Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens com o rótulo bicicleta

Quase um arco-íris

Observar as árvores ao longe, o cheiro da grama tão próxima, os raios da roda girando, girando e uma sensação plena de felicidade. Andar, andar, andar. Voltar para a praia, descer na areia, deixar a bicicleta no chão e olhar o céu, apenas o céu. As luzes, aos poucos se dissipando e longe, bem longe, luzes refletidas da lua ou próprias das estrelas, não sei. Um vento, uma brisa, mais aromas. Suaves aromas. Aquele perfume patichouli, pura canabis, que passa nas pernas lentas do menino e se dispersa na areia, em direção ao trapiche. Um perfume suave e profundo. A sensação de que o mundo para, por um segundo, e o céu nem mesmo está tão distante, ao contrário, está aqui, se fundindo com o mar, tão próximo que posso segui-lo. Mas fico aqui, na areia, usufruindo os últimos raios do sol, o crepúsculo que me confunde e anima. A areia é fria e suave, a bicicleta jaz quieta, voltada pra mim, como se me aguardasse, cúmplice. Talvez surja mais alguém neste fim de verão e crianças corram atrás

Um certo despertar

Seguia pela Av. Portugal numa dessas tardes primaveris, um tanto outonais, atualmente. Um pouco de frio, um sol que aquece à tarde e parece indicar uma proximidade real com o verão. Que nada, daqui a pouco, retorna o ciclo de calor e frio. A natureza tem suas regras e talvez uma delas seja apenas nos preparar aos poucos, para a mudança que transcorre lentamente. Mas olhando ao longe, embora de carro, pude ver um céu muito azul, de vez enquanto, entrecortado pelas árvores que se debruçavam distraídas em suas copas pela avenida. Meus olhos acostumados com o nosso céu, no entanto, parecia encontrar nele e naquelas ocorrências de cores, nos caminhos da Cidade Nova, um certo despertar, que há tempos não experimentava. Como se gerasse uma nova era e um vento suave, quase brisa, soprasse devagar novos ares, novas descobertas, novas esperanças. Então, meu coração deu uma sacudida, de leve, delicado com meu corpo há tanto calejado, nestes últimos tempos, com meus olhos sem muita iluminação

Uma saída para o nunca

Todos corríamos pela sala, excitados. Ríamos sem sabermos bem o motivo, talvez impulsionado pela adrenalina de sermos felizes. Quando a professora chegou, o burburinho custou a desfazer-se, até que nossas almas se acomodassem nos corpos agitados. Ela parecia mais severa do que de costume, mas de uma seriedade estranha, como se alguma coisa terrível houvesse acontecido. Os cabelos escondidos atrás de um lenço colorido, preso ao pescoço. Os óculos pesados e embaçados, um certo vermelho nos olhos parecendo conjuntivite. Mas não demos muita importância. Estávamos demasiadamente felizes para nos preocuparmos com a fisionomia de Dona Glória. Ela permaneceu parada num canto da sala, talvez esperando o momento adquado para dar a notícia. Mas que notícia seria tão importante a ponto de nos fazer cúmplices de sua angústia. Alguém gritou do fundo da aula, quase em desafio, perguntando se não teríamos aula, ao que ela, talvez aproveitando a brecha, rapidamente, respondeu que ele esta

Pai na bicicleta: uma acrobacia de alegria

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/bicicleta-sombra-desporto-hispânico-233379/ Houve tempo em que te vi sorrindo, orgulhoso, satisfeito, encontrando nos filhos a certeza inabalável da vida, do se fazer pai e amigo. Houve tempo em que me puseste no colo e abriste a página do jornal, ensinando-me a ler. Ali conheci o valor das palavras, da leitura e mais ainda, o prazer de ser amado e protegido. Houve tempo em que te vi assim, cabisbaixo, olhando pros lados, insatisfeito. Talvez refletisses o que fazer diante dos problemas: da chamada do professor em casa, da briga costurada com o colega, da ordem desobedecida ao cruzar a rua e ver a bola picando, campo à fora, meninos ruidosos, na luta aguerrida do futebol. Sei, que na verdade, me querias na escrivaninha, pequeno troféu, que criaste, mais perto dos estudos e bem distante dos chamados “guris de rua”, daquela época. Benditos guris, nada semelhantes aos de hoje. Houve tempo em que te vi desconfiado com a política, com os

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 6º CAPÍTULO

Capítulo 6 Seu Domingues caminhava devagar, passos miúdos, quase estudados. Olhar absorto, absorvido no nada, quase infinito. Quase falando, quase sorrindo, quase vivendo. Sobreviver? Era esta a ideia? Pois estava ali para ultrapassar os parcos limites de sua existência. Ouvia vozes, sorrisos de crianças, farfalhar de folhas. Outono? Talvez. Ou qualquer estação que trouxesse um pouco de vida, aliada ao sol forte que lhe ardia a testa. Meio dia. Sol a pino. Quem sabe verão? Não. Impossível. Aquele friozinho que já lhe arrepiava os pelos dos braços. Outono chegava. Prenúncio de inverno. Forte, de geada. Crepusculando o mundo soturno do frio. Decadência. Sentou no banco da praça como fazia há quinze anos. Veria por acaso as mesmas pessoas, os mesmos velhos solitários como ele, ali, a jogar dama, espiar as pernas das moças inatingíveis, bisbilhotar a vida alheia. Vida intensa que segue. Pipocar um sorriso aqui, uma lágrima ali, uma vontade de nada, de não saber o quê. Hoje não