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Meu pai, a jawa e o Irmão Cassiano

Meu pai largou a maleta de ferramentas sobre a mesa, falou rapidamente com minha mãe e convidou-me a sair. Como sabia de nosso destino, segui-o rapidamente. Parecia um pouco irritado, conhecia aquele vinco entre os olhos, como se analisasse detidamente algum documento. Subi na velha Jawa, uma motocicleta dos anos 50, enquanto ele dava a partida no pedal. Seguimos rápidos pela rua Dr. Nascimento e chegamos à escola. Já na portaria, encontramos o Seu Miguel, que nos cumprimentou e foi rapidamente chamar o Irmão Sagres, o orientador da turma. Quando chegou, após os cumprimentos, ele não parecia interessado no assunto de meu pai. Batia uma bola de vôlei, no chão, desatento. Meu pai insistiu no problema, afinal, ele viajaria com a família por duas semanas, era um assunto urgente e não haveria como eu permanecer na cidade. Irmão Sagres acabou informando que não era problema dele, que devia falar com o Diretor. Mas afinal, perguntara meu pai irritado, o senhor não é o regente da tu

A fotografia da vida de Santa - CAP. 13

No capítulo décimo segundo, a família acabou concordando com a proposta de Sandoval de considerar Santa como incapaz, para que ela não conseguisse mexer no patrimônio. No entanto, Sandoval jamais poderia imaginar que Linda gravara toda a conversa e que faria chantagem, a ponto de também impor as suas condições. É o que veremos no capítulo a seguir de nosso folhetim dramático. Boa leitura! Capítulo 13 Linda olha em torno, como se aqueles móveis que há tanto tempo convivera, também fossem seus, de direito. Por fim, responde a pergunta de Sandoval com muita segurança. — Quero que me considere da família, afinal temos um filho juntos. Faço questão que o assuma e repasse a parte da fortuna que lhe cabe de direito. E depois que dona Santa estiver fora do páreo, eu pretendo tomar conta da casa. Nada mais junsto, não acha? E depois, quem sabe um dia não casamos oficialmente? — Você é mesmo uma desvairada! Eu jamais cometeria uma sandice destas! Fique sabendo de uma coisa

Pai na bicicleta: uma acrobacia de alegria

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/bicicleta-sombra-desporto-hispânico-233379/ Houve tempo em que te vi sorrindo, orgulhoso, satisfeito, encontrando nos filhos a certeza inabalável da vida, do se fazer pai e amigo. Houve tempo em que me puseste no colo e abriste a página do jornal, ensinando-me a ler. Ali conheci o valor das palavras, da leitura e mais ainda, o prazer de ser amado e protegido. Houve tempo em que te vi assim, cabisbaixo, olhando pros lados, insatisfeito. Talvez refletisses o que fazer diante dos problemas: da chamada do professor em casa, da briga costurada com o colega, da ordem desobedecida ao cruzar a rua e ver a bola picando, campo à fora, meninos ruidosos, na luta aguerrida do futebol. Sei, que na verdade, me querias na escrivaninha, pequeno troféu, que criaste, mais perto dos estudos e bem distante dos chamados “guris de rua”, daquela época. Benditos guris, nada semelhantes aos de hoje. Houve tempo em que te vi desconfiado com a política, com os

Por que escrevemos? Por que lemos?

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/trabalho-workaholic-escritor-1627703/ Bem, é uma questão um tanto difícil, levando-se em conta as diferentes possibilidades, desejos e experiências de cada um. Escreve-se para viver, às vezes, respirar, transformar a poeira dos ossos em energia para alcançar os degraus onde o sol pisa. Considero que os escritores de todas categorias, seja em que suporte expressem a sua arte, tem como fundamento interno uma procura constante da verdade, com suas buscas visando partidas ou encontros, ou seja, mostrar que outra realidade é possível. Afinal, o que se deseja se não desmitificar a pretensa realidade? Uma realidade revelada a partir de milhares de padrões, tanto midiáticos, políticos, religiosos, científicos, empíricos ou sociais. Uma realidade que se metamorfoseia dia a dia de acordo com as conveniências e as máscaras que lhe impõe a sociedade com interesses diversificados. A literatura, portanto tem esta função social e política de resga

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A fotografia da vida de Santa - CAP. 12

No décimo primeiro capítulo Sandoval presidiu a reunião da família, na qual a matriarca Santa não estava presente, muito menos o convidado bispo Martim e Linda, a empregada que Santa fazia questão da presença. Neste encontro, Sandoval conseguiu finalmente convencer os filhos que a mulher estava muito doente, na verdade uma doença mental que a levava a ter visões como a da Virgem e por conseguinte as mensagens que elaborara com a intenção de mudar o comportamento de todos. Para não perder a forturna, a considerariam incapaz de administrar os bens ou decidir qualquer coisa ligada a testamentos. Não sabiam porém, que Linda gravara toda a conversa em seu celular, escondida atrás de uma cortina. A seguir o desenrolar do nosso folhetim dramático, nesta terça-feira, 18/10/16. Todas as terças e sábados, são publicados os capítulos da história “A fotografia da vida de Santa”. Boa diversão. Capítulo 12 Todos conversam em tom acalorado, após terem tomado a difícil decisão. Em segu

A experiência humana no filme “De porta a porta” (Door to door)

O filme “De porta em porta” (Door to door), de 2002 do diretor Steven Schachter ( Sem suspeita, Atraídos pela fama, Lady Killer entre outros) mostra a história simples e humana de Bill Porter (William H. Maci), portador de paralisia cerebral, que pretende tornar-se um vendedor. As dificuldades de Bill são gritantes e proibitivas, pelo menos aparentemente em tornar-se um eficiente vendedor de porta em porta. Entretanto, com o desenrolar da trama, ele consegue tornar-se um dos maiores vendedores de sua época, mas apesar de sua facilidade em comunicar-se, a vida é muitas vezes injusta e para ele, o passar do tempo pode piorar as coisas. Bill, no entanto, sabe sobrepujar as suas dificuldades e tornar-se um vencedor. O filme desenvolve uma narrativa densa, estruturada de forma a delinear situações que vão mostrando ao espectador a metamorfose que ocorre na comunidade, paralelamente à transformação que também ocorre no protagonista. Aos poucos, ele interage com a comunidade através

A fotografia da vida de Santa - CAP. 11

Hoje é sábado, por isso, publicamos a seguir o décimo primeiro capítulo de nosso folhetim dramático. Sempre publicamos um capítulo na terça-feira e o outro no sábado. Bem, vamos fazer uma síntese do capítulo anterior. No décimo capítulo, Santa fizera um balanço sobre os desdobramentos da reunião familiar, na qual impora algumas condições à família, ao bispo Martim e à Linda. Estava preocupada e um pouco confusa. Não sabia se o que estava fazendo era o correto para a situação. Entretanto, Sandoval decidira fazer uma reunião sem a sua presença, nem a de Linda, o que lhe produzia um sentimento de desconfiança. Por isso, pedira à Linda que se escondesse na biblioteca e ficasse a par dos acontecimentos. Quando a reunião começara, ela tinha ido à igreja. Sandoval, como um trunfo para derrotar as condições de Santa, dissera à família que ela estava louca. Portanto, a seguir o nosso décimo primeiro capítulo, com a pergunta de Letícia. Divirtam-se, amigos! Capítulo 11 — Como louca? O

A margem oposta

Fonte da ilustração: fotografia do facebook do escritor e poeta Wilson da Rosa Fonseca Passei a viver assim taciturno, caminhando sozinho pelas vielas escuras como um vampiro à cata de sangue. Bobagem, a única coisa que talvez nos unisse é a terrível solidão. Tão sozinho como este casaco estirado na poltrona, esperando que sacudisse o pó e o levasse comigo. Este frio que me atazanava, que me doía as carnes, que me comprimia os ossos e me deixava zonzo. Melhor seria não sair de casa, não enfrentar o vento que fustiga o rosto, que me arde os olhos, que resseca a boca, resfria a alma. Melhor ficar em casa tomando caldo verde ou chocolate quente. Melhor esconder-me entre as cobertas macias e ocultar-me do mundo. Mas precisava ultrapassar as barreiras de meus medos e dar vazão à solidão que me assolava e me deixava assim, desconsolado. Se ao menos pudesse cometer delito, qualquer delito, mesmo insosso e insano, sem consequência. Qualquer coisa maluca, que não falta grave, mas que

A fotografia da vida de Santa - CAP. 10

No nono capítulo, Sandoval decidiu fazer a revelação numa reunião em que não estivessem presentes Santa e Linda, por isso Santa pediu à empregada, que se escondesse na biblioteca e ouvisse tudo, quando ocorresse a reunião da família. Naquela mesma noite, Santa foi surpreendida por uma pessoa estranha no jardim, que fugira em seguida. Linda encontrara um cartão jogado pela janela e Santa percebera que se tratava da mensagem que dera ao bispo Martim. A seguir, o décimo capítulo de nosso folhetim dramático. Capítulo 10 Santa aproximou-se da janela, pensativa. Seu olhar perdia-se ao longe. De repente, ficava na dúvida se o seu plano em relação à família era uma atitude correta. Afinal, o que sonhara e que imaginara ser o correto para atender à Virgem e transformar a sua vida, poderia não surtir o efeito desejado. De repente, poria tudo a perder e a paz que imaginava se transformasse num caos. Na verdade, depois das mensagens e da reunião, as coisas pareciam desandar e a p

Alguns aspectos do filme "A pele em que habito"de Pedro Almodóvar

"A pele em que habito" de Pedro Almodóvar é um filme que a princípio parece uma página em branco. Não há nada a dizer. Mas por pouco tempo. Aos poucos, nos damos conta da grandiosidade da obra, quando percebemos a realidade perversa das contingências que levam o protagonista a agir de maneira alucinada, ou talvez, excessivamente planejada.  Mas voltemos ao diretor, Almodóvar, que pensamos por vezes assistirmos filmes semelhantes, com a mesma temática urbana e seus relacionamentos loucos do cotidiano, na efervescência das relações conturbadas do século XXI. Entretanto, em cada trabalho, o cineasta apresenta a reinvenção do fazer cinema pautada na ousadia dos cortes ou na interrogação da câmera que revela a cena, ocultando. "A pele que habito” parte de novas narrativas, talvez desconhecidas ao grande público, embora muito bem enfronhadas nos cenários e tramas que por vezes parecem comédia, regadas a certo melodrama. O filme é uma construção de elementos de

A fotografia da vida de Santa - CAP. 9

No capítulo anterior, quando Linda começou a revelar o que motivara Santa a fazê-la permanecer na reunião, Sandoval teve um mal súbito interrompendo-a. Após a intervenção médica e constando-se que ele não tinha um problema grave, Santa ameaçou-o que se ele não contasse aos filhos sobre o fato que o relacionava à revelação de Linda, ela cumpriria a missão que se propusera. A seguir o nono capítulo de nosso folhetim dramático. Capítulo 9 Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/m%C3%ADstico-árvores-nevoeiro-misty-918502/Unsplash Sandoval levanta-se da cama e caminha pelo quarto em extrema ansiedade. De repente, a estabilidade de sua família está a perigo. Santa intervém na vida de todos com uma finalidade que não lhe parece nada espiritual, ao contrário, é cheia de vingança e desejos moralistas. Mas o que fazer para impedir que leve adiante esse delírio? As últimas palavras da mulher ecoam em sua cabeça, colocando em suas mãos a decisão de propor uma nova reunião.

A fotografia da vida de Santa - CAP. 8

No capítulo anterior, na reunião de Santa com a família, Alfredo assumiu que era gay, o que todos sabiam e comentavam entre si, mas usavam a hipocrisia para disfarçar a desaprovação. Por outro lado, surgiu a revelação do bispo Martim, amigo da família, que contara sobre um relacionamento que tivera no passado com a mãe de Sandoval. Mas o pior ainda estava por vir, pois faltava a revelação de Linda, a empregada que trabalhava há muitos anos para a família. A seguir o 8º capítulo de nosso folhetim dramático. Capítulo 8 Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/crianças-homem-face-raiva-660219/por Geralt Linda não tem nada a ver com esta história, não se preocupem. Mas ela tem também a sua história – responde Santa, aliviada pela revelação do bispo. Sandoval revela-se cada vez mais ansioso, percebendo que a mulher está satisfeita com a situação: — Acho uma palhaçada envolver a Linda nesta loucura, Santa. Deixe a moça em paz, mande-a de volta ao trabalho. — Por qu