A história trata dos vários olhares do homem em consonância com o seu cotidiano, alicerçado nos valores que concebe para a sua vida. É a trajetória de um homem que aos poucos vai conhecendo a verdadeira história de seu pai e o quanto ela ainda o influencia nos dias atuais, forçado de certa forma, a recorrer ao passado e reconhecer nele um caminho novo, de liberdade e orgulho, que não identificava antes. Uma história que vai modificar e completar a sua. Com o conhecimento destas vivências, cresce como ser humano.
Tudo começa nos anos sessenta, cuja curiosidade infantil o impulsiona a conhecer determinados documentos estranhos que parecem comprometer o seu pai, e que tanto o angustiavam pelo forte conteúdo político que continham. Ao mesmo tempo vivia a sua vida infantil, confrontando a fantasia de aventurar-se na barca á beira do cais, sempre impedido pela mão forte do pai, ao mesmo tempo, que por outros caminhos, imergia no mundo sagrado da biblioteca, batizado que fôra nas letras, podendo singrar os mares tal como os navegadores antigos, sem que houvesse qualquer intervenção. Aqui ocorre a metáfora da barca que não ousara entrar, mas que se materializava no ambiente dos livros.
Em meio a tudo isso, há a luta política do pai, como voluntário no movimento da legalidade, quando Brizola instalava a rádio nos porões do Palácio. Em decorrência destas atitudes, fôra perseguido, considerado comunista e torturado, a partir da derrocada da liberdade pelo advento da ditadura.
Na fase adulta, envolvido no mistério dos documentos secretos do pai, onde se misturam personagens que gravitam em torno deste mesmo mistério, na trama que ocorre no cenário de uma biblioteca, chegando ao ápice, a partir de um crime, ele descobre finalmente o grande legado que o pai lhe deixara: a liberdade de escolha calcada na sabedoria da tolerância.
Os documentos nada mais significavam do que o ideário de libertação do jugo da tirania e da intolerância. Nesta atmosfera misturam-se sentimentos muito fortes, mas bem distantes dos relacionamentos idealizados de sua infância.
O romance transcorre em flashback, apresentando o protagonista, César, um bibliotecário, cuja trama tem como cenário a biblioteca, a partir de uns registros antigos, documentos confidenciais que são imputados ao pai, deflagrando o conflito.
Neste ambiente, destacam-se colegas e alguns amigos. Pessoas que trabalham na biblioteca e uma gama de pessoas que interagem no ambiente das diversas maneiras. Bibliotecários que odeiam leitores, restauradores estranhos e perigosos, estagiárias que ocultam segredos, convergindo todos para a mesma finalidade: desmascarar César, descobrir o seu passado ou negociar a sua própria sobrevivência no local de trabalho.
Em meio ou alheio a tudo, o amor na maturidade. Em suas lembranças, César volta ao passado e neste retorno, passa a desvendar também o presente. O passado é rico em imagens ternas, como da professora dedicada e solícita, o tio experiente e misterioso, a tia e a mãe envoltas em suas pequenas necessidades, entre as conversas sobre algum ponto de bordado ou as radionovelas, até que suas vidas se transformem, como a do velho professor que organizara a biblioteca comunitária do bairro, atingida pela intransigência do regime de exceção que alastrava suas várias formas de poder.
Um mundo em que havia o boteco do Seu Matias, o menino topetudo que atendia no balcão, o japonês da caminhonete azul, o amor da adolescência, tudo mesclado ao ambiente em que se usava o talco Ross, o creme dental Philips, o pó Cashmere Bouquet, ou se vestia a calça de tergal, com o friso passado a ferro e o sapato de verniz, ou se lia os gibis do Bolinha, a Revista Cruzeiro, ou mesmo se encantava com o Sinca Tufão Presidence.
Comentários