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MORTE LENTA

Cai a noite. Por certo, os meteorologistas se preparam para as últimas informações sobre o clima. Nada do que palmilhar os mapas da mente e descobrir o clima interior, este tão próprio, tão intimo, tão vulnerável. Pudera seguir o caleidoscópio da paixão. Sentir o calor que se abrasa em meu ser frágil. Pudera ver as novas vertentes das cores que se abrem, misturadas às múltiplas facetas do mundo que se explora. Mas está frio aqui dentro. Lá fora também. A noite é intolerável. A noite é uma mulher má, austera, fria. Sem consolo. Nem lágrimas derretem seu coração. Meu coração, certamente se derrete mais no gelo do que no calor. Mais um dia, ou melhor, uma noite, em que me coração ficará sozinho, disforme no sofá rasgado da sala. Por que não tenho um gato para se aninhar nos meus pés e aquecer meus tornozelos? Um gato submisso, que me espia atrás da poltrona, enlaça seu rabo de leve no pé da mesa e passeia pela sala ao meu encontro. Não, não tenho gato. Não gosto de gatos, ne

IOLANDA

Fonte da ilustração: Aravind kumar, do site https://pixabay.com Iolanda desceu as escadas lentamente. Na rua, um silêncio absurdo parecia isolar a praça do resto do mundo. Espiou pela porta do prédio e viu o ambiente amplo, completamente vazio. Sombras de árvores deitavam em bancos de pedra. Alguns caminhos irregulares. Afastou a porta devagar, deslocando-se em ritmo lento pela calçada. Estava sôfrega. Um cansaço parecia acumular-se nos ombros. Aflita dirigiu-se à praça, atravessando a avenida deserta. Que horas seriam? Mais de 3 horas num numa madrugada qualquer da semana, sem qualquer possibilidade de movimento. Um cão ladrava ao longe e uma pequena brisa começava a sacudir as folhas das árvores. Olhou para o alto. A lua desaparecia lenta, por entre nuvens e o céu tomava um negrume extraordinário. Se não fossem as luzes da cidade, tudo estaria numa escuridão total. Decidiu sentar-se e a madeira do banco martirizava a sua coluna. Mexia o corpo para frente, de vez enquanto par

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 14º CAPÍTULO

No capítulo 13, Júlio refletia sobre a personalidade de Rosa, que em poucos dias, conhecera como uma mulher com traços distintos, de acordo com a situação. Se havia alguém mais estranho naquela cidade, era a maestrina, pois um dia era uma pessoa cordata, tranquila, atendendo o pessoal do hotel com esmero e cuidado, bem como, segundo diziam, uma regente do coral com muito talento.Noutro, era uma mulher assustada e ao mesmo tempo indignada, mostrando-se rancorosa e com muitos segredos. Talvez ela estivesse assustada não pelos crimes, que segundo dissera a afetavam profundamente, em virtude de algumas pessoas terem sido assassinadas por um criminoso que ingetava insulina em pessoas saudáveis. Talvez o outro crime fosse a causa de sua aflição, em virtude da presumível implicação de seu protegido. A partir de agora, publicamos o capítulo 14 de nosso folhetim policial. Capítulo 14 Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/bar-bebidas-álcool-geladeira-926256/ Ricardo dirigia-se ao

O cofre e as moedas

Seguir certas crenças ou talvez quaisquer delas, cristãs ou não, têm-se a impressão de que muitas vezes, Deus situa-se longe demais, num espaço tão distante que se equipara a estrelas inatingíveis. Pelo menos, o Deus do amor que Cristo nos revelou. Nestas religiões ou crenças, o contato com Deus exige muitos caminhos e a maioria deles tem meandros que desembocam em labirintos, aos quais não temos acesso ou nos perdemos na viagem. Para este contato, ficamos a sós, despidos de qualquer humanidade ou desejo, onde os conceitos se constroem nos percalços de uma sociedade idiotizada, na qual o ser humano parece o último da hierarquia animal. Para elas, as crenças e seus idealizadores, atingir este contato exige sobrepujar a dor, exaltar a imagem em detrimento do conteúdo, reproduzindo um ambiente de felicidade. Para ter o contato com Deus é preciso ser aceito na clã e equilibrar-se em cabos sob precipícios, sem rede de apoio, perdidos na fé cega de quem alcança apenas a pala

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 13º CAPÍTULO

Na conversa com Rosa, o detetive Júlio Ramirez descobre que ela está assustada com a onda de crimes por ingestão indevida de insulina a quem é saudável. Um crime que não deixa marcas. Confusa, Rosa está mais temerosa, porque contraiu a doença. Mas há outra expectativa de Júlio em relação a ela, o seu relacionamento com o mecânico Paulo e o assassinato da jovem Taís. Júlio volta para o hotel refletindo sobre tudo que ouvira. A história de Rosa estava muito mal contada. Afinal, defendera o mecânico com muita firmeza, ao mesmo tempo que acusava a vítima de ser uma leviana, revelando todo o ódio que sentia. Por fim, acusara o médico, dizendo que o seu carro estava no local do crime. Mas como sabia que o carro estava lá? Em poucos dias, conhecera uma mulher com traços completamente distintos, de acordo com a situação. Se havia alguém mais estranho naquela cidade, era a maestrina, pois um dia era uma pessoa cordata, tranquila, atendendo o pessoal do hotel com esmero e cuidado, bem

Por que temer a travessia?

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/metamorfose-casulo-borboleta-macro-228720/ Não penses que a borboleta baterá trezentas vezes as asas aos teus ouvidos, nem que as flores vicejarão impunes, mesmo que as regues e cuides todos os dias de tua vida. Um dia te cobrarão pela beleza que expressam. Um dia exigirás que seu perfume abranja um espaço maior e que seus brotos e ramos pululem abrangendo tua paisagem interior. Nunca pensaste que a vida viraria de ponta-cabeça, que o mundo que corria lá fora, corria muito mais veloz dentro de ti mesmo? Nem percebias o quanto teu espírito sugava o néctar de cada flor e as examinava muito mais do que as borboletas ou quaisquer outros insetos. Por certo, ficavas plasmado como uma folha tenra, mas sem vida, caída ao tronco da árvore, próxima à raíz, embora sem qualquer ligação com a seiva-mãe. Foi num salto que a vida te mostrou sem ressalvas o que eras e o que no fundo já sabias. Foi num salto que mergulhaste no nada, um vazio

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 12º CAPÍTULO

No capítulo anterior percebemos que as tramas se desenvolvem de modo a comprometer várias pessoas e parece que todos se acusam sem a menor preocupação. Embora alguns sejam reticentes, como um dos Silva, o dono da oficina, algum detalhe sempre é revelado, como o fato de Rosa ter um caso com o mecânico que trabalha com eles. Por outro lado, Júlio conseguiu algumas revelações de Ana, que vira o carro do médico no dia do assassinato de Taís. Aproveite o 12º capítulo de nosso folhetim policial. CAPÍTULO 12 Rosa, a maestrina e porteira do hotel teria realmente alguma relação com o tal mecânico chamado Paulo? E o que ele estaria fazendo na capital? Teria a ver com a tragédia da filha do farmacêutico? Júlio não consegue parar de pensar no que ouvira, do homem da oficina, de Taís, do médico e da própria Sara, que o havia contratado e também acusara Rosa. Todos pareciam saber de tudo e falavam à meia boca. A não ser Ana, a jovem, que se revelava bem objetiva nas respostas. O que havia de

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 11º CAPÍTULO

No capítulo anterior, o detetive Júlio tomou informações com o médico Ricardo, que é acusado de matar uma jovem, que segundo o que dissera, se aproximara dele com uma intenção possessiva, a ponto de persegui-lo até mesmo no trabalho. O detetive também ficou sabendo que ela abandonara um presumível namorado, chamado Paulo, um mecânico da cidade, o qual tentara agredir o médico, mas que acabara entendendo que ele não era o culpado da situação. Por outro lado, havia uma jovem chamada Ana, de aproximadamente 14 anos que sabia alguma coisa sobre o crime. Júlio Ramirez então, prossegue a sua investigação no 11º capítulo a seguir. Divirtam-se com o nosso folhetim policial. CAPÍTULO 11 Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/ponte-grade-água-rio-1038830/ Júlio voltou para o hotel. Quem diria que estaria novamente na ativa, depois de ter afirmado tantas vezes para si mesmo que este era um tempo passado. Depois do almoço, a tarde se alongava e ele precisava seguir a investigação.

Países que acessaram o blog de 23/06 a 29/06/16

1º Estados Unidos 2º Brasil 3º França 4º Portugal 5º Alemanha 6º Polônia 7º Romênia 8º Rússia 9º Ucrânia 10º Uruguai Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/globus-mapa-dedo-terra-criança-1321796/

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 10º CAPÍTULO

No capítulo anterior, Júlio conversara com duas pessoas: Lucas, o farmacêutico que o procurara para acusar o médico Ricardo de que sua filha fora assassinada por ele. No dia seguinte, conversara com Sara, que dissera que os crimes foram elaborados pela maestrina Rosa. Apesar de ouvir as suas justificativas, Júlio estava decidido a conversar com o médico, primeiramente. Não podia sair acusando todo mundo e quanto à Rosa, mais lhe parecia um ciúme, por um motivo ainda obscuro, que ele ainda procuraria descobrir. Voltamos com o nosso folhetim policial e com o desenrolar da trama, saberemos quais são as justificativas de Rosa. A seguir o 10º capítulo de nossa história. Júlio esforçou-se para conversar com Ricardo Silveira, o médico que passara de plantão toda a noite no hospital. Sabia que em dado momento, o encontraria, pois ele deveria sair alguma hora e ir para a casa. Aguardou-o até a hora do almoço, e logo que o viu dirigir-se à cantina do hospital, aproximou-se e o encontr

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 9º CAPÍTULO

Capítulo 9 Júlio esperou algum tempo, após tocar a campainha do portão. O muro não era alto e podia ver a casa ao fundo, uma calçada de lajotas que perfilava um pequeno jardim e dois bancos instalados oportunamente sob uma árvore frondosa. Observou que a mulher que surgia à porta, parecia abatida e o atendia quase como uma obrigação, talvez por o ter chamado e agora não tinha como dispensá-lo. Ela apresentou-se, conduziu-o ao interior da casa , indicou-lhe uma poltrona para que sentasse, enquanto trazia um café. Ele recusou o café e insistiu que não entendera exatamente o que ela queria dizer no e-mail que lhe enviara. —Vou lhe antecipar que sou um detetive particular, não tenho relação nenhuma com o setor policial. — Caro detetive, eu quero a polícia longe de mim. Foi por isso que o chamei. Inclusive, por uma felicidade do destino, eu descobri que o senhor viria para cá, pois estava interessado em escrever um livro sobre a sua vida. Júlio a olhava surpreso, imaginand

A avalanche de sons

Hugo acordou com um certo zunido nos ouvidos. Na verdade, nem sabia se o ruído vinha de fora ou era um som interno, que não conseguia identificar. Aos poucos, diferentes sons eram ouvidos e tinha a impressão que várias pessoas falavam ao mesmo tempo, bem perto de si, além de outros barulhos. As paredes estalavam, os cabos de luz produziam pequenas alternâncias de ruídos, como movendo-se levemente e até mesmo os plugues das tomadas emitiam sonoridades estranhas. Parece até que borboletas batiam asas próximas ao seu rosto e um cri-cri de grilos se alternava com zumbidos de mosquitos. Estaria sonhando, pensou. Levantou-se rápido e foi até a janela. Viu pequenos agrupamentos de pessoas na calçada e um burburinho intenso, como se estivessem à espera de algum acontecimento grandioso. Puxou os óculos da ponta do nariz e tentou enxergar no outro lado da rua. As sacadas do prédio da frente estavam repletas de homens, mulheres e crianças, todos envolvidos numa balbúrdia animada. At

CONHECIMENTO E EXPERIÊNCIA

Kant, fundamentado em seu modelo do Apriorismo, afirma que todo conhecimento tem sua origem na experiência, mas não exclusivamente isso, porque a experiência somente é estabelecida através do conhecimento tácito, preliminar do homem, pelo menos no sentido mais raso do termo, destituído de qualquer investigação mais minuciosa. Na verdade, segundo ele, o conhecimento se inicia com a experiência, mas esta sentença, de certa forma é arbitrária e não prova que o conhecimento em sua plenitude se deriva exclusivamente dela. Se não vejamos, esta interpretação suscita uma série de questionamentos. É aquela velha história do ovo e da galinha. Ainda existe esta controvérsia? Afinal após a descoberta do DNA, foi comprovado que o ovo veio antes da galinha, ou melhor, a pobre da galinha não passava de um ovo. Esta seria sua primeira forma de vida. Afinal, a famigerada ave é uma espécie inglória, uma ave que não voa, não canta, tem um aspecto parvo e dorme em cima dum poleiro. Mas deixemos es

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 8º CAPÍTULO

CAPÍTULO 8 Depois desta conversa com Jairo, os dois se separaram e Júlio voltou para o hotel. Na portaria, deparou-se com outra pessoa. Certamente, não era o turno de Rosa. No quarto, tomou um banho longo, vestiu um pijama e deitou-se um pouco. Adormecera talvez por meia hora ou mais. Estava com fome, aquela cachaça o deixara faminto. Ligou para a recepção, perguntando se serviam jantar. Não era hábito do hotel, até porque era um estabelecimento de pequeno porte, mas adiantariam o lanche da manhã para ele, com alguns ovos fritos e talvez, até acrescentassem um copo de vinho. No restaurante do hotel, apenas algumas luzes foram acesas, iluminando principalmente a mesa onde Júlio se encontrava. Tomara o restante do vinho e observara a rua pela vidraça. Era uma avenida estreita, com pouquíssimas residências. Sabia que a alguns quilômetros apenas ficava o rio que dividia a cidade, mas cuja região mais desolada ficava após a ponte. Talvez meia hora dali. Recordou a sua infânc