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Mostrando postagens com o rótulo Brasil

A bandeira e o eclipse

Minha mãe era muito zelosa com as atribuições da escola. Na primavera de 66, estávamos mais preocupados com o provável eclipse que ocorreria no Brasil, especialmente na região sul, do que outros eventos cotidianos, como por exemplo confecionar bandeiras brasileiras. Eu já tinha tudo pronto em minha mente, usaria uma chapa de raios x para observar o céu, até que o sol desparecesse e a terra se alinhasse com a lua, escurecendo a cidade. No balneário Cassino, no entanto, a situação seria ainda mais eufórica e esperada. Afinal, a Nasa lançaria 14 foguetes na praia com a intenção de investigar o fenômeno. Havia muita gente no Cassino, inclusive mais de 300 cientistas do exterior. Minha mãe, entretanto estava disposta a cumprir a sua tarefa. Levou-me à loja Isaac Woolf e com a paciência das mulheres em escolher tons para os tecidos, permanecemos na loja mais de uma hora. Eram matizes que não acabavam mais. Tons que iam do verde escuro ao mais claro, azul que deveria compor um cé

Os dez países com mais leituras em outubro de 2017

1. Brasil 2. Estados Unidos 3. Rússia 4. Alemanha 5. Ucrânia 6. Irlanda 7. Portugal 8. Romênia 9. França 10. Polônia

Triste Brasil

Lendo uma das citações de Bertold Brecht, o dramaturgo alemão do século XX, cujos trabalhos artísticos e teóricos influenciaram o teatro contemporâneo, percebemos que seus pensamentos são tão universais e de nosso tempo, que parecem vaticinar o que viria acontecer no futuro. Senão, vejamos suas palavras: "Nada é impossível de mudar.Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar." Observamos, portanto, que este pensamento se encaixa na situação que estamos vivendo, de arbitrariedade e golpe na democracia. Pense bem, desconfie do "simplinho", do falso humilde que vota pela pátria, pela democracia, pelo amor a Deus e à família. Sabemos que não vivemos num

Onde chegará o homem?

Não gosto de comentar notícias policiais, muito menos ficar dissecando as informações, investindo em cada detalhe e transformar o fato numa dramaturgia barata. Mas às vezes, a realidade dura nos obriga a pelo menos refletir e sofrer as consequências da falta de humanidade. O bebê baleado no útero da mãe e que não resistiu e acabou morrendo, em Caxias, na Baixada Fluminense vai contra qualquer percepção de realidade, como se o surrealismo ou a ficção concentrasse seus valores em nossa realidade. Como não se comover, como não sentir na pele o arrepio da dor e do medo ao assistir um fato tão doloroso. Isso apenas citando dois fatos, embora ocorram diariamente todos os tipos de assassinatos e perdas terríveis ao povo brasileiro. Como acreditar na humanidade e imaginar que ainda há futuro? Quando vemos nossos filhos longe, ficamos com o coração na mão e quando estão perto permanecem em total abandono, porque as balas perdidas não são excessões, ao contrário, são a regra em muitos recanto

O menino e o livro

O menino punha as mãos nas páginas devagar. Escorregava os dedos e percebia que além do som e do movimento, havia alguma coisa ali que o prendia. O menino sabia que era o conteúdo. Mas como conhecer o que está escrito, sem decifrar os códigos. E quais são os códigos? As letras, os sons, os fonemas. Conhecia pouco de tudo isso: uma sílaba aqui, uma letra dali e formava-se a palavra e de palavra em palavra, descobria o mistério. O menino era sábio. Percebia que tudo é uma coisa só: leitor, leitura, autor, ideias. Tudo vem na mesma viagem. O trem carrega o texto e o texto carrega o trem. Assim a trajetória se forma. O livro é como o trem, matutava o menino, assim repleto de gente, de mercadorias, de cargas que vão de um lugar para o outro. Todos têm importância no caminho. A leitura é isso. Por isso, foi criado o dia nacional do livro, 29 de outubro, quando Portugal disponibilizou grande acervo da Real Biblioteca para a nossa biblioteca, aqui no Brasil. O menino des

APRESENTAÇÃO E SINOPSE DO ROMANCE “O DOCE BORDADO AZUL” PUBLICADO ÀS TERÇAS E QUINTAS NO BLOG

Todas as terças feiras e quintas publico neste blog um ou dois capítulos em sequência do romance “O doce bordado azul “, de minha autoria. É um romance de 30 capítulos, os quais pretendo postar até o início do mês de dezembro, deste ano. Este romance foi uma tentativa de representar a alma feminina, o que foi bem difícil para mim, através de mulheres com histórias e perspectivas bem diferentes entre si. Começo com a protagonista Lúcia, que tem uma relação quase simbiótica com a mãe, ao mesmo tempo que se acha superior em suas atitudes, podendo inclusive manipulá-la, mas na verdade, o contrário ocorre, pois Laura, a mãe, parece ter ferramentas bem mais sedimentadas em sua mente perturbada. Compondo o universo feminino, temos Bárbara, a bailarina que volta de Minsk, a capital da Bielorrússia, cujo marido morrera num trágico acidente. Lá, morando num condomínio ocupado pelos foragidos do desastre nuclear de Chernobyl, onde criaram um bairro com vários prédios de apartamentos, e

O DOCE BORDADO AZUL - 4º CAPÍTULO

Todas as terças-feiras e quintas publicarei capítulos em sequência do romance "O doce bordado azul". A seguir o 4º capítulo Capítulo IV Adágio Naquele momento, nem o escasso sol em Minsk, produzia algum indício de esperança para Bárbara. Tão inóspita quanto o clima era a sua alma perturbada e triste. Voltar para casa sozinha, sem o aconchego do parceiro, trazia-lhe à alma um vazio urgente, que seus olhos revelavam, assim perdidos na vidraça do táxi. Registrada na retina, ainda alguns poucos amigos se despedindo, falando entre si a tragédia inesperada, um zum-zum dos alunos que se espalhava, vozes abafadas comentando num linguajar alterado e despretensioso, como se ela não pudesse decifrar. O pouco que conhecia da língua russa, permitia-lhe entender o que comentavam. Observou que o taxista falava sobre a proximidade do verão, mas não comentou nada. Deixou-se ficar quieta, quase imóvel. O homem a fitou pelo retrovisor e calou-se, também pensativo. Quando chegou no quar

REFUGIADOS EM SEUS SONHOS

Nem que se diga, que lhes faltou o peito, nem que a fome durou; nem que se saiba que a vida é árdua e a escola seja talvez o único acesso à dignidade. Nem que os pais não lhes provejam o amor ou que o abandono se torne perene. As crianças deveriam sempre vencer as dificuldades, sobreviver e se tornarem homens e mulheres mais fortes e guerreiros. No entanto, às vezes, o homem no seu poder canhestro e torpe, investe na vida dos povos, interferindo em sua trajetória. E o poder se revela na intolerância religiosa, na ganância dos modelos econômicos, no imperialismo dos governos. Gostaria de falar de nossas crianças em seu dia, de seus sorrisos, suas procuras pelo abraço e carinho, seus encontros e descobertas. Mas como esquecer as que aparecem em nossos monitores diariamente, pedindo socorro ou registrando a sua falência. Como esquecer entre tantas, a menina praticante de Candomblé que foi agredida na escola, vítima de preconceito religioso, por outras de sua idade, que

Não se preocupem com a relação copa – eleição

Não se preocupem com a relação copa – eleição A copa só teve influência no moral dos brasileiros, em 1970, porque o Brasil era um país de esquecidos. O povo não era nada, não votava, não elegia, não falava, era amordaçado. Mas precisava ser feliz. Era necessário que transbordasse de alegria e acreditasse que tudo estava maravilhoso. Era um país de faz de conta e nada melhor para ocultar nos porões, a   extrema miséria que grassava, a derrocada da cidadania, a morte da liberdade. Nada melhor do que mostrar a todo mundo que éramos um povo feliz, um povo que tinha o melhor futebol do mundo, que conseguira assistir ao vivo pela tv, ao lado da novela Irmãos Coragem que dava 100 pontos de audiência à Globo, a mantenedora cúmplice do status quo de nossa vida política. Neste quesito, a mídia foi talentosa:   realçava a nossa alegria, o   nosso viver bem, embora milhares de pessoas morressem de fome e estivéssemos criando uma dívida pública estratosférica, com uma rodovia