Pular para o conteúdo principal

O detetive e a cerveja alemã

Samuel Smart era o nome dele. Dizia-se detetive particular e tinha tanto sigilo, que temia que o chamassem de detetive. Certa vez, estávamos num bar tomando umas cervejas e o chamamos, mas ele nem nos olhou. Ficamos nos perguntando o que estava acontecendo , eu e outro amigo que comemorávamos qualquer coisa, como o início do verão, ou apenas o simples motivo de nos reunirmos.

Afinal, Samuel Smart era nosso conhecido há muito tempo, não que tivéssemos uma amizade mais próxima com ele, mas a intimidade se dava devido à pequena distância de seu escritório como o nosso trabalho. Às vezes, o encontrávamos ali mesmo, no bar, com uma história capciosa, mas aquele dia, especialmente ele nao queria a nossa presença.

Tempo depois, voltou assoberbado e até ofegante, passando por nós e evitando conversa. Não deu outra: resolvemos tirar a limpo o que estava acontecendo. Levantamos da mesa e fomos ao seu encontro. Samuel disfarçava, olhava enviesado para os lados, procurando não dar na vista. Insistimos, queríamos saber o que estava acontecendo.

Ele então confirmou, irritado:

— Eu estava numa campanha, numa investigação importante, entende? E vocês começaram a me chamar por detetive, estavam colocando tudo a perder! Não podia responder.

— Mas qual era o caso? – Perguntei displicente.

— Como assim? Acha que não tenho sigilo com os meus clientes?

— Ah, você sempre dá uma dica. – Acrescentou o meu amigo, que a estas alturas estava um pouco alto. Insistiu com Samuel. – Você até contou que tava perseguindo uma mulher que traía o marido e que era ...

—Cala a boca, você quer me prejudicar?

Eu então fiz o convite crucial. Perguntei se não queria sentar a nossa mesa. Ele foi definitivo:

— Quando estou a trabalho, não bebo.

— Mas você já não terminou a investigação?

— To no processo, você sabe. A coisa não acontece assim, de uma hora pra outra, não é tão simples assim.

O meu amigo perguntou, irônico:

— E você não tem medo de ser capado por algum marido descoberto?

— Não diga bobagens. O cara fica tão desesperado que quer fugir e esquecer até que eu existo!

Decidi encurtar o caso. Melhor era voltar para a nossa beberagem e curtir o fim do dia. Perguntei pra Samuel:

— Você viu a nova cerveja alemã que tá no mercado? Viu a data, você que sabe tudo, grande detetive.

— Você está me zoando.

— Sério. É de 1945. Já tomou? Olha o selo na garrafa.

Samuel aproximou-se do balcão, examinou bem a garrafa, passou a mão pelo rótulo, pela tampa, tentou decifrar o que dizia em alemão e concluiu:

— Não tem importância a data.

— E por que não? – Perguntei, intrigado.

— Porque deve ter outra fresquinha aí dentro. Essa já tomaram naquela época.

Comentários

PULICAÇÕES MAIS VISITADAS

Estranha obsessão : um filme de muitas perguntas e poucas respostas

Estranha obsessão (2011), ( pode haver alguns "spoilers" ) em francês “Le femme du Vème” ou em inglês “ The woman in the fifth” é uma produção franco-polonesa, dirigida por Pawet Pawlikowski. Ethan Hawke e Kristin Scott Thomas formam o estranho par romântico na trama de mistério. O protagonista é Tom Richs (Ethan Hawke), um escritor norte-americano que se muda para Paris, para se aproximar de sua filha. Já em Paris, depois de ser roubado, se hospeda em um hotel barato. Numa livraria, é convidado para uma festa, onde conhece uma viúva de um escritor húngaro (Kristin Scott Thomas), tradutora de livros, com a qual mantém um romance. Por outro lado, mantém um romance no hotel, com uma linda polonesa (Joanna Kulig, atriz polonesa). Por fim, é acusado de suspeito por um crime, pois seu vizinho de quarto é assassinado. Para livrar-se da acusação, tem como álibi o encontro com a viúva, em sua casa, porém, a polícia descobre que a mulher havia cometido suicídio em 1991. Mas toda es

Trabalho voluntário no Hospital Psiquiátrico: uma provocação para a vida

Participávamos de um grupo de jovens religiosos, no início da década de 80. Era um grupo incomum, porque embora ligado à igreja católica, recebia participantes sem religião definida, sendo um deles, inclusive, espírita. Formava um caldo interessante, porque os argumentos, ainda que às vezes, estéreis, produziam alguns encaminhamentos para discussão. Era realmente um agrupo eclético e ecumênico. A linha que nos norteava era a solidariedade com o próximo. Queríamos inconscientemente modificar o mundo, pelo menos minorar o sofrimento dos que estavam a nossa volta. Diversos temas vinham à pauta, tais como moradores de vilas pobres, desempregados, idosos do asilo, crianças sem acesso a brinquedos ou lazer. Era uma pauta bem extensa, mas houve um tema que foi sugerido por mim. Tratava-se de algum tipo de trabalho com os pacientes do hospital psiquiátrico. Houve de imediato, uma certa aversão e pânico pelos integrantes do grupo. Classificavam os transtornos mentais a partir da ag

Lascívia

Este conto é um desafio de uma oficina online, sobre a elaboração de um conto erótico com o protagonismo masculino. Carlos estava sentado na poltrona, ao lado da janela, entediado. Quem diria que ficasse assim, depois da reunião com os estagiários e as modelos excitantes que participaram da aula de pintura. Entretanto, nem a aula ou as mulheres faziam-no esquecer o homem que se atravessara na frente do carro, obrigando-o a parar quase em cima da calçada. Por um momento, imaginou tratar-se de um assalto, apesar da aparência de executivo. Mas quem poderia confiar num homem de terno e uma maleta embaixo do braço, hoje em dia? Dera uma desculpa, dizendo-se interessado em saber sobre as suas aulas. Carlos não respondera. Estava irritado demais para explicar qualquer coisa. Levantou-se, pegou um café e voltou a sentar-se, olhando o deserto da rua que se alongava além da vidraça. Não chegava ninguém, era o que pensava. Entretanto, não demorou muito e bateram na porta. Espiou