Pular para o conteúdo principal

Postagens

Os trilhos dos sonhos

Observei os trilhos da velha e desativada ferrovia. Os mourões corroídos, mostrando veios em suas entranhas, com pequenas lascas adormecidas, que aos poucos se desmanchavam sob o sol. Tudo aos poucos se consumia pela ação do tempo. Quem dera, pudéssemos, num passe de mágica, reconstruir a malha ferroviária, restaurar os trilhos reluzentes e seus dormentes com a bitola adequada, permitindo que centenas de trens atravessassem a cidade, encontrando seus destinos e construindo outros, mais longínquos e eficazes. Mas a mágica é só uma ilusão e como tal, apenas ilustra nossos sonhos. . Uma mulher de salto alto, caminha despreocupada por alguns dormentes restantes da velha derrocada. Talvez expresse intimamente a vontade de vivenciar uma história passada, um roteiro que fazia quando criança, ou um encontro que ousasse reviver. Caminha displicente e de vez em quando, se volta, oportunizando em meu olhar também um desejo de descoberta. . O que procura aquela mulher num lugar quase aba

O hóspede

Chegou de mansinho e se instalou em minha casa. À princípio, estranhei e até evitei de me envolver em demasia, a não ser proferindo algumas palavras daqui, outras dali, apenas o necessário. Com o passar do tempo, foi ficando mais audacioso. Começara a tomar conta da cozinha, da sala de estar e até mesmo de meu quarto. E nem tinha pudores em se alojar no banheiro. Respirei fundo, avaliei a situação e olhei pela janela, tentando encontrar alguma pista que me desse a solução. Um ser que domina o ambiente e se espalha por tua vida, como o sapo que precisava conquistar a princesa, enlameado e cheio de pedidos esdrúxulos. O que fazer com aquela companhia? Observei pessoas apressadas dando e recebendo recados, falando sozinhas enquanto atravessavam ruas ou sentavam-se em parques, absortas, entretidas em seus contatos. Não seria melhor livrar-me imediatamente daquele peso? Não me tornar mais um zumbi, como elas? Quem sabe, dar um chega pra lá e esquecer de vez que esteve aqui, entre esta

As sutilezas da felicidade

Os dias pareciam dissolver-se no anoitecer que se alongava. Ao voltar do trabalho, o seu hábito era tomar o chimarrão, enquanto ouvia o Repórter Esso. Após o jantar, costumava abrir o Correio do Povo para lê-lo na mesa. Era um ritual ao qual estávamos habituados e sempre interagíamos entre algum comentário ou mesmo sobre a dúvida de um vocábulo desconhecido. Olhávamos para meu pai e procurávamos descobrir a solução através de dicas que ele informava. Lembro de minha irmã e eu buscando métodos mais rápidos para chegarmos a algum resultado. Ela pegava os dicionários ou revistas nos quais houvesse palavras semelhantes. Também ele tinha por hábito pesquisar os atlas, cujos mapas mostravam centenas de países e cidades das quais nem imaginávamos a procedência. Até mesmo no Brasil, começávamos com as capitais, depois as cidades do interior e teríamos que procurar no mapa e ao acertarmos, ganhávamos um ponto. Tudo era considerado uma competição, na qual nos esforçávamos para chegar à

Literatura aliada

A literatura é conceituada e avaliada em seus aspectos estilísticos, estéticos, filosóficos e sociais. Aqui, no entanto, falo da literatura como uma aliada, uma companheira que exerce um papel fundamental na vida das pessoas. Mesmo que não percebamos, é através da literatura, que mostramos o que somos, o que queremos da vida, o que sonhamos. Sabemos que a literatura é uma manifestação artística e para muitos escritores, ela se esgota nesta proposta. Para outros, porém dos quais eu me incluo, a literatura deve ser um registro da realidade que recria, como uma tentativa constante de transformação do mundo em que vivemos. Na minha opinião ela só tem verdadeira importância, se for crivada dos anseios de seu povo, se tiver um viés político. O mínimo que se espera é que haja, em alguma medida, o pensamento crítico sendo colocado em jogo, sendo trabalhado e compartilhado. A arte da escrita não é puramente estética. A despeito do que escrevemos, haverá sempre a intencionalidade do aut

Uma tentativa de análise do texto poético da canção “A noite do meu bem” de Dolores Duran

A noite do meu bem é uma canção composta e interpretada por Dolores Duran e também representada por centenas de cantores. É uma verdadeira poesia com um eu-lírico desenhado em sua estrutura à espera da noite perfeita com seu amado. Tentei aqui desmembrar a letra, procurando decifrar de algum modo a intenção poética da autora. No entanto, ela, em poucas palavras, mostrou um mundo de sentimentos profundos e intensos. Eu tentarei em alguns parágrafos esmiuçar esta habilidade de jogar com as palavras e seus conteúdos, com tanta habilidade e talento. A imagem da “rosa mais linda que houver”, mostrada na música/poesia composta e cantada por Dolores Duran, têm-se de imediato a beleza da flor ainda sob o orvalho da manhã, cujas pétalas tenras e o perfume ainda envolvem o ambiente. Tudo incide num processo onde partículas de cores, perfumes e sons nos remetem à virtude das cores e o arrebatamento do momento. A seguir, ela persegue a beleza nos versos que se referem à “primeira estrela qu

Carta a uma amiga, preocupada porque eu disse que Lula era um preso político

Minha amiga, entendo a tua preocupação. Olha, na verdade, eu nem sei se Lula é totalmente inocente, mas tenho certeza absoluta que não houve uma prova concreta, apenas convicções, como eles dizem. O Jucá tentava persuadir seu colega a participar do golpe (tudo gravado). E diz mais ou menos assim: “é necessário que a gente tire eles porque eles não vão impedir a investigação de corrupção; para estancar a sangria, temos de dar o golpe”. E conclui dizendo: “Com o Supremo Tribunal Federal e com tudo”. O Lula no centro de todo o crime cometido na operação Lava a Jato e, perguntado pela imprensa – essa imprensa que julga e condena – “quais são as provas contra Lula, senhor procurador”, ele respondeu: “não tenho provas, tenho convicções”. Aqui, nós já vemos que a justiça é seletiva. Com provas, não há acusações, nem prisões, com convicção e delações, muitas vezes com interesses pessoais (na maioria das vezes), há condenação. “Mas o problema é que o apartamento não é propriedade dele

Quem sabe?

A flor na pele a pele da flor Se a flor floresce a esperança ressurge a dor desaparece nada perece Prospera o amor À flor da pele Em carne viva Tudo perece Vida sem cor Quem luta compete Quem fica fenece Que luta, só dor! Diálogo, luta, justiça Quem sabe mais o que fazer? Se não esperar ou perecer? Fonte:https://pixabay.com/pt/rosa-natureza-flor-flores-174817/

Conversando sobre a crônica “Tênue limite”

A Revolução Farroupilha sempre foi contada pelos historiadores oficialistas e pela mídia atual, pela ótica dos vencedores, ou seja, dos gaúchos que lutaram com bravura e fidalguia para alcançarem a vitória. Mesmo não havendo vencedores de nenhum dos lados, já que houve um grande acordo que semeou a paz. Na crônica “Tênue limite”, publicado neste blog, eu procuro dar vida ao outro lado do povo gaúcho, aquele que talvez seja herdeiro dos que apenas lutaram sem serem reconhecidos e para os quais, nem a vitória, muito menos a fortuna prevaleceu. De todo modo, esclareço que não sou contra a Revolução Farroupilha como a criação de uma mitologia em torno dos homens dos séculos XIX, que lutaram no Rio Grande do Sul, como a honradez, a fidalguia, a virilidade e a valentia. Tudo isso faz parte de nossa tradição e cultura, incorporado em nosso imaginário gaúcho. Entretanto, não posso ficar alheio à outra parte da história, que foi escondida pelos historiadores oficialistas ( não me refiro

Tênue limite

José cavalga pelo estreito caminho de terra vermelha. Nas bochechas, o ardente do dia, a boca seca, com um fiapo de grama no canto. Um olhar perdido no horizonte. Campos, campos e mais campos. Nos pés, chinelos de dedo arranhando a barriga do cavalo. Quem o olhasse de perto, pensaria que tem a vida decidida. Conduta perfeita. Atitude positiva. Na verdade, não. Ele nem sabe o que fazer além do que faz todo o dia. Busca os animais. Estão quase escondidos, próximos a um quiosque, perto da propriedade dos vizinhos e não muito longe da rodovia. Mas tem que ir. Quem o visse, diria, que gaúcho guapo. Falta só as esporas, a bota, a bombacha. Que nada. Está de calça rasgada no joelho e muito suja. Não é porque gostaria, mas porque não pode sujar a roupa no trabalho. Tem que trazer o gado, como faz sempre. Não são muitos, nem passam de uma dúzia. Mas também não são dele, nem de sua família. É apenas um peão, que mora numa cabana, quase casebre. Os ventos mudam de direção, mas não ele. Que

DE MINHA NATUREZA

(Do livro Anti-heróis que reúne contos selecionados para o II Concurso Literário da Metamorfose Cursos. Enfoca o anti-herói e enceta um diálogo importante com a tradição literária, mas sem perder de vista a contemporaneidade.) Quando Ramiro desceu do ônibus, percebeu uma certa bruma que há muito não via na cidade. Era como se o inverno rapidamente avançasse e a umidade tomasse conta das casas desprotegidas. Mas o outono ainda estava no berço e pouco mais de calor preservava as suas costas suadas e seu olhar abalroado pela dúvida. Dirigiu-se ao cais e a neblina aumentava, como naqueles filmes de Stephen King, nos quais sempre havia uma atmosfera estranha para qualquer época do ano. Sentou-se à beira do cais, quase desconhecendo a cidade do outro lado do canal. Pouco a via, a não ser as torres da matriz, a única parte que ficava a descoberto da neblina. Devia ser um aviso para seus pecados. Uma ameaça, talvez. Mesmo assim, ele desenrolou um cigarro de maconha lentamente, afi

Condutas da vida

Fonte da ilustração: Pexels in: pixbay De repente, o tempo de calor intenso muda e parece que uma nova estação surge do nada. Para um escritor, falar do tempo soa como clichê, mas o que acontece é que, às vezes, este estado de mudança atmosférica parece intimamente ligado a nossas emoções, acompanhando situações e condutas de nossa vida. Olhei para a rua ainda com as beiradas das calçadas com algum resquício de água, mas os paralelepípedos já brilhavam secos, pelo vento que soprava folhas ou a poeira instalada nas bordas, esvaziando o cenário. Tudo expressava renovação, talvez não com os auspícios de dias floridos da primavera, mas com ares de outono hibernal, que aos poucos vai dando mostras de sua força. Um friozinho que se instala entre as persianas, um vento que ruge de quando em vez, varrendo qualquer possibilidade de fuligem ou folhagens como pequenas sombras desgarradas na noite de poucas luzes. Uma limpeza que a natureza se propõe. Pena que nem sempre o nosso eu interior

Ando tão à flor da pele

Ontem assisti ao vídeo da Gal Costa, em que ela apresentava o Zeca Baleiro com a composição "Vapor barato”, uma interpretação por excelência. O tema trata da angústia e o desespero do provável amor não correspondido, mas os versos tocam tão profundamente que podemos adaptá-los a qualquer situação, desde que estejamos emocionalmente envolvidos. O verso em que diz “ Ando tão à flor da pele, qualquer beijo de novela me faz chorar, ando tão à flor da pele, que teu olhar me faz morrer…” e por aí vai, nos remete a uma gama de sentimentos. Ando tão à flor da pele, quando assisto em documentários em canais pagos, que centenas de crianças brasileiras viveram longe de seus pais, em outros países, e agora, na idade adulta, lutam para encontrar vestígios de sua vida passada. Pais que foram sequestrados, torturados, mortos pela ditadura que grassou no País. Ando tão à flor da pele quando vejo questões fundamentais na política externa serem discutidas via Twitter, como o caso da Síria

Faz tempo

Faz tempo que não se vai à janela, nem se observa a rua, nem se reflete na vida. Faz tempo que não se pula amarelinha, nem se ensaia passos de dança, nem se sorri. Faz tempo que o mundo anda cinza, que o medo acolhe as portas, que o riso encolheu. Faz tempo que o ódio é mais inspirador que o amor. Faz tempo que a divisão é o elemento maior. Faz tempo que se rompeu o elo. Faz tempo que se anda em atropelo, sem olhar para o mar ou rever amigos. Faz tempo que se anda sozinho, que se olha uma tela e não se absorve nada. Faz tempo que o mundo anda para trás. Faz tempo que a vanguarda deixou de ser protagonista dando lugar ao retrocesso. Faz tempo. Fonte: Bess Hamiti in: https://pixabay.com/pt/users/Bess-Hamiti-909086/

Para não dizer que não falei das flores I

Talvez não faça diferença ler um ou outro, em qualquer ordem. Ou seja tudo a mesma coisa. Para não dizer que não falei das flores I ou II. A manobra foi lenta e gradual. Bem estudada, desenhada segundo os meandros mais complicados que se apresentavam. Usava-se das estratégias arquitetadas com cuidado, apreensão, focalizando o ponto de partida, que seria a vitória final. Sem retrocesso, sem voltar ao ponto de partida, sem pedidos esdrúxulos de recuos providenciais ou renúncia ao poder tomado pelos dedos fortes que empunharam as bandeiras das escolhas. E a mão foi firme, optando por linhas vibrantes, que condissessem com os objetivos do desenho, principalmente, no ferir despudoradamente o tecido, sem antes porém escolher a dedo o fio necessário, aquele que abrange todo o molde, transformando uma imagem disforme num alto-relevo emergente. Usar o dedal com precisão, para que não se esparja o sangue e arruíne a estrutura, puxar devagar a linha, com cuidado, quase com carinho, enfia

Eu e a velhinha de Taubaté

Acho que sou meio parecido com a velhinha de Taubaté, do Veríssimo, que acreditava piamente no governo do General Figueiredo. Eu acredito na Globo e entendo o que o povo que vê TV, pensa como eu. Sabe por quê? Porque eu assistia ao programa Amaral Neto, repórter, lá pelos meados de 1970, mostrando as belezas naturais e culturais do Brasil, além da união que o governo militar trouxera ao nosso imenso país continental. Ah, nesta época, eu amava a Regina Duarte, que depois da Ritinha, de Irmãos Coragem, passava a ser no ano seguinte, a namoradinha do Brasil com a novela Minha doce namorada. Um primor de pessoa. Sei que ela era assim na vida real: doce, simpática, sorriso amplo e pura! Antes ainda, no tempo dos Irmãos Coragem, ano em que o país ganhou a Copa do México, a tortura ainda era encoberta nos porões dos órgãos de repressão, e o General Médici era um presidente que mantinha um olho nos partidos clandestinos e outro nos campos de futebol. Por coincidência a novela tinha com

Para não dizer que não falei das flores II

Rosas se espalhavam pelo alambrado, tingindo de vermelho o cenário, no qual se avistavam pequenos pedaços de azul da parede do prédio. Quase não se via o outro lado da cerca, tão fortes estavam as rosas. Tínhamos a impressão que o verde era apenas um adereço à beleza e ao perfume que revelavam. Houve momentos em que cresceram tanto, que atingiram o jardim por trás da cerca, envolvendo-se nas margaridas, nas frágeis papoulas ou nos vigorosos cravos amarelos. Achávamos que o vermelho suplantava as cores da discórdia, do ódio, da intolerância. Pensávamos que o desafio estava tomado, que o sangue vertido nas lutas pela democracia representava os anseios de uma sociedade fragilizada por anos e anos de dissociação cidadã de sua pátria. Pensávamos por fim que a sociedade estava madura. Mas as pétalas foram caindo aos poucos, lentamente, no subterrâneo dos insetos devoradores, minando as raízes, as folhas, os galhos. Minando o verde da esperança até chegar no vermelho. O vermelho sí

Lascívia

Este conto é um desafio de uma oficina online, sobre a elaboração de um conto erótico com o protagonismo masculino. Carlos estava sentado na poltrona, ao lado da janela, entediado. Quem diria que ficasse assim, depois da reunião com os estagiários e as modelos excitantes que participaram da aula de pintura. Entretanto, nem a aula ou as mulheres faziam-no esquecer o homem que se atravessara na frente do carro, obrigando-o a parar quase em cima da calçada. Por um momento, imaginou tratar-se de um assalto, apesar da aparência de executivo. Mas quem poderia confiar num homem de terno e uma maleta embaixo do braço, hoje em dia? Dera uma desculpa, dizendo-se interessado em saber sobre as suas aulas. Carlos não respondera. Estava irritado demais para explicar qualquer coisa. Levantou-se, pegou um café e voltou a sentar-se, olhando o deserto da rua que se alongava além da vidraça. Não chegava ninguém, era o que pensava. Entretanto, não demorou muito e bateram na porta. Espiou

O verão agoniza

Nem sempre a noite clara, a brisa entre o arvoredo, a avenida com luzes esparsas pairando sobre bancos e jardins, parecem a plenitude da paz no fim de verão. Pode ser sim o reflorescer das esperanças dos que se reencontram, o harmonizar do mate solitário no banco de madeira, o gorjear dos pássaros noturnos que sinalizam o início do descanso. Ou a emboscada da solidão que martela de leve os que carregam na mochila pesada de vazios, a busca insensata das bebidas e drogas, do ser não sendo quase nada, dos que mendigam amores e dinheiro no chão das esquinas desenhado entre folhas e luar. Outro dia, o vi recolhendo latinhas perto do parque infantil. Fumava uma bagana e parecia procurar alguma coisa indefinida, talvez uma dúvida da qual não se livrava. Olhou-me de soslaio e sem vacilar, disparou: o que é cupincha? Surpreso, respondi indeciso: comparsa. Ele reagiu com um grunhido e silenciou. Pensei em afastar-me, mas perguntei se juntava muito material à noite. Ele repetiu cismado: me

O que Saint-Exupéry, um amigo e as redes sociais tem a ver?

Há muitas coisas que nos chamam a atenção, quando participamos de redes sociais como o facebook, o twitter, o Snapchat, Instagram, entre outras. Por exemplo, há pessoas que conhecemos ou não e que compartilham assuntos de mesmo interesse, como no meu caso, a literatura, a política, filmes, músicas, ciências da informação, com ênfase em biblioteca, os livros enfim. Não sou muito dado a bate-papo online, nem participar de redes de orações, discussões religiosas, jogos, nem muito menos expor coisas muito íntimas, como por exemplo, um beijo apaixonado em minha mulher (porque se já foi fotografado, por certo, feito alguma pose e publicado na rede) então, já este beijo não é tão espontâneo assim, é meio dramaturgia, não é mesmo? Claro, que ocorrem os flagrantes e isso é legal. Mas falo daqueles encontros arrumadinhos, tudo muito certinho e o beijo tascado de forma cinematográfica. Ah, isso é engraçado. Há coisas intimas também, como um jantar em família, na alegria em estar com a família n

O DILEMA DA PRIMEIRA-MINISTRA

Este conto faz parte de uma oficina literária com o desafio de se inserir no conflito dois personagens reais, Indira Ghandi e o papa João Paulo I. Um encontro impossível, pura ficção. A Primeira-Ministra da Índia, Indira Gandhi teve uma visita inusitada, na penúltima noite de outubro de 1984: um emissário da Mossad e o Papa João Paulo I. Tudo começou assim. Indira ensaiou alguns passos, decidida, em direção ao corredor pouco iluminado, observando os pequenos focos de luz que vinham do jardim. Estremeceu, tinha consigo que alguma coisa fatídica estava por acontecer. Mas ultimamente, sua vida estava recheada de acontecimentos surpreendentes. Examinou-se no espelho lateral, próximo à porta, ajeitou com as duas mãos, a ghaghara, saia longa que lhe parecia menos pretenciosa do que o sári e acolheu o véu à cabeça, o significativo odhini, que produzia, sabia disso, uma expressão mais resoluta e misteriosa. Salientava seus olhos negros e grandes, e seu nariz alongado causava um ar de sapi