Um carro quase sobrevoava a calçada. Noite escura. De repente, parou. Um homem de branco desceu, examinou os pneus, deu dois giros em torno e permaneceu quieto, em frente da casa que parecia abandonada. Não fez um gesto. O carro ainda pairava na calçada, a roda traseira no ar, se alguém a empurrasse faria várias voltas.
Não havia ninguém. A noite se adiantava e a cidade, naquele bairro, morria. Ele moveu-se um pouco. Faiscou os olhos na luz intensa do celular. Ficou ali, perdido numa mensagem. Em seguida, aproximou-se do muro e encostou-se devagar.
Olhou para os lados. Nada. Ninguém se aproximava. Nem um sinal. Nem mesmo a brisa costumeira da cidade litorânea desenhava algum movimento. Tudo parado. Morno. Suspirou, ansioso. Meteu as mãos e o celular nos bolsos.
Por um momento, pensou em afastar-se, bater no portão de ferro, chamar alguém. Não teve coragem. Algo o segurava no chão. Um chão bolorento, de musgo e ervas que se erguiam pelas frestas das lajotas. Um chão sujo. Um lugar sem qualquer cuidado. Mas estava ali. Precisava fazer o negócio. Não tinha como fugir, desistir. Tinha se aconselhado há muito tempo com sua consciência e ela lhe dissera que era o melhor a fazer.
Por que ficar assim, agora, tão intimidado? Que droga de conhecimento que se tem de si mesmo, se de um momento para o outro, tudo parece desandar e toda aquela certeza se esvai.
Estava com muita vontade de fugir, sim. É verdade. Mas ficaria ali até a solução.
Todos os momentos em que a encontrou pensou que fosse passar apenas alguns segundos.
Nada que o fizesse permanecer por tanto tempo, ouvindo histórias que jamais esquecera e que eram repetidas sempre, com a mesma tenacidade e vigor.
Tinha vontade de sair. Dizer adeus. Um adeus para sempre. Um adeus para que ficasse marcada em sua vida. Para que o esquecesse.
Mas neste momento, tudo parecia diferente, a ponto de não reconhecer o local em que passara tanto tempo de sua vida.
Voltou para o carro e percebeu que a roda parou de girar, mas era como se aquele transtorno pusesse em cheque o seu desejo.
Deveria retirar o veículo, tentar estacioná-lo um pouco mais à direita, quem sabe na esquina, mas não tomava qualquer atitude. Tudo naquele cenário conspirava contra o bom senso.
Sentiu que o celular estremecia no bolso, sinal de que a mensagem tivera retorno. Retirou-o devagar, temeroso. Afinal, foram tantos pedidos, tantas súplicas para que a coisa fosse retomada da forma como ficara, que agora perdera todas as esperanças.
A mensagem era sucinta. A brevidade não fazia parte das atitudes dela, mas por certo, se espelhara nele mesmo, em suas respostas ágeis, rápidas e breves. Em sua mania de negociar, de colocar tudo sob um pedestal de valores. Talvez apenas indicasse um caminho, nada mais. Era só o que precisava naquele instante.
Olhou para cima, doeu-lhe a pupila que se dilatava na luz artificial da noite.
Uma janela se abria, lá no alto, ele tinha certeza. Deveria entrar. Por que não lera a mensagem? Por que não decifrara o que havia ali, digitado em códigos internetês?
Foi neste momento de dúvida, que percebeu o farol de um carro em sua direção, como se fosse subir a calçada, tal como ele o fizera. Cantando pneu, parou bem ao seu lado, no meio-fio.
Um homem descera e se aproximara dele de modo arrogante, como se o conhecesse. Afastou-se em direção ao portão, mas ele o chamou, como se o conhecesse também e perguntou se ele pretendia entrar na casa, se tinha a chave, se sabia quem morava ali. O homem voltou-se, deu um meio sorriso irônico e não disse nada. Ao contrário, afastou-se assegurando-se de alguma mensagem no celular, como a única desculpa para o silêncio. O outro, no entanto, insistiu. Ele então, o encarou com frieza:
— Vou onde você pretende ir.
— Como sabe?
— Porque sei que espera por Susi. Eu sou o agenciador dela, o proxeneta, o cafetão, o que você quiser chamar. Mas me dê um tempo, que logo, logo, ela será toda sua.
— Mas ela…
— Eu sei quem ela é, mas agora Susi é do mundo - e rindo - e de você também.
Dizendo isso, afastou-se entrando no velho portão de ferro e desaparecendo no quintal escuro.
Ele então voltou para o seu carro, aproximou-se devagar e deixou-se ficar quieto, sem tomar nenhuma atitude. Tinha só vontade de voltar para casa deitar a cabeça no travesseiro e ficar à espera.
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