Clarice disse certa vez que não fazia concessões. E realmente, observa-se pela sua obra, que a literatura ali transparece crua, verdadeira e até cruel, personificada na realidade e nos cenários nos quais os personagens orbitam.
Ela tem uma postura de enfrentamento, de destemor do que diz, do que passa ao leitor. A vida é que importa, porque segundo dizia, tudo que doía em si, era verdade, a vida para ela era como um soco que a tirava do prumo, do eixo e a transformava. Então, queria que doesse também no leitor.
Toda a transformação é sofrida, é difícil, de muito trabalho. Nada ocorre de maneira simples e suave. Ela era a “anti-ajuda”, no sentido de passar a mão na cabeça e sugerir que tudo vai passar, não, a ajuda dela se dá noutro nível, no nível do enfrentamento, do mostrar a realidade doída e verdadeira, da profundidade do sentimento, do fazer-se melhor através da mudança, tanto no aspecto do conteúdo quanto do afeto.
Na verdade, aquilo que toca, que faz doer, não é necessariamente na ordem do aprazível, nem na ordem do imaginário do bem.
Não somente o indivíduo , mas a sociedade, um embate em que há uma relação de você com você mesmo, você conflita com você. Qual seria a graça, se isso não acontecesse? Ninguém tem certezas absolutas, ao contrário, tem-se ambiguidades nas posições e procedimentos.
Clarice trabalha uma literatura soturna e ambígua, na própria enunciação, no próprio modo de dizer. Ela provoca o sentido e o não-sentido. Somente a verdade dura, ambígua e verdadeira ecoa no fundo.
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