Como falar dos dias tranquilos e ensolarados do outono, das tarde agradáveis e noites frias. Como falar das folhas amarelando pátios, calçadas e ruas? Como falar das aves que se apropriam dos espaços agora um tanto vazios e se mostram encantadas e encantando na sua beleza natural e avidez de liberdade e alimento? Como falar do vento que cria e recria dunas, que as destrói e reconstrói, que as troca de lugar e potencializa caminhos, às vezes mais arenosos, às vezes mais úmidos pela água do mar. Como falar das pequenas flores que se erguem submissas ao vento, calmas entre as depressões ali mesmo nos cômoros quase ondulantes? Como falar das ondas do mar, que se ajustam ao entardecer conservando vagas platinadas, quase translúcidas num avantajado azul? Como falar das gaivotas que riscam o céu, tão próximo ao mar que quase o tocamos, esticando o braço, esperando o pousar entre o céu e a mão nas garras molhadas e o bico salgado da pesca habitual. Como falar da lua que surge lenta e cordial, aparecendo de improviso neste céu quase tocado, compartilhando os raios fugidios do sol. Como falar da natureza que nos agracia com os sabores, perfumes, visões, imagens, cores e beleza? Como não falar dos homens e mulheres, cujas lágrimas se esvaem em súplicas, medos, dores e desesperança? Como não falar dos corpos que se amontoam numa guerra cujos generais salvaguardados em seus vis propósitos genocidas, se fartam e se empanturram em desejos de morte? Como não falar do número devastador de vidas perdidas diariamente numa pandemia cujo elemento principal é o negacionismo, o confronto com a ciência e o interesse perdulário das religiões? Como calar neste outono sinistro, onde parte da natureza se decompõe como traste sem serventia? Como se a vida nada mais importasse? Como calar ante o genocídio de um governo criminoso? Como calar e consentir na insanidade, sem se sentir culpado pelo silêncio? Como calar ante a dor de milhares de pessoas que não tiveram a chance de sobreviver, nem ao menos de procurarem ajuda? Como calar ante a dor da miséria, das crianças que morrem de fome, de ilusão, de sonhos? Dos adultos desnorteados ante a impotência? Como calar? Não. Não posso calar. A ferida é cruel e fere como fogo.
A ferida se alastra pelo País. A ferida vai muito além de nossa realidade. A ferida é. Está. Permanece. E não há quem a cure. Por mais que a natureza se esforce todo o dia renascer em sua beleza, há uma parte da natureza que agoniza e morre. Morre com ela o silêncio. Morre com ela, a beleza. Morre com ela o renascer, o reviver, o recriar, porque a morte é absoluta. Então, como falar na natureza e calar nesta parte que se consome e se destrói diariamente. Não. Não posso calar.
Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/photos/outdoor-grama-verão-campo-3202494/
A ferida se alastra pelo País. A ferida vai muito além de nossa realidade. A ferida é. Está. Permanece. E não há quem a cure. Por mais que a natureza se esforce todo o dia renascer em sua beleza, há uma parte da natureza que agoniza e morre. Morre com ela o silêncio. Morre com ela, a beleza. Morre com ela o renascer, o reviver, o recriar, porque a morte é absoluta. Então, como falar na natureza e calar nesta parte que se consome e se destrói diariamente. Não. Não posso calar.
Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/photos/outdoor-grama-verão-campo-3202494/
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