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O Professor Pardal das palavras

A palavra desvenda a nossa compreensão do mundo, trasmitida pela oralidade, cuja mensagem legamos às gerações pela sua representação gráfica. Pesquisando sobre a criação de palavra novas, percebi que algumas eram inventadas por escritores de várias épocas e nacionalidades. Não sabia, por exemplo, que o substantivo “robô” fora criado pelo escritor Karel Capek, da República Checa, cujo significado “trabalho escravo” definia o estilo de produção mecânico em seu livro “Rossum’s Universal Robots”, de 1921. Em 1941, Isaac Asimov a utilizou mais tarde e criou o termo “robótica”. Além deles, há outros autores como John Milton, que inventou a palavra “pandemônio” e imaginem, a expressão “massa cinzenta”, foi utilizada pela primeira vez por Agatha Christie, através do detetive Hercule Poirot. Há muitas outras como: “freelancers”, de Sir Walter Scott, “factoide”, de Norman Mailer, em 1973, “capacho” criada por Charles Dickens, “ciberespaço” por William Gibson, em 1982 e “beatnik”, por Herb Ca

A CASA OBLÍQUA - CAP. XXIV

Clara atravessou a portaria do hotel, largando displicente a chave do carro sobre o balcão. O atendente assistia absorto um jogo na televisão. Quando a viu, surpreso, mostrou-se interessado em atendê-la. Clara percebeu-lhe as mãos magras, ossudas, com pêlos esparsos nos dedos. Num deles, um anel com uma grande pedra vermelha. — Um quarto? Sim, temos, sim. Quantos dias pretende ficar? Ela o encarou, achando esquisita a pergunta. Quem ficaria mais de uma noite naquela espelunca. Clara ficou algum tempo observando a ficha que o atendente lhe dera para preencher, como se precisasse tomar uma decisão definitiva. Ao invés de seu nome, escreveu em letra de forma: Luisa Paranhos Slavícek. O homem leu a ficha devagar. Em seguida, perguntou, curioso: — É de origem alemã? Clara sorriu. — Não. Meu marido é tcheco. Ele calou-se e entregou-lhe a chave. Perguntou pela mala. — Eu trouxe apenas uma valise. Amanhã, tomarei a balsa para a ilha. Ele observou-a na escada, após informar-lhe onde

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO XXIII

Clara não evitou as lágrimas, envolvida naquela situação que aos poucos se apoderava de sua vida, de uma maneira tão íntima, que lhe custava distinguir a sua história da de Dona Luisa. As suas vidas confundiam-se de tal forma, que imaginava ser a mesma história e que apenas os acontecimentos se sucediam em épocas diferentes. Talvez ela nem fosse Clara, mas a própria Luisa. Não bastasse aquele clandestino na sua casa e as peripécias que precisara enfrentar para acolhê-lo, agora as dificuldades se acumulavam, talvez conduzindo a um desfecho semelhante. Não sabia que rumo as coisas tomariam, mas devia esforçar-se para resgatar o verdadeiro amor, a felicidade que Dona Luisa tanto almejara. Por este motivo, faria tudo para encontrar a casa na praia. Pensando assim, vestiu-se com uma roupa leve, quase esportiva para pôr em prática o seu objetivo. Guardou os óculos de grau na bolsa, aplicou as lentes e maquiou-se como de hábito. Pegou também uma pequena valise e de óculos escuros, dirigiu-s

Vem, morena, vem

Vida útil, vida inglória, ingrata, insólita, insana, imbróglio de leva e traz, impaciência, intolerância, dor, inútil. Tudo isso e muito mais pra te dizer, morena, que a dor que sentes agora, já senti com muito mais força e afinco, quando me deparaste na porta, de quatro, chorando feito um bezerro desmamado. Poderias ter evitado aquilo, ser mais romântica, confiada e confiante, amada e amante, amiga e compreensiva. Só porque sou homem, que jogo futebol nos fins de semana e rebento meus meniscos, não era motivo pra me abandonares em plena quarta-feira. Em plena quarta-feira, morena, no dia que combinamos ir ao cinema, lembras do filme? Nem lembras mais, por certo. A raiva, a intolerância, o mau-humor já detonou teu cérebro, já fundiu tua mente, confundiu teus sentimentos. Era um filme daqueles de amores transbordando, derramados, de paixões ardentes, de beijos pungentes em faces rosadas, de luzes de matizes doirados em cenários pastel. Havia até musicais, morena, e é raro um homem

A CASA OBLÍQUA - CAP. XXII

No capítulo anterior de nosso folhetim, Clara deduziu através da fotografia de dona Luisa, que a chave estaria na casa da praia, onde segundo ela, passara os dias mais felizes de sua vida. Neste dia em que ela mostrara a fotografia à Clara, lembrara também da mãe, Moema, com uma certa amargura. Assim começa o nosso vigésimo segundo capítulo, com a história de Moema, que voltava do correio. Moema voltava com um embrulho nas mãos, um pacote envolvido em papel pardo, devidamente lacrado. Noutro envelope, uma fotografia do filho. Trazia-a na mão, parecendo carregar um bem precioso, olhando-a detidamente, caminhando tão devagar que Luisa pensou numa tragédia. Vendo-a pela janela do porão, Luisa aventurou-se pela cozinha, seguida de Saymon. Coração bamboleando, tanto quanto as pernas. Um forte sentimento de culpa, uma pergunta intensa que lhe martelava o cérebro. Moema chegou em casa, empurrou o pequeno portão de ferro, com um joelho, como quem ultrapassa apenas um pequeno obstáculo

A CASA OBLÍQUA - CAP. XXI

Nosso folhetim prossegue hoje com o vigésimo primeiro capítulo. No capítulo anterior, Clara ajudou Nael a voltar ao apartamento, após esconder-se no parapeito da janela, fugindo dos policiais que investigavam a pedido da própria Clara, segundo eles, pois o telefonema partira dali. Clara tornava-se a cada dia mais estranha, confundindo Nael com o seu comportamento. Após este incidente, Nael pretendia afastar-se e tentar sobreviver até acertar a sua regulamentação no país. Clara e Nael ficaram algum tempo conversando. Nael planejava partir. Não havia saída para os dois, a não ser o afastamento imediato. A situação tomava um rumo cada vez mais difícil. Clara, vez que outra concordava, mas ao mesmo tempo, sentia-se só, antecipando uma melancolia indesejável. Quase não o ouvia, perdida que estava em elucubrações. De repente, fitou-o de um modo tão singular, que ele estranhou e indagou o que havia acontecido. Ela descansou o queixo, com os cotovelos sobre a mesa, por alguns segundos, r

Doce relação

A palavra é o desvendar de emoções, a representação fonética e gráfica de nossa simbologia pessoal e compreensão do mundo. É pela palavra, portanto, que agimos e interagimos com o outro. É a arma que garante nossa sobrevivência como ser humano. Entretanto, às vezes, ela é impossível de ser registrada, falada e ouvida e há momentos que seu significado fica desordenado e oculto, sem que possamos manifestar o mundo que a contém. Por essa dificuldade, lembrei da interação que o paciente possui com o seu dentista, enquanto este realiza o seu trabalho. É provável que haja centenas de artigos falando sobre o relacionamento entre o odontólogo e seus pacientes, entretanto, deve haver também muitas maneiras de tratar o assunto, pois a sensibilidade e o ponto de vista de cada um difere segundo a posição que exercem em determinada circunstânca, ou seja, de médico e paciente. Por exemplo, há a observação do dentista sobre o seu paciente e há a percepção interna do paciente, coisa que r

A CASA OBLÍQUA - CAP. XX

Clara estava fascinada com as histórias que Dona Luisa lhe contava com tanta verdade, que pareciam estar acontecendo hoje. Como ela gostaria de amar assim. Mas depois de Bruno, tudo parecia difuso e sem perspectivas. Bateram à porta e seu coração saltou, desassossegado. Deu alguns passos e abriu-a devagar. Olhou para Nael, examinou-lhe a proeminência viril do queixo, a boca sensual e sentiu uma estranha vontade de beijá-lo, mas ficou quieta. Já tinha ido longe demais com aquele homem. Sua história era muito semelhante à de dona Luisa, mas não ao ponto de apaixonar-se como ela. Em todo caso, sentia-se bem em ajudá-lo. Tirava-a da solidão. Libertava-a um pouco da frustração que Bruno lhe causara. Então, perguntou a Nael do que se tratava. Ele não conseguia expressar-se com facilidade. Estava muito preocupado e devia esconder-se. Não entendia porque ela tinha chamado a polícia. — Polícia? Você está louco! — Mas você, você... — Vá, vá para o escritório. Vou receber est

A CASA OBLÍQUA - CAP. XVIV

Clara acordou ainda recordando a visita à Dona Luisa. Tinha a impressão de vê-la assim, tão próxima, que a imagem ficava na retina e custava a dissipar-se. Mas agora, devia tomar suas providências. Assumir o que de fato lhe pertencia: o apartamento ao lado. Não deixaria que o tomassem, principalmente pessoas que nunca a procuraram, que nunca se importaram com a sua vida. Muito menos, Cida, uma sem-teto, que agora cismava em surgir à janela, desafiando-a. Levantou-se com uma tontura que a atingia e a deixava sem tino, como se desconhecesse os caminhos de sua casa. Esforçou-se em tomar um banho rápido para acordar-se de vez. Antes de despir-se, Clara ainda avistou os livros atirados no chão, cópias de artigos espalhadas e a monografia por fazer. Sentiu um empuxo como se aquela visão a obrigasse a retornar à realidade. Foi só um segundo. Deu de ombros, desleixada. Passou pelos objetos, chutando-os, como se os retirasse para sempre de sua vida. Avançou para o banheiro e organizou

Dessolidões

Meu vizinho sofria de uma doença estranha. Foi ao médico, ao curandeiro, ao pastor, leu todos os livros de autoajuda, e nada. A tal da moléstia não o deixava em paz. Era um vazio no peito, uma fome de não sei o quê, um vagar assustado pela casa, um temor de qualquer coisa que não se parecesse com movimento e folia. Não tinha o que se queixar, sua vida era perfeita, muito amado nas redes sociais, vivia em noitadas, antecipada aos happy-hours cercados por amigos. Mas o que acontecia que o aporrinhava tanto? Não passava um minuto sozinho, não tinha nada que o aborrecesse de verdade, até no trânsito costumava se divertir: carro potente, som atordoante, quase um trio elétrico. A vida se lambuzava de prazeres e o mundo nada mais era do que o seu portal de acesso. Estava sempre entre os melhores, aparecia com as mulheres mais lindas, era conceituado como um grande executivo, um homem de negócios e de valor. Até que apareceu aquela dor no peito, aquela quase falta de ar, aquela opacidade

A CASA OBLÍQUA - CAP. XVIII

Hoje prosseguimos nosso folhetim rasgado “A casa oblíqua”que mostra a vida de duas mulheres diferentes, mas que em datas distintas tiveram experiências muito parecidas: Clara e Luisa. Entretanto, parece que Clara a cada dia, confunde o seu presente com o passado da amiga e começa a tomar o seu lugar, numa história que não é sua. No capítulo passado, Clara lembra a conversa que tivera com Luisa, que falava sobre uma fotografia. No capítulo a seguir, temos a história de Luisa apresentada, desde o momento que dirigira-se à igreja, como mencionara à Clara. A seguir, o capítulo XVIII. Luisa fizera o percurso, reservada, procurando manter-se calma. Saymon não devia ter se atrevido a sair de casa, em meio a tantas ameaças. Ele além de arriscar a sua vida, com a possibilidade de ser descoberto e entregue às autoridades militares, colocava em perigo a segurança de sua família, o emprego do pai, que apesar de todas as contrariedades, o havia acolhido em sua casa. No fundo, Luisa es

As cores de abril

“As cores de abril, os ares de anil, o mundo se abriu em flor. E pássaros mil, nas flores de abril, voando e fazendo amor.” O poeta Vinícius de Moraes identifica nestes versos, o início do outono, numa perspectiva de beleza e paixão, na qual a natureza tinge suas cores, dando voz à poesia. É abril que começa. É o outono que chega, a estação, a meu ver, mais suave e plena de matizes, cantos e poesia. Plenitude. Como se a paz reinasse por um período até chegar o inverno. O inverno, que para nós, gaúchos, em regra é rigoroso, em meio a ventanias e frio intenso. Entretanto, no inverno, resiste com grandeza a flor símbolo de nosso Estado, o brinco-de-princesa. Uma flor que vence as intempéries e justifica a sua resistência pela beleza que acolhe nossos jardins e praças. Uma flor que viceja durante todo o ano e tem a forma de um brinco, como os usados pela mulher gaúcha. Suas cores vão do azul, violeta, ao vermelho, branco e rosa, cujas nuances se mesclam aos coloridos

A CASA OBLÍQUA - CAP. XVII

Quando o interfone tocou, Clara deu um salto. Espiou pela janela e teve a impressão de ver luzes no apartamento de Dona Luisa. Estremeceu, imaginando que Cida havia voltado. Um ódio insano se apoderou dela. Sentia-se invadida em sua privacidade, em seus segredos, em sua vida. A campainha insistia e antes que Nael aparecesse à porta, aborrecendo-a, levantou-se imediatamente da cadeira, guardando as fotos na gaveta, empurrando-as para o seu interior, negligente, investindo contra a porta, como se fosse se defender de um assassino. Em seguida, passou por ele pelo corredor e antecipou-se rápida, para a porta de entrada. Ajeitou os cabelos, puxando-os com energia para trás e abriu a porta. Quando avistou Gustavo do outro lado, tentou fechá-la, indignada, mas ele impediu-a com o pé. — Ué, Clarinha, não quer a minha visita? Clara controlou-se. Perguntou o que queria àquela hora, pois ela não estava esperando visitas. — Pois é, mas eu posso entrar, não? — Você já entrou. O que acont