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As divagações e sonhos de Marina

Seus pés pequenos mergulhavam, solitários, na água morna. O sol ardia, escaldante, nas têmporas. Mas aquele minuto de sol significava mais do que tudo que precisava fazer. Quase deslizava na água. A ponta dos dedos observavam mariscos, a areia da praia que afundava na pressão do calcanhar, as pequenas conchas que teciam a rede de espumas que se espalhava. Era lindo e ela sabia disso. Suas pernas finas e ágeis davam, de vez enquanto, pulos, como uma rã em busca de insetos. E assim, passavam a correr, mal pisando a água clara e morna, limpando a planta dos pés, deixando-as mais brancas ainda. Os pés e as pernas eram escuras, como o resto do corpo, mas as plantas eram claras, tão claras que tinha a impressão que as tinham pintado. Agora estavam quase murchas. O sol a pino produzia gotas de suor na testa ampla. Os olhos grandes, argutos, analisavam apenas o que lhe convinha: o conviver com o que a natureza oferecia. E não era pouco. Ali ficou, nos saltos e em cada um, vislumbrava um

Os pecados de Xavier

Se ocorresse nos dias atuais, do politicamente correto e do convervadorismo tacanho, por certo Xavier seria taxado de, no mínimo, irresponsável. Lá pelos anos 80, não havia tanta integração entre as pessoas, afinal, não havia internet, muito menos redes sociais. Quem se conhecia, o máximo que gravitava entre os bate-papos era o que se contava à amiúde. As fofocas do alto escalão se deixava às revistas especializadas. Xavier era um cara divertido, no alto de seus quarenta e poucos, com mulher e filho, tinha alguns interesses que desapontavam os amigos mais chegados, mas produzia certa curiosidade em se descobrir os meandros em que os interesses se realizavam. Ele não costumava falar, mas quando encontrava um amigo, exagerava nos detalhes, nos momentos mais impetuosos, aguçando a lascividade intrínsica do ser humano. Ninguém sabia ao certo o que fazia, como eram as suas noites de diversão, principalmente nos fins de semana. Ele, via de regra, voltava ao trabalho numa penúria de

O que vem na lancha?

Rogério atravessou o paço municipal com efetiva energia. Estava satisfeito consigo. Daqui a pouco, aquela casa seria sua. O mundo lhe renderia homenagens, as pessoas em geral falariam nele, a maioria pelos seus benefícios que faria à cidade. Uns invejosos falariam mal, mas que falassem. Não lhe interessava. Importava agora o pleito que estava por vir e ele como candidato, certamente seria o vencedor. Ninguém o tirava do páreo, de jeito nenhum. Em seguida, estava no cais e parou por um momento, observando a lagoa. Na verdade, a laguna, um homem com a autoridade que teria, devia usar o termo correto. A laguna o encantava, às vezes, principalmente nestes dias de pouco sol, com alguma neblina, mas com um calor envolvente, prenúncio de alguma chuva. Podiam pensar que era loucura este pensamento, mas este rebuliço da natureza o envolvia completamente. Era como nas urnas e os efeitos nem sempre passivos, às vezes desvastadores. Uma lancha se aproximava e ele decidiu sentar num dos b

Sabrina

Sabrina desligou a tv analógica e ouviu ainda um ruído, que demorava a sumir. Talvez a tv estivesse úmida, pensou. Sempre que acontece uma chuva forte, tudo fica meio atrapalhado. Houve dias em que até o liquidificador parou de funcionar. Quando compraria uma tv digital? Era coisa que não podia pensar, neste momento. Os meninos na escola, indo a pé, caminhando mais de 5 km e ela preocupada com a televisão. Mas deixa pra lá, melhor procurar os tais panos de prato, que passou o dia atabalhoada e os perdeu. Sabe que os guardou, tem certeza, mas onde estarão? Precisava sair antes que os meninos voltassem para vendê-los no armazém de Seu Oliveira. Lá costumava deixá-los até que alguém os comprasse. Às vezes, ninguém adquiria nada, mas na feira sempre dava certo. Na feira era venda segura. Ou na igreja, mas na igreja não gostava de vender não. O padre pedia silêncio, porque o mulherio fazia um burburinho na porta da igreja até começar a missa. Ele andou proibindo que ela vendesse,

As olimpíadas e as opiniões contraditórias

Há sete anos, "Chegou a nossa hora”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Copenhague, na Dinamarca, ao defender diante do Comitê Olímpico Internacional (COI) a candidatura do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016. Muitas pessoas refutaram o discurso como absurdo e que o País não teria condições de arcar com um evento esportivo deste porte. Talvez tivessem razão. Durante sete anos, Dilma Rousseff proporcionou condições para que o evento olímpico acontecesse no Brasil. Muitos execraram a conduta da Presidente, achando que não era hora do País utilizar os seus recursos financeiros e humanos para este empreedimento. Talvez tivessem razão. Em 2016, as olimpíadas ocorreram no período transitório do temerário. Muitos ufânicos e patrióticos acreditaram que a Olimpíada foi um sucesso. Estes mesmos que foram contrários antes. Talvez tenham razão (?) Fonte da ilustração: http://misturaurbana.com/2011/07/rage_arte-e-ironia-pelas-ruas-de-sp/

As diferenças e os preconceitos

Outro dia escrevi em meu blog sobre alteridade, que trata da condição do outro, as suas diferenças em relação as minhas e como as enxergo ou me vejo a apartir dos olhos alheios. Isto significa que há diferenças e que devemos respeitá-las em nossa convivência diária. Pensando nisso, me veio à mente percepções de pessoas que julgava diferentes e por serem assim, não as compreendia e nem as aceitava e se o fizesse, apenas as tratava com educação formal. Agora, entendo o quanto isso era preconceituoso e prejudicial para a convivência e o quanto eu era vulnerável em meus sentimentos. Isso acontece com a maioria das pessoas e nem percebem, como eu que seguia o senso comum. Por exemplo, quando lidava com uma pessoa que em suas atividades, necessitava de um tempo específico maior, mais programático, mais dogmático, diferente do meu; eu na minha ansiedade, já me afastava. Era mais agradável compartilhar as experiências com quem fosse parecido, embora, sabemos que jamais alguém é igual

Minha mãe

Minha mãe. Aqui na foto estás serena, uma aparência de quem espera. Talvez tenhas esperado muito por mim, quando voltava tarde da Universidade ou do trabalho, ou mesmo das festas. Recriminava a tua atitude, mas agora sei, mãe o que sentias e porque o fazias dessa forma, porque de algum modo, também espero. Talvez com outro método, mas com os mesmos receios e as mesmas dúvidas. Hoje seria o teu aniversário, dia 19 de agosto, por isso te lembro hoje, aqui, publicamente, embora pense em ti sempre. Este pensamento me leva a situações e condutas distantes, como o frisar da calça com perfeição para ir à escola (quando não se usava abrigo de malha, a não ser para o que chamávamos de educação física), o exigir o cuidado com a pasta de alcinha e duas dobradiças que deveriam ser fechadas com esmero (não se usava mochila), a merenda enrolada num pano de prato e envolta em papel de pão (raramente se comprava no bar) e o dinheiro para uma eventual necessidade. E quando voltava, sempre atenta com

Estranha obsessão : um filme de muitas perguntas e poucas respostas

Estranha obsessão (2011), ( pode haver alguns "spoilers" ) em francês “Le femme du Vème” ou em inglês “ The woman in the fifth” é uma produção franco-polonesa, dirigida por Pawet Pawlikowski. Ethan Hawke e Kristin Scott Thomas formam o estranho par romântico na trama de mistério. O protagonista é Tom Richs (Ethan Hawke), um escritor norte-americano que se muda para Paris, para se aproximar de sua filha. Já em Paris, depois de ser roubado, se hospeda em um hotel barato. Numa livraria, é convidado para uma festa, onde conhece uma viúva de um escritor húngaro (Kristin Scott Thomas), tradutora de livros, com a qual mantém um romance. Por outro lado, mantém um romance no hotel, com uma linda polonesa (Joanna Kulig, atriz polonesa). Por fim, é acusado de suspeito por um crime, pois seu vizinho de quarto é assassinado. Para livrar-se da acusação, tem como álibi o encontro com a viúva, em sua casa, porém, a polícia descobre que a mulher havia cometido suicídio em 1991. Mas toda es

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 20º CAPÍTULO (ÚLTIMO)

Capítulo 20 - último Após a confissão desesperada de Paulo, fez-se um silêncio complacente. Nada se podia argumentar. A realidade dizia por si. Paulo chorava convulsamente. Seus soluços eram ouvidos do outro lado do vidro que separava as duas peças. Júlio observava e por sua experiência, sabia que ele ficaria mais tranquilo em seguida. Foi o que aconteceu. Paulo voltou a falar, compassado, entre lágrimas, porém um tanto aliviado. – Rosa não admitia que ela gostasse de mim, que se atirasse daquele jeito sobre mim. Achava que ela era uma puta. E Rosa é muito religiosa, muito moralista. – interrompe-se um instante, como se temesse confessar mais alguma coisa que incriminasse Rosa, porém prossegue. Sabe que agora, precisa ir até o fim. – Pra falar a verdade, detetive, ela não é só a mãe que eu arranjei, entende? Ela é a mulher que me satisfaz na cama e eu faço o possível pra corresponder. Mas eu só vivo pensando em Taís, em mulheres como ela, foi por isso que fui lá e não me

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 19º CAPÍTULO

Capítulo 19 Rosa depõe na polícia e confessa que tentara matar Ana porque achava que ela sabia que Paulo usara o carro do médico na noite do crime. Para o delegado Borba, não há mais dúvidas de que o rapaz é o verdadeiro assassino de Taís, já que foi comprovado de que ele estava no local do crime e Rosa praticamente o acusou, na tentativa de defendê-lo. Parece enfim, que todas as peças se encaixam e que o verdadeiro culpado é mesmo o mecânico. Afinal, ele era namorado de Taís, tinha muitos ciúmes e segundo a própria Rosa, certa vez, ele a tinha ameaçado de morte, após uma briga calorosa. Com o passar do tempo, no entanto, as coisas haviam se acalmado e cada um do seu lado, foi tocando a própria vida. O problema, segundo Rosa, é que ele a havia encontrado algumas vezes e Taís, leviana que era, estava novamente tendo um caso com o antigo namorado. Ela era muito ligada ao o grupo de Ana, onde conseguia as drogas que utilizava, embora a menina mais jovem fosse a mais arisca e nã

OS DEZ TEXTOS MAIS LIDOS NO MÊS DE JULHO/2016

1º - O cofre e as moedas 2º - A identidade subjetiva, a alteridade e as diferenças 3º - Um crime na cidade que sabia demais 4º - Morte lenta 5º - Moedas nas frestas 6º - Momentos e encontros 7º - Iolanda 8º- Por que temer a travessia? 9º - Metáforas cruéis: desqualificação das mulheres e negros 10º - A varsóvia que vi: suas peculiaridades, beleza, modernidade

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - CAPÍTULO 18

Capítulo 18 Naquela noite, Júlio Ramirez não conseguia dormir. A cidade natal que cultivava em sua memória como um sonho de paz e felicidade se revelava um aglomerado de pessoas estranhas, com princípios totalmente diferentes dos seus. Nada era como imaginara, ao pensar até em voltar a morar ali. Entretanto, este tempo estava sendo de uma aprendizagem do ser humano, especialmente para o seu livro, que além de uma biografia, provavelmente seria um estudo sociológico. Havia muito a contar sobre àquela gente que costumava ser tão polida e ao mesmo tempo com segredos inconfessáveis. Provavelmente, eram iguais a todo o mundo, só que ali, o caldo cultural era muito expressivo, juntando todos com características muito peculiares. Estava assim pensativo, quando tocou o celular quase ao seu ouvido e estremeceu, assustado. Estava ficando velho, pensou, qualquer ruído bastava para deixá-lo em estado de alerta. Devia ser uma mensagem qualquer, dessas de publicidade que acabam com a paz de c

Alfredo Martins: o homem ideal e as várias formas de amar

Todas as noites Alfredo Martins fechava a porta de ferro do velho cartório, sempre de maneira metódica, puxando-a devagar para não desengatar o trilho e agachando-se enquanto trazia até o chão, para finalmente engatilhar o trinco e o cadeado ao mesmo tempo. Era de praxe. Era o modelo deixado por seu pai. Era o correto. Alfredo Martins era na vida pessoal, como agia em seu trabalho: um tabelião responsável e rígido. Tinha a pontualidade e a responsabilidade no trabalho como modelo indispensável para uma integridade ética e moral em suas relações profissionais. Casado, sem filhos e afeito a servir à comunidade através de missões filantrópicas de forte poder ético, o abonavam como um homem de qualidade familiar e social. Religioso e pacato em sua vida particular, Alfredo Martins tinha um único único hobbie, que era a pesca e o fazia apenas acompanhado da esposa, porque considerava de bom tom experienciar também os prazeres como um casal. Naquela manhã porém, Alfredo Martins sent