Que quisera eu agora? Que quisera saber do mar, das ondas que rebuliçam no cais, nos degraus que servem de apoio aos homens que chegam com mais facilidade em suas embarcações? Que me importam as oferendas com quindins, algumas velas e garrafas de aguardente? Talvez elas digam alguma coisa a quem procura afeto e fé. Não sei. Mas, e as vísceras de peixe atiradas nas águas, como se fosse a regra, livrar-se do entulho que deveria ir para o lixo orgânico? Que quisera saber dos pensamentos, dos desejos, das buscas e sonhos dos que jazem por ali, sentados atrás de colunas ou postes fumando um baseado e olhando perdidos para a lagoa. O que buscam em seus sonhos se é que os tem? O que importam os gritos da mulher que vende balas ou doces ou pastéis, ou quaisquer outros alimentos, enquanto se sente de algum modo ultrajada pelas cobranças dos vendedores estabelecidos, bem a sua frente? Que importa a maré de pessoas que descem da lancha e se dispersam rumo às casas, lojas, talvez banco

Pequena sinopse sobre o meu romance "A biblioteca e a barca"

A história trata dos vários olhares do homem em consonância com o seu cotidiano, alicerçado nos valores que concebe para a sua vida. É a trajetória de um homem que aos poucos vai conhecendo a verdadeira história de seu pai e o quanto ela ainda o influencia nos dias atuais, forçado de certa forma, a recorrer ao passado e reconhecer nele um caminho novo, de liberdade e orgulho, que não identificava antes. Uma história que vai modificar e completar a sua. Com o conhecimento destas vivências, cresce como ser humano. Tudo começa nos anos sessenta, cuja curiosidade infantil o impulsiona a conhecer determinados documentos estranhos que parecem comprometer o seu pai, e que tanto o angustiavam pelo forte conteúdo político que continham. Ao mesmo tempo vivia a sua vida infantil, confrontando a fantasia de aventurar-se na barca á beira do cais, sempre impedido pela mão forte do pai, ao mesmo tempo, que por outros caminhos, imergia no mundo sagrado da biblioteca, batizado que fôra nas

Um momento festivo?

Por vezes, me pergunto em que condições uma pessoa em determinado momento festivo, oferece ao outro o inverso do que seria um desejo de felicidade, alegria ou paz, quando de sua performance dúbia naquele evento. Isso ocorre, por exemplo, quando a pessoa, ao invés de demonstrar um sentimento que incida em boas perspectivas para o outro, mostra um discurso ao contrário. Quando se aproxima e abraça o vivente, na comemoração de amigo secreto, na festa de final de ano, quase o xinga de um modo intempestivo e irreverente, a ponto de restringir um momento de encontro, num espaço de desconstrução do outro. E para o espanto geral, concluindo que ele nunca participa de nada, não comparece às reuniões ou se exime de proferir qualquer opinião no grupo em que está inserido. Fico pensando no significado da empatia e me pergunto, não teria esta pessoa nenhuma empatia para com o seu amigo? De todo modo, não devo julgá-la. Por certo, a intenção era de mostrar-se, quem sabe, uma pessoa extrover

A força e a suavidade do outono

Não pisar em folhas secas nem observar o mato que se agiganta ao longe. Talvez fosse preciso sapatos mais generosos, do tipo que podem oferecer leveza e maciez. No entanto era necessário desafiar as memórias e caminhar de pés descalços sobre o campo, bordado por folhas amarelas, cujas árvores as presenteiam lentamente. Uma delas cai devagar, passeia pelo ar, rodeia o imenso tronco e vai descendo até chegar próxima às raízes fortes que se agarram ao solo com a sabedoria da natureza. Aos poucos, desenham o imenso tapete que se forma aos pés das árvores, como se em gestos suaves, indicassem novos quadros de mosaicos de cores, umidades, orvalhos e flores. Ali se unem e se espalham com o vento, a brisa ou os pequenos rodamoinhos que se formam, traçando novos caminhos e diversos matizes e contornos e desenhos. Ali aspiram a umidade do chão, a pureza do orvalho, a força do húmus que as fortalece. Ali se enchem de insetos, pequenos grilos ou formigas que se entranham no piso tenro recém co

Todos eram puros e inocentes no passado? Nem tanto!

Acho notável que as pessoas tenham boas lembranças e sintam saudade dos tempos de infância, entretanto, há coisas que não entendo. Não entendo quando afirmam com veemência que naquela época, tudo era maravilhoso, a ponto de haver uma uniformidade nos costumes, cujos cidadãos eram pessoas extremamente afáveis, solidárias e felizes. As crianças eram educadas, disciplinadas e prestativas, os pais severos, conciliadores e gentis, os professores profissionais exigentes e respeitados na sala de aula e o mundo girava sob The The Sound Of Music, da Noviça Rebelde. Segundo estes relatos, os meninos entravam na igreja compenetrados, arrumando o cabelo e fazendo silêncio para ouvirem as orações, enquanto as meninas, por sua vez, se deparavam caladas, em frente aos santos, rezando para que suas provas não fossem muito difíceis ou para serem pessoas melhores. Os vizinhos sentavam nas calçadas, tomavam chimarrão ao anoitecer e jogavam conversa fora. Todos eram amigos, e nos natais, compartilhavam

Dia Internacional da Mulher

Nem sei se a mulher tem muito a comemorar no seu dia, num País como o nosso, em que não se respeitam os direitos humanos, onde há tantos feminicídios, considerados por alguns como vitimização feminina. País, no qual assédios sexuais e morais passam a ser fenômenos comuns numa sociedade machista e patriarcal. Os homens ainda carregam a pecha cultural do machismo e somente aos poucos, haverá uma mudança, desde que se conscientizem da realidade feminina e suas próprias dificuldades, superando assim o retrocesso que ainda vigora no Brasil. De todo modo, as mulheres lutam com bravura e dignidade. Por isso, me solidarizo e as felicito pelo Dia Internacional da Mulher

Sonhos de carnaval

Talvez pensasse no carnaval do passado, naquelas passarelas da Colombo e da Mal. Floriano, as duas que me recordo dos tempos idos. Lembrar da praça Saraiva, repleta de eucaliptos e foliões mascarados e vestidos de mulher atravessando aqueles caminhos, batucando ou fazendo estripulias entre os transeuntes, tocando apitos e brincando com um ou outro, armando um circo de alegria. Lembrar de meu pai levar-me pela mão em direção à Colombo, atravessando esta mesma praça e eu encantado com os bondes com seus vagões abertos, que passavam ali perto, pela Bento Gonçalves, e vinham repletos de foliões. Lembrar das inúmeras mesas dos bares pela calçada da Colombo, em determinado ponto, no qual serviam os sanduíches, refrigerantes e a cerveja Brahma, cujo single era conhecido por todos: ¨Quem gosta de cerveja, bate o pé e reclama, quero Bhrama, quero Bhrama.¨ Lembrar do bloco de sujos, como se chamava o grupo que acompanhava os cordões carnavalescos, logo atrás da corda que os separava. Eram a

A chegada ou a partida?

Todos queriam saber o que tinha acontecido com Norton. Nem ele sabia, mas tinha consigo que devia fazer alguma coisa a respeito. Seu corpo estava trêmulo e pela primeira vez em sua vida, sentiu medo de morrer. Era como se uma espécie de pânico investisse contra o bom senso e temesse um descontrole que impactava os seus pensamentos. Por um momento, imaginou que a balsa afundaria e o céu agora completamente encoberto, desandasse sobre aquela centena de carros que, através dela, atravessavam o canal. Uma nuvem espessa toldava ainda mais sobre sua cabeça. As pessoas saíam dos veículos para apreciarem o vendaval que se aproximava. Pensou que estavam enlouquecendo. Não era hora de passearem pela balsa, ao contrário, deviam se resguardarem dos raios. Pingos grossos começavam a cair e seu coração bateu mais forte. Se aquela maldita balsa ficasse à deriva, com aquela centena de carros e caminhões, perdidos em pleno oceano. Se afundassem, ele subiria no caminhão mais alto e esperaria

O topo da montanha

Nem lembro como cheguei ao topo daquele morro, provavelmente na curiosidade inata de um adolescente. O mundo corria devagar lá embaixo, as borboletas sobrevoavam alto e eu tinha a impressão de que somente o som dos pássaros se ouvia. Acho que era verdade. Os sons eram quase que coordenados, havia tons mais fortes, mais agudos, mais graves e tons que sobreviviam ao silêncio e às distâncias fazendo eco. Devia ser uma tarde de dia claro, muito claro, porque o anoitecer demorara muito, se bem que era verão. Olhava para baixo, para aquelas montanhas moduladas em azul esverdeado, ou ao contrário. Lembro sim, como cheguei, só não sei para onde ia. Eu queria dar uma volta pela pequena cidade, ao passar a metade do caminho para casa, uns trezentos quilômetros. É, estava muito longe de casa e não me podia furtar àquele momento. Na alma, uma melancolia rara. Rara naquele ambiente, produzido por aquele cenário. Porque via de regra, eu tinha esses devaneios. A dor parecia me acompanhar, mesmo

Ainda Clarice

Aquela velha frase de clarice, mas sempre justificada por seu discernimento e apego à verdadeira literatura: a vida é um soco no estômago. Ela demonstra em sua postura em relação à vida sempre interagindo com a ficção, uma intrepidez, que não admite concessões. Nesta afirmação, ela levava às últimas consequências, porque a vida é traiçoeira e bruta, ela não admite retorno, nem suavidade. Ela dói, magoa e pune, porque é a verdade. A última verdade da vida, que tira o sujeito do prumo, como se fosse um soco e somente assim, pela palavra doída e verdadeira ela vai ficar no lugar de outra pessoa. Desta forma, o autor se destaca e constrói a verdade com muito trabalho e dor. Para Clarice e para o mundo, existem dois pilares básicos da subjetividade, que segundo Freud, são o conteúdo e o afeto. O ser humano não possui apenas cognição, é também afeto, é dor, é sentimento. Ele precisa levar este soco, este susto para refletir sobre ele mesmo e sobre o mundo. É preciso haver o conflito con

Alguma coisa sobre Clarice Lispector

Clarice disse certa vez que não fazia concessões. E realmente, observa-se pela sua obra, que a literatura ali transparece crua, verdadeira e até cruel, personificada na realidade e nos cenários nos quais os personagens orbitam. Ela tem uma postura de enfrentamento, de destemor do que diz, do que passa ao leitor. A vida é que importa, porque segundo dizia, tudo que doía em si, era verdade, a vida para ela era como um soco que a tirava do prumo, do eixo e a transformava. Então, queria que doesse também no leitor. Toda a transformação é sofrida, é difícil, de muito trabalho. Nada ocorre de maneira simples e suave. Ela era a “anti-ajuda”, no sentido de passar a mão na cabeça e sugerir que tudo vai passar, não, a ajuda dela se dá noutro nível, no nível do enfrentamento, do mostrar a realidade doída e verdadeira, da profundidade do sentimento, do fazer-se melhor através da mudança, tanto no aspecto do conteúdo quanto do afeto. Na verdade, aquilo que toca, que faz doer, não é necessar

A hóstia na boca e a arma na mão

Hoje, vinha pela ladeira e sentia que meus pés afundavam nas estruturas tortas de paralelepípedos da Riachuelo, a rua protegida pelo rei. Na verdade, a ladeira se produzia em meus pensamentos que sucumbiam em tortuosas reflexões. Numa esquina, entre a conversa de um amigo, observei a cena de um grupo de homens que apontavam para dois rapazes que atravessavam a Benjamim, provavelmente em direção ao calçadão. Com olhares furiosos, exclamavam que vivíamos um novo tempo, em que todos os gays que se mostrassem afeminados, como aqueles, seriam gravados tendo o vídeo divulgado nas redes sociais, após levarem uma boa surra (usaram um termo pior). Afinal, tinham a permissão de um líder que os afiançava. Quando voltei a andar, de pernas quase trôpegas, voltei-me para o acinzentado da laguna. Nem sei se o céu estava azul, mas as águas pairavam revoltas no cais. Olhei-as, ensimesmado e lembrei das últimas palavras de um moreno barbudo, que parecia realçar a sua “descendência ariana”, af

O pássaro e a bandeira

Estava na sala de aula, observando um pássaro que insistia em pousar no muro, próximo à janela. O professor de português, um homem baixinho, de cabelos brancos e barba rala aproximou-se e perguntou, se não estava ouvindo o que ele dissera. Na verdade, eu nem ouvira o que ele me perguntara, mas fiz uma observação sobre o pássaro, como se fosse a coisa mais importante a ser dita. Ele balançou a cabeça e balbuciou entre lábios, indicando-me um livro que abria com energia sobre a classe. Olhei-o quieto e passei a ler o livro e esperar que se afastasse na direção de sua mesa ou do quadro. De lá, ele perguntou se eu sabia que naquele 1º de setembro, seria o primeiro dia do hasteamento da bandeira, atividade que se faria até o dia anterior ao desfile, no 7 de setembro. Afirmei rapidamente, junto com outras vozes dos colegas que confirmavam a atividade. O professor mais uma vez insistiu, se eu não lembrava que neste primeiro dia, eu havia sido sorteado. Eu sabia disso e como lhe afirm

A primavera e o ódio

Talvez eu devesse falar na primavera, afinal ela está aí, já brotando flores e enfeitando árvores, apesar do frio que ainda persiste em acompanhá-la em seus dias. Talvez eu devesse caminhar a esmo, de preferência pelas margens da laguna e observar a mudança gradativa dos ventos, das nuvens, dos novos cheiros e brisas. Talvez devesse espiar as escolas, os adolescentes que na primavera, parecem explodir em sentimentos e lutas internas, como frutos, sementes e flores ressurgindo do nada, inspirados nos raios do sol e nos sussurros dos entardeceres. Talvez eu devesse estudar novos rumos e pesquisar os trabalhadores que voltam às pressas para casa, envolvidos nas compras eventuais, nas contas a pagar, nas obrigações mensais. Talvez contem o dinheiro comezinho que lhes sobre, o tumulto do ônibus, as horas perdidas no trânsito, as horas inglórias da espera. Trabalhadores que perdem os seus direitos dia a dia, que quase sucumbem aos desmandos de um governo congelado numa depredação d

Bentinho

Ele sempre chegava de mansinho. Tinha uma voz suave, expressando um tom sempre baixo e comedido e seu olhar parecia dizer muito mais do pensava. Era gordo e baixo, o cabelo grisalho e a pele morena. Trazia sempre consigo um acordeom e era incapaz de cometer qualquer impertinência ou abuso em sua permanência na casa. Certa vez, deu um barco feito à mão, um desses adornos para se colocar numa escrivaninha, ou num lugar mais reservado. Minha mãe ficara feliz com o presente e vez que outra, passava algum produto para que o mesmo permanecesse com a mesma aparência de quando ganhara. Ele chegava sempre à noite, carregado de malas, mochilas e trazia, vez que outra, algum presente, que sempre eram oriundos da alimentação, como uma rapadura de amendoim, um saboroso pão caseiro ou mesmo algum tipo de carne defumada para servir no jantar. Meu pai, cansado depois de um dia de serviço pesado, ficava um pouco incomodado com a presença, mas educado que era, não deixava esse sentimento tr

Pessoas simples são mais felizes?

Outro dia, estava no ônibus rumo a Porto Alegre e ouvi uma conversa no banco da frente. Tratava-se de um senhor de uns 60 anos e de um rapaz que aparentava 30 anos. Na verdade, a idade não importa muito para o que vou dizer, apenas qualifica a diversidade de pontos de vista, por serem de gerações diferentes. Falavam entusiasmados em futebol. E olha, que não se declinavam em regras ou presumíveis mudanças nas posições de jogadores, dos times dos quais falavam. Comentavam com uma ingenuidade assombrosa sobre o estilo de vida dos jogadores citados. Falavam do modo como encaravam a vida, do dinheiro que possuíam, das festas e viagens que participavam e mais do que isso, davam palpites em suas maneiras de organizar o orçamento e sua vida particular, como se fossem íntimos dos atletas. Concordavam com o salário milionário que recebiam e discutiam se fulano ou beltrano deveria ganhar mais. Depois de algum silêncio, engataram outra conversa. Agora satisfeitos com o desenrolar do programa

Alfredo Ferreira Rodrigues, um grande literato e historiador rio-grandino

Alfredo Ferreira Rodrigues, cuja qualidade intelectual foi grandemente propagada em sua obra, que registrou o seu fazer literário, o seu talento especial para as artes, revelando-o como um admirável historiador, além de escritor talentoso. Alfredo Ferreira Rodrigues nasceu no distrito do Povo Novo e muito pequeno passou a residir em Pelotas, sendo que aos 16 anos, por sua elevada condição intelectual, começou a ministrar aulas de várias disciplinas. Trabalhou como revisor na Livraria Americana e mais tarde, passou a trabalhar em sua filial em Rio Grande, vindo a morar definitivamente em nossa cidade. Dedicou-se a vários gêneros literários, tais como crônicas, ensaios, contos, relatos históricos e poesia. Sua intelectualidade o conduziu a ser historiador, poeta, ensaísta, biógrafo, charadista e professor. Nascido a 12 de setembro de 1865, Alfredo Ferreira Rodrigues foi um homem de seu tempo, preocupado em divulgar ao público a história e características singulares do RS. Interes

Os trilhos dos sonhos

Observei os trilhos da velha e desativada ferrovia. Os mourões corroídos, mostrando veios em suas entranhas, com pequenas lascas adormecidas, que aos poucos se desmanchavam sob o sol. Tudo aos poucos se consumia pela ação do tempo. Quem dera, pudéssemos, num passe de mágica, reconstruir a malha ferroviária, restaurar os trilhos reluzentes e seus dormentes com a bitola adequada, permitindo que centenas de trens atravessassem a cidade, encontrando seus destinos e construindo outros, mais longínquos e eficazes. Mas a mágica é só uma ilusão e como tal, apenas ilustra nossos sonhos. . Uma mulher de salto alto, caminha despreocupada por alguns dormentes restantes da velha derrocada. Talvez expresse intimamente a vontade de vivenciar uma história passada, um roteiro que fazia quando criança, ou um encontro que ousasse reviver. Caminha displicente e de vez em quando, se volta, oportunizando em meu olhar também um desejo de descoberta. . O que procura aquela mulher num lugar quase aba