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O guri

Quando o vi pequeno e raquítico, não soube executar nenhum gesto. Quando o vi mal abrir os olhos na luz ofuscante da manhã, quase me afastei acovardado. Quando o vi, faminto e maltratado, quase chorei sentado em minha complacência. Então, pedi, suplicante. Não acorda guri, mesmo aqui, sob a marquise nesta calçada suja. Dorme guri, não vale à pena acordar. Dorme e sonha. Com que sonha o guri sozinho, se não uma porção de sorvete e balas de goma? De que vive o guri na rua, se não de sonhos? Terá ainda sonhos, o guri? Tenho eu, empurrando com os pés o saco de latinhas amassadas. Sonhos sinistros e medo de acordar. Medo que ele se aproxime e sua baba, sua fome, sua sede e seus sonhos respinguem em mim. Medo que tenha de enfrentar a dor dos outros, de mastigar sozinho as horas solitárias pelas quais passa, medo de pensar e me sentir menos humano do que ele. Por que levar a comida na geladeira de rua e sair correndo com medo da proximidade? Talvez a pandemia expliq