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Crônica sobre o filme Mon Oncle

Esticando um olhar mais aprofundado sobre os hilários e às vezes, patéticos personagens de Meu tio, “Mon Oncle”, com a direção de Jacques Tati (1958), observa-se, numa análise, ainda que de forma despretensiosa, características marcantes de personagens que talvez servissem apenas de contraponto para o desenrolar da trama. Na verdade, todo o conteúdo e análise dos diferentes tipos que tecem a urdidura da história já foram exaustivamente explanados em muitos artigos espalhados na rede ou mesmo publicados em periódicos especializados. Fica-nos, portanto uma pequena abertura, um buraco na fechadura, que em algumas vezes passa desapercebido, mas que ao conduzirmos a linha do olhar até o horizonte, acompanha-se, por certo, a trajetória do fio que enverga e sustenta a pandorga no ar. Falo de Gérard, o filho do casal, que ao lado do tio considerado subversivo aos conceitos da sociedade burguesa, e alienado da comunidade familiar, descobre novos horizontes em sua vida rasteira. Ao reunir-se aos

OS TEXTOS MAIS LIDOS ENTRE 28/06/2015 a 05/07/2015

A seguir os textos mais lidos no período de Em algumas postagens durante o mês, disponibilizarei aqui a relação dos textos mais lidos no período de uma semana ou mesmo no de um mês. Agradeço aos internautas o grande número de acessos que a cada dia aumenta mais a estatística. Fico feliz em saber reconhecido o meu trabalho e deixo aqui o convite para que comentem, na medida do possível, o texto que leram. Aceitarei com carinho as suas críticas. 1º lugar: Metáforas cruéis : desqualificação das mulheres e negros 2º lugar: Não estava lá 3º lugar: O professor e o golpe 4º lugar: Eu e os carros antigos 5º lugar: Desafio : salve as florestas 6º lugar: Então, me explica 7º lugar: Vida empalhada 8º lugar: Saco de plumas 9º lugar: Sorri 10º lugar: A rebeldia dos guris e gurias da LES

Não estava lá

Como não sai de casa, não tive dificuldade em abrir a garagem e me deparar com dezenas de carros impedindo minha saída. Nem chegar ao centro e nas cercanias do porto velho, tentar estacionar exaustivamente e acabar desistindo e ficando tão longe, que o melhor seria ficar em casa. Mas como não sai de casa, não tive a urgência em entrar em filas, pagar contas e ajustar os saldos para desembolsar quantias que talvez precisasse transferir a credores ou a contas de empresas que vendem produtos online. Nem deveria importar-me com as voltas que daria para chegar à padaria ou correr ao supermercado para fazer as últimas compras do dia. Ou quem sabe, me aborreceria alarmado com os preços, acostumado que estava a sorrir com a baixa inflação. Mas como não sai de casa, evitei tudo isso e talvez evitasse olhar para trás e sorrir para um amigo na fila ou mesmo acenar para um colega que me aparecesse na calçada, enquanto esperava o cruzamento das vias proibidas. Ou talvez fosse ao shopping e tomass

Vida empalhada

Não sei se era noite de lua ou escuridão total, nem se as luzes artificiais da rua iluminavam as frestas das persianas. Sabia, no entanto, que suava frio e ouvia os escarros da velha, no quarto contíguo. Puxava um cigarro, certamente, ouvindo vozes, como de hábito. Doía-me sua solidão, suas horas contadas sem futuro. Mesmo que ouvisse suas histórias na infância, não me furtava em ouvi-la ainda hoje, embora desandasse em enfadonha canseira. Não tinha o que fazer com ela, a não ser esperar que se escoassem os dias, as noites, o tempo que lhe restava. Levantei-me devagar e espiei pela porta entreaberta. Estava como eu pensava, mascando aquele cigarro velho, babado, queimando os dedos, do que restava de chama. Aproximei-me, cauteloso, entre as aves empalhadas que simbolizavam a sua mais torpe herança. Avisto-a com pesar. Me parece aflita. Olhou-me por baixo dos olhos quase ocultos nas bolsas enegrecidas. Desviou-os rápido, como se quisesse esquecer de vez, a minha figura. Perguntei por q

Skinheads

Infelizmente, falar-se de skinheads no mundo atual, inclusive no Brasil, é deparar-se com uma maneira de pensar, que está cada dia mais presente nas nossas escolas, no bairro em que moramos, nas festas que comparecemos, até mesmo na própria família. Há endeusamento geral na internet, inclusive homenagens aos integralistas do passado. Os adeptos à ideologia neonazista se proliferam, sem que percebamos a sua presença. Mas basta que fiquemos atentos às investidas nos debates de alguns grupos, ou de pessoas que jamais imaginaríamos ter tais pensamentos reacionários e as surpresas se sucedem. O mundo parece que involuiu, os jovens em vez de avançarem, estão regredindo nos seus conceitos, com idéias cada vez mais retrógradas e conservadoras. Se não, lembremos do caso Geise, a moça de vestido curto que foi ameaçada na Universidade. Não nos cabe aqui julgar se ela queria mesmo ser assediada, se queria aparecer na mídia, se pretendia posar nua e tornar-se mais uma "celebridade" vazia

Desafio : Salve as florestas

O PROFESSOR E O GOLPE

O professor de filosofia observava a pequena multidão que se aglomerava em frente à prefeitura, naquele 31 de março de 64. Percebeu que na sacada, reuniam-se muitos representantes do partido trabalhista. Caixas de som ligadas, microfone instalado e discursos inflamados se seguiam. Havia um burburinho grande e vários carros estacionados próximos à praça. Um dos motoristas ouvia atento, a rádio nacional. As ondas curtas vinham e iam, produzindo ruídos na compreensão das notícias. O professor afastou-se de um grupo mais animado e aproximou-se do motorista que ouvia rádio, percebendo a dificuldade com que tentava assimilar o que ouvia. Mesmo assim, tentou saber se o que tinha apreendido das conversas itinerantes tinham algum fundamento. Conversaram alguns minutos. O assunto não podia ser outro. Brasília estava em pé de guerra e as notícias assinalavam que João Goulart seria deposto. Um dos políticos falava no microfone a altos brados. Parecia antecipar-se aos acontecimentos. O p

Eu e os carros antigos

Tenho esta mania de fotografar carros antigos. Nem é interesse por determinados modelos ou por conhecimento de motores ou marcas importantes. Nem tenho qualquer coleção, mesmo porque é preciso demandar um bom dinheiro para este tipo de hobby. Entretanto, sempre que vou a Montevidéu e noutras cidades do interior do Uruguai, tento fotografar aqueles automóveis datados de épocas tão antigas e que parecem contar muito de seu passado. Fico talvez, na minha posição de escritor, inventando histórias. Mas histórias plausíveis, que talvez fossem tão verdadeiras como se as vivêssemos. Uma lembrança que me vem em momentos, como num déjà vu de algo que nao vivi. Há os que falam em universo paralelo para este tipo de evento, mas evitarei este tema, até por não ter certezas absolutas. Deixo para os pesquisadores e os escritores de ficção científica. Penso, porém naquele carro verde e pequeno da década de 50, que deve ter servido por muitos anos a uma família de imigrantes italianos, que veio se i

METÁFORAS CRUÉIS : desqualificação das mulheres e negros

Certa vez, em uma disciplina de um curso de pós-graduação em linguística, avaliamos uma série de adjetivos ou substantivos adjetivados que soam lisonjeiros para os homens e ao contrário, para as mulheres produziam conotação pejorativa, pois a própria palavra utilizada possui juízo de valor, tanto para um lado quanto para o outro. Estas distorções linguísticas são foco de vários estudos de cursos de pós-graduação e muito bem explanadas em vários artigos. Sabe-se entretanto, que a língua é apenas um instrumento que é fruto da cultura dos cidadãos de um país. Estes adjetivos constituem metáforas que desquafilicam o sujeito feminino e qualificam o masculino. Se não, vejamos alguns exemplos, que foram exaustivamente avaliados em vários trabalhos, mas que cabe aqui, identificá-lo en passant. O adjetivo vadia, para a mulher tem a ver com promiscuidade, assim como vagabunda. No caso do homem, o termo vagabundo ou vadio, tem a abordagem do trabalho, mas pode incluir também um significado p

Registros

Não sou de guardar muitas coisas. Um texto aqui, um chaveiro ali, uma fotografia lá. Há coisas que não se guarda, na verdade, se resguarda do extravio. Há outras que nos parecem uma espécie de registro, uma lembrança de um acontecimento importante em nossas vidas, uma informação do passado, uma memória. Guardo alguns recortes que nunca leio. Fotografias que dificilmente olho. Guardo textos antigos que jamais analiso. Um coisa, tenho certeza, guardo sim e com prazer: cartões do dia dos pais e outros homenageando a minha profissão dados por minha filha, afilhados e sobrinhos. Estes, de vez enquanto, espio agradecido. Observo as letrinhas desenhadas, o jeito despojado de oferecer carinho e mais do que tudo, a espontaneidade do momento. É muito bom. Outras lembranças burocráticas, nem tanto. Em todo caso, há que se guardar. Guardar é esperar que algum dia, se utilize dessas pequenas relíquias para compor uma memória organizada, quem sabe? Uma coisa, tenho certeza, as lembranças de encon

A política e os palpites

Às vezes, me pergunto o que dizer em relação aos inúmeros posts que vejo nas redes sociais, especialmente no facebook. Na verdade, não há muito o que dizer: há a verdade de uns e a verdade de outros. Principalmente, no que se refere à política, as pessoas escolhem seus artigos ou piadas, ou mensagens, de acordo com a sua ideologia política ou mesmo a falta dela. Infelizmente, não há um consenso na maneira de exporem os fatos. Claro que nao vá se esperar que se pense de forma padronizada, mas que se pense observando os dois lados, examinando os vários â ngulos e as diversas hipóteses para os dados. E por fim, deve-se contextualizar o que se afirma. De todo modo, há divergências em todas as discussões, o que é sadio e natural. Entretanto, não se deveria apenas publicar temas que foram interpretados por outrem, manipulados de acordo com a ingerência do interesse pessoal ou institucional. Dever-se-ia pensar no bem comum, na realidade que abarcasse todos os pontos de vista ou pelo menos que

PAREDES APARENTES

Morena, ainda percorro em infinitos passos, cada taco do corredor. Sei que imaginas, mas não sentes o que sinto, nem percebes a aflição. Toco nas paredes, como se me ouvissem, e às vezes, tenho a impressão de que não estão aqui, de verdade. Paredes aparentes que me oprimem, me sufocam como mãos que se torcem e me agarram a garganta. Morena, falta-me o ar. Queria ver-te, bem perto, nem que para apenas receber o beijo frio, molhar minha boca no teu veneno e corromper minhas vísceras. Quisera vender a mobília, cerrar as janelas, impedir o vento que rola as folhas em rodamoinhos de nossa paisagem. Quisera não sentir o bafejo na vidraça, molhando os olhos, nariz e boca no frio do vidro. Preferia fugir e pisar nos insetos que infestam nossas soleiras. Ouço tua voz, teu cheiro, tua presença. Ecoam tuas palavras, às vezes doces, outras, duras, frias, cruéis. Moreno, arrisquei atravessar a lagoa, dei braçadas para vencer as marolas e não alcancei teu amor. Hoje, pra ti não sou nada, carta do

A professora e a biblioteca (Pequeno trecho do romance A barca e a biblioteca)

Corria o ano de 66. O vento do outono alvoroçava o cabelo da professora. Quando lembro dela, imagino-a escrevendo, incessante, na sua casa cheia de livros, cadernos, apontamentos, canetas; a casa parecendo um imenso escritório. Talvez possuísse uma Remington, com as teclas brilhantes, bordando os dedos rápidos, em textos densos, pontuados de perguntas e respostas. Era o jeito dela. Por certo, escreveria assim, extraindo da máquina, além do som metálico, a sua concepção de mundo. Foi ela que me incentivou a visitar a biblioteca pela primeira vez. Certamente, mantinha alguma expectativa em relação ao meu gosto pela leitura, ou talvez, mais do que isso: apresentar-me o livro, como um ente próximo, um amigo, que devesse amar e preservar sua existência, como quem cuida de um ser vivo. Para ela, deveria ser o livro, no seu aspecto físico, o corpo, cujo conteúdo constituía a alma e que servisse de amparo em minhas questões da vida. Ela fora sutil. Conduziu-me como um pagão ao templo. O c

Joyce - Feminina (1980) - Completo/Full Album

http://kbimages.blogspot.com/url-code.jpg A música "Feminina" é citada como analogia em minha crônica sobre as mães. Cito a Joyce no texto "Então, me explica ..."

Então, me explica...

Nem sempre me lembro de ti. Nem sempre me pergunto, porque te foste tão cedo. Nem sempre me envolvo nas histórias que contavas. Nem sempre me enfrento te olhando no espelho. Um espelho que parece muito comigo. Um espelho onde te imagino às vezes, caminhando ao nosso lado pelas ruas quase desertas da cidade, no feriado de Natal. Lembro-te de sapato preto, de verniz, bico de pato e salto fino. Do vestido azul e a bolsa de mão. Mas lembro mais do aconchego de tua mão na minha. Da alegria de meu pai ao teu lado, como um guia, um líder que nos levava à festa dos presentes. Lembro do guaraná, do quindim que sempre nos aguardava no imenso salão do clube. Lembro da expectativa dos prêmios. Dos palhaços, das músicas, dos mágicos. Lembro dos presentes. Uma boneca para minha irmã, um cavalo branco de gesso para mim. Mas lembro especialmente do brilho dos teus olhos, da emoção que passavas, que tornava nossos momentos intensos e felizes. Da alegria que sublinhavas com teu sorriso sincero. Tu er

Análise dos poemas: “Poesia do momento” “Sentir" e “Realidade” da poeta Dalva Leal Martins

As poesias devem ser declamadas, interpretadas. Em geral, é o que se pensa. Pelo menos, eu tenho comigo que são muito mais expressivas as imagens, os sentimentos, as sensações que os versos transmitem, quando os mesmos são lidos em voz alta. Entretanto, há o outro lado, a literatura difundida nas expressões literárias, no sentimento profundo que estimula a imaginação e o pensamento e lendo-se com absoluta atenção, percebemos nas entrelinhas o quanto as sensações podem ser intensas. Os poemas são suaves, leves, atingem devagarinho as nossas percepções sem percebermos, às vezes, o grau de envolvimento. Aos poucos, estamos completamente submetidos à emoção. Assim, aconteceu com a leitura que estou fazendo do livro “Sentimentos da alma: poesias, crônicas, pensamentos”, da poeta Dalva Leal Martins. São histórias que nos transportam a experiências vividas ou imaginadas, a momentos de alegria ou solidão, a sentimentos de busca e encontro. Na “Poesia do Momento” (p.16), observamos, atr

PARA QUEM A PAZ DE CRISTO, NÃO PASSA DE UM CUMPRIMENTO SOCIAL

http://kbimages.blogspot.com/url-code.jpg A paz de Cristo é um cumprimento que ocorre na missa, no momento em que se transmite ao outro, ao fiel que está ao nosso lado, este sentimento de plenitude e paz que Nosso Senhor nos outorgou e que hoje repetimos nos rituais litúrgicos. É um momento lindo, de pureza e afeto, que nos une um pouquinho ao divino e nos deixa mais humanos, mais próximos do outro, mais ligados à fé. Entretanto, às vezes, nem sempre este ato beneplácito é usado de forma natural. Muitas vezes, o cumprimento não passa de uma atitude estereotipada, usada apenas no aspecto social, quase uma obrigação. Nestes momentos, penso que estas pessoas deviam passar longe da igreja, ou caso participem de alguma atividade religiosa, que o façam com dignidade. Se não gostam da pessoa, que permaneçam com seus rancores ocultos, que se afastem e se juntem aos seus pares, mas não utilizem as palavras de Cristo como um modelo artificial, apenas para demonstrar em público, uma educaçã

SORRI

Quando passava rapidamente pelos sebos de revistas, livros e todas quinquilharias, gostava de procurar aqueles discos de vinil antigos principalmente os de coletâneas musicais. Às vezes, nem tão famosas, mas surpreendentes pela qualidade, embora ainda intactas nas caixas. Num desses passeios, percebia que as coisas mudavam de repente, que os vinis não me pareciam o antigo objeto de desejo, que havia outros motivos para os passeios, que nem sabia muito bem definir. Talvez o dia de sol em Porto Alegre, encontro com outros colecionadores e amantes de livros e discos, ou de quaisquer bugigangas que trouxessem um pouco de saudade. Nestes momentos, o mundo não parecia o mesmo, movia-se mais rápido. Com o tempo, percebia que, na verdade, procuramos muitas coisas e nossos desejos de felicidade estão bem escondidos, num lugar quase impenetrável e cada vez que os buscamos, o fosso se alarga e ela se espalha, como mercúrio do termômetro quebrado. Ágil, imperiosa. Às vezes, alegria tra

O OUTRO

http://kbimages.blogspot.com/url-code.jpg Estava assim à procura do tempo e o avistei sozinho. Parado que se encontrava à porta da igreja. Barba longa, desleixo involuntário. Pele escura, encardido. Sol a pino, um boné velho, virado para o lado, uma gosma escorrendo no canto da boca entreaberta com dentes falhados, amarelos, mastigando levemente a vida. Nos olhos, uma fuga estranha, um olhar para dentro, um não sei o que faço, que assustava. Por um momento, senti uma certa náusea. Olhar aquele ser humano, e poder enxergar esta condição, me apavorava. Difícil para qualquer um entender. Difícil pensar no assunto e enfrentar a situação. Aproximei-me com moedas pesadas, ajustadas na palma da mão, mergulhadas que estavam no bolso, escorregadias no tilintar dos dedos. Acho que o assustei, porque me olhou de soslaio, meio apalermado, temendo talvez uma sacudida, um pedido que saísse, ou uma ordem de evacuação do espaço. Que nada. Sorriu ao ver o brilho das moedas, bem maior para os seu