Nosso folhetim dramático encaminha-se para os últimos capítulos. A seguir o capítulo 18, mas logo, logo chegaremos ao desfecho final.
As cores estavam esmaecidas. Paredes descascadas, velhas. Quando ele entrou e avistou a cena melancólica sentiu as pernas estremecerem e um rubor estranho percorrer-lhe o rosto. Aquele cheiro de coisa velha, mofada, o ar sofrido que o envolvia. Deu meia volta, pensando em fugir, mas desistiu. Parou na porta, segurando o marco, talvez para evitar afastar-se de vez. Seus olhos estavam perdidos. Não queria ver aquela coisa dissoluta que se transformara a sua casa. A sua vida, o seu passado.
Entrou devagar atravessando a sala em direção ao corredor que desembocava numa área que outrora fora verde. Quem sabe, respiraria melhor, ali. Seu coração estava agitado. Suas mãos suavam.
Procurou por alguma coisa no quarto. Sim, o quarto, antes de chegar a área. Era o seu quarto.
Aproximou-se da cama, deitou-se e ficou olhando para o teto. Estava tudo sujo, com teias de aranha e um cheiro de mofo que exalava dos cantos úmidos.
As palavras de Santa ainda martelavam em sua cabeça. Sabia que precisava ficar de um lado e estava com muitas dúvidas.
Fernando recostou-se na cabeceira e segurou a cabeça com as mãos. Por que sofria tanto, afinal a tia não significava muito para ele, a não ser que o havia ajudado a trabalhar naquela casa. Fizera-lhe um bem, é verdade, mas estava sempre ao seu encalço, rondando com uma certa ameaça, dizendo-lhe que um dia precisaria dele e que não poderia falhar. Se não a ajudasse, muito mais do que perder o emprego, seria perder a liberdade.
Na verdade, ela o usava, mas deixava o barco correr. Não podia fazer nada mesmo, estava bem daquele jeito. Tinha um trabalho, ninguém o incomodava.
Mas agora, havia aquele segredo que ele sabia e que talvez pudesse livrá-lo de seu jugo.
Por outro lado, teria de ajudar a patroa e fazer o que lhe pedira. Tinha que pensar.
Fazia tempo que não dormia naquela casa, que um dia fora de sua família e que agora estava abandonada.
Fazia tempo que não retornava ao seu quarto, às suas coisas, que deixara para trás, quando fora preso.
Ele agora senta-se na cama e revira as gavetas do criado mudo. Uma série de papéis, documentos, bulas de remédio. Talvez ainda houvesse alguma droga, mas não era isso que precisava naquele momento.
Levanta-se então e procura numa cômoda, abre várias gavetas e numa delas, encontra um embrulho com um elástico envolvendo-o.
Abre-o devagar, pensativo. Sabe do que se trata. Rasga o papel e retira uma arma, examina-a, engata o silenciador e fica apontando-a na direção da janela. Talvez precise usá-la.
Atira-se na cama novamente, e aponta várias vezes para o teto.
De repente, seus olhos se anuviam e sente uma forte raiva por Linda, ao mesmo tempo em que detesta Santa.
Afinal, as duas estão manipulando-o para conseguir os seus objetivos. O que ele nem desconfiava é que a tia tivera um filho no passado com o patrão. Onde estaria este rapaz?
O celular dá um alarme do whatsApp. Desbloqueia rapidamente a tela e vê a imagem de Alfredo surgir instantânea.
Pensa se deve responder-lhe. Fica em silêncio.
Em seguida, decide tomar a iniciativa que vinha protelando. Responde a mensagem. Alguns segundos depois, ele informa o endereço.
Solta o celular ali mesmo, na cama e sorri.
Quem sabe, as coisas podem melhorar para o seu lado, pensa.
Há tempos, o filho de dona Santa o olha de um modo estranho que parece convidá-lo a alguma coisa proibida.
Ao mesmo tempo em que se aproxima, também se afasta e o deixa entre os jardins, como se fosse um acessório que devesse observar e talvez achar bonito.
Algumas vezes, trocaram algumas palavras, nada demais, mas percebia em seu olhar uma intensidade que produzia muitas interrogações, nunca respondidas. Quem sabe, estava na hora de descobrir e encontrar um caminho para a sua vida que não estava nada tranquila, ultimamente.
Fernando já estava pensando em ir embora, quando tocaram a campainha.
Foi até a porta da frente e abriu-a para Alfredo, que o olhava angustiado.
Convidou-o a entrar, mas Alfredo exitava, dizendo que estava confuso e talvez fosse melhor conversarem noutro lugar.
— Mas qual é o problema? Esta casa era de meus pais, eu morei muito tempo aqui, agora estava abandonada e estou decidido a vir para cá. Por que você não quer entrar?
— Não é isso, quero dizer. Acho que deveríamos sair para um lugar público. Quem sabe, tomarmos uma cerveja.
— Do que é que você tem medo?
Alfredo olhou para os lados. Na esquina, um homem parecia observá-lo, caminhando pela calçada e voltando para o que ele supunha ser uma farmácia. Tudo, no entanto, parecia deserto.
— Eu não tenho medo de nada. É que nós nos vemos na casa de minha mãe, trocamos uma ou duas palavras, aliás, pouco vou lá.
— Mas então, o que você quer de mim?
Alfredo estremece. Olha novamente para esquina e observa que o homem se afastou em definitivo. Prossegue, ansioso:
— Você sabe, conversar um pouco. Mas acho que me enganei, forcei a barra com você, me desculpe, acho que fui longe demais.
— Não, espere, onde quer ir? Eu vou com você.
Alfredo se surpreende e responde, um pouco mais calmo:
— Estou com o carro aí na frente.
Fernando responde que é só o tempo de fechar a casa. Ao entrar, reflete no encontro que tivera com Santa e agora enfrenta o filho.
Sorri. Parece que a família está fechando o cerco.
Devem ter bons motivos para procurá-lo, principalmente Alfredo, pensa irônico.
Guarda a arma no bolso da calça e após fechar a casa, corre na direção do carro.
Alfredo o espera, sorrindo.
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