O homem sonhou que atravessava a lagoa e de repente, o barco parou bem no centro, entre as ilhas e o cais, como se fosse uma imposição dos dias atuais.
Não, não era na direção de São José do Norte, nem na direção do centro da cidade, por ali, perto do mercado público. Na verdade, era um pouco mais longe, lá pelas bandas do bosque. E o cais, que ele chamava, não passava das margens arenosas que cercavam seu quintal aramado. Estava lá, entre dois pontos. A referência da margem da casa e a ilha defronte. Talvez fosse Porto do Reino, pensou. Não, ele não pensou, ele sabia.
Ficou ali parado, pensativo, sem qualquer reação. Nada que fizesse, produzia algum movimento no barco. Motor estagnado.
E as águas também não fluíam, como o tempo. Tudo parado, quieto. Estranho. Mas estava vivo. Talvez tivesse uma iluminação, pensou, embora soubesse que era um sonho. Ele estava dentro do sonho e não conseguia acordar, mas sabia que estava dormindo.
O céu parecia aproximar-se do barco, trazendo um foco de luz que brilhava ante seus olhos, agora um tanto aflitos. Ficaria eternamente ali, naquela posição?
De repente, um pequeno movimento. Um barco que se deslocava da margem, ao longe, lá, naquela região, um tanto escura. Também vinha outro da margem oposta, bem em sua direção, tal como o primeiro, como se houvessem combinado entre si.
O homem olhava para os lados, apreensivo. A luz na sua fronte aumentava e uns pequenos raios teciam arcos-íris nas leves ondas em formação. Sim, porque tudo agora se mexia lentamente.
De repente, outros barcos foram surgindo do nada e aos poucos, se cruzavam como se estivessem numa procissão esperando a santa padroeira. E no movimento dos barcos, o barco do homem começou a se mover também, embora sem sair do lugar. Apenas o movimento resultante dos demais. E vários foram tomando conta e chegando perto, cada vez mais perto, até emparelharem com o dele e fazendo uma aglomeração de barcos enfileirados.
Quem os visse através da visão de um drone, por certo achariam interessante aquele cenário.
O homem compreendeu então que sua missão chegara, enfim, e ele começou a rezar e a agradecer a presença dos barqueiros. Todos abaixavam a cabeça quando ele, sem perceber que tinha uma ótima oratória, fazia um discurso convincente e produtivo. Só então percebeu que naquele barco sozinho e triste, havia luz e esperança. E agora, que estavam todos juntos, a luz diminuía aos poucos e uma neblina surgia, assim como nuvens escuras toldavam o céu. E ele nunca mais viu aos que se referia. Do sonho? Entubado, nunca mais acordou.
Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/photos/pôr-do-sol-oceano-barco-humano-mar-3689760/
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