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A fotografia da vida de Santa - CAP. 21

Nosso folhetim dramático e exagerado é publicado às terças-feiras e aos sábados. A seguir mais um capítulo, agora nos capítulos finais, no qual os desfechos aos poucos vão acontecendo. Boa diversão!

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/chá-preto-e-branco-bule-de-chá-1001654/

Capítulo 21

Santa desliga o celular e se surpreende com a visita de Letícia. A filha dificilmente apareceria, a menos que fosse chamada para algum encontro de família, como no caso das reuniões que aconteceram há pouco. De todo modo, estava feliz com a presença da filha, embora a achasse um pouco estranha. Leticia tomava chá ao seu lado, na varanda que desembocava num jardim enorme, do qual se avistava algumas montanhas. O por do sol ficava muito bonito, naquela região.

Santa observa a filha com carinho e mostra-se afável. Percebe, no entanto um certo desconforto, que não caracteriza a personalidade de Letícia, afinal sempre categórica e arrogante.

– Fico muito contente que você tenha vindo, Letícia. Anda sempre tão ocupada com o seu serviço, não consegue encontrar um tempo para nada a não ser o seu escritório e o tribunal.

– Não é tanto assim, mamãe. Na verdade, ando um pouco preocupada, com vocês dois: Você e papai.

– Seu pai está bem. Não se queixou mais de nada.

– Mas e você, com aquela história de dividir o patrimônio, de manter aquelas condições absurdas. Estas coisas ainda estão em pé?

– Claro, Letícia. Foi uma missão que recebi de Nossa Senhora e não posso me furtar a obedecê-la. Ela quer o bem das pessoas, a união da família.

– Mamãe, não acha que está exagerando?

– Nós já conversamos sobre isso, Letícia. Tivemos uma reunião para discutir. Para mim, é assunto encerrado.

– Mas Linda me disse que a senhora não anda nada bem.

– Como assim?

– A senhora anda nervosa, esquecendo de coisas importantes, parece que anda alheia a tudo que acontece em casa.

– Esta Linda está me saindo pior do que a encomenda. Mas você acredita nela ou em mim, Letícia?

– Em você, mamãe, é claro. Mas ao mesmo tempo, acho tudo um absurdo. A senhora acha que porque uma bússola emperrou virada não sei pra onde, e a partir de tudo isso, resolveu mandar nas nossas vidas, nós temos que fazer o que quer?

– Minha filha, eu fui bem clara. Contei-lhe sobre o que aconteceu, falei sobre a ilha isolada com a qual eu terei que participar de sua vida, de sua gente, de me transformar numa parceira e utilizar a parte de meu patrimônio para ajudar aquela gente. E se for o caso, ir embora desta casa para sempre.

– Como pode pensar neste absurdo! A senhora parece não estar bem da cabeça!

– É o que querem imputar em mim, uma loucura, não é isso?

– Eu não disse isso, mamãe.

– O que importa, agora? Você não acha que é muito fácil fazer o que eu peço, o que a Virgem me ditou? No seu caso, seria o privilégio da maternidade, terem um filho e se tornarem mais religiosos. O que isto tem de mal, meu Deus?

– Tem que ninguém pode dispor da vida das pessoas assim, de uma hora para outra.

– Mas eu dei um tempo, seis meses. É só ter um pouco de paciência e boa vontade.

– Acha que isso é honesto, mamãe? Dividir a nossa fortuna, o nosso patrimônio em prol de uma causa que nem sabemos muito bem do que se trata. Essa gente dessa ilha, acha que poderá fazer alguma coisa por eles?

– O bispo Martim vai me ajudar.

– O bispo Martim é um canalha. Teve até um caso com a mãe de meu pai.

– Foram coisas do passado e uma das condições, você sabe, era ele contar para a família e se redimir.

– São todos uns hipócritas!Basta abrir o jogo, se confessarem uns aos outros e tudo fica muito bem. O Ricardo andava me traindo, era isso que ficou bem claro na reunião e eu tenho que aturar! Mas ele se alinha com o que penso, ou cai fora.

– E você, o que pretende fazer Letícia?

– Eu vim aqui pedir-lhe que desista desta loucura, mamãe.

– Não posso, minha filha. E saiba, que estou tendo oposição em muitos setores desta casa. Muita gente está contra mim.

– É claro, imagine Tavinho querer levar uma vida regrada, mudar de curso ou coisa parecida. E o próprio Alfredo, acha que ele vai casar algum dia? Ponha na sua cabeça de uma vez por todas, Alfredo é gay, ele jamais casaria com uma mulher, está me entendendo? A senhora não pode obrigá-lo a isso!

– Por que não? Por que não satisfazer a Virgem?

– Porque é desumano, mamãe!

– Então me diga, a reunião que esteve com seu pai não foi desumana? Por que não me convidaram? E Linda, naquela desfaçatez, você acha que ela não está contra mim e em conluio com o seu pai? Sabe o que eles querem que aconteça, que eu seja dada como louca e fiquem com toda a fortuna. Todos vocês!

– Mamãe, a senhora está sendo injusta. Meu pai está preocupado com a senhora. É verdade que a senhora tem proporcionado dúvidas, porque as coisas que diz, que pensa não apropriadas, pense bem.

– São de uma pessoa louca, é isso.

– Não foi isso que quis dizer.

– Mas foi o que pensou, porque é mais fácil acreditar que eu seja louca, do que ter fé, acreditar que eu vi a Virgem se materializar aqui, na minha casa e apontar a bússola para aquela região, aquele povo. Ela só quer o bem de todos e a verdade.Bastam que aceitem se confessarem e mudar de vida, só isso.

– Só uma coisa eu não entendo nesta história toda.

– A que você se refere.

–À presença de Linda, que a senhora tanto insistiu para que ela participasse da reunião. Agora diz que ela está em conluio com o meu pai. Por que a presença dessa mulher era tão importante na nossa reunião? Já bastava o chato do bispo Martim, ainda tinha Linda. Por que mamãe?

– Seu pai não explicou para vocês? Não, ele não teve coragem, é claro. Decidiu ir por outro caminho mais fácil, insinuando que eu havia enlouquecido.

– Então me fale, me diga a verdade. Eu quero estar ao seu lado, eu quero ouvi-la.

– Temos um jardineiro nesta casa, que foi trazido por Linda para trabalhar aqui. Até poucos dias atrás, morava com ela, naquela casa dos fundos, mas agora se mudou para uma antiga casa onde morava antigamente, antes de ser preso.

– O que? Tem um presidiário que trabalha aqui?

– Na verdade, ele está em licença condicional, pois já tem direito, ficou preso durante cinco anos e teve bom comportamento.

– Mas isto é uma verdadeira catástrofe, um ex-presidiário trabalhando nesta casa.

– Pois bem, ele é sobrinho de Linda. Informe-se mais sobre ela, converse com ele, convide seus irmãos a fazê-lo, de repente descobrem mais coisas do que eu. Mas olhe, ele apesar de tudo, é um bom rapaz, eu até o contratei para ajudar-me.

– Ajudá-la? Um bandido!

– Fernando não é um bandido, Letícia. Ele é um homem que teve alguns percalços, andou com maus elementos, mas quer se redimir. Ela vai ajudar-me a descobrir tudo o que estão tramando sobre mim. Se você não acredita, procure informar-se. Fale com Tavinho, quem sabe, ele tem outras ideias.

Letícia fica calada. Talvez sua mãe esteja inventando toda aquela história e sua insanidade esteja aumentando a cada dia. Mas ainda havia alguma coisa dúbia nisso tudo, a presença de Linda na reunião, a qual ela não informara o motivo.

– E quanto à presença de Linda, você ainda não esclareceu.

– Pois bem, já que seu pai não lhe disse, nem aos seus irmãos, eu vou contar-lhe agora. Isso fazia parte de uma das condições e Linda, que fora minha empregada e amiga por tanto tempo, tinha que desabafar, redimir-se também do erro e contar a todos a verdade. Também seu pai seria desmascarado e a verdade seria completa, para ambos os lados.

– Não estou entendendo nada.

– Linda teve um filho com seu pai.

– O que? Só faltava essa! Meu pai, com aquela mulher? Não pode ser mamãe, não pode ser!

– E eu fico me perguntando, se os dois não querem ficar juntos e por isso a solução seria me porem a escanteio. Você não pensa assim, Letícia?

– Eu não sei o que pensar, mamãe, agora não sei de nada. Tenho vontade de encontrar aquela mulher e quebrar as fuças dela!

– Não, na verdade precisamos examinar todos os lados. Saber se ela está unida a Sandoval, ou se está planejando sozinha ou se ele tem os seus próprios planos. Mas desconfio de que um está contra o outro, embora fingindo que possuem o mesmo objetivo.

– E você descobriu alguma coisa?

– Descobri. No dia da reunião de vocês, eu pedi a Linda que gravasse toda a discussão atrás da cortina, mas ela disse que não havia conseguido, que tinha se enganado ou coisa parecida. Mas eu descobri que havia gravado tudo.

– E como, a senhora pegou o celular dela?

– Não, ela enviou a gravação por mensagem para uma amiga, uma mulher que a acompanha na igreja, sempre que vai ao rosário. Eu a procurei e pedi o celular, o qual entregaria mais tarde. É uma senhora simples, que não entende muito da coisa. Foi fácil conseguir.

– Mas como soube que estava com ela?

– No dia da reunião, fui à igeja, lembra? Sentei-me ao lado dessa senhora, chama-se Lúcia e percebi que ela recebia uma mensagem intermitente. Ela não entendia nada, eu então tentei ajudá-la. Era a gravação na íntegra de Linda.

– E ela, o que fez?

– Nada, deu-me o celular para que eu passasse a gravação para o meu. Entreguei-a depois, dizendo que não era nada demais. Apenas uma mensagem de Linda.

– E Linda, não descobriu nada?

– Acredito que não. Esta senhora é muito atrapalhada nestas tecnologias, com certeza nem tocou no assunto. Entregou a gravação para Linda e ficou nisso mesmo.

– Então, o que faremos mamãe, eu estou apavorada com tudo isso.

– Eu dei a sugestão de vocês procurarem este rapaz, ele sabe muito mais do que parece. Não vá sozinha, convença o Tavinho, que é muito mais atilado para estas coisas.

– E sua situação com papai, como está?

– Distante, cada vez pior. Nós quase não nos vemos, ele passa o dia fora. Acho que além da empresa, ele vai para as rodadas de jogos. Mas tudo bem, as minhas condições foram dadas e não voltarei atrás. Agora me diga, Letícia, você acredita em sua mãe? Acha ainda que sou uma maluca, uma alucinada?

– Não sei de nada, mamãe, não quero me precipitar, mas tenha certeza de que o que me disse, me balançou bastante. Vou falar com Tavinho sim, quem sabe, a gente descobre mais coisas sobre esta mulher e a põe no olho da rua!

Neste momento, Linda bate à porta, perguntando se precisam de mais chá. Letícia a olha com frieza. Ela continua, sorridente.

– Fico tão feliz que minha amiga não esteja sozinha. Ela anda tão solitária, ultimamente.

– Linda, limite-se a servir o chá. Deixe que eu cuide da solidão de mamãe.

– Eu pensei que poderia ajudá-la, Dona Santa tem tido umas crises bem difíceis.

– De que está falando, Linda? – pergunta Santa, intrigada.

–Não me leve a mal, Dona Santa, mas é que nós já conversamos sobre isso, lembra?

– Não, não lembro de nada.

– É verdade, aí é que está o problema.

– Linda, não tenho paciência para papo fora de hora. Quero conversar com minha mãe, por favor, se você nos der licença.

Linda retira-se, piscando o olha para Santa, com certa cumplicidade. Santa suspira, desolada.

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