Pular para o conteúdo principal

Literatura aliada

A literatura é conceituada e avaliada em seus aspectos estilísticos, estéticos, filosóficos e sociais. Aqui, no entanto, falo da literatura como uma aliada, uma companheira que exerce um papel fundamental na vida das pessoas.

Mesmo que não percebamos, é através da literatura, que mostramos o que somos, o que queremos da vida, o que sonhamos. Sabemos que a literatura é uma manifestação artística e para muitos escritores, ela se esgota nesta proposta. Para outros, porém dos quais eu me incluo, a literatura deve ser um registro da realidade que recria, como uma tentativa constante de transformação do mundo em que vivemos.

Na minha opinião ela só tem verdadeira importância, se for crivada dos anseios de seu povo, se tiver um viés político. O mínimo que se espera é que haja, em alguma medida, o pensamento crítico sendo colocado em jogo, sendo trabalhado e compartilhado.

A arte da escrita não é puramente estética. A despeito do que escrevemos, haverá sempre a intencionalidade do autor com a conexão do mundo real, da sociedade e também com o seu mundo interior, moldado em suas experiências e apreensão da vida. Faz-se política em qualquer gesto e tenho comigo que este brado deve corresponder ao clamor das minorias, dos excluídos, dos que não tem os privilégios, dos trabalhadores invisíveis.

Acho que o homem é o algoz do próprio homem e a literatura está aí, para redimir esta sequela humana, para transformar o bruto, no belo, no artístico, no lírico, no imponderável, mas acima de tudo, mostrar que o rústico, o pobre, o ausente das benesses é tão intenso e dramático e pertencem ao mesmo mundo em que vivemos. Basta olhar para o lado.

Não me interessa uma literatura calada, amordaçada, padronizada no senso comum, amarrada apenas à lógica literária e aos padrões estilísticos e de gênero. Interessa-me a literatura que não se cala às adversidades, aos desmandos, às ditaduras, à mídia manipulada e manipuladora.

Interessa-me uma literatura que mostra o seu povo, que enaltece a sua linguagem e que acima de tudo, produza a reflexão. E que por fim, seja, além de tudo puramente literatura, na qual a emoção e o sonho se completem no lirismo e na beleza. Acho, inclusive que o autor é um ser dividido e complexo, como todo ser humano, mas que ao refletir sobre isso, extravasa sua emoção e sentimentos no seu ofício e talvez sofra com essa dicotomia.

O poema “Traduzir-se” de Ferreira Gullar, musicado por Chico Buarque, exemplifica bem esta singularidade do escritor, quando diz:

“Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão.

Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira.

Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem.

Traduzir-se uma parte na outra parte – que é uma questão de vida ou morte – será arte?”

Fonte: Kalsgirl do link: https://pixabay.com/pt/users/kasgirl-1427481/

Comentários

PULICAÇÕES MAIS VISITADAS

Estranha obsessão : um filme de muitas perguntas e poucas respostas

Estranha obsessão (2011), ( pode haver alguns "spoilers" ) em francês “Le femme du Vème” ou em inglês “ The woman in the fifth” é uma produção franco-polonesa, dirigida por Pawet Pawlikowski. Ethan Hawke e Kristin Scott Thomas formam o estranho par romântico na trama de mistério. O protagonista é Tom Richs (Ethan Hawke), um escritor norte-americano que se muda para Paris, para se aproximar de sua filha. Já em Paris, depois de ser roubado, se hospeda em um hotel barato. Numa livraria, é convidado para uma festa, onde conhece uma viúva de um escritor húngaro (Kristin Scott Thomas), tradutora de livros, com a qual mantém um romance. Por outro lado, mantém um romance no hotel, com uma linda polonesa (Joanna Kulig, atriz polonesa). Por fim, é acusado de suspeito por um crime, pois seu vizinho de quarto é assassinado. Para livrar-se da acusação, tem como álibi o encontro com a viúva, em sua casa, porém, a polícia descobre que a mulher havia cometido suicídio em 1991. Mas toda es

Trabalho voluntário no Hospital Psiquiátrico: uma provocação para a vida

Participávamos de um grupo de jovens religiosos, no início da década de 80. Era um grupo incomum, porque embora ligado à igreja católica, recebia participantes sem religião definida, sendo um deles, inclusive, espírita. Formava um caldo interessante, porque os argumentos, ainda que às vezes, estéreis, produziam alguns encaminhamentos para discussão. Era realmente um agrupo eclético e ecumênico. A linha que nos norteava era a solidariedade com o próximo. Queríamos inconscientemente modificar o mundo, pelo menos minorar o sofrimento dos que estavam a nossa volta. Diversos temas vinham à pauta, tais como moradores de vilas pobres, desempregados, idosos do asilo, crianças sem acesso a brinquedos ou lazer. Era uma pauta bem extensa, mas houve um tema que foi sugerido por mim. Tratava-se de algum tipo de trabalho com os pacientes do hospital psiquiátrico. Houve de imediato, uma certa aversão e pânico pelos integrantes do grupo. Classificavam os transtornos mentais a partir da ag

Lascívia

Este conto é um desafio de uma oficina online, sobre a elaboração de um conto erótico com o protagonismo masculino. Carlos estava sentado na poltrona, ao lado da janela, entediado. Quem diria que ficasse assim, depois da reunião com os estagiários e as modelos excitantes que participaram da aula de pintura. Entretanto, nem a aula ou as mulheres faziam-no esquecer o homem que se atravessara na frente do carro, obrigando-o a parar quase em cima da calçada. Por um momento, imaginou tratar-se de um assalto, apesar da aparência de executivo. Mas quem poderia confiar num homem de terno e uma maleta embaixo do braço, hoje em dia? Dera uma desculpa, dizendo-se interessado em saber sobre as suas aulas. Carlos não respondera. Estava irritado demais para explicar qualquer coisa. Levantou-se, pegou um café e voltou a sentar-se, olhando o deserto da rua que se alongava além da vidraça. Não chegava ninguém, era o que pensava. Entretanto, não demorou muito e bateram na porta. Espiou