Não sabia o que fazer. Lambuzava-se com a salada. Um olhar no celular, outro no painel do voo.
Não sabe por quanto tempo ficou ali, parado, meio perdido, preocupado em mudar a situação. Seu terno era surrado e as meias balançavam nos tornozelos. Andara muito.
A cidade plana e quente e seca. Brasília era assim. Incomodava. Incomodava a beleza e a feiura da imensidão.
Doía-lhe as costas. Esticou-se, pediu um café. Voltou a sentar-se no banco alto do bar.
Pessoas passavam com suas malas gigantescas. Tinha a impressão que levavam o mundo. Foi só uma impressão, pois seus pensamentos voltaram a voar para o problema. Olhou para o alto, esfregou os pulsos. Sentiu um leve calafrio, como um desandar da pressão, um mal-estar da comida, um temor de altura.
O café apareceu na mesa através de uma mão branca, um meio sorriso, um afastar-se rápido na direção oposta. Quis dizer qualquer coisa: um obrigado, talvez. Não pode. A moça sumiu como desapareceu de sua imagem o que restava dela: a mão branca, as veias azuis e o café preto, borbulhante. Tomou o café, na esperança de ter um up no ânimo. Mas deixou-se ficar ali, alisando o cartão de crédito no granito do balcão. Por um momento, olhou-se na pedra brilhante. Seu rosto contorcido, fundo de colher, como num espelho de circo. Um cheiro de álcool passava entre seus dedos. A limpeza constante do bar, o esfregar de lá pra cá, como se o estivessem correndo dali. Tomou o último gole de café. Voltou para o celular. Abriu o tablet.
Por um momento, teve um pensamento estranho: se abandonasse o local, se deixasse o aeroporto e voltasse para o hotel. Não tinha nada a perder quanto às finanças. Tinha tudo emocionalmente. A casa, o lar, a vida que construíra, tudo estava tão longe, distante de seu controle. Via naquela moldura embrumada a mulher desenvolta nas atitudes cotidianas, levar a filha na escola, deixar com a babá, voltar para o trabalho. Via-a sorrindo com as colegas, enfeitando a escola para a copa, fazendo o artesanato das crianças, voltando para casa. Via-a agir, assumir, viver. Ele ali, parado e aquela neblina envolvendo tudo, o retrato ficando longe, cada vez mais, e as nuvens tomando conta. Tudo parecia passado, embora tão presentes em sua mente.
A garçonete perguntou alguma coisa. Ele nem ouviu ou se ouviu, fingiu que não. Mesmo assim perguntou se o aeroporto tinha wi-fi. Pergunta boba, mas necessária naquele momento. Precisava dizer alguma coisa e era o que lhe vinha à cabeça. Guardou o tablet na mochila, sem usá-lo. Guardou também o celular no bolso do paletó. Sentia um suor escorrer testa afora e parar na boca. Sentiu o gosto salgado e não fez nada para evitar. Alguma coisa mais forte o mantinha preso àquele lugar. Levantou os olhos na direção das luzes neon do bar e ficou imaginando as letras coloridas da escola. Certamente aquelas que sua filha decorava e enfeitava o caderno. O pequeno caderno colorido, com mais desenhos e ilustrações do que texto. Era o caderno de sua filha. Que estaria fazendo ela, aquela hora?
Então, voltou-se para o painel novamente. As linhas mexiam-se rápidas no seu astigmatismo. Tinha quase certeza de que era o seu vôo. Correu em direção ao painel para ver de perto. Um aviãozinho circulava pelo céu de Brasília. Ele não estava lá.
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