Depois da conversa que tiveram, Santa convencera Sandoval a contratar um advogado para defender os filhos. Estava apavorada com o que poderia acontecer. Se eles estiveram lá e a polícia já tinha alguns dados, como as placas dos carros, então poderiam ser suspeitos.
Mas o pior estava por vir, Alfredo fora considerado suspeito, porque além da prova material de que estivera na cena do crime, embora não houvesse provas digitais e ele não tivesse negado de ter ido até a casa de Fernando, havia porém a prova física que era a lente de contato que puderam constatar ser realmente sua.
Além disso, havia o celular, e as várias conversas com Fernando. O delegado queria saber qual era o motivo das conversas. Depois de muitos interrogatórios, ele acabou sendo preso.
Alfredo parece afastar-se de tudo que o cerca. Por um momento, lembra dos passeios que fazia com as crianças, quando pequeno, nos dias de pequenique. Lembrava da mãe e aquele sentimento de melancolia o seguia pela vida afora. Seus olhos pairam no desconhecido, lembrando o acontecimento, sem perceber que o observam.
Quando o dia deu sinais de mudanças no clima, as crianças já estavam a bordo do pequeno ônibus que as levava para casa. Todas se divertiam e procuravam imaginar as coisas mais estapafúrdias para entreterem uma as outras, ou a si mesmas.
Uma delas, porém parecia distante; olhar perdido nas montanhas que rodeavam a estrada, pensamentos instigantes sobre si ou sobre a família. A família praticamente se reduzia à mãe.
Via-a caminhando pela casa, atravessando quartos, espiando janelas, esfregando as mãos. Nervosa.
Por certo o esperava, ansiosa, no umbral da porta.
Alfredo ouvia seu coração taciturno bater forte, perguntando-se por que sofria, porque não vivia o mesmo dia alegre e descomprometido dos demais. Ele era desse jeito. Não tinha como fugir.
Enquanto os demais se divertiam, ele sofria como se houvesse uma culpa interna, por ter deixado a mãe esperando-o, sozinha, enquanto se divertia com os demais.
Na verdade, a diversão era interrompida, pelo seu pensamento melancólico.
E seu passado parecia ser uma escalada de momentos sombrios, como o único prazer que tivera ao lado de outra pessoa, quando ainda adolescente, tentara viver o que a vida lhe oferecia.
Um lado impróprio para as pessoas, para a família e principalmente para a mãe, que abortava qualquer sentimento, que significasse uma inversão de valores, segundo o que pensava. Também lhe vinham à mente, aquelas imagens.
A carta que enviara ao amigo, o desejo de vê-lo e de livrar-se de sua companhia para sempre, como se devesse afastar de sua vida um prazer que não devia existir.
“Quem sabe me deixasses aqui, entre estas paredes vazias, tao brancas, descoloridas, que parecem um simbolo do infinito, um infinito descorado e triste. Alguma coisa como bruma de Londres evocada nos filmes antigos, aqueles em que costumávamos ver, em preto e branco. Pareces disposto a a apagar cada gesto, cada registro, cada vestígio dos momentos juntos. Não me procuras e sei o motivo. Por certo o vão que ficou entre nossos sentimentos já foram abarrotados de outras imagens da digital em que sinalizas com teu dedo fino. Quisera estar ai, contigo, mas estou só. Nada a fazer, a não ser procurar o pouco de ar que vem da rua. Uma rua funesta, cheia de gases e sombras antigas. Mas te espero e não vai demorar muito que este esperar também se apaga. Também morre aos poucos, como o desejo de te ver.”.
Assim absorto, assim triste, fora chamado a atenção pelo advogado.
– Desculpe senhor Alfredo, mas precisamos refletir sobre o que aconteceu. Parece que o senhor está muito distante.
– É verdade. A vida tem me pregado peças terríveis, dr. Tavares.
– Mas tudo pode ser resolvido. A solução é nos focarmos no problema de frente. O senhor tem que se conscientizar de que precisa me contar tudo.
– Mas eu não tenho o que dizer.
– Desculpe, sr. Alfredo, mas acho que há muito o que dizer e precisa confiar em mim. O senhor poderia começar com as conversas no celular que tivera com o morto.
– Mas ali, não há nada demais. Apenas alguns contatos.
– Há uma coisa que o senhor não sabe, mas que está nas maos da polícia. Certamente, eles irão chamá-lo novamente para explicar-se.
– Como assim? Que gravação?
– Eu ainda não tive acesso, mas logo terei. Mas me parece grave. O tal Fernando parece que queria se garantir contra uma presumível prisão, sei lá, já que ele estava na condicional.
– E o que ele dissera nesta gravação.
– Não sabemos, mas o delegado afirmou que se trata de algo grave que lhe diz respeito. Parece um plano que vocês teriam e ele fez este depoimento para livrar-se da culpa sozinho. Só não sei ainda do que se trata, por isso, o senhor deve me esclarecer tudo, para que possa ajudá-lo.
Alfredo empalidece, lembrando do plano para sequestrar o pai. Fica em silêncio, sem saber se deve confiar no advogado. Está cada vez mais enrolado.
– Então, senhor Alfredo, o que tem a dizer sobre isso?
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