Sentei-me sob a sombra de um ipê de minha rua. Um ipê roxo, altaneiro, elegante, agora com poucas folhas e ramagens. Um ipê que sofre o processo do inverno e como tal, se recolhe à seiva mantenedora, abrigando-se e perdendo aos poucos as flores, as folhas e alguns ramos. Espera resignado a primavera. Por certo, observa o sol alongado no céu, enfraquecido e distante.
À noite, espera a lua que às vezes, se some, esquecida entre nuvens e neblinas, trazendo mais escuridão.
O que pensará o ipê de minha rua, se todas as coisas são assim, se sempre foram as mesmas, as temperaturas frias, os ventos que oscilam seus galhos, as noites cada vez mais longas. Talvez alguns pássaros comentem: esta noite não acaba mais. Talvez ele ouça sussurros, arrepios de frio, penas ao vento, brisas inesperadas vindas sabe lá de onde, provavelmente do mar. Talvez ele espere os dias maiores, as manhãs aconchegantes, o sol mais forte, as brotos surgindo, as flores antecipando a primavera e os ventos fortes trazendo os pólens. Outros pássaros, outros sons, outros sussurros, outras vozes.
Mas tudo não é a mesma coisa? As noites, os dias não se sucedem iguais? Se o ipê de minha rua pensasse, se é que não pensa, por certo diria: não! Nem tudo é igual, nem tudo soma, nem tudo evolui, nem todos os sons são claros e vibrantes, nem todas as sombras são as mesmas das árvores, nem o vento sibila do mesmo jeito.
Há algo diferente, algo que o ipê não sabe. Nem o homem comum, o transeunte, o atarefado do dia a dia. Talvez os cientistas saibam, talvez os pensadores, os filósofos, os educadores, os que pensam a vida e o País saibam. Aquela sombra do ipê, aquele dia ensolarado, aquele frio intenso nunca mais será o mesmo, porque a lâmina que decepa cabeças pensantes atua precisa e tal como o ipê, seus pares nunca mais serão os mesmos.
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