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A percepção da subjetividade na filosofia e na literatura

Com a Modernidade, houve gradativamente uma mudança de paradigma na literatura filosófica e em muitos aspectos da história da humanidade. Por exemplo, havia a crença de que o sentido das coisas decorria da essência do objeto. A partir de René Descartes, que contribuiu grandemente para a história das ideias, ocorre a relevância do sujeito, ou seja, o sentido passa a estar na consciência do sujeito. Essa nova maneira de pensar, este novo olhar filosófico implica em grandes transformações nas artes, nas ciências, na cultura, enfim, no novo mundo que se insurgia.   Na literatura abrangente da filosofia, pode-se dizer que num primeiro momento, no que concerne à época antiga e medieval, que todo o pensamento estava centrado no objeto. Na modernidade, há a inserção do sujeito, mais do que isso, a ascensão do sujeito dando sentido à consciência, contrariando à supremacia da essência do objeto. Finalmente, na filosofia contemporânea, afirma-se uma intersubjetividade, ou seja, a relação

Labirinto

Assisti na tv que um homem foi atingido por um raio e sobreviveu. Depois, ouvi vozes ao telefone, como se estivesse aguardando alguma ligação. Como se alguém houvesse ligado! Passeei pela casa, acabrunhado. Um gato pulou a janela, parou no parapeito, olhou-me de soslaio, sorrateiro e deu meia volta. Ainda o vi, perder-se sobre os telhados. Uma luz vibrante iluminou por completo a cena. O sol se punha tão rápido! Afastei-me da janela, voltei para a tv. Estava desligada, mas tinha a absoluta certeza de alguém falava lá dentro, naquela caixinha de luz. Será que voltarão? Será que o telefone tocará novamente? Há meses, não vejo meu filho. Está um rapaz e tanto! Cabelos pelos ombros, hoje quase não o reconheço. Estou envelhecendo aqui, sozinho, nesta casa. Se ao menos, pudesse sair, afastar-me deste labirinto que me oprime, desviar os ouvidos dessas vozes que me sussurram coisas obscenas. Sei que não posso. E tenho medo de afastar-me. Aqui estou seguro, mesmo que os gatos pul

A fotografia da vida de Santa -CAP. 24

NESTA TERÇA-FEIRA 29 DE NOVEMBRO, PROSSEGUE O NOSSO FOLHETIM DRAMÁTICO, AGORA COM O CAPÍTULO 24. Capítulo 24 Santa estava muito nervosa com o sofrimento de Linda. Afinal, o sobrinho havia sido assassinado. De repente, as situações revelavam um caminho bem diferente do que Santa tinha imaginado. Ela agora, arrependia-se por ter pedido ao rapaz que descobrisse o que Linda estava tramando contra ela em conluio com o próprio marido. Precisava provar aos filhos que o seu objetivo era torná-la uma incapaz. Mas não era essse o caminho que queria para a família, ao contrário, queria o bem para todos. Por que tudo desandara dessa maneira? Até ela se envolveu nessa intriga. Por que não foi clara com Sandoval, com os filhos, por que não abriu o jogo. Isso tudo a deixava mortificada. Não era o que a Virgem lhe indicara, ao contrário, afastava-se cada vez mais dos objetivos de união e credenciamento de novos rumos para a família. Estava assim, perdida em seus pensamentos, quando Sandoval e

A fotografia da vida de Santa - CAP. 23

Capítulo 23 Naquela noite, a polícia foi chamada porque havia um movimento suspeito na casa que estivera há tempo tempo desabitada. Encontraram o corpo de Fernando estirado no chão e nenhuma impressão digital. Entretanto, investigaram com afinco as redondezas e descobriram quem tinha chamado a polícia. O vizinho do prédio à frente, havia visto as pessoas entrarem e sairem da casa e tinha a impressão de que havia algo errado. Os policiais também examinaram as câmeras de segurança na rua, mas não conseguiram ver as placas dos carros. Entretanto, o final de uma delas estava bem nítido e o vizinho ainda auxiliara, dizendo que anotara a placa de um carro, embora não coincidisse com a parte da placa que surgia nas câmeras. Já no âmbito da polícia, analisando detidamente as cenas, puderam constatar que a placa anotada era de um dos carros que parara no local. Dali em diante, foi fácil encontrarem o dono do carro, Alfredo Sampaio. Na manhã seguinte, Alfredo recebe uma intimação para ir à

Sonhos na lagoa

Gosto de observar o cais. Dá-me uma sensação de abandono e uma certa melancolia boa. Não sei se pela partida e chegada dos barcos ou por recordações do passado. Coisas boas que se foram, ocultas num cantinho absorto, sem que se dê vazão a sua presença. Às vezes passeio pela doca, observo de longe o brilho do mar reluzente, sol a pino e dia claro. Ou até mesmo quando nuvens escurecem a lagoa, tenho prazer em alastrar o olhar e observar nas sombras que se moldam nas ondas, pequenas figuras que se evadem de meus sentimentos. Quem sabe, um barco há muito tempo não aportou por ali, trazendo além de granjeiros ou pescadores, donas de casas, crianças a reboque chegando na cidade, despejando os sonhos ansiosos antes apenas mergulhados na imaginação. Ou os que partem, barcos repletos de mantimentos, ferramentas ou utensí lios de cozinha. Mulheres que acenam para os que ficam e descem inseguras no molejo das ondas. Acocoram-se nos bancos de madeira, molhando os pés nas águas que i

Passos de atriz

Ela atravessou a rua devagar, lembrando as velhas histórias do rádio. Seus cabelos grisalhos, a pele ressequida e marcada, pouco lembrava a figura brejeira dos anos 60. Mas ainda tinha a paixão na alma e a vontade de desenterrar o passado e vivê-lo plenamente. Sabia que não era possível encontrar os amigos, muito já mortos, outros vivendo perspectivas diferentes, burocráticas, mesquinhas e até medíocres. Ela ainda tinha sonhos, embora sozinha, quem sabe restaurar o que de alegria lhe restava, de novidade e desejo se debater em buscas ainda não realizadas. Estava velha, mas não cansada. E se vivia do passado, quem a poderia acusar? Refletia o resto de luz que iluminava a sua mente e da qual não podia nem queria se livrar. Uma chama frágil, mas densa, que a mantinha viva. Considerava que suas roupas eram dignas, que o talhe era modesto, mas adequado para a ocasião. Subiu a calçada, meio falseando o pé no salto alto. Nem tanto, o suficiente para uma senhora como ela. Paro

ZUMBI- 1695 - DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

“Zumbi dos Palmares, delatado por Antonio Soares, é surpreendido pelo Cap. Furtado de Mendonça em seu reduto (talvez a serra Dois Irmãos). Apunhalado, resiste, mas é morto com 20 guerreiros. Tem a cabeça cortada, salgada e levada, com o pênis dentro da boca, ao governador Melo e Castro. No 3º centenário de sua morte, emergirá como o grande heróis da luta pela liberdade no Brasil. A data é o dia Nacional da Consciência Negra”. Fonte: www.vermelho.org.br. Nos dias de hoje, questões são elaboradas e discutidas e abrangendo vários aspectos sobre a intricada situação do negro no Brasil. Muitos há que acreditam que os preconceitos étnicos já debandaram e que os envolvidos nas questões raciais, nada mais fazem do que subjugar a inteligência das pessoas, quando afirmam sentirem-se prejudicados pelo preconceito. Acham que não existe preconceito e se os há, ocorrem de maneira dispersa, atingindo apenas alguns menos qualificados no cenário intelectual, ou seja, os operários, as pess

A fotografia da vida de Santa - CAP. 22

Capítulo 22 Aquela noite, Fernando não conseguira dormir. O plano de Alfredo era coisa de amador. Afinal, sequestrar o pai para que tivesse tempo de provar que a mãe era uma mulher lúcida e capaz de decidir sobre o seu patrimônio, era uma coisa absurda, a não ser que ele tivesse outros planos na cabeça. Talvez ele quisesse se livrar do velho para sempre. E se tudo desse errado? O Sr. Sandoval anda sempre acompanhado de seguranças, além de ser um homem esperto. Talvez o próprio Alfredo tenha uma maneira de deixá-lo sozinho para que ele o capturasse. E depois? O que aconteceria depois? Ele teria de sumir do país e como faria, sendo um homem em liberdade condicional. Não podia fazer aquilo, era muito perigoso e se descobrissem ele não teria chances de se defender. Procuraria Alfredo e diria isso a ele. Procurou o número no celular e ligou para Alfredo pedindo que viesse procurá-lo. Teria que resolver esse problema ainda esta noite, não poderia continuar com aquela preocupação.

A fotografia da vida de Santa - CAP. 21

Nosso folhetim dramático e exagerado é publicado às terças-feiras e aos sábados. A seguir mais um capítulo, agora nos capítulos finais, no qual os desfechos aos poucos vão acontecendo. Boa diversão! Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/chá-preto-e-branco-bule-de-chá-1001654/ Capítulo 21 Santa desliga o celular e se surpreende com a visita de Letícia. A filha dificilmente apareceria, a menos que fosse chamada para algum encontro de família, como no caso das reuniões que aconteceram há pouco. De todo modo, estava feliz com a presença da filha, embora a achasse um pouco estranha. Leticia tomava chá ao seu lado, na varanda que desembocava num jardim enorme, do qual se avistava algumas montanhas. O por do sol ficava muito bonito, naquela região. Santa observa a filha com carinho e mostra-se afável. Percebe, no entanto um certo desconforto, que não caracteriza a personalidade de Letícia, afinal sempre categórica e arrogante. – Fico muito contente que você tenha vindo, L

Bandeira do povo brasileiro

Quantas vezes, tremulaste abrandando as nuvens cinzas e deixando o céu mais azul. Quantos olhos infantis te miravam, ensaiando teu hino e experimentando a emoção de teu emblema. Quantas vezes, mãos juvenis te ergueram, levantaram no mastro, garbosa e alvissareira de novos rumos e esperanças da Nação. Quantas vezes, foste chamada por vozes ufanistas, num patriotismo para poucos, num mundo de excessão. Foste assim usada, para ser um símbolo apenas de pensamentos restritos, não ligados ao povo, em períodos em que tua presença não era herança de todos. Quantas vezes, cobriste ombros e corações de quem lutava por direito à liberdade e mostraste teu desempenho nas faces confiantes dos que lutavam por teu país. Quantas vezes, lembram de ti nos hinos, nas glórias e nos feitos e esquecem quem teceu tuas entranhas e o vigor com que te vestes. Hoje te vejo desperta no céu, bandeira, pavilhão de amor e glória e espero que representes o povo a quem te serve como discípulo fiel

Um amontoado de ossos

Percebia um corpo franzino que se esgueirava rápido, por entre as árvores. A noite já se aproximava e o parque, aos poucos, ficava deserto. De repente, ela sentou num dos bancos, de súbito, como houvesse se assustado de alguma coisa. Eu podia vê-la de longe, e por um momento, pensei fotografá-la com o celular. Mas foi só por um momento. Meu coração disparou, assustado, pois a mulher despencou literalmente no chão. Corri até o banco onde estava e abaixei-me, tentando descobrir o que estava acontecendo. Ela estava no chão, a cabeça estirada próxima aos pés do banco. Ao seu lado, um cachorro preto olhava compassivo, como se soubesse o que acontecera. Ou como se fosse de rotina. Tentei acordá-la, olhei para os lados, para ver algum passante por perto que me acudisse. Um que outro olhava de longe e se afastava ainda mais. Peguei a sua cabeça entre as mãos. Era tão pequena aquela cabeça, que parecia um crânio vazio, sem cabelos, sem pele, sem couro cabeludo, apenas ossos. Tão

Um quarto na tarde

Este é um conto elaborado a partir do desafio de uma oficina literária. O desafio seria utilizar um personagem semelhante à Séverine do filme “Belle de jour”, A bela da tarde. Talvez estivesse assim abandonada, assim alijada de seus momentos de liberdade absoluta, onde não houvesse ninguém para atrapalhar seus planos. Quem sabe numa ilha deserta, mar aberto, longe de qualquer civilização. Que nada, estava estirada na cama, envolta em cobertas amassadas, mascando o travor da vida que se esvaía, no colchão inchado. A revolta tomava conta de seu ser. O ódio talvez endereçado a si própria deixava distantes os que a atormentavam. Estava assim, desorientada, embrulhada em seus pensamentos, como aquelas cobertas nas quais se descobriam os pés. O frio vinha menos das frestas das venezianas, sem vidraças do que o que a consumia por dentro. Ela levantou com esforço, espiou para fora: um olhar conturbado, aranhas tecendo redes turvas nas frestas. Ah, se pudesse desfrutar o ar poluído d

A fotografia da vida de Santa - CAP. 20

Capítulo 20 Quando anoitece, Fernando retorna para a casa onde decidira residir em definitivo. Uma casa que lhe traz muitas recordações, mas está disposto a enfrentá-las e conviver com elas. Afinal, foi a sua vida durante tanto tempo. Quem sabe, agora, ele a reconstrói e esquece para sempre o trabalho de jardineiro. Sabe que precisa andar na linha, para não voltar para a prisão, pois não suportaria voltar para aquele hospício. Entra em casa e ao ligar o interruptor assusta-se com a presença de Linda, esperando-o na sala. — O que está fazendo aqui? Como a senhora entrou? Linda sorri e aproxima-se para abraçá-lo. A primeira reação de Fernando é afastar-se, mas lembrou-se das palavras de Alfredo, de que deveria ser cínico e não enfrentá-la. Então, dá um leve beijo na testa e afasta-se novamente perguntando como ela havia entrado. — Desculpe, meu querido, não queria assustá-lo. — Mas a senhora me assustou. Como vou imaginar que alguém estará aqui, dentro de minha cas

O IDIOTA DE DOSTOIÉVSKI

Em 11 de novembro de 1821 nasceu o escritor russo Fyodor Dostoievsky, uma das mais importantes referências literárias na história. Um dos seus mais relevantes romances, que revelam muito de sua visão da sociedade da época e de sua incapacidade de compreensão do individualismo que chegava com a modernidade, é o Idiota, um romance que traduz a realidade do escritor. O protagonista, um príncipe chamado Liév Nickoláeivitch Míchkin sofria de epilepsia, uma doença considerada na época em que o livro foi publicado, 1869, como uma desordem psiquiátrica. Ele foi internado num sanatório na Suiça por vários anos para tratar da doença e retornaria a Petersburgo, para receber uma herança deixada por um parente de seu seu pai. Ali ele pretendia retomar a sua vida. A trama se desenvolve a partir da sua inadaptação à sociedade corrupta, incompatível com a sua integridade, lealdade  e senso de justiça.   Trata-se de uma narrativa densa, que envolve uma gama de personagens e situações que se des