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Mostrando postagens com o rótulo mulher

Dia Internacional da Mulher

Nem sei se a mulher tem muito a comemorar no seu dia, num País como o nosso, em que não se respeitam os direitos humanos, onde há tantos feminicídios, considerados por alguns como vitimização feminina. País, no qual assédios sexuais e morais passam a ser fenômenos comuns numa sociedade machista e patriarcal. Os homens ainda carregam a pecha cultural do machismo e somente aos poucos, haverá uma mudança, desde que se conscientizem da realidade feminina e suas próprias dificuldades, superando assim o retrocesso que ainda vigora no Brasil. De todo modo, as mulheres lutam com bravura e dignidade. Por isso, me solidarizo e as felicito pelo Dia Internacional da Mulher

Os trilhos dos sonhos

Observei os trilhos da velha e desativada ferrovia. Os mourões corroídos, mostrando veios em suas entranhas, com pequenas lascas adormecidas, que aos poucos se desmanchavam sob o sol. Tudo aos poucos se consumia pela ação do tempo. Quem dera, pudéssemos, num passe de mágica, reconstruir a malha ferroviária, restaurar os trilhos reluzentes e seus dormentes com a bitola adequada, permitindo que centenas de trens atravessassem a cidade, encontrando seus destinos e construindo outros, mais longínquos e eficazes. Mas a mágica é só uma ilusão e como tal, apenas ilustra nossos sonhos. . Uma mulher de salto alto, caminha despreocupada por alguns dormentes restantes da velha derrocada. Talvez expresse intimamente a vontade de vivenciar uma história passada, um roteiro que fazia quando criança, ou um encontro que ousasse reviver. Caminha displicente e de vez em quando, se volta, oportunizando em meu olhar também um desejo de descoberta. . O que procura aquela mulher num lugar quase aba

Lascívia

Este conto é um desafio de uma oficina online, sobre a elaboração de um conto erótico com o protagonismo masculino. Carlos estava sentado na poltrona, ao lado da janela, entediado. Quem diria que ficasse assim, depois da reunião com os estagiários e as modelos excitantes que participaram da aula de pintura. Entretanto, nem a aula ou as mulheres faziam-no esquecer o homem que se atravessara na frente do carro, obrigando-o a parar quase em cima da calçada. Por um momento, imaginou tratar-se de um assalto, apesar da aparência de executivo. Mas quem poderia confiar num homem de terno e uma maleta embaixo do braço, hoje em dia? Dera uma desculpa, dizendo-se interessado em saber sobre as suas aulas. Carlos não respondera. Estava irritado demais para explicar qualquer coisa. Levantou-se, pegou um café e voltou a sentar-se, olhando o deserto da rua que se alongava além da vidraça. Não chegava ninguém, era o que pensava. Entretanto, não demorou muito e bateram na porta. Espiou

A roda parou de girar

Um carro quase sobrevoava a calçada. Noite escura. De repente, parou. Um homem de branco desceu, examinou os pneus, deu dois giros em torno e permaneceu quieto, em frente da casa que parecia abandonada. Não fez um gesto. O carro ainda pairava na calçada, a roda traseira no ar, se alguém a empurrasse faria várias voltas. Não havia ninguém. A noite se adiantava e a cidade, naquele bairro, morria. Ele moveu-se um pouco. Faiscou os olhos na luz intensa do celular. Ficou ali, perdido numa mensagem. Em seguida, aproximou-se do muro e encostou-se devagar. Olhou para os lados. Nada. Ninguém se aproximava. Nem um sinal. Nem mesmo a brisa costumeira da cidade litorânea desenhava algum movimento. Tudo parado. Morno. Suspirou, ansioso. Meteu as mãos e o celular nos bolsos. Por um momento, pensou em afastar-se, bater no portão de ferro, chamar alguém. Não teve coragem. Algo o segurava no chão. Um chão bolorento, de musgo e ervas que se erguiam pelas frestas das lajotas. Um chão sujo. Um lu

Pai de menina

Pai é ser paciente, é apoio, é conciliação, é encontro, é busca, é espera, mas é sobretudo presença. Pois, pensando bem, ser pai é passear ao lado do filho pela calçada, sugando o ar da manhã e contando histórias enquanto se encaminha para a escola, é talvez empurrar a bicicleta e soltar antes que a criança pare de pedalar e pense estar ainda apoiada e ao mesmo tempo imaginar que já conduz sozinha, quando o pai ainda segura a bicicleta. Talvez seja também levá-la à praia, conduzi-la ao mar, perpassar as ondas, segurá-la e fingir que aprende a nadar. É ser criança de repente, como ela e fingir que é adulto. Ser pai, talvez seja uma moldura ativa que corre pela cidade, afoita e embriagada de ar puro, quando avista a menina, esperando a foto, na entrada do teatro em que dança, ou na academia, ou na volta do passeio. A moldura que espera a foto para ser personificada e guardada na lembrança. O pai e a bailarina. Ser pai é esperar que as horas passem no vestibular e agradecer a ajuda do

A CASA OBLÍQUA - CAP. XXXIII

Clara examinou os textos, se perguntando porque Dona Luisa nunca se referia ao filho. O que teria havido com a criança? Haveria alguma fato relatado naquelas páginas, que ela ocultou durante tantos anos? Lembrou a chave do cofre. Se ao menos pudesse ir até lá, descobrir o que realmente existe guardado com tanto critério. Entretanto, seria uma temeridade afastar-se do hotel. Precisava acalmar-se e encontrar uma saída. Deveria constituir um advogado para elaborar um hábeas corpus, que possibilitasse a sua liberdade. Por um momento, ela pensou em Nael. Ele estava numa situação mais difícil ainda. Estaria ele pensando nela, com o mesmo carinho que lhe dispensou quando esteve ao seu lado? Não queria voltar a iludir-se como acontecera com Bruno. Não era uma adolescente. Era uma mulher adulta, que sabia o que queria, os seus objetivos na vida. Mas agora, de uma hora para outra, se transformara noutra pessoa: uma mulher frágil, insegura, assustada e ao mesmo tempo, obstinada c

Nunca ao entardecer

Nunca ao entardecer, pensava ela, estirando-se na grama do parque. Olhava para o céu, desconfiada de que choveria. Nuvens corriam, e a impressão é que se chocariam conforme o vento aumentasse. Mas ficava ali, quase adormecida, olhando para o céu. Se pudesse, ficaria até a noite. Mas não arriscaria a vida, num capricho desses. Por certo, seria melhor levantar-se, tirar as folhas das árvores que se grudavam no jeans, olhar para os lados, desapercebida, e seguir em frente. Talvez pegar o metrô, tirar da mochila aquele livro do Sartre e ficar folheando, fingindo que lê. Há tempos faz isso. Pensa que um dia acabará a leitura, mas não acaba nunca. Sartre pensa demais. Nada aproveitável, diria sua avó. O piercing recém colocado causava certa ardência no umbigo. Dava uma leve coceira, também. Nada que fosse levá-la ao desespero. Na verdade, se desesperava por poucas coisas. Ainda bem. Afinal a vida é uma eterna turbulência. Pra que ficar se angustiando. Ouviu o barulho do metrô na est

Os pecados de Xavier

Se ocorresse nos dias atuais, do politicamente correto e do convervadorismo tacanho, por certo Xavier seria taxado de, no mínimo, irresponsável. Lá pelos anos 80, não havia tanta integração entre as pessoas, afinal, não havia internet, muito menos redes sociais. Quem se conhecia, o máximo que gravitava entre os bate-papos era o que se contava à amiúde. As fofocas do alto escalão se deixava às revistas especializadas. Xavier era um cara divertido, no alto de seus quarenta e poucos, com mulher e filho, tinha alguns interesses que desapontavam os amigos mais chegados, mas produzia certa curiosidade em se descobrir os meandros em que os interesses se realizavam. Ele não costumava falar, mas quando encontrava um amigo, exagerava nos detalhes, nos momentos mais impetuosos, aguçando a lascividade intrínsica do ser humano. Ninguém sabia ao certo o que fazia, como eram as suas noites de diversão, principalmente nos fins de semana. Ele, via de regra, voltava ao trabalho numa penúria de

A avalanche de sons

Hugo acordou com um certo zunido nos ouvidos. Na verdade, nem sabia se o ruído vinha de fora ou era um som interno, que não conseguia identificar. Aos poucos, diferentes sons eram ouvidos e tinha a impressão que várias pessoas falavam ao mesmo tempo, bem perto de si, além de outros barulhos. As paredes estalavam, os cabos de luz produziam pequenas alternâncias de ruídos, como movendo-se levemente e até mesmo os plugues das tomadas emitiam sonoridades estranhas. Parece até que borboletas batiam asas próximas ao seu rosto e um cri-cri de grilos se alternava com zumbidos de mosquitos. Estaria sonhando, pensou. Levantou-se rápido e foi até a janela. Viu pequenos agrupamentos de pessoas na calçada e um burburinho intenso, como se estivessem à espera de algum acontecimento grandioso. Puxou os óculos da ponta do nariz e tentou enxergar no outro lado da rua. As sacadas do prédio da frente estavam repletas de homens, mulheres e crianças, todos envolvidos numa balbúrdia animada. At

A GOTA DERRAMOU

Sabia o quanto ainda o esperaria. Guardou os chinelos, desfez-se do roupão e deu uma arrumada na casa. Tinha consigo que precisava cumprir o método. Rotina. Repetida, contínua, perfeita. Não devia se prestar a devaneios, a pensar coisas que não se referissem à família. Bem que pensava em si, às vezes. Pensava numa vida fulgurante, cheia de brilhos, luzes ofuscantes nos olhos cinzentos. Como seus olhos poderiam ter um tom assim? A mãe, via de regra, a chamava de olhos de gato. Achava-a, no fundo, estranha. Mas que fazer, se até sua mãe a criticava com tanta acidez. A vida lhe parecia dura, às vezes. Era uma mulher perfeita: boa mãe, ótima esposa, excelente dona de casa. Não era uma mulher de seu tempo. Não trabalhava fora, como as amigas. Amigas? Muito poucas, aquelas que sobraram dos bancos de escola, das poucas baladas que participara, das noites de verão, quando ficava na casa de uma tia, lá em Florianópolis. Eram dias felizes, em que conhecera rapazes diferentes dos de sua c

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO IV

HOJE TERÇA-FEIRA, 19 DE JANEIRO DE 2016, PUBLICAMOS O QUARTO CAPÍTULO DE NOSSO FOLHETIM. ESPERO QUE GOSTEM E CONTINUEM LENDO A SEQUÊNCIA DOS CAPÍTULOS.A RELAÇÃO DE ÚRSULA E SUSANA, CADA VEZ A COLOCA FRENTE A FRENTE COM SEUS PROBLEMAS E COMO CONSEQUÊNCIA UM APRENDIZADO QUE VAI SE EFETUANDO. CONFLITOS QUE SURGEM E ENFRENTAMENTO COM SEUS MEDOS E ERROS DO PASSADO. UMA HISTÓRIA DE AMIZADE E AFETO. Capítulo 4 Às vezes, me surpreendo pensando em meu pai. Nem sei se em virtude da visita, mas as lembranças me vêem tão nítidas, tão poderosas, que tenho a impressão de experimentar as mesmas sensações daquela época. Esta noite, eu até sonhei, imagine, eu sonhar, eu que permaneço eternamente em minha janela, olhando o mundo, deixando que as coisas aconteçam, esperando que os últimos rumores da noite sosseguem dando lugar ao silêncio perturbador. Você vê, Rita, como são as coisas: fico ouvindo os primeiros gorjeios das aves. Sabe aquela espécie de jacarandá, quase na esquina, defronte à farmácia,

O DOCE BORDADO AZUL - 20º CAPÍTULO

Hoje é quinta-feira. Nosso folhetim continua com o 20º capítulo. Na próxima terça, continuamos na sequência. Espero que gostem! Capítulo XX Os caminhos de Bárbara Bárbara procura por um ponto de táxi, mas parece que tudo fica muito longe naquela rua. Se ao menos tivesse ficado com o telefone do taxista que a trouxera, a estas horas já estaria a caminho de casa. Avista um grupo de pessoas, cujo objetivo provável é esperar algum coletivo, embora não haja nenhuma placa que indique um ponto. Aproxima-se de uma senhora e pergunta se há alguma linha nas redondezas e qual é o destino. Informada de que o fim da linha é a parte velha da cidade, fica aliviada, pois é onde se situa o seu apartamento. Pelo menos, se afastará daquele bairro e pretende não encontrar Lúcia e Laura jamais. A dose já foi alta demais para um só dia. No ônibus, sente-se confortável olhando pela janela. Já não vê a cidade em que se encontra, mas em Minsk, bem longe, onde por algum tempo foi muito feliz. V