Que quisera eu agora? Que quisera saber do mar, das ondas que rebuliçam no cais, nos degraus que servem de apoio aos homens que chegam com mais facilidade em suas embarcações? Que me importam as oferendas com quindins, algumas velas e garrafas de aguardente? Talvez elas digam alguma coisa a quem procura afeto e fé. Não sei.
Mas, e as vísceras de peixe atiradas nas águas, como se fosse a regra, livrar-se do entulho que deveria ir para o lixo orgânico?
Que quisera saber dos pensamentos, dos desejos, das buscas e sonhos dos que jazem por ali, sentados atrás de colunas ou postes fumando um baseado e olhando perdidos para a lagoa. O que buscam em seus sonhos se é que os tem?
O que importam os gritos da mulher que vende balas ou doces ou pastéis, ou quaisquer outros alimentos, enquanto se sente de algum modo ultrajada pelas cobranças dos vendedores estabelecidos, bem a sua frente?
Que importa a maré de pessoas que descem da lancha e se dispersam rumo às casas, lojas, talvez bancos ou bares. Quem sabe, levam consigo a brisa da qual fizeram parte na lancha, ou a dispersam pela bruma que as apascenta.
Que importam os meninos que se agrupam junto ao cais, na brecha dos guardas municipais, para mergulharem, talvez na única praia em que são valorizados. Uma praia que não é praia, apenas aventura na lagoa e exibição de corpos e potências, força, vitalidade e luta pela sobrevivência do orgulho! Para quem tem tão pouco, talvez.
Por outro lado, olhar para o homem de saias, patético e triste, não pela maneira de se vestir, mas pela deterioração da lucidez que aos poucos desaparece. Pior ainda, observar os risos, as palavras de baixo calão, o olhar acusador de quem julga o que o seu interior experimenta.
Por outro lado, perceber o motorista irritado, na picape destinada ao campo e ao off road, com grandes motores a diesel e tração 4x4, entretanto preferida pelos citadinos em plenas ruas centrais, ocupando o espaço de dois carros de passeio. Daí a sua indignação e protesto junto a pedestres desavisados, bicicletas ao deus-dará e motos enviesando-se entre os contornos engarrafados das ruas estreitas.
Como me preocupar com estas desavenças e desconfortos sob todos os sentidos, se não há guarida entre as os sentimentos plenos do interesse comum, do direito do cidadão, da educação e a sensibilidade em se reportar ao que se aprendeu na infância e se carregou para toda a vida: respeito e gratidão.
Quisera não me importar com tudo isso, mas na verdade, há muito mais a refletir no que vejo e sinto, provavelmente uma onda que se alastra de longe e não é de agora, mas que se pronuncia com muita força, pensando que é dona do mundo. Talvez sim, aquele mundo em que todos aqueles que citei no início sejam alijados deste contexto atual.
Comentários