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Uma bomba e a aeromoça gaúcha

Meu amigo tinha por hábito externar qualquer pequeno problema que o acometesse. Às vezes, um mudança abrupta no seu estado psíquico, como uma melancolia, uma vontade de afastar-se de onde estava ou simplesmente um pequeno ruído que o incomodava. Via de regra, sabíamos que reagia com certo exagero às circunstâncias, mas respeitávamos o seu modo de ser e procurávamos conciliar seus pequenos desajustes aos nossos interesses.   Naquele dia, porém a coisa fora diferente. Estávamos reunidos no aeroporto para seguirmos à Brasília para um curso relâmpago de três dias. Éramos em torno de 30 pessoas e comemorávamos a ideia de projetar o nosso trabalho de marketing para a instituição em que trabalhávamos.   Ao entrarmos no avião, fomos para nossos acentos e conversamos animados com a possibilidade de ainda chegarmos cedo à cidade para quem sabe, irmos num bom restaurante após a chegada no hotel e nos prepararmos para o dia seguinte que seria bem puxado.  Meu amigo Júlio (era se

"A barca e a biblioteca" na Editora Metamorfose

A barca e a biblioteca na Editora Metamorfose A barca e a biblioteca é uma ficção que narra a trajetória de um homem que aos poucos descobre a verdadeira história de seu pai, morto nos tempos da Ditadura Militar Brasileira. Tudo começa nos anos 60, quando César, ainda menino, vive entre a fantasia de aventurar-se na barca à beira do cais e seus livros. Já na fase adulta, César é um bibliotecário que se vê envolvido em uma trama perigosa, com novos crimes, velhos fantasmas e duas histórias que se entrecruzam. Um romance de fôlego, envolvente e que foge dos clichês da representação da ditadura, mostrando sutis e cotidianas repressões.  Ficha técnica Autor: Gilson Corrêa Nº de páginas: 280 Gênero: Narrativa longa

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO V

CAPÍTULO V Quando o celular tocou, Clara não conseguia entender onde estava. Dormira durante tanto tempo que poderia ser qualquer hora do dia ou da noite. Então, pegou o celular que estava sobre a mesinha de cabeceira e atendeu, desligando-o em seguida, percebendo tratar-se de uma mensagem da operadora. Levantou-se, doída, sentindo as pernas bambas, como resultado de um esforço extremo. Ouviu ruídos lá fora, um galho de árvore que insistia em roçar a lateral do prédio, agitado pelo vento. Cães latiam ao longe. Voltou ao celular, desta vez para certificar-se das horas. O entardecer de inverno se despedia rápido. Anoitecia no mesmo compasso. Passava das seis. Espiou pelas frestas das venezianas e observou as luzes da rua. Procurou os óculos sobre o baú, limitando pela mão os espaços mais prováveis onde os teria deixado, talvez entre livros e revistas, ali esquecidos. Enfiou-os sobre o nariz, ajeitando-os com o polegar e como por encanto, o presente voltou à tona, com as

M o E d A s NaS F r E s T a S

Corri e juntei com as mãos todas as moedas. Nem pareciam de ouro, prata ou qualquer metal precioso. Eram de cobre ou estanho vagabundo, não sei. Mas faziam parte do meu mundo. Quando as atiraste no assoalho de casa, custou-me encontrá-las, caídas algumas nas frestas quase fendas que se abriam na madeira tosca. Temia até empurrá-las mais para baixo e chegar ao inferno. Temia enfiar a mão e todo meu braço ser sugado pelo inimigo desconhecido. A noite se formava lenta e eu sabia que precisava com urgência juntá-las e apanhá-las do chão antes que chegasses. Por certo, ririas na minha cara com aquele riso debochado que sempre se acendia nas horas de absoluta ironia. Quantas vezes te evitei e fingi desconhecer tuas metas. Quantas não ouvi o guizo de teu pescoço, saltitando pela floresta perto de nossa casa. Quantas vezes te esperei faminto e sonolento, com a certeza de que não virias. Mas hoje tinha certeza de que o sangue que te alimentava, alimentava também minha solidão. O sa

Um menino que voa alto

Começou devagarinho a chamar-me a atenção. A princípio, uma ideia aqui, outra acolá. Noutros momentos, um pequeno rabisco, como quem recém está se desenvolvendo e quer o peito, faminto. Aos poucos, se observa que o bebê está crescendo e começa a pedir-nos coisas. Exige cada vez mais cuidados, como se estivesse prestes a cair em ciladas. Então o analisamos com cautela, aceitamos seus pedidos, aumentamos os recursos. Começa a ficar bonito, rechonchudo, umas bochechas vermelhas de bebê de rótulo de leite. Ele cresce mais e já é um adolescente. Aí que o conflito aumenta, nem tudo está adequado aos seus desejos. Quer mais, precisa tornar-se mais forte e resistente, para que todos o vejam com vigor e sabedoria. Mas sabedoria só não basta. É preciso zelo, coerência, beleza, músculos fortes e tórax robusto. Está quase no ponto de se mostrar à audiência. Precisa então de um clímax e por isso nos enlouquece a ponto de acreditarmos que não chegaremos ao final. O que busca ele? O que

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO IV

CAPÍTULO IV Clara levantou-se inquieta e espiou pelas frestas da veneziana. Luzes que evocavam movimentos, pessoas que passavam na calçada, lá embaixo, mas cujas vozes ressoavam agitadas, como se estivessem ali, bem próximas. Buzinas de carros, motos que rasgavam tímpanos, dilacerando ouvidos. Portões de ferro arranhando os pisos. Lojas abrindo. Operários chegando. Conversas no café, na padaria, nos açougues. Primeiros acordes do dia. Não conseguia relaxar, como pretendia. Pensamentos confusos, que iam e vinham ao sabor das recordações, ora agradáveis, ora tristes ou trágicos. Por vezes, lembranças da infância, trazendo-lhe aromas conhecidos de fins de tarde de outono, brincadeiras na rua, amassando folhas secas, ouvindo o estalido agradável de se partirem como papel. Vozes dos pais, resgatando pequenas alegrias, que se espalhavam no dia a dia, sem maiores preocupações, do que ser feliz. Até que eles desapareceram, um de cada vez, como folhas agora não mais rígidas,

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO III

CAPÍTULO III Não havia como recuar, embora Clara se sentisse perdida. Toda a euforia do resgate passara como por encanto. Estava deprimida, irritada consigo, atordoada. Como tirar aquele homem do carro, abrir a porta do prédio e torcer para que ninguém a visse. O vento estava mais intenso, embora não mais chovesse desde que deixara o porto. Começou por etapas, tentando acordá-lo. Agora percebia que ele estava praticamente dobrado em dois, como um malabarista. Encolhido no banco, a cabeça rente à janela e as pernas estiradas para baixo, joelhos articulados de forma a caber os pés sob o assento dianteiro. Puxou a capa, descobrindo-lhe os ombros, surgindo um corpo magro, cuja ossatura se salientava sob um casaco ruço, que mal lhe cobria as costas, tão curto, como se não fosse dele. Usava calças de algodão escuro e um cheiro de suor exalava de seu corpo. Clara tentou acordá-lo, mas não foi necessário. Ele virou a cabeça lentamente, fitando-a da mesma maneira anterior: entre sup

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO II

Resumo do primeiro capítulo (anterior). Todos os capítulos são publicados nas terças e sextas-feiras Naquela noite de muita chuva, vento e frio, Clara chegara ao porto, seu local de trabalho. Enquanto examinava as planilhas dos navios que deveriam ancorar no cais, recordava da desilusão amorosa que tivera com o namorado Bruno, que a deixara por não saber conviver com a rotina de um presumível casamento. Sozinha e triste, ela executou as suas tarefas no navio chegara, dirigindo-se ao porão para a inspeção normal. Assustou-se quando viu um homem escondido, percebendo tratar-se de um clandestino. Lembrando-se da vizinha e amiga, dona Luisa, que na época da Segunda Guerra Mundial, acolhera um refugiado, um tanto confusa , Clara decidira reproduzir a mesma situação. O homem revelava-se muito doente e ela dissera aos guardas portuários, que não havia nada de anormal no navio. Sendo assim, imaginou um plano de retirá-lo da embarcação. A seguir o segundo capítulo de A CASA OBLÍQUA

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO I

Antes de lançar a narrativa longa “A barca e a biblioteca” (que está à venda na Editora Metamorfose, no site http://www.editorametamorfose.com.br )no dia 28/01/2017, próximo sábado na Feira do Livro da Furg, no Cassino, Rio Grande, RS, eu havia criado o romance “A casa oblíqua”. A partir de hoje, passo a publicar os capítulos neste blog, duas vezes por semana, normalmente nas terças-feiras e nas sextas. Trata-se de uma história de amor, suspense e drama. A vida em suas diferentes fases e problemas tão semelhantes. A seguir uma pequena sinopse do romance A Casa Oblíqua e logo após o primeiro capítulo: A vida, às vezes, prepara surpresas, tais como a de Clara, que após uma frustração amorosa vê-se envolvida com um refugiado, recém chegado ao porto da cidade onde mora. Trata-se de um fato muito semelhante ao ocorrido com a vizinha solitária de seu prédio, Dona Luisa, há muito tempo atrás, na época da segunda guerra. Clara então, parece assumir a personalidade da amiga e já não s