Pular para o conteúdo principal

Postagens

O papeleiro, a biblioteca e a Instituição Acadêmica

  Esta crônica foi publicada no Jornal do Cassino, em 2009. Pela atualidade do tema, achei conveniente publicá-la também neste blog. O artigo da jornalista Marielise Ferreira, na edição de domingo, 30/12/08, de Zero Hora, traz o texto sugestivo “Do lixo para as prateleiras, com o seguinte subtítulo: papeleiro funda biblioteca em Passo Fundo e leva a literatura à periferia. No decorrer do texto, deparei-me surpreso e ao mesmo tempo emocionado com a atitude do Sr. Valdelírio Nunes de Souza, homem de origem simples, que estudou até a 5ª série fundamental, cuja sensibilidade aliada ao reconhecimento da importância dos livros, (os quais considera tesouros) abdicou do lucro de sua venda, para constituir uma biblioteca, visando compartilhá-la com os seus. Nesta altura, fico me perguntando, enquanto bibliotecário e servidor público, o que temos feito com as nossas bibliotecas, o quanto de importância dedicamos a sua estrutura, ao seu acesso, à disponibilidade da comunidade. Ta

Olhar noir

Nem sabia se devia sair, mas em dado momento, sentiu-se mal. Uma mulher de sua estirpe, por mais que aquele povo representasse a elite, havia entre eles alguns estapafúrdios, que demonstravam uma dissonância com o movimento, que a deixava irritada. Estava muito calor, homens suados e sem charme, vestidos em camisetas bregas pedindo autógrafos e às vezes, dando encontrões maliciosos. Se ao menos partisse de um garoto malhado, barriga tanquinho, barba mal feita e boca sensual, daquelas que suplicam um beijo cinematográfico. Que nada, havia até uns velhos decrépitos, de bermuda branca e sandalha de velcro, uh, que coisa execrável! Era hora de dar o fora, uma atriz de seu cabedal, filha de militar, que fora casada com diretores e até mágicos, inclusive se tornado virgem a pedido do policial, aquele cafajeste! Mas deixa pra lá, agora ela ainda dá os seus pitacos nos novinhos! Afastou-se do grupo constrangedor. Ouvia o seu nome a todo momento, Susi Silveira, Susi Silveira, o que produzi

OS DEZ TEXTOS MAIS ACESSADOS DO BLOG

1º O uruguai e seus carros antigos 2º Metáforas cruéis: desqualificação de mulheres e negros 3º Trabalho voluntário no Hospital Psiquiátrico: uma provocação para a vida 4º Um passeio no gordini, com meu pai 5º Pequena resenha do filme “De porta em porta”(Door to door) 6º Minha apreensão da vida e a dos outros 7º Caminhos traçados 8º Comentários emocionantes sobre a crônica “Refugiados em seus sonhos publicada em abril/2015 9º O amor e a piedade: sentimentos distintos 10º Uma diretora valente

Roteiro de viagem

Parodiando o conto "Circuito fechado"de Ricardo Ramos, eu fiz como exercício para nosso Curso de Formação de escritores o conto "Roteiro de viagem" . Quarto.cama.travesseiro. criado-mudo. alarme. celular. pijama. banheiro. sanitário. pia. sabonete.dentifrício. escova. boxe.chuveiro.toalha. pente.cabelo. cueca. camisa.calça. meia. sapato.agasalho.carteira. mochila. celular.sala.chave. porta.quadra.esquina.rodoviária. box. ônibus. carteira. passagem. poltrona.celular. tablet. sono. manhã.pessoas. conversas. ruas. sinaleiras. rodovia. paradouro. comanda.banheiro. mictório. pia. toalha.bufê.sonho. café.balcão. mesa. cadeira.café. sonho. adoçante. guardanapo.caixa.comanda.tridente.carteira. dinheiro. ônibus. poltrona. celular. tablet. livro. textos. sono. conversas. sons. celular. buzinas. rodovia.rodoviária. banheiro. mictório. descarga. pia. sabonete. toalha. restaurante. salada de frutas. café. tridente.táxi.motorista. conversas. ruas. sinais. placas. veículos. trân

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI EM FLORES II

Rosas se espalhavam pelo alambrado, tingindo de vermelho o cenário, no qual se avistavam pequenos pedaços de azul da parede do prédio. Quase não se via o outro lado da cerca, tão fortes estavam as rosas. Tínhamos a impressão que o verde era apenas um adereço à beleza e ao perfume que revelavam. Houve momentos em que cresceram tanto, que atingiram o jardim por trás da cerca, envolvendo-se nas margaridas, nas frágeis papoulas ou nos vigorosos cravos amarelos. Achavamos que o vermelho suplantava as cores da discórdia, do ódio, da intolerância. Pensávamos que o desafio estava tomado, que o sangue vertido nas lutas pela democracia representava os anseios de uma sociedade fragilizada por anos e anos de dissociação cidadã de sua pátria. Achávamos por fim que a sociedade estava madura. Mas as pétalas foram caindo aos poucos, lentamente, no subterrâneo dos insetos devoradores, minando as raízes, as folhas, os galhos. Minando o verde da esperança até chegar no vermelho. O vermelho

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XXII

HOJE, TERÇA-FEIRA 22/03/2016, APRESENTAMOS A SEGUIR AS EMOÇÕES FINAIS DE NOSSO FOLHETIM RASGADO, O 22º E ÚLTIMO CAPÍTULO DE PÁSSARO INCAUTO NA JANELA. OBRIGADO PELOS LEITORES QUE ACOMPANHARAM A HISTÓRIA . C apítulo 22 Úrsula ouviu barulho no elevador e alertou os ouvidos, na espera de que o alvo fosse o seu endereço. Atualmente, vivia sempre esperando que alguém chegasse, e a convidasse para tomar um chá, passear pelo parque, ou quem sabe, sobreviver numa dose de uísque. Provavelmente Dulcina voltava para a faxina, quando bateram na porta, entretanto, seu coração bateu acelerado. E se fosse Susana, se o tribunal do júri a tivesse absolvido e ela estivesse pronta para acompanhá-la na maior pesquisa de sua vida. Com algum esforço, antecipou-se até a porta. Abriu-a rapidamente, machucando a mão na maçaneta. Não conseguiu evitar a decepção, quando um homem a aguardava com uma calma indefinida no olhar. A barba crescida, totalmente branca, o cabelo alinhado,

Pra não dizer que não falei em flores

A manobra foi lenta e gradual. Bem estudada, desenhada segundo os meandros mais complicados que se apresentavam. Usava-se das estratégias arquitetadas com cuidado, apreensão, focalizando o ponto de partida, que seria a vitória final. Sem retrocesso, sem voltar ao ponto de partida, sem pedidos esdrúxulos de recuos providenciais ou renúncia ao poder tomado pelos dedos fortes que empunharam as bandeiras das escolhas. E a mão foi firme, optando por linhas vibrantes, que condissessem com os objetivos do desenho, principalmente, no ferir despudoradamente o tecido, sem antes porém escolher a dedo o fio necessário, aquele que abrange todo o molde, transformando uma imagem disforme num alto-relevo emergente. Usar o dedal com precisão, para que não se esparja o sangue e arruíne a estrutura, puxar devagar a linha, com cuidado, quase com carinho, enfiando-a na agulha e trazendo para próximo ao peito, para não perder o equilíbrio e deixar que se escoe por entre os dedos, como água que jamais se

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XXI - PENÚLTIMO

A SEGUIR (17/03/2016) O 21º CAPÍTULO DO NOSSO FOLHETIM RASGADO "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA". ESTE É O PENÚLTIMO CAPÍTULO. NA PRÓXIMA TERÇA-FEIRA, DIA 22/03/2016, APRESENTAREMOS O ÚLTIMO CAPÍTULO DE NOSSA HISTÓRIA. Capítulo 21 Fonte da ilustração: Blog "Vientos del Brasil"http://blogs.elpais.com/vientos-de-brasil/2013/10/ de Juan Arias Não se pode afirmar que tudo transcorre na rotina, que um dia sobrepõe ao outro naturalmente, sem que nada de novo aconteça. Sempre que olho na janela, ainda vejo resquícios do dia anterior, ou das noites que passaram insólitas sem me trazer nada de bom, as não ser as dores habituais nas costas, na alma, no coração. Talvez Susana seja condenada, não por ter realizado a eutanásia, mas por homicídio, tudo porque uma testemunha a viu abreviar a vida do pai. Estes casos não chegam à justiça, porque o médico age a pedido do doente ou dos seus parentes, se incapacitado para tomar alguma decisão sobre a sua vida. Talvez este se

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XX

HOJE TERÇA-FEIRA 15/03/2016 PROSSEGUE NOSSO FOLHETIM RASGADO, COM MAIS REVELAÇÕES. QUEM SERÁ O HOMEM QUE ÚRSULA VÊ NA JANELA DE SEU APARTAMENTO? ESTA E OUTRAS RESPOSTAS ESTÃO NO 20º CAPÍTULO A SEGUIR . Capítulo 20 Imagine, Dulcina, que não entendia o que acontecia naquele cenário clean, preparado ao gosto antisséptico de meu irmão. Ele tinha o controle de tudo, de quem conhece todos os segredos, de quem possui todas as chaves, todas as respostas. Ele olhou-nos a mim e a Susana como se fôssemos seres de outro planeta. Eu, porque estava velha e acabada, ela porque era uma estranha no ninho, embora, com o passar do tempo, percebemos que não era tão estranha assim. O teatro foi planejado com muita competência. Imagine que Roberta Célia estava lá, sentada a minha frente, e ele sabe que a odeio. Além disso, teve a desfaçatez de dizer que sempre sonhou que nos tornássemos amigas, algum dia! Eu tive vontade de virar aquela mesa com vasos e lírios e tudo o mais que tinha em ci

A GOTA DERRAMOU

Sabia o quanto ainda o esperaria. Guardou os chinelos, desfez-se do roupão e deu uma arrumada na casa. Tinha consigo que precisava cumprir o método. Rotina. Repetida, contínua, perfeita. Não devia se prestar a devaneios, a pensar coisas que não se referissem à família. Bem que pensava em si, às vezes. Pensava numa vida fulgurante, cheia de brilhos, luzes ofuscantes nos olhos cinzentos. Como seus olhos poderiam ter um tom assim? A mãe, via de regra, a chamava de olhos de gato. Achava-a, no fundo, estranha. Mas que fazer, se até sua mãe a criticava com tanta acidez. A vida lhe parecia dura, às vezes. Era uma mulher perfeita: boa mãe, ótima esposa, excelente dona de casa. Não era uma mulher de seu tempo. Não trabalhava fora, como as amigas. Amigas? Muito poucas, aquelas que sobraram dos bancos de escola, das poucas baladas que participara, das noites de verão, quando ficava na casa de uma tia, lá em Florianópolis. Eram dias felizes, em que conhecera rapazes diferentes dos de sua c

O PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XIX

O NOSSO FOLHETIM CONTINUA AGORA JÁ CHEGANDO A QUINTA-FEIRA, 10/03/16 COM NOVOS DESDOBRAMENTOS DAS RELAÇÕES DE ÚRSULA. UMA HISTÓRIA DE MULHERES, NA TENTATIVA DE PENETRAR NO UNIVERSO FEMININO, COM A DIFICULDADE NORMAL DE UMA AUTOR DE CULTURA MASCULINA. ESPERO QUE TENHA SUCESSO. ESTE É O 19º CAPÍTULO, QUE APRESENTO COM MUITO PRAZER. Capítulo 18 FONTE DA FOTOGRAFIA: AUTOR WILSON FONSECA DA ROSA, GRANDE ESCRITOR, POETA E FOTÓGRAFO RIO-GRANDINO. Capítulo 19 Sabe, Dulcina, às vezes me pergunto porque acabo indo nas suas águas. Na verdade, sempre refutei tudo o que você me dizia, todas as histórias que em geral achava idiotas, sem sentido. Nunca a vi como um ser humano, estou sendo muito sincera comigo, sabe? Você pra mim, nunca passou daqueles servidores invisíveis, quase descartáveis, que a gente se depara por algumas horas. Que a gente precisa, mas finge que não vê. Que me interessava a sua vida, as suas atitudes desleixadas, o seu jeito simplório de me contar o que lhe acontec

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XVIII

NESTA QUARTA, PUBLICAMOS O 18º CAPÍTULO DE NOSSO FOLHETIM RASGADO, UM CAPÍTULO ESPECIAL ONDE AS DORES E ALEGRIAS DAS MULHERES SE REVELAM. UMA TRAMA EM QUE A PROTAGONISTA É A MULHER, QUALQUER QUE SEJA A SUA ONDIÇÃO SOCIAL. NA QUINTA VOLTAMOS COM OS CAPÍTULOS NORMAIS. Capítulo 18 Sinto a alma confrangida. As pernas bambas, pesadas, e nestes poucos passos que dou, me afastando do quarto, tenho a impressão que carrego um fardo insuportável. Sentar nesta poltrona da sala de estar, me iludindo que nada mudou, que o mundo gira na mesma posição, que tudo está como antes... talvez seja isso que procuro. Apenas esticar minhas pernas no pufe e esquecer... esquecer... Esquecer que existe um vazio tão grande lá fora. Que além da minha janela, não há nada. Apenas um quarto vazio, um luto fechado que temo enfrentar. Sabe Rita, quando papai se foi, Carlos não apareceu. Não sei se foi por covardia, ou porque estava feliz demais nos países árabes para mergulhar na triste realidade de nosso mundo.

Oásis imaginário

Deixa de falácias Neste oásis imaginário Olhar petrificado Folhas mortas caídas na janela Secas Nada a dizer O orgulho de ser sozinho Do sucesso, o desejo De superar, a vontade Nada que venha somar Teu olhar já morto, petrificado Na janela de folhas secas Recorda o que foi ontem E teme o que será amanhã O oásis é dos outros Não teu. Pobre poeta cansado Dores que não matam, mas machucam Dores do medo de não ser o melhor.

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XVII

HOJE QUINTA-FEIRA 03/03/2016 SEGUE O NOSSO FOLHETIM RASGADO COM AS EMOÇÕES DO 17º CAPÍTULO . Capítulo 17 Carlos ensaiou alguns passos na sala imensa, na qual as pessoas se acomodavam em volta de uma mesa de mogno, brilhante. Resvalou os sapatos por um segundo, no piso encerado, equilibrou-se, juntando as mãos e chamou a atenção do grupo que ocupava os lugares. Segurou o braço da irmã pela mão, conduzindo-a ao encontro de Carmem, que foi a primeira a levantar-se, aproximando-se com surpresa facilmente identificada. À Úrsula, custou-lhe reconhecê-la: os olhos pareciam mais abertos do que o habitual, as maçãs do rosto salientes e os lábios extremamente volumosos. O cabelo loiro, num penteado jovial, com fios despontados. _O que houve com você, minha irmã? _Comigo nada! Você é que continua igual, ou melhor, um pouco mais abalada. – responde balançando a cabeça repetidas vezes, como se para ratificar a observação, ao mesmo tempo em que se eximia da crítica. _Você acha que nã